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JUAREZ APARECIDO COSTA

SALVAÇÃO E COMPORTAMENTO MORAL.


Um estudo dos modelos de discurso teológico moral das Igrejas
Assembléia de Deus tradicional e Assembléia de Deus Betesda

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO


2004
3

JUAREZ APARECIDO COSTA

SALVAÇÃO E COMPORTAMENTO MORAL.


Um estudo dos modelos de discurso teológico moral das Igrejas
Assembléia de Deus tradicional e Assembléia de Deus Betesda

Dissertação apresentada à Banca


Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência parcial
para obtenção do título de MESTRE em
Ciências da Religião, sob a orientação do Prof.,
Doutor Jung Mo Sung.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO


2004
4

Comissão Examinadora

__________________________________

__________________________________

__________________________________
5

DEDICATÓRIA

À Eliana, porto seguro feito de amor, carinho, compreensão e companheirismo,

sempre renunciando suas vontades para que meu navegar em mar tranqüilo me fizesse ao

longe, permitindo perseguir sonhos distantes, sem que ao menos eu tivesse chance de

agradecê-la.

Para Victor Matheus, filho que está sempre ao meu lado e Thaís Marques que

aprendi a amar e ter como verdadeira filha.

À Thais Caroline que mesmo distante de meu olhar, me faz sonhar com sua doce

presença de filha.

A todos os pastores e crentes evangélicos pentecostais que de alguma forma

encontraram abrigo e segurança em sua fé.


6

AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Jung Mo Sung, que com sua paciente orientação, contribuiu de forma

significativa ao desenvolvimento e conclusão desta dissertação.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, pelo

apoio e financiamento da pesquisa, sem o qual não seria possível transformar o sonho em

realidade.

Aos Professores do programa de Estudos Pós-Graduação em Ciências da Religião,

pela acolhida e apoio neste caminhar, em especial ao Dr. Fernando Londoño e Dr. Ênio

José da Costa Brito.

Ao Pastor João Eunilson de Jesus Caetano, da Assembléia de Deus tradicional do

Jardim Marajoara – Mauá ( SP), ao Pastor Ricardo Gondim, da Assembléia de Deus

Betesda, que com presteza me receberam e forneceram informações úteis a esta pesquisa

A Gedeon Freire, diretor pedagógico do Instituto Cristão de Estudos

Contemporâneos, que colocou seu tempo e importantes documentos da Igreja Assembléia

de Deus Betesda a disposição de minha pesquisa.

Aos membros e participantes da Comunidade Evangélica Antioquia por apoiarem

meu trabalho.

Ao Padre Márcio Fabri, que se colocou a disposição em ajudar-me e indicou obras

relevantes a minha dissertação.


7

As professoras que, com o passar do tempo, se tornaram amigas e que tanto

apoio prestaram à construção do meu conhecimento, especialmente Drª Marilda

Soares que foi minha professora na graduação e incentivou meus passos na pós-

graduação, Drª Vitalina que me motivou a cursar o mestrado, a Elita, Sueli e Claudia

Valéria que, incansavelmente, leram meus textos sem nunca reclamarem.

Aos meus amigos, professores e alunos da escola pública, que indiretamente fazem

parte de minha vida tornando-a mais suave diante da problemática que o mundo nos coloca.

À minha esposa Eliana, a quem devo muito, por sempre me apoiar e saber

compreender meus momentos difíceis, sendo amiga e companheira.


8

RESUMO

A Igreja Evangélica Assembléia de Deus, uma das representantes do

pentecostalismo clássico, é considerada uma das maiores entre as denominações que

compõe esse segmento no Brasil. Preservando suas tradições doutrinárias com um discurso

moral rígido, na área dos usos e costumes de santidade, surgindo assim divisões no seu

interior de grupos que não mais admitia essa tradição, constituindo outras igrejas com um

discurso menos rígido. Entre estas a Assembléia de Deus Betesda.

Procuro neste trabalho analisar e comparar o discurso teológico moral desenvolvido

pela Assembléia de Deus tradicional e o discurso da Assembléia de Deus Betesda,

representada pelo pastor Ricardo Gondim, que surgiu no âmbito da Assembléia de Deus

tradicional como uma missão e tornou-se uma igreja independente.

Minha conclusão é que a Assembléia de Deus Betesda transformou as tradicionais

concepções pentecostais dos usos e costumes de santidade em uma experiência concreta da

salvação baseada no caráter cristão de uma moral personalista, enquanto que Elinaldo

Renovato permaneceu na velha tradição moral essencialista na qual os usos e costumes de

santidade ainda é o caminho para manter o cristão fiel à santidade e a salvação eterna.

Palavras – chave: Assembléia de Deus, pentecostalismo, comportamento moral,

essencialista, personalista, salvação, usos e costumes.


9

ABSTRACT

The Evangelical Church Assembly of God, one of the representatives of the classic

pentecostalism, is considered one of the largest of this segment in Brazil. Preserving its

traditions doctrinaires with a rigid moral speech, in the area of the uses and habits of

holiness, appearing like this divisions in its interior of groups that not more admitted that

tradition, constituting other churches with a less rigid speech. Enter these Betesda's

Assembly of God.

I here aim to analyze and compare the moral theological speech developed by the

traditional Assembly of God and the one Betesdas´s Assembly of God, represented by the

minister Ricardo Gondim. It was initially a mission within the traditional Assembly of God

and and later became an independent church.

My conclusion is that Betesda's Assembly of God transformed the traditional

pentecostal conceptions about the uses and habits of holiness in a concrete experience of

salvation based on the Christian character of a personalist moral, while Elinaldo Renovato

remainded in the old essentialist moral tradition, which the uses and habits of holiness is

still the path to keep the Christian faithful to the holiness and to the eternal salvation.

Key – Words: Assembly of God, pentecostalism, moral behaviour, essencialist, personalist,

salvation, uses and habits.


10

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 12

CAPÍTULO I

HISTÓRIA E CONTEXTUALIZAÇÃO SOCIAL DAS ASSEMBLÉIAS


DE DEUS 20

1- BREVE HISTÓRIA DO PENTECOSTALISMO 20


1-1- O Início nos Estados Unidos 24
1-2- O Pentecostalismo no Brasil 27

2- A ASSEMBLÉIA DE DEUS NAS ONDAS DO PENTECOSTALISMO 33


2-1- A Origem 33
2-2- A Expansão 38
2-3- Os Desafios Contemporâneos 41

3- IGREJA ASSEMBLÉIA DE DEUS BETESDA 51


3-1- A Origem 51
3-2- Trajetória de Ricardo Gondim e a Expansão da Igreja Assembléia
de Deus Betesda 55
3-3- A Organização da Igreja Assembléia de Deus Betesda 58

CAPÍTULO II

TEOLOGIA MORAL DAS ASSEMBLÉIAS DE DEUS 64

1- A MORAL CONSERVADORA DA ASSEMBLÉIA DE DEUS 65

2- TRANSIÇÃO E ORIGEM DE DOIS DISCURSOS TEOLÓGICOS MORAIS 75

3- TEOLOGIA MORAL DE ELINALDO RENOVATO DE LIMA 84


3-1- A Relação do Crente com o Mundo 87
3-2- Família e Igreja 90
3-3- A Interpretação Bíblica dos Usos e Costumes de Santidade 94

4- TEOLOGIA MORAL DE RICARDO GONDIM 99


4-1- Leitura Bíblica e Interpretação do Mundo 101
4-2- Interpretação dos Usos e Costumes de Santidade 106
11

CAPÍTULO III

MODELOS TEOLÓGICOS MORAIS E ANÁLISE DO


DISCURSO TEOLÓGICO 111

1- DOIS MODELOS DE MORAL 111


1-1- Moral Essencialista 117
1-2- Moral Personalista 123

2- O DISCURSO RELIGIOSO COMO ESTRUTURANTE


DO CRENTE 131

3- DOIS MODELOS DE MORAL E UMA MESMA ARGUMENTAÇÃO


RELIGIOSA 136

4- CONVERSÃO E COMPORTAMENTO MORAL 142

CONSIDERAÇÕES FINAIS 155

ANEXOS 161

1- Anexo I: Entrevista com Pastor João Eunilson de Jesus Caetano 161


2- Anexo II: Entrevista com Pastor Ricardo Gondim 166

BIBLIOGRAFIA GERAL 180

E-mail do autor: costajuarez@uol.com.br


Fone: (11) 4513-4962
12

INTRODUÇÃO

A escolha do tema apóia-se na constatação de que o fenômeno pentecostal vem

crescendo expressivamente na América Latina – em especial no Brasil –, e é cada dia mais

difícil definir e compreender esse fenômeno face à opacidade dos preconceitos associada ao

ímpeto de crescimento e diversificação que vem demonstrando, tanto em nível nacional

como internacional razão pela qual se apresenta como tema de grande interesse para

teólogos e cientistas sociais. No passado, era freqüente atribuir-lhe uma significação

genérica, de ser apenas um movimento de tradição protestante, fundado nos Estados Unidos

no início do século XX, formado por indivíduos que acreditavam na contemporaneidade

dos dons do Espírito Santo. Nos dias atuais, entretanto, essa significação soa por demais

simplista. A extrema heterogeneidade e a multiplicidade de feições assumidas pelas

agremiações e denominações religiosas, marcadas na prática por uma grande diversidade

teológica e ritual, adverte-nos para o perigo das generalizações. Limito-me, por isso, a

registrar algumas peculiaridades internas concernentes a apenas duas de suas

denominações: a Assembléia de Deus, ligada à Convenção Geral das Assembléias de Deus

no Brasil – CGADB, que surgiu em 1911 em Belém do Pará e se espalhou por todo o país,

e a Assembléia de Deus Betesda, fundada e organizada a partir de 1981 em Fortaleza, no

Estado do Ceará.

O estímulo para realizar tal pesquisa nasceu de minha própria experiência de vida.

Apesar de ter nascido em um lar católico praticante, minha família transitou pelo

candomblé e, por fim, quase todos os seus membros acabaram por se converter a uma

Igreja pentecostal sem expressão no Brasil. Em meu percurso acadêmico, quando cursava
13

Teologia na Faculdade Batista, fui convidado a lecionar em um seminário teológico de uma

Igreja da Assembléia de Deus ligada a CGADB, em 1991. Lá, deparei com um discurso

totalmente conservador e autoritário; os participantes não tinham liberdade para questionar

as doutrinas colocadas pelos pastores e pela própria convenção nacional que organiza as

Igrejas Assembléias de Deus. Meu dilema foi o de não poder ensinar algo diferente daquilo

que estava previsto pelo regimento de tal Igreja. O desejo de pesquisa cresceu ainda mais

no decorrer de meu trabalho como professor no ensino público, em 2001, lecionando a

disciplina de História e Ensino Religioso, quando deparei com grupos de alunos

evangélicos pentecostais que apresentavam uma doutrina confessional e demonstravam

uma certa resistência às aulas. Por meio das discussões sobre história, religião e cultura foi

possível perceber que havia algumas restrições na maneira de se comportar, de se vestir, de

vocabulário, e uma resistência a participar de certas festividades da escola. Estes alunos

fundamentavam a proibição de participar de festividades na experiência de um discurso

moral religioso e na leitura da Bíblia como verdade absoluta de Deus. Percebi que era hora

de desvendar este discurso que tanto atrai como, de certa forma também cria uma repulsa,

que faz com que alguns membros se rebelem contra as doutrinas impostas, provocando

rupturas e fazendo surgir novas Igrejas pentecostais. Todas essas questões acabaram me

encaminhando para a pesquisa.

A partir de constatações empíricas nas Igrejas Assembléias de Deus (a Tradicional1

e a Betesda), que preservam o pentecostalismo clássico e pertencem ao mesmo tronco

pentecostal, foi possível compreender como ocorrem as relações de poder na construção do

1
Usarei aqui a categoria “tradicional” para indicar que esta Igreja foi a origem de todas as
Assembléias de Deus no Brasil, sofrendo cisões no decorrer do tempo e dando origem a outros
ministérios, como o de Madureira, o Ministério do Ipiranga e a própria Betesda.
14

ideal religioso evangélico pentecostal, a saber, quais os limites na definição da moral na

relação do crente com o mundo. Na realidade, o que se pode perceber é que, na Igreja

Assembléia de Deus tradicional, a maior parte do grupo manifesta por meio da fé uma

obediência às doutrinas e ao discurso realizado pelo pastor. Pode-se observar também toda

uma literatura produzida por um setor da Igreja Assembléia de Deus tradicional, a CPAD –

Casa Publicadora das Assembléias de Deus, que contribui para a manutenção da estrutura

doutrinária, colocando em destaque alguns autores com seus livros sobre ética e moral

cristã e comentários nas revistas Lições Bíblicas das Escolas Dominicais.

Partindo desse ponto, começei a freqüentar os cultos das duas Igrejas e a fazer um

levantamento dos discursos pentecostais. Na Igreja Assembléia de Deus tradicional estes

discursos, pregados para pessoas simples e pobres da periferia, eram sensivelmente

carregados de atributos morais, e a leitura da Bíblia era apresentada de forma literal. Na

Igreja Assembléia de Deus Betesda, o discurso era diferente, mais contextualizado, liberava

o indivíduo das doutrinas legalistas voltadas para os usos e costumes de santidade – um

discurso dirigido predominantemente à classe média.

Em seguida, passei a analisar um grande número de trabalhos desenvolvidos na

sociologia da religião sobre o pentecostalismo. Pude perceber que a grande maioria dos

pesquisadores privilegia o chamado neopentecostalismo. O pentecostalismo foi visto, de

início, como periférico à sociedade urbana, onde se desenvolveu principalmente às custas

do crescente movimento migratório e da população marginalizada.

Ao perceber que vivemos em um mundo que passa por um processo de

transformações sociais e declínio das ideologias tradicionais e dos sistemas de valores, foi
15

possível observar que os indivíduos que freqüentam os cultos da Assembléia de Deus

tradicional ainda conservam uma doutrina voltada a exteriorização que são os “usos e

costumes de santidade”, procurando preservar fielmente a tradição do passado, quando aqui

se instalou com os primeiros missionários suecos. Por outro lado, a Assembléia de Deus

Betesda, com um discurso moderno e liberal, se preocupa com a transformação do caráter

do crente, fornecendo a ele a liberdade de participação nos cultos e no mundo. Esta Igreja

não só cresceu como também ingressou na sociedade de classe média.

A partir disso surgiu-me uma indagação: qual a razão teológica doutrinária que leva

duas denominações da mesma tradição pentecostal, ou seja, Assembléia de Deus tradicional

e Assembléia de Deus Betesda, a ter posturas morais tão divergentes ?

Parti primeiramente da hipótese de que o discurso teológico moral da Igreja

Assembléia de Deus tradicional deriva da convicção de possuir com exclusividade a

verdade divina revelada, que constitui o conceito básico da moral essencialista, na qual os

atos são bons e maus em si, proporcionando um moralismo como parte essencial para a

santidade. A ordem estabelecida não pode ser quebrada porque a moral é configurada

dentro do grupo para assegurar não somente os limites, mas, também, para ideologicamente

manter o poder. A Igreja Assembléia de Deus Betesda, ao contrário, mantém um discurso

teológico moral seguindo uma visão personalista, que ocupa um lugar central na busca de

uma maior autonomia e liberdade dos indivíduos perante as instituições. Segundo este

princípio, cada pessoa deve ser livre para escolher os próprios objetivos, significando o

reconhecimento do valor intocável do indivíduo enquanto este se coloca como pessoa,

destacando-se, portanto, por uma moral concreta da experiência religiosa.


16

Para o desenvolvimento dessa dissertação, serão analisados os dois ministérios

evangélicos: a Assembléia de Deus tradicional, que nasceu em Belém do Pará em 1911 e é

ligada à Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil; e a Assembléia de Deus

Betesda, liderada pelo pastor Ricardo Gondim Rodrigues, em São Paulo. Será analisada,

respectivamente, a literatura desenvolvida por essas duas denominações, das quais irei

destacar, da primeira, as obras: “Ética cristã: confrontando as questões morais do nosso

tempo”2 e “Aprendendo diariamente com Cristo: como viver a vida cristã em um mundo

em conflito”3 ambas publicadas pela Casa Publicadora das Assembléias de Deus – CPAD,

do autor Elinaldo Renovato de Lima, que é pastor e integra o ministério da Assembléia de

Deus no Rio Grande do Norte, e é também comentador das Lições Bíblicas Dominicais das

Assembléias de Deus e professor universitário, bacharel em Ciências Econômicas. Ele

representa a ala mais radical da Assembléia de Deus tradicional.

Farei uma correlação desse discurso com a literatura desenvolvida pela Igreja

Assembléia de Deus Betesda, em São Paulo, que é constituída por escritos do pastor

Ricardo Gondim Rodrigues, publicados pelas editoras Abba Press e Mundo Cristão,

destacando-se o livro: “É proibido: o que a Bíblia permite e a igreja proíbe”.4 Neste livro,

o autor analisa as condutas permitidas e proibidas, os rigores legalistas e os usos e

costumes, levantando, assim, uma crítica aos setores mais tradicionais do pentecostalismo,

entre eles a própria Assembléia de Deus tradicional.

2
LIMA, Elinaldo Renovato de. Ética cristã: confrontando as questões morais do nosso tempo. Rio
de Janeiro: CPAD, 2002.
3
Idem. Aprendendo diariamente com Cristo: como viver a vida cristã em um mundo em conflito.
Rio de Janeiro: CPAD, 2003.
4
GONDIM, Ricardo. É proibido: o que a Bíblia permite e a igreja proíbe. São Paulo: Mundo
Cristão, 2001.
17

A pesquisa se limita a fazer uma análise das obras citadas para, então, confrontar as

doutrinas morais elaboradas por esses dois grupos, analisando a linguagem e a interação

com o público, entre outros aspectos. Para tanto, foram realizadas entrevistas com pastores

das respectivas Igrejas, entre as quais se destaca a do pastor João Eunilson de Jesus

Caetano, da Assembléia de Deus tradicional do município de Mauá - São Paulo, e a do

pastor Ricardo Gondim, líder da Betesda. Foi possível, desse modo, obter uma visão mais

abrangente do tema em questão.

Espero que a pesquisa possa contribuir significativamente para um estudo do

fenômeno pentecostal e das Igrejas Assembléias de Deus, apontando o moralismo como a

especificidade de sua experiência religiosa, ressaltando as diferenças entre as duas

denominações e possibilitando o acesso a ambos os discursos que trazem dois modelos de

moral religiosa: o essencialista e o personalista.

Ricardo Gondim, que a partir do ano de 1982 passou a ser presidente da Assembléia

de Deus Betesda e não a considera uma dissidência da Assembléia de Deus tradicional,

propaga um discurso livre do conservadorismo, no qual, segundo ele, a censura e a

proibição não produzem santidade, mas conduzem ao pecado; já o autor Elinaldo Renovato

tem como preocupação principal a manutenção do discurso nas tradições dos usos e

costumes – fator essencial para a salvação e a santidade.

A proposta dessa pesquisa é analisar o discurso moral das Igrejas Assembléias de

Deus no processo de salvação e santidade no mundo. Trata-se de um esforço para investigar

com vitalidade dois modelos de discursos teológicos morais para desvendar quais

elementos são destacados no processo de compreensão do fenômeno pentecostal como


18

experiência religiosa, que não se restringe apenas à função de adequação ou ajustamento

social, nem tampouco, à de válvula de escape. Parti do princípio de que, embora existam

elementos alienantes, ela produz um sentimento singular para a existência das pessoas

ligadas a esse segmento religioso, podendo gerar esperança em suas vidas. Para tanto, no

primeiro capítulo, apresento um levantamento da história do pentecostalismo, mostrando

como surgiu a Igreja Assembléia de Deus tradicional em solo brasileiro, sua expansão e seu

processo de nacionalização, a preocupação com sua identidade estruturada na expressão dos

usos e costumes de santidade, bem como sua divisão, que deu origem a outros ministérios,

entre eles, a Igreja Assembléia de Deus Betesda aqui analisada.

No segundo capítulo, procuro conhecer o conservadorismo como matriz teológica

das Assembléias de Deus, no qual o pentecostalismo clássico, doutrina que estrutura tais

Igrejas, herdou do protestantismo seu puritanismo e seu pietismo, resultando no dualismo

histórico, no moralismo e no imediatismo que tipifica a relação dos fiéis com Deus.

Trabalhei os conceitos de sociedade tradicional e de sociedade moderna para entender o

processo de transição e a origem de dois discursos teológicos morais nas Assembléias de

Deus: o de Elinaldo Renovato de Lima, que defende a tradição dos usos e costumes como

essencial para a santidade; e o discurso de Ricardo Gondim, que se distingue por uma moral

concreta da experiência religiosa, na qual a santidade não é resultado da observação às

normas dos usos e costumes, mas sim, da transformação do caráter do indivíduo que possui

uma autonomia maior diante da instituição religiosa.

O terceiro capítulo de minha dissertação visa analisar os modelos teológicos da


moral que permeiam os discursos de Elinaldo Renovato e de Ricardo Gondim: o da moral
essencialista e o da moral personalista, respectivamente. Ressalto que os discursos
19

elaborados pelos dois pastores, embora de teologias morais diferentes, baseiam-se no


mesmo tipo de argumentação religiosa que tem a Bíblia como padrão de autoridade,
imbricados nas relações de poder e de estrutura da vida do crente para que realize sua
trajetória no mundo em busca da salvação.
20

CAPÍTULO I

HISTÓRIA E CONTEXTUALIZAÇÃO SOCIAL DAS ASSEMBLÉIAS DE DEUS

Neste primeiro capítulo procuro compreender como surgiu e se desenvolveu o

pentecostalismo em solo norte-americano. Como se deu a sua chegada ao Brasil e quais as

suas características doutrinárias, bem como o perfil social daqueles que aderem a essa

doutrina. Elaborei, portanto, um histórico da Igreja Congregação Cristã, a primeira a trazer

o pentecostalismo, e especialmente da Igreja Assembléia de Deus, seu crescimento diante

das crises sociais e econômicas, sua preocupação em manter sua identidade em uma

sociedade de constante transformação, enfrentando as contradições diante de sua realidade.

Analisarei também a Igreja Assembléia de Deus Betesda, que de início era uma

missão da Igreja Assembléia de Deus tradicional com o objetivo de evangelizar

universitários e profissionais liberais, mas que alcançou um crescimento fenomenal,

tornando-se uma Igreja independente com um discurso moral diferente de sua Igreja de

origem.

1 – BREVE HISTÓRIA DO PENTECOSTALISMO

O pentecostalismo é conhecido pela importância que vários segmentos evangélicos 5

5
Para Ari Pedro Oro, “o termo evangélico é genérico e cobre o conjunto das igrejas protestantes,
isto em razão da importância atribuída ao Evangelho. O campo evangélico histórico é formado
pelas tradicionais denominações resultantes da Reforma protestante iniciada na Alemanha por
Martinho Lutero, em 1517. As principais são as luteranas, calvinistas, batistas, presbiterianas,
anglicanas e metodistas. O campo evangélico pentecostal, derivado especialmente do metodismo,
iniciou-se nos Estados Unidos em 1906, chegando ao Brasil em 1910 (com a Congregação Cristã do
Brasil e a Assembléia de Deus)”. ORO, Ari Pedro. Avanço pentecostal e reação católica.
Petrópolis: Vozes, 1996, p.19.
21

dão ao fato narrado na Bíblia no livro de Atos dos Apóstolos, o evento marcado pela

efusão do Espírito Santo quando os apóstolos estavam em Jerusalém reunidos no cenáculo,

onde segundo os pentecostais, aguardavam a confirmação da promessa de Jesus de que

“enviaria o Consolador” e este desceria sobre eles anunciando as promessas de Deus:

Ao cumprir-se o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar;


de repente, veio do céu um ruído semelhante ao soprar de impetuoso
vendaval e encheu toda a casa onde estavam. E apareceram línguas de fogo,
que se distribuíram e foram pousar em cada apóstolo. Todos ficaram cheios
do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito
lhes concedia que falassem.6

Pentecostal deriva de “Pentecostes”.7 As igrejas que hoje afirmam reviver esse

episódio do “derramamento do Espírito Santo” são chamadas de pentecostais. Através

desse conceito, tende-se a classificar de forma generalizada todos os grupos religiosos cuja

prática litúrgica ou organizacional se distancia da Igreja Católica ou do Protestantismo

histórico, porém, há uma certa dificuldade em atribuir às igrejas pentecostais essa

característica, dado seu caráter multiforme em relação à doutrina e ao comportamento.

Mesmo assim, destaco algumas características que classifico como generalizantes:

 O falar em línguas ou glossolalia, como sinal da atuação do Espírito Santo sobre o


fiel, no qual é reconhecida a atuação direta do poder8 de Deus sobre os fiéis na

6
BÍBLIA SAGRADA. Atos dos Apóstolos. 2: 1-4.
7
O termo “pentecostes” surgiu no Antigo Testamento como uma ordenança de Deus ao povo de
Israel. Tratava-se de uma festa de alegria, também conhecida por festa das primícias da produção
(eminentemente agropastoril), fazendo parte do conjunto de três festas anuais dos judeus: Páscoa,
Pentecostes e Tabernáculos – conforme relatos Bíblicos de Deuteronômio – 16: 9-12; Êxodo – 23:
14-15; 34-18; e Levítico – 23: 4-8.
8
Antônio Gouveia Mendonça, escrevendo a respeito da “marginalização social” e do “misticismo
no pentecostalismo”, assegura que a experiência espiritual do dom de línguas, característica do
êxtase pentecostal, é uma recuperação do poder perdido socialmente, uma vez que sua relação com
a sociedade abrangente é de subordinação e marginalização. Como essa recuperação do poder não
se estende à sociedade, porque não é por ela reconhecida, ela se manifesta no reconhecimento da
22

atualidade. Para os pentecostais, o batismo com o Espírito Santo 9 é uma das


promessas de Deus para todos os crentes, tornando assim, uma segunda experiência
que têm com Cristo, sendo a primeira a conversão para obter a salvação. A
experiência do batismo com o Espírito Santo é importante para os pentecostais; ela
fornece ao crente o poder para testemunhar a respeito de Jesus Cristo e de seu
Evangelho, e também, segundo eles, o poder sobre a carne, sobre o mundo e sobre o
Diabo.

 Rígidas normas morais e éticas, em uma busca incessante de santidade. Para os


pentecostais, o pecador vem à igreja e traz consigo todos os costumes do mundo,
tais como vícios, linguagem imprópria, superstições, natureza impulsiva, atração
para o sexo ilícito, roupas indecentes; ele tem, enfim, tudo o que é natural a um
mundo de pecado. Por isso, segundo os pentecostais, são necessárias normas rígidas
de santificação para uma mudança de comportamento em todos os sentidos.

 Uma forte rede de relacionamento interno, afirmando a idéia de família da fé. Para
os pentecostais, não importa o nome da igreja ou placa, importa apenas a doutrina
que se prega em seu interior, que irá propiciar uma grande irmandade entre as
igrejas e uma unificação no cumprimento de um crente para com o outro; a
expressão mais abrangente neste cumprimento é a saudação: “a paz do senhor,
irmão”.

 Abordagem milenarista,10 na qual as instituições do presente se encontram


corrompidas e somente à espera escatológica da volta de Jesus e seu reino que irá
trazer de volta a normalidade, tendo como conseqüência o abandono dos valores do

congregação através de prestígio e acesso às lideranças. Cf., MENDONÇA, A. G. & VELASQUES


FILHO, P. Introdução ao protestantismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 1990, p. 247.
9
Em minha pesquisa empírica pude notar que, nos discursos realizados pelos pentecostais até os
dias de hoje, as expressões “batismo do Espírito Santo”, “batismo no Espírito Santo” e “batismo
com o Espírito Santo”, são geralmente comuns, referindo-se ao fenômeno ocorrido no livro Atos
dos Apóstolos 2:1-4. Lanço mão, portanto, do termo “batismo com o Espírito Santo”, expressão
mais usada tanto no Manual de Doutrinas das Assembléias de Deus no Brasil como na literatura da
própria Assembléia de Deus editada pela CPAD. Cf., CGADB, Conselho de Doutrinas da. Manual
de doutrina das Assembléias de Deus no Brasil. Rio de Janeiro: CPAD, 2001, p. 48.
10
MENDONÇA, Antônio G. & VELASQUES FILHO, op. cit., p.125.
23

mundo presente. Essa promessa é a que mais tem alimentado as igrejas pentecostais.
Tomando como base várias passagens bíblicas do Antigo e do Novo Testamento,
afirmam que haverá um arrebatamento da Igreja e a implantação do milênio, e que o
mundo passará por grande tribulação sendo governado pelo anticristo. Para os
pentecostais, a segunda vinda de Jesus resultará no grande julgamento final. Essa é,
portanto, uma das perspectivas mais assustadoras com respeito ao futuro daqueles
que não fazem parte desse movimento, pois, para estes, segundo os pentecostais,
haverá o juízo final; os fiéis, ao contrário, aguardam o fato com alegria, pois
reinarão com Cristo.

 Liderança carismática, liberdade para inovação no grupo, batismo com o Espírito


Santo, curas, manifestações de dons, livramentos de perseguições, revelações e
fundação de igrejas.

 Grande crescimento entre adeptos de baixa renda, embora haja também grande
número de cismas e deslocamentos interdenominacionais, e ainda, nos últimos anos,
uma elevação da faixa de renda da clientela atraída.

O pentecostalismo sempre se caracterizou por ser uma doutrina religiosa ligada aos

oprimidos e marginalizados11 que se relacionam diretamente com Deus, que produzem seus

bens simbólicos, e que não se estruturam como um corpo sacerdotal hierarquizado segundo

os moldes da Igreja Católica, da qual herdaram alguns elementos rituais e de onde – mesmo

que ainda paire alguma relutância em aceitar o fato – provém a grande maioria de seus

adeptos: “Considerando-se que, nos últimos anos, o pentecostalismo é a face mais evidente

11
Cf., CAMPOS JR., Luís de Castro. Pentecostalismo: sentidos da palavra divina. São Paulo:
Ática, 1995, p. 23; Cf., CORTEN, André. Os pobres e o Espírito Santo: o pentecostalismo no
Brasil. Petrópolis: Vozes, 1996.
24

e agressiva da expansão dos cultos não católicos, não há dúvida que os temores de um

proselitismo anticatólico se voltam para o pentecostalismo”. 12

Para Beatriz Muniz de Souza, a doutrina pentecostal "constitui uma das maneiras

pelas quais as pessoas compreendem a realidade e encontram quadros de referência para a

ação na vida prática”13. De alguma forma, ela orienta a conduta dos indivíduos mesmo nos

aspectos mais primários. “A ‘moral puritana’, preconizada pela liderança e reforçada

através dos mecanismos de coesão do grupo, fornece à comunidade religiosa indicações

precisas sobre modos de agir e relacionamento social para todas as ocasiões”.14

1-1 – O Início nos Estados Unidos

O resgate de suas origens, entretanto, é uma tarefa árdua, face às variadas versões

que se contrapõem. Sob o ponto de vista histórico, o movimento pentecostal

contemporâneo tem sua origem na aridez da vida religiosa que, conjugada ao cerceamento

do campo e às migrações urbanas, retrata a conjuntura de transformações sociais que

acompanhou a formação do proletariado inglês15, no final do século XVIII. Esse contexto

foi propício para o surgimento de numerosos movimentos de reavivamento religioso do

12
VALLE, Rogério & SARTI, Ingrid. O risco das comparações apressadas. In: ANTONIAZZI, A.
Nem anjos, nem demônios. Petrópolis: Vozes, 1991, p.18.
13
SOUZA, Beatriz Muniz. A experiência da salvação: pentecostais em São Paulo. São Paulo:
Livraria Duas Cidades, 1969, p. 163.
14
Ibid., p. 163.
15
E. P.Trompsom mostra em sua obra que, durante muitos anos, o ingresso na comunidade
metodista adquiriu uma conotação de caráter fetichista; para o trabalhador migrante, isso
possibilitava o acesso a uma nova comunidade que prestava um auxílio mútuo entre seus membros.
Cf., TROMPSOM, E. P. A formação da classe operária inglesa: a maldição de Adão. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1987. Eric Hobsbawm, ao discutir a formação da classe operária inglesa e as
seitas religiosas, salienta que as seitas normalmente se ocupavam dos problemas do proletariado,
iludindo-os ou solucionando-os não como problemas de classes, mas de indivíduos ou de grupos
25

tipo milenarista,16 que tiveram por mérito levar os homens à aceitação do conceito

wesleyano17 de perfeição cristã como uma segunda obra da graça distinta da salvação,

convicção sustentada por protestantes puritanos migrados para os Estados Unidos, aos

quais aderiram os pregadores operários que interpretavam a Bíblia como autodidatas.

Nesse empreendimento destacaram-se os norte-americanos Charles Parham que, ao

sintetizar a doutrina em torno da crença de ser a glossolalia, a evidência do batismo com o

Espírito Santo, concedeu identidade própria ao pentecostalismo; e seu discípulo W. J.

Seymour, batista, que atribuiu a Deus uma terceira bênção, o batismo com o Espírito Santo.

Pregando em Los Angeles, no início da década de 1900, no Oeste americano, região em

crescimento demográfico acelerado, com minorias étnicas e ethos de fronteira, mesmo

sendo ele negro, logo atraiu os brancos, formalizando o movimento pentecostal com ênfase

no emocionalismo, no espontaneísmo e na doutrinação em detrimento à reflexão teológica.

escolhidos de eleitos. Cf., HOBSBAWM, Eric J. Os trabalhadores: estudos sobre a história do


operariado. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 37-49.
16
Para Prócoro Velasques Filho, a crença na época futura, denominada milênio, se baseia na leitura
descontextualizada da Bíblia. Mesmo assim, gerou duas tendências: o pós-milenismo, recessivo no
meio protestante, que afirma que Cristo estabelecerá seu reino na Terra após o final do período
chamado milênio; e o pré-milenismo, prevalecente entre os fundamentalistas, que aguardam o
retorno de Cristo para antes do milênio. Cf., MENDONÇA, A. G. & VELASQUES FILHO, P. op.
cit., p. 125.
17
João Wesley foi responsável pelo desenvolvimento da teologia de conversão individual, originada
de uma variação do calvinismo, dominante durante a época missionária. “A salvação consistia na
consciência de culpa seguida de ato voluntário de aceitação da oferta de salvação, sucedido pela
justificação e pela santificação progressiva. A fé era determinada pela experiência pessoal e
emotiva”. Ibid., p. 32. A ênfase da teologia de Wesley está na doutrina da perfeição cristã, ou seja,
da completa devoção a Jesus Cristo expressa em todas as ações do indivíduo, exigindo-lhe total
submissão à sua vontade. Para André Corten, a contribuição de Wesley não é principalmente
doutrinal. Ela reside na sua concepção da religião como experiência do encontro humano com Deus,
reabrindo aos sentimentos um espaço dentro da fé. O metodismo, portanto, torna-se aberto, um
movimento de evangelização que quer compartilhar a “santa emoção”. O metodismo é proselitista;
o apelo à santificação é um apelo à participação contínua, que não se limita ao momento de fervor
da justificação e da conversão. É um método de recurso à prece, um método de uso da emoção. Cf.,
CORTEN, André, op. cit., p. 50-1.
26

Aos primeiros tempos de convivência entre negros e brancos, adveio a separação

ditada pela difícil integração racial, comum na formação social norte-americana, e o

movimento religioso, originalmente concebido como uma renovação das igrejas

protestantes existentes, começou a se estruturar em grupos independentes divididos por

questões doutrinárias. Antes que a glossolalia assumisse a centralidade da teologia

pentecostal e permitisse sua difusão, o adventismo – a expectativa da volta eminente de

Cristo – surgiu como elemento que norteou os primeiros passos do movimento em direção

à sua divulgação, em vez de se preocupar com a estruturação das Igrejas:

A Rua Azusa transformou-se em poderosa fogueira divina, onde centenas de


milhares de pessoas de todos os pontos da América, ao chegarem atraídas
pelos acontecimentos e para ver o que estava se passando ali, eram batizadas
com o Espírito Santo, e ao retornarem para suas cidades levavam essa chama
viva que alcançava também outras pessoas.18

As reuniões organizadas por Seymour na Rua Azusa, em Los Angeles, eram

freqüentadas em sua maioria por negros. O culto tinha como característica os cânticos

alegres e informais e as orações em voz alta, simultaneamente.

Esse fenômeno, ocorrido em 1906, na rua Azusa, constituiu o ponto de partida do

movimento pentecostal que se espalhou pelos Estados Unidos e que hoje atinge vários

continentes. Embora tenha surgido no Oeste norte-americano, foi em Chicago, cidade

industrial com um quadro social marcado pelas precárias condições de trabalho, pela

violência urbana e pelo forte movimento operário, que o pentecostalismo ganhou

impulso nos primeiros anos principalmente entre os imigrantes, como Luigi Francescon,

presbiteriano e fundador da Congregação Cristã em solo brasileiro, em 1910; Daniel Berg e

18 CONDE, E. História das Assembléias de Deus no Brasil. Rio de Janeiro: CPAD, 2000, p. 21
27

Gunnar Vingren, suecos e batistas, que chegaram ao Brasil para fundar a Igreja Pentecostal,

que hoje conhecemos como Assembléia de Deus, em novembro de 1910.

Francescon, Vingren e Berg, em Chicago, foram influenciados por William H.

Durham, cuja peregrinação teológica o havia levado do meio batista para o movimento de

santificação. A missão na Rua Azusa, em Los Angeles, estava exercendo profunda força no

mundo protestante. Ela funcionava como um potente ímã – atraindo líderes de diversos

segmentos do protestantismo, desejosos de conhecer o que ali estava ocorrendo –, e como

centro irradiador da mensagem pentecostal, enviando grupos para diversas localidades no

país.

1-2 – O Pentecostalismo no Brasil

Em relação ao Brasil, o fenômeno pentecostal data da primeira década do século

XX, quando surgiu a Congregação Cristã, em 1910, em São Paulo, fundada por Luigi

Francescon, nascido em família católica na província de Údine, Itália, em 1866. Francescon

imigrou para os Estados Unidos, chegando à cidade de Chicago em 1890, convertendo-se

ainda jovem ao protestantismo. Foi membro-fundador da Igreja Presbiteriana Italiana, em

Chicago. Em 1903, foi batizado por imersão, desligando-se dos presbiterianos. Reuniu-se

com um grupo holiness até descobrir a mensagem pentecostal na igreja do Pastor William

H. Durham. Após receber a experiência do batismo com o Espírito Santo, recebeu uma

profecia de Durhan para que levasse o pentecostalismo à colônia italiana.

Em março de 1908, diz Francescon “o Senhor fez saber a mim e ao irmão G.

Lombardi que deixássemos o nosso trabalho material para nos dedicarmos inteiramente à
28

obra que Ele nos havia preparado; ambos nos encontrávamos em má situação financeira e

cada um com seis filhos menores.”19 A obra era a evangelização do mundo italiano em

geral, e assim, puseram-se a viajar – Francescon pelos Estados Unidos e Lombardi para a

Itália. Juntos, novamente em Chicago, receberam em 1909 uma “santa revelação”,

dirigindo-os à Argentina e depois ao Brasil. Sua missão era iniciar um trabalho pentecostal.

Em março de 1910, Francescon e Lombardi chegaram a São Paulo. O início não

fora promissor, e, pouco depois, Lombardi voltou para a Argentina e Francescon foi a

Santo Antônio da Platina, no Paraná, para visitar um italiano que conhecera em São Paulo.

Lá, conseguiu conversões. Voltando a São Paulo, em junho de 1910, pregou em italiano na

Igreja Presbiteriana do Brás, provocando um cisma na igreja. Logo, formava a Igreja

Congregação Cristã, com 20 membros, compostos de presbiterianos, alguns batistas,

metodistas e alguns católicos.20 Permaneceu com esses membros até setembro, quando

partiu para o exterior. Porém, com suas freqüentes visitas e com o patriarcalismo da colônia

italiana que foi a base inicial, ele conseguiu estruturar a Igreja. Quando chegou ao Brasil,

Francescon tinha 44 anos e fez sua última visita ao país com 82 anos, morrendo em

Chicago, com 98 anos de idade.

A Congregação Cristã teve seu início em São Paulo, e o seu desenvolvimento deu-

se primordialmente entre imigrantes italianos e descendentes. Sua expansão geográfica

seguiu a trilha do café, que havia empregado largamente a mão de obra imigrante, e que

havia facilitado a penetração do presbiterianismo no interior de São Paulo e de Minas

19
FRANCESCON, L. Histórico da obra de Deus, revelada pelo Espírito Santo, no século atual. 4ª
ed., São Paulo: 1977, p.17-8.
20
Ibid., p. 24.
29

Gerais. Estabeleceu-se expansivamente nas dinâmicas áreas cafeeiras do interior de São

Paulo, do sul de Minas Gerais e do oeste do Paraná. Ela já foi considerada a maior igreja

pentecostal do Brasil, sendo deixada para trás pela Assembléia de Deus no fim dos anos de

1940. Hoje, seu tamanho é inexato, sendo seu crescimento experimentado com maior

intensidade nas regiões interioranas onde a divulgação se dá com maior facilidade e sem

necessidade de uma técnica mais aperfeiçoada.

O pentecostalismo brasileiro, desde a sua origem, seguiu o mesmo modelo da matriz

norte-americana, com ênfase no batismo com o Espírito Santo, no dom de falar línguas

estranhas e no dom de profecias, além do estímulo à participação emocionada e espontânea

nos rituais, no proselitismo religioso e na rigidez moral. Sua inserção deu-se, entretanto,

não pela via da postura reivindicatória exercida na prática do evangelho social dos negros,

vítimas do preconceito racial do sul dos Estados Unidos, mas por dissidentes brancos,

oriundos de áreas de imigração com grande influência de outras culturas – a sueca, por

exemplo –, dissociados de qualquer compromisso político e voltados para um projeto

exclusivamente religioso, calcado na experiência da oração e dos cultos dos brancos

americanos – fato a ser considerado na análise sobre as práticas religiosas e sociais dos

crentes da Assembléia de Deus. O “batismo com o Espírito Santo, crença no poder de Deus,

crença e esperança no milênio, cultos espontâneos e cheios de devoção, formavam um

conjunto fechado e sem abertura para o social, já no início do pentecostalismo brasileiro”.21

Caracteristicamente urbano, o pentecostalismo tem sua base social na população de

baixa renda, ou seja, a população pobre, social e culturalmente excluída em relação à

21
ROLIM, Francisco Cartaxo. Pentecostalismo: Brasil e América Latina. Petrópolis: Vozes, 1995,
p. 24.
30

sociedade norte-americana de onde o movimento pentecostal partiu. Os países nos quais o

pentecostalismo penetrou, quase sempre com características de desigualdades sociais,

situou-se principalmente na periferia dos grandes centros22 e, de acordo com as

estatísticas,23 inseriu-se no processo de modernização que, a partir da segunda metade do

século XX, veio se acelerando nas formações sociais capitalistas periféricas.

O contexto de mudanças e a negação de velhos valores pela premência de adoção de

novos padrões de comportamento, que acompanharam os movimentos migratórios

campo/cidade, favoreceram a expansão pentecostal. Não se descarta sua presença também

no ambiente rural, uma vez que, em diferentes situações, o migrante já chega à cidade

convertido. Considera-se apenas que a religião, ao canalizar a emotividade e a

espontaneidade, propicie condições para a emergência de um espaço religioso de salvação

pelo Espírito Santo que se contrapõe à falta de um plano sócio-político. “O Espírito Santo

santificaria os crentes, o poder de Jesus curaria os males dos brasileiros pobres. Por que

então iriam eles interessar-se em mudar a nossa sociedade se tinham a Jesus como médico

onipotente dos males físicos e mentais?”24

Nos primeiros trabalhos sobre o pentecostalismo, nota-se que os crentes encontram-

se na “camada pobre da população”.25 Francisco Cartaxo Rolim,26 em seu estudo clássico,

apoiou-se em uma amostra de 1.160 entrevistados para mostrar que os pentecostais

22
Cf., CORTEN, André, op. cit., p.70.
23
Cf., ROLIM, F. C., op. cit.; Cf., CORTEN, A., op. cit.; JARDELINO, José Rubens L. As
religiões de espírito. São Paulo: ISER/CEPE, 1994.
24
ROLIM, F. C., op. cit., p. 25.
25
NOVAES, Regina Reyes. Os escolhidos de Deus, pentecostais, trabalhadores e cidadania. São
Paulo: Marco Zero, 1985, p. 16
26
ROLIM, Francisco Cartaxo. Pentecostais no Brasil, uma interpretação socioreligiosa. Petrópolis:
Vozes, 1985, p. 169-181.
31

provinham dos meios pobres.

Pesquisas quantitativas realizadas pelo Instituto Superior de Estudos da Religião –

ISER – confirmam a visão geral de que o pentecostalismo é uma opção feita pelos pobres.

Mostram que os pentecostais concentram-se nas faixas de mais baixa renda e de menor

escolaridade e que suas igrejas proliferam nos bairros mais precários, ou seja, na periferia

dos grandes centros, geralmente onde o braço do Estado não alcança, portanto, lugares

longínquos e desassistidos pelos poderes públicos.27

Embora não houvesse dúvidas quanto à condição social dos pentecostais na

literatura acadêmica, praticamente inexistiam pesquisas quantitativas comprovando que o

pentecostalismo cresce nos meios pobres, atraindo preferencialmente os estratos sociais que

vivem em situação de marginalidade social. As pesquisas trazem uma comprovação da

baixa renda e escolaridade dos crentes pentecostais revelada nas pesquisas do ISER. A

pesquisa “Novo Nascimento”, realizada pelo ISER na região metropolitana do Rio de

Janeiro, em 1994, constatou que 57% dos pentecostais recebiam até dois salários mínimos;

32%, entre dois e cinco; e apenas 11% ganhavam mais de cinco salários mínimos (Gráfico

1). Quanto à escolaridade, 40% tinham menos de quatro anos de estudo; 34% entre cinco e

oito anos; e 26% nove anos ou mais de formação escolar (Gráfico 2). 28 Quanto maior a

escolaridade do fiel, maior a probabilidade de ele ter nascido e crescido em um lar

27
Cf., FERNANDES, R. C. Governo das almas: As denominações evangélicas no Grande Rio. In:
ANTONIAZZI, Alberto. Nem anjos nem demônios: interpretações sociológicas do pentecostalismo.
Petrópolis: Vozes, 1994, p.163-203.; Cf., FERNANDES, R. C. Novo nascimento: os evangélicos
em casa, na igreja e na política. Rio de Janeiro: Mauad, 1998, p. 23-4. Cf., PIERUCCI, A. F.;
PRANDI, R. A realidade social das religiões no Brasil: religião, sociedade e política. São Paulo:
Hucitec, 1996, p. 211-238.
28
Cf., FERNANDES, R. C., op. cit., p. 23.
32

evangélico. Isso significa que a evangelização pentecostal revela-se mais bem-sucedida nos

segmentos menos escolarizados da população.29 A renda e a escolaridade do conjunto dos

evangélicos eram muito inferiores às da população em geral. Como os pentecostais tinham

renda e escolaridade mais baixas que a média evangélica, seu contraste com a população

mostrou-se ainda mais dramático.

Renda entre os Pentecostais


recebiam até
dois salários
11% mínimos
32% recebiam entre
dois e cinco
57% salários mínimos
recebiam mais
de cinco salários
mínimos

(Gráfico 1) Fonte: Pesquisa Novo Nascimento - ISER - 1994

Escolaridade entre os
Pentecostais
menos de quatro
anos de estudo
26%
40% entre cinco e oito
anos de estudo

34% nove anos ou


mais de
formação
(Gráfico 2) Fonte: Pesquisa Novo Nascimento - ISER - 1994

29
Ibid., p. 24.
33

A luta no cotidiano contra a miséria, por melhores condições sociais, faz com que

um grande número de pessoas pertencentes à classe pobre procure a igreja que tenha um

discurso de consolo e de promessas. Pode-se levantar, portanto, a hipótese de que nesse

estado de emoção, dá-se à ocasião de submetê-los ao poder do discurso moral.

2 – A ASSEMBLÉIA DE DEUS NAS ONDAS DO PENTECOSTALISMO

2-1 – A Origem

Mesmo sendo difícil de classificar, considerando-se a diversidade de situações, é

possível estabelecer um consenso no sentido de incluir a Assembléia de Deus entre os

movimentos evangélicos do pentecostalismo clássico,30 atribuindo-lhe, dadas as suas

condições de institucionalização, sem prejuízo do ímpeto expansionista que lhe é

característico, a conceituação de Igreja.

Entende-se por Igreja uma comunidade local, regional ou nacional, com um


mínimo de estabilidade, com certa liderança burocrática razoavelmente
estabelecida e com corpo de doutrinas mais ou menos delineado, situado
acima das vontades individuais.31
30
Antônio Mendonça Gouveia utiliza uma tipologia que obedece ao conceito de ramo ou família
genealógica protestante. Cf., MENDONÇA, A. G. Um panorama do protestantismo brasileiro atual.
In: LANDI, L. Tradições religiosas no Brasil. Rio de Janeiro: Cadernos do ISER, nº 22, 1989. p.
43-44. Paul Freston, citando a classificação do CEDI, utiliza o critério de transplante, antiguidade e
teologia. Ambos atribuem à Assembléia de Deus a classificação de “pentecostalismo clássico”. Cf.,
FRESTON, Paul. Protestantes e política no Brasil: da constituinte ao impeachment. Campinas:
(Tese de Doutorado), UNICAMP, 1993, p. 17. José Bittencourt Filho utiliza a mesma classificação,
incluindo ainda os grupos de “cura divina” e os “neopentecostais” ou “pentecostalismo autônomo”.
Estes também são referidos como neodenominacionais por não estarem comprometidos com a
matriz teológica protestante. Cf., BITTENCOURT FILHO, José. Pentecostalismo, suas
terminologias e classificações. In: SOUZA, Beatriz Muniz (Org.). Sociologia da religião no Brasil:
revisitando metodologias, classificações e técnicas de pesquisa. Palestra proferida no seminário: O
pentecostalismo em debate. PUC/SP, 1996. O termo “pentecostalismo clássico” refere-se às igrejas
originárias do movimento pentecostal dos Estados Unidos, no início do século XX, de origem
missionária norte-americana, por exemplo, a Assembléia de Deus e a Congregação Cristã.
31
BRANDÃO, C. R. Os deuses do povo. São Paulo: Brasiliense, 1986, p.109. Brandão classifica a
Assembléia de Deus como “igreja de mediação” por situar-se na fronteira entre a religião erudita e a
34

A origem das Assembléias de Deus no Brasil está ligada ao movimento de

reavivamento na América do Norte, deflagrado por volta de 1906, especialmente com o

movimento da Rua Azusa.

Quase que simultaneamente à entrada de Luigi Francescon no sul do país, chegaram

ao Brasil, vindos dos Estados Unidos, os missionários Daniel Berg e Gunnar Vingren, de

origem sueca, que à semelhança de Francescon também receberam profecias que os

trouxeram ao Norte do Brasil, vindo a implantar, em 1911, o pentecostalismo na capital do

Pará.

Gunnar Vingren nasceu em uma região do Sudoeste da Suécia, em 1879, filho de um

jardineiro batista. Teve de interromper sua educação escolar com 11 anos de idade.

Trabalhou como jardineiro até 1903, quando seguiu a trilha de parentes para os Estados

Unidos. Teve vários empregos manuais e freqüentou uma Igreja Batista sueca.

Possivelmente com a ajuda financeira desta, Vingren estudou no seminário da

denominação, em Chicago. Em seguida, pastoreou em Igrejas Batistas. Nesse período,

tornou-se pentecostal e pentecostalizou a igreja que pastoreava.

Foi nesse tempo que conheceu Daniel Berg, que também era do sudoeste da Suécia,

filho de um líder batista que havia emigrado aos 18 anos de idade. Nos Estados Unidos,

especializou-se em fundição de aço. Voltando à Suécia, em 1908, descobriu que um amigo

de infância havia se tornado pentecostal. Ele era Lewi Pethrus, posteriormente líder do

movimento pentecostal sueco. Pethrus, pastor de ovelhas e depois sapateiro, havia perdido

popular, nas quais os socialmente subalternos têm participação, ao passo que, nas pequenas seitas,
tem presença o dirigente. Nesse tipo de igreja, a conquista de respeitabilidade traz como obrigação
reclassificar os afiliados segundo critérios não muito explícitos de classe.
35

a fé na divindade de Cristo enquanto estudava em um seminário batista em Estocolmo.

Recuperando sua fé, tornou-se pentecostal na Noruega. Em 1910, Pethrus assumiu o

pastorado de uma Igreja Batista em Estocolmo, a qual foi excluída da denominação, em

1913. Esse rompimento foi fundamental para que sua igreja assumisse uma ação

missionária independente no Brasil, apoiando financeiramente o incipiente trabalho do

amigo Berg e enviando outros missionários.

Influenciado por Pethrus, Berg também teve uma experiência pentecostal enquanto

voltava aos Estados Unidos, em 1909. Conhecendo Vingren, os dois se uniram pelo ideal

missionário. Orando em companhia de um profeta pentecostal sueco, este profetizou que

deveriam ir a um lugar chamado Pará. Não sabendo onde ficava o Pará, localizaram-no em

um Atlas da biblioteca pública.

A escolha do Estado do Pará para iniciar a Igreja Assembléia de Deus não foi

racional, porém, acabou tendo uma racionalidade maior – no sentido de se fazer presente

em todo o país – do que se começasse no Rio ou em São Paulo. Havia um determinado

contexto para a profecia. Na realidade, Pará era uma palavra conhecida na região de

Chicago. Desde o aperfeiçoamento do processo de vulcanização, efetuado por Charles

Goodyear em 1839, a borracha havia se tornado um insumo industrial essencial. Entre 1860

e 1910, a Amazônia reinou absoluta como fornecedora de borracha para a indústria

mundial;32 esse é também o período em que Chicago se tornou o centro industrial dos

32
Caio Prado Junior menciona que a exportação de borracha estava em “contínuo aumento desde
1827, quando se registra um primeiro e modesto embarque de 31 toneladas, e atinge em 1880 cerca
de 7.000 toneladas” e em 1887 se eleva para mais de 17.000 toneladas. O crescimento continuará
interrompido durante mais de vinte anos, de uma parte estimulado pelo crescente alargamento do
consumo mundial e ascensão de preços”. PRADO JUNIOR, C. História Econômica do Brasil. São
Paulo: Brasiliense, 1984, p.236-40.
36

Estados Unidos e o tipo Pará era considerado o padrão mundial de qualidade dessa matéria-

prima. No início do século XX, longe de ser um local desconhecido no canto do mundo, o

Estado do Pará, assim como Belém (Santa Maria de Belém do Grão-Pará), eram conhecidos

naquela época, abrigando centenas de casas de exportação que estavam em contato com o

mundo todo. O nome Pará era uma constante nos centros industriais como Chicago,

principalmente em 1910, quando o governo brasileiro, por meio da política conhecida como

valorização, forçou o aumento do preço da borracha tipo Pará triplicando o preço em

relação aos anos anteriores. Além do fator da exportação da borracha, havia também o

pastor da Igreja Batista em Belém, que era precisamente um sueco emigrado para os

Estados Unidos aos 7 anos de idade. Tratava-se de Erik Nilsson que, desde 1897,

implantava igrejas em toda a Amazônia. Embora tivesse vindo por conta própria ao

Brasil, inicialmente com vistas a uma carreira como pecuarista, é provável que o nome Pará

já tivesse aparecido em relatos seu enviado à comunidade batista sueca nos Estados Unidos.

Vingren e Berg vieram para o Brasil sem sustento garantido e sem apoio

denominacional. O dinheiro para a viagem fora doado por uma igreja sueca de Chicago. No

Brasil, Berg trabalhou por um tempo numa fundição, venderam Bíblias e, ao que tudo

indica, receberam doações esporádicas de amigos do exterior. Contudo, acreditando na

profecia a eles feita ainda nos Estados Unidos, contribuíram grandemente para o

desenvolvimento do movimento pentecostal brasileiro.

Berg e Vingren chegaram a Belém do Pará em 19 de novembro de 1910, ainda

como batistas, e ficaram hospedados, portanto, no templo da Igreja Batista. Apesar da

presença de imigrantes alemães e suíços de origem protestante, e do grande trabalho de

missionários de igrejas evangélicas históricas, o Brasil era quase que totalmente católico.
37

Através dos dois missionários suecos iniciou-se, então, um movimento que alteraria

profundamente o perfil religioso por meio da pregação sobre o batismo com o Espírito

Santo e dos dons espirituais. As igrejas existentes na época – Presbiteriana, Anglicana e

Metodista – ficaram bastante incomodadas com a nova pregação dos missionários realizada

no porão da primeira Igreja Batista da Rua João Balby 406, pois, apesar do espaço exíguo,

os dois missionários recebiam a visita de muitas pessoas.

A princípio não houve divergência com a Igreja Batista em torno das pregações de

Berg e Vingren porque o pastor da Igreja Batista, Erick Nilsson, com quem os dois estavam

hospedados, era simpatizante do pentecostalismo e inclusive dispôs-se a ser batizado com o

Espírito Santo.33 Sua esposa, porém, temerosa, pediu que parasse com essa doutrina. Desde

então, o pastor Erick Nilsson fez-se inimigo declarado da doutrina pentecostal, o que

acabou resultando na cisão do grupo, já que os pregadores da nova doutrina pentecostal

acabaram criando um mal-estar com os da doutrina tradicional batista, como afirma Luis de

Castro Campos Jr: “A doutrina do batismo no Espírito Santo foi o elemento catalisador da

discórdia entre os missionários suecos e a liderança batista local”. 34

33
Cf., OLIVEIRA, J. As Assembléias de Deus no Brasil: sumário histórico ilustrado. Rio de
Janeiro: CPAD, 1997, p. 40.
34
CAMPOS JUNIOR, L. de C., op. cit., p. 31.
38

Berg e Vingren e mais dezenove pessoas35 acabaram sendo expulsos da Igreja

Batista. Convictos e decididos a se organizar, fundaram a Missão de Fé Apostólica, em 18

de junho de 1911, sendo Gunnar Vingren aclamado pastor da nova Igreja e Daniel Berg,

seu auxiliar. O grupo era formado por: José Plácido da Costa, Piedade da Costa, Prazeres

Costa, Henrique Albuquerque, Celina Albuquerque – a primeira crente a receber o batismo

no Espírito Santo –, Maria de Nazaré, Manoel Maria Rodrigues, Jesus Dias Rodrigues,

Jesusa Dias Rodrigues, José Batista de Carvalho, Maria José de Carvalho, Antonio Mendes

Garcia, Manoel Dias Rodrigues, Emilia Rodrigues, Joaquim Silva, Benvinda Silva, Ana

Silva, Teresa Silva, Isabel Silva e João. Em 1911, inicia-se a Missão da Fé Apostólica e,

somente em 1918, o nome Assembléia de Deus é adotado oficialmente. 36

2-2 – A Expansão

Em poucas décadas, a Assembléia de Deus começou a penetrar a partir de Belém do

Pará, onde nasceu, em muitas vilas e cidades até alcançar os grandes centros urbanos, como

São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre, fazendo dela, como ainda hoje, a

mais importante Igreja Pentecostal do Brasil. André Corten menciona que é a “mais

35
Há um dado conflituoso em todos os relatos acerca do número de pessoas excluídas da Igreja
Batista, em 1911. Abraão de Almeida cita 19 pessoas. Cf., ALMEIDA, A. História das Assembléias
de Deus no Brasil. Rio de janeiro: CPAD, 1982, p.27. David Berg, 18 pessoas. Cf.,BERG, D.
Daniel Berg: o enviado de Deus. Rio de Janeiro: CPAD, 1995, p.97. Emilio Conde registra 17
pessoas Cf., CONDE, E. Op. cit., p.32. Ivar Vingren menciona 18 pessoas Cf., VINGREN, Ivar.
Gunnar Vingren, o diário do pioneiro. Rio de Janeiro: CPAD,1973, p.33. E Joanyr Oliveira cita 19
pessoas excluídas. Cf., OLIVEIRA, Joanyr. Op. cit., p.51. Em todas as obras aqui citadas, há listas
dos nomes que não combinam com os números informados, Emilio Conde registra 17 excluídos,
mas relaciona 20 nomes. A explicação provável pode estar no próprio Emilio Conde, em sua obra
História das Assembléias de Deus no Brasil, publicada pela CPAD, quando diz que “dessa lista, 17
eram membros ativos e outros menores”. Em minha dissertação, registro uma lista de 19 nomes de
excluídos.
36
Cf., OLIVEIRA, J., op. cit., p. 59.
39

importante do mundo em número de fiéis: pelo menos cinco milhões”. 37 Para Paul Freston,

a cifra chega a 7 milhões de fiéis.38

De acordo com os dados do Censo 2000, a Assembléia de Deus é a maior

denominação evangélica do Brasil. No ano de 2000, a Assembléia de Deus tinha 8,1

milhões de fiéis – 31% dos 26 milhões de evangélicos brasileiros e 46% dos de origem

pentecostal. Em 1991, tinha 2,4 milhões de fiéis, de acordo com o IBGE. Representava

29,6% dos pentecostais e 18,4% do total de evangélicos do país. Segundo a Revista Veja,

totaliza 22.000 templos e 21.000 pastores.39

A atenção ao padrão rigoroso de treinamento de obreiros leigos, a mobilização total

dos fiéis e a prática de um proselitismo aberto e ostensivo, facilitaram sua organização e

expansão de maneira a torná-la uma igreja protestante nacional por excelência no intervalo

de somente uma geração. Em alguns estados do Norte, o protestantismo praticamente

reduzia-se a ela. Não obstante, podemos considerar que a recepção tenha sido limitada. 40

Fazendo da obra missionária a principal meta de suas atividades no país, a Assembléia de

Deus expandiu-se com seu trabalho religioso para outras regiões criando grupos e

possibilitando as condições de seu crescimento. A esse processo, Francisco Cartaxo Rolim

dá o nome de “nucleação”.41

O trabalho religioso se começava com leitura da Bíblia, cânticos, curtas


pregações sobre o poder de Deus, executado por um, dois ou três crentes,
logo se tornava trabalho religioso dos poucos assistentes. Estes aprendiam os

37
CORTEN, A., op. cit., p. 66.
38
Cf., FRESTON, P., op. cit., p. 76.
39
EDWARD, J. A força do senhor. Veja. A nação evangélica. São Paulo: Abril, 3/7/2002, p. 89-95.
40
Paul Freston mostra que era inferior a 11% o total dos pentecostais de missão, excluídos os
luteranos, em 1930. Cf., FRESTON, P., op. cit.
41
ROLIM, F. C. O que é pentecostalismo. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 36.
40

cânticos, iam aos poucos conhecendo a Bíblia, os episódios enaltecedores do


poder de Deus entrando-lhes na mente: orar com as próprias palavras era
coisa que agradava e despertava emoção. Se havia dirigente, era o grupo
inicial o agente produtor de bens religiosos. Os depoimentos iam
despontando, simpatizantes iam abraçando a nova modalidade religiosa.
Participantes do grupo sentiam a necessidade de ajudá-los. Ofertas ou dízimo,
trabalho material gratuitamente prestado, tudo isso nascia da base sem ser
imposto. Nesse processo de nucleação o que contava mais era a
continuidade.42

À semelhança do que ocorrera no Pará, a Assembléia de Deus, em São Paulo,

obedecendo ao mesmo padrão de crescimento urbano em áreas onde se concentravam os

migrantes rurais43 que compõem a população favelada e com elevado potencial de

conversão, estabeleceu seu embrião na periferia da capital. Em 1927, chegavam a São

Paulo Daniel Berg e sua esposa, Sara, quando realizaram o primeiro culto em uma casa

alugada na Vila Carrão, um bairro periférico distante do centro de São Paulo. Surgiu, então,

uma filial da Igreja Evangélica Assembléia de Deus, ligada ao Ministério Missão – Belém,

que atualmente tem como pastor-presidente o Sr. José Wellington Bezerra da Costa.44

42
Idem. Pentecostalismo: Brasil e América Latina. p. 45.
43
A característica migratória da população decorre dos problemas e transformações sociais e
culturais, evidenciam um vazio nas pessoas pelo desarraigamento e pela desestruturação da relação
social e afetiva, tornando-se, então, um campo propício à pregação do evangelho. Assim, o mapa do
fluxo de crescimento da Igreja acompanha o mapa do fluxo migratório do país. Isto lhe confere a
abrangência geográfica que hoje possui. Cf.,VALIM, A. Migraçoes: da perda da terra à exclusão
social. São Paulo: Atual, 1996, p. 12-42; Cf., MARICATO, Erminia. Habitação e Cidade. São
Paulo: Atual, 1997, p. 30-40.
44
A Assembléia de Deus se encontra atualmente dividida em ministérios, cada um composto por
pastores, evangelistas e presbíteros. O “Ministério Missão – Belém” é o tronco principal, oriundo da
obra pioneira dos missionários suecos, em 1911. Este se desdobrou em outros ministérios, entre
eles, o de “Madureira”, tendo sua própria convenção – CONAMAD – que abrange o Rio de Janeiro
e, devido ao seu grande crescimento, ganhou destaque especial. Foi desligado da Convenção Geral
das Assembléias de Deus no Brasil em 1988, na Assembléia Geral Extraordinária que ocorreu em
Salvador, presidida pelo pastor José Wellington Bezerra da Costa, na qual o fato mais relevante foi
o desligamento dos obreiros do Ministério de Madureira. Esta cisão tem alimentado o conflito
interno em que a Igreja se acha envolvida. Há outros ministérios que surgiram devido à ocorrência
de cisões de cunho político ou em relação à “doutrina dos usos e costumes”, tais como: Ministério
do Ipiranga, Ministério da Barra Funda, do Peru, Boas Novas e Assembléia de Deus Betesda, que
também organizou sua própria convenção.
41

Apesar da manutenção de seu dinamismo, a fase de implantação e expansão mais

acelerada da Assembléia de Deus ocorreu entre as primeiras décadas até os anos de 1940,

período definido por Paul Freston como o da primeira onda do pentecostalismo, 45 sendo o

momento da origem e de sua expansão para todos os continentes, caracterizando-se pela

ênfase na glossolalia. Uma segunda onda surgiu entre os anos de 1950 e início dos anos de

1960, coincidindo com o declínio da política desenvolvimentista, provocando um aumento

dos setores intermediários pelo avanço das relações capitalistas no campo. O contexto de

urbanização acelerada e de formação do proletariado que acompanhou o pós-guerra gerou

as condições para a fragmentação e o crescimento pentecostal, capaz de romper com as

limitações dos modelos existentes, especialmente em São Paulo, onde começava a

proliferar os grupos de cura divina.46

A terceira onda – considerada como a do pentecostalismo autônomo, trazendo o

predomínio do trinômio cura-exorcismo-prosperidade – sobreveio a partir do fim dos anos

de 1970, já no declínio do período de modernização autoritária do país, quando a

urbanização já atingia dois terços da população e o milagre econômico havia se exaurido.

Esse novo modelo de pentecostalismo ganharia, entretanto, um impulso maior na década

seguinte, um fenômeno que irradia e se firma a partir do Rio de Janeiro, dentro do quadro

de violência urbana e política populista que acompanhou sua decadência econômica. A

45
FRESTON, na sua tese de doutorado: Protestantes e política no Brasil, pela UNICAMP em 1993,
desenvolve uma classificação metafórica do movimento pentecostal, retratando os ímpetos
expansionistas como ondas sucessivas de implantação de igrejas e/ou seitas. Diferentes
classificações e/ou tipologias foram desenvolvidas por outros pesquisadores. Cf., BITTENCOURT
FILHO, J. Pentecostalismo autônomo. In: Alternativas dos desesperados: como se pode ler o
pentecostalismo autônomo. Rio de Janeiro: CEDI, 1991.; Cf., MENDONÇA, A. G. Um panorama
do protestantismo brasileiro atual. In: LANDI, L. Tradiçoes religiosas no Brasil. Rio de Janeiro:
Cadernos do ISER, nº 22, 1989.; Cf., MENDONÇA, A. G. & VELASQUES FILHO, P., op. cit.
42

todas essas ondas a Assembléia de Deus tem sobrevivido sempre com fôlego renovado, o

que contribui para destacá-la perante outras denominações religiosas.

2-3 – Os Desafios Contemporâneos

A nacionalização da Igreja Assembléia de Deus, por ter ocorrido quando a Igreja

ainda tinha o predomínio nortista-nordestino, contribuiu para estruturar uma característica

que subsiste até hoje, ou seja, uma proporção elevada de nordestinos na cúpula nacional,

geralmente de origem rural, que carrega as marcas dessa dupla origem, isto é, da

experiência sueca de marginalidade cultural das primeiras décadas do século e da sociedade

patriarcal e pré-industrial do Norte-Nordeste que vigorou entre os anos de 1930 e de 1960.

Paul Freston assinala isso como de grande importância para entender a trajetória da

Assembléia de Deus no Brasil afirmando que “a Assembléia de Deus tem um ethos sueco-

nordestino. Começou com os nórdicos e passou para os nordestinos. Sem entender as

marcas dessa trajetória não se entende a Assembléia de Deus”.47

As Assembléias de Deus no Brasil têm uma relação interna de poder que pode ser

caracterizada por um sistema de governo autoritário, oligárquico e caudilhesco. Surgiu para

facilitar o controle pelos missionários e depois foi reforçado pelo coronelismo nordestino.

Na realidade, é uma complexa teia de redes compostas de igrejas-mães e congregações

dependentes, cada uma com áreas geográficas definidas, mas não necessariamente

contíguas, o que dá margem a controvérsias constantes sobre invasão de campo. O pastor-

46
Cf., SOUZA, B. M., op. cit., p. 56.
47
FRESTON, P. Breve história do pentecostalismo brasileiro. In: ANTONIAZZI, A. Nem anjos nem
demônios: interpretações sociológicas do pentecostalismo. Petrópolis: Vozes, 1994, p.76.
43

presidente comanda uma rede de 50 a 100 igrejas dependendo do tamanho da cidade,48 o

que facilita uma grande concentração de poder político e financeiro.

Os assembleianos desenvolveram uma consciência de contracultura muito forte.

Uma síndrome de perseguição e de conspiração gerou mecanismos de autopreservação

através da criação de um mundo alternativo, como por exemplo, o casamento endogâmico,

os ritos, a Igreja criando atividades durante toda a semana para manter ali o crente,

fortalecendo e sacralizando o momento histórico do passado. O comportamento puritano,

exigência maior nas pequenas congregações, pressupõe o cumprimento estreito de uma

disciplina moral caracterizada pelo negativismo dos costumes – não fumar, não beber, não

dançar –, levando a um isolamento progressivo da vida mundana. As roupas e os costumes

de quando o pentecostalismo se iniciou são preservados naturalmente, pois, para eles, não

representam o costume de uma época ou lugar, mas são sagrados.

Muito embora receba a influência dos Estados Unidos, a convivência tem sido

marcada desde seu início, por volta de 1934, por dificuldades de aceitação. Estas se referem

não só ao padrão de vida ostensivo dos missionários norte-americanos, destoante da

austeridade dos antigos suecos e nordestinos,49 como à importância atribuída por parte dos

48
Exemplo disso é o Ministério do Belém, em São Paulo, onde o pastor-presidente é José
Wellington Bezerra da Costa, presidente da Convenção Geral das Assembléias de Deus, presidindo
mais de 70 Igrejas e congregações na Grande São Paulo e interior do Estado, tendo como vice-
presidente o seu filho, José Wellington Costa Junior. O mesmo ocorre na cidade de Mauá (Grande
São Paulo): o pastor Joaquim Marcelino da Silva, que foi o segundo pastor-presidente do campo de
Santo André, de 1954 a 1957, voltou a presidi-lo de 1963 até 1981; em 1983, assumiu o campo de
Mauá e transferiu, em 1986, o poder para seu filho, o pastor Samuel Marcelino da Silva, que
permanece até hoje como presidente desse campo. Com um total de 4 mil membros em 34
congregações, situadas todas na periferia da cidade de Mauá, somente a sede de onde ele comanda
está situada no centro da cidade, com 600 membros ativos.
49
Segundo Albert W. Brenda, o primeiro missionário vindo dos Estados Unidos chegou ao Brasil
em 1934, mas houve dificuldades de aceitação por parte dos suecos e brasileiros. Ele assinala que
uma das razões pode ter sido financeira. “Quando um americano chegou, desembarcou com seu
Chevrolet do ano e alugou um apartamento em Copacabana”. Os missionários americanos passaram
44

americanos à educação teológica e sua atitude mais flexível em relação aos costumes que,

aos poucos, começam a mudar.

A mobilidade social que se vem processando a cada nova geração eleva o nível de

escolaridade e, como conseqüência, acentua o conflito, embora ainda não resulte em uma

diferenciação significativa de classe entre liderança e povo, o que é previsível à medida que

a formação intelectual provoque sensível desnível de consciência entre líderes e liderados.

Assim, se de início a ausência de formação intelectual era compensada pelo fervor

religioso, hoje, o maior acesso de pentecostais às escolas e mesmo às universidades vem

alterando o perfil do crente. Essa geração mais jovem e com melhor nível de instrução

representa o germe da renovação dentro da Igreja e tem servido para alimentar os conflitos

com os pastores mais antigos. Estes reagem alimentando o fervor conservador, pois temem

ceder espaço a um clero mais jovem e crítico, porta-voz de uma teologia política e uma

moral mais sofisticada e liberal, muitas vezes fora do alcance de sua compreensão.

Na Igreja Assembléia de Deus, é possível afirmar que há grande preocupação por

parte da liderança em preservar sua identidade pentecostal, principalmente em se tratando

dos usos e costumes, o que a diferencia de outros grupos pentecostais,50 principalmente

daqueles que se envolvem mais a fundo com o trinômio cura-exorcismo-prosperidade que

a ser vistos como “mundanos”. O crescimento do pentecostalismo nos Estados Unidos, após a
explosão inicial, foi lento, até o seu ressurgimento repentino durante a Depressão. A partir de então,
os tabus comportamentais, que no começo atingiam atividades fora dos horizontes sociais dos
membros, passaram a ser disfuncionais e foram relaxados. Esse processo foi bem mais rápido nos
Estados Unidos do que na Suécia ou no Brasil. Cf., BRENDA, A. W. Ouvi um recado do céu. Rio
de Janeiro: CPAD, 1984, p.89.
50
Cf., MARIANO, R. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo:
Loyola, 1999.
45

sinaliza mudanças.51 O mesmo acontece com os cultos, principalmente os realizados nas

igrejas-mães que congregam a maioria dos fiéis em ascensão social, os quais tornam-se

mais comedidos e levam o retraimento aos mais humildes; estes se contentam com as

congregações dos bairros de periferia. Algumas características da Igreja que anteriormente

eram tidas como virtude, como a de estar alheio às questões sociais (enquanto seita

conversionista, tinha a promessa de mobilidade após a morte), são hoje vistas de modo

diferente. O conservadorismo que levava a evitar as questões políticas foi substituído a

partir da segunda metade da década de 1980 pelo ativismo político.52

O discurso fácil e penetrante, a canalização dos bens da religião diretamente para os

problemas mais cadentes das classes operárias, como doença, emprego ou, mais

recentemente, o desemprego, os conflitos familiares, a garantia de segurança após a morte e

o incremento de valores tidos como imutáveis, o combate a outras religiões concorrentes e

à personificação do mal – o diabo, personalizado nas dificuldades do cotidiano que as

camadas populares enfrentam – converteram a Assembléia de Deus em um grupo

eclesiástico de alto apelo popular, nesse momento de profunda crise social causada por um

modelo econômico que a cada dia se faz mais acentuadamente discriminatório e

concentrador de renda.

A conjunção desses elementos tem contribuído para a sua transformação. Os

membros economicamente bem-sucedidos deixam-na ou a remodelam segundo sua nova

51
Refiro-me aos grupos neopentecostais, nos quais seus membros são liberados dos usos e
costumes, e praticantes da teologia da prosperidade. Entre esses grupos estão Igrejas como a
Universal do Reino de Deus, a Renascer em Cristo e a Igreja Internacional da Graça de Deus.
52
Para Paul Freston, a mudança de postura política por parte da Assembléia de Deus, em 1985, foi
fundamental para que o fenômeno político protestante tivesse abrangência nacional. Tanto pelo
46

posição social,53 rejeitando não só os elementos disfuncionais do moralismo restritivo, mas

a própria tendência a idealizar teologicamente a pessoa humilde, tornando-a mais parecida

com o protestantismo histórico. Nesse processo, a Assembléia de Deus vem se

diversificando em termos sociais, mas enfrenta opções contraditórias diante de sua nova

realidade. Fazendo-se presente em todas as classes sociais, hesita entre o desejo de aderir

explicitamente a valores burgueses e a preservação da tradição assembleiana de um

determinado populismo religioso que tende a se glorificar na escolha dos humildes por

parte de Deus. “O desejo de respeitabilidade, anátema para os pais fundadores, agora se

justifica estrategicamente: o pobre se entrega mais a Deus quando vê o rico se

entregando”.54

Nos costumes, é flagrante a mudança que vem ocorrendo de forma acelerada em

relação aos trajes e à aparência dos crentes; e mesmo na aceitação de comportamentos antes

prescritos, impulsionados pelas gerações mais jovens e com um padrão mais elevado de

escolaridade e de participação social e política. No entanto, o contexto eclesiástico em que

terão que agir é bastante desfavorável à continuidade de tais atitudes. Os jovens prefeririam

um sistema mais congregacional55 e, naturalmente, mais profissional, o que me permite

concluir que a luta seja entre a autoridade tradicional que apela ao fiel para que cumpra a

tradição assembleiana, e os jovens pastores que querem liberdade para inovar nas

congregações. Como coloca o pastor Geremias do Couto, “está havendo uma deturpação

tamanho (cerca de 35% do campo protestante), como pela dispersão geográfica, era a única Igreja
capaz de imprimir uma dimensão nacional à irrupção política. Cf., FRESTON, P. op. cit., p. 35.
53
Na década de 1980, foi criada a Associação de Homens de Negócio do Evangelho Pleno –
ADHONEP seguindo o modelo norte-americano.
54
BRANDÃO, C. R., op.cit., p. 262.
55
O modelo congregacional tem como instância máxima à congregação, onde são decididas as
questões que a envolvem.
47

dos postulados histórico-pentecostais das Assembléias de Deus, que [...] hoje sofrem os

efeitos da institucionalização”.56

As principais lideranças da Assembléia de Deus enfatizam que não se deve perder

de vista o modelo deixado pelos primeiros missionários. Com isso, em 1997, criou-se o

Conselho de Doutrina da Convenção Geral para cuidar dos assuntos voltados às questões

morais. Na consolidação da estrutura da Assembléia de Deus no Brasil, a ênfase dos

princípios doutrinários que caracterizam a igreja como autenticamente pentecostal tem sido

uma constante. Entre esses princípios, destacam-se os pontos voltados para os costumes

rígidos, tais como: as mulheres devem usar cabelos compridos, não usar batons,

maquiagens pesadas, calça comprida; e, para os homens: cabelo curto, barbeado, e se for

obreiro, usar terno e gravata etc. O pastor José Wellington, presidente da Convenção Geral

das Assembléias de Deus, declarou: “Não é costume da Assembléia de Deus o uso de

pinturas, brincos etc. Não somos retrógrados, desejamos apenas nos conservar

irrepreensíveis [...] Não danifique a Assembléia de Deus, ame-a ou deixe-a”.57

Nos estatutos da instituição estão registrados os principais objetivos da igreja:

promover a união e incentivar o progresso moral e espiritual das Assembléias de Deus,

manter e propagar o desenvolvimento da Casa Publicadora da Assembléia de Deus –

CPAD sem, no entanto, limitar a liberdade de ação inerente a cada igreja nem determinar

atividades. Além dessas especificações contidas nas Disposições Gerais, há outro artigo

esclarecendo que nenhuma Assembléia de Deus poderá viver isoladamente, “sendo

56
COUTO, G. do. Assembléia de Deus no futuro. Mensageiro da Paz. Órgão informativo das
Assembléias de Deus no Brasil. 7/1989, p. 3.
57
COSTA, J. W. B. da. Nossa Identidade. Mensageiro da Paz. Órgão informativo das Assembléias
de Deus no Brasil. 2/1991, p. 2.
48

obrigatória à interligação das Igrejas Evangélicas Assembléias de Deus no Brasil com a

finalidade de determinar responsabilidades perante a Convenção Geral ou perante as

autoridades constituídas”.58

Desde os primórdios da Assembléia de Deus, estava presente em sua liderança a

importância da literatura como veículo doutrinário e evangelístico. Organizou-se então, em

1937, a CPAD que, seguindo os passos da Igreja, tornou-se a maior editora evangélica

pentecostal da América Latina. Ela é administrada por um Conselho representado por uma

diretoria que exerce funções empresariais de editoração, publicando mensalmente o jornal

Mensageiro da Paz. A revista Ensinador Cristão tem como propósito discutir e dar suporte

teológico a professores da escola dominical; a Geração JC está voltada para os assuntos

do Círculo Jovem Cristão, trazendo matérias sobre violência, drogas etc.; a Mulher – Lar

& Família discute o papel da mulher na Igreja e no lar juntamente com a família; a

publicação trimestral das Lições Bíblicas é destinada à escola dominical, unificando o

ensino doutrinário e teológico nas igrejas Assembléias de Deus que são ligadas à

Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil – CGADB. Todas as publicações da

CPAD passam pelo “Conselho de Doutrina” para assegurar a defesa da doutrina

pentecostal.

Elinaldo Renovato de Lima, que é pastor e integra o ministério da Assembléia de

Deus no Rio Grande do Norte, é comentador das lições bíblicas dominicais das

Assembléias de Deus, professor universitário e bacharel em Ciências Econômicas. Ele tem

seus livros publicados pela CPAD, dois dos quais irei analisar nesta dissertação:

58
OLIVEIRA, J., op. cit., p.134.
49

“Aprendendo diariamente com Cristo: como viver a vida cristã em um mundo em conflito”;

e “Ética Cristã: confrontando as questões morais de nosso tempo”. Os mesmos

ensinamentos verdadeiros nos tempos bíblicos são para o autor de igual forma verdadeiros

hoje em dia e aplicáveis às diversas questões da vida do crente, ou seja, defendem uma

aplicação da Bíblia de forma literal.59 Em “Ética Cristã: confrontando as questões morais

de nosso tempo” ele afirma que:

59
Segundo Elinaldo Renovato de Lima, em sua obra Ética Cristã, a Bíblia é a palavra inspirada e
revelada por Deus, imutável e infalível, portanto, a revelação da vontade de Deus para o ser
humano. Constitui-se, assim, no fundamento para a moral que, segundo ele, pode ser entendida
como um conjunto de regras de conduta. Cf., LIMA, E. R. de. Ética Cristã, p. 8-27. Nesse aspecto,
Elinaldo Renovato de Lima tem uma leitura bíblica do conservadorismo protestante norte-
americano que, no final do século XIX, representava uma reação ao liberalismo teológico. Os
conservadores pleitearam para si a condição de ter um Cristianismo verdadeiro, passando a fazer
uma interpretação literal da Bíblia, na qual esta assumia a condição de fonte exclusiva do
conhecimento de Deus. O Conselho de Doutrina da Convenção Geral das Assembléias de Deus no
Brasil expõe sua forma de leitura bíblica expressando que “a autenticidade da Bíblia baseia-se na
sua infabilidade e inerrância. Os atributos da divindade são por ela revelados. Ela é autêntica em
tudo, pelo fato de o próprio Deus ser o seu autor, e o Espírito Santo, seu Inspirador. Nela são
autênticas e inerrantes as revelações e os fatos narrados. Em face dos mais densos ataques da Escola
Alemã desferidos contra as Escrituras, o fundamentalismo, movimento antiliberal do século XIX,
saiu em defesa da inspiração plenária das Escrituras. A inspiração plenária da Bíblia é fato
incontestável porque assuntos vitais como expiação, salvação, ressurreição, recompensa e castigo
futuro requerem a direção de um Espírito infalível a fim de se evitar informações que levem ao
erro”. CGADB, Conselho de Doutrina da. Manual de Doutrinas das Assembléias de Deus no
Brasil. Rio de Janeiro: CPAD, 2000, p.18-20. A leitura fundamentalista da Bíblia é um
entendimento literalista do texto bíblico, que considera sua forma final como a expressão verbatim
da palavra de Deus e a vê como clara, simples e sem ambigüidade. Normalmente, recusa-se a usar o
método histórico-crítico ou qualquer outro suposto método científico de interpretação e não levam
em conta as origens históricas da Bíblia, nem o desenvolvimento de seu texto ou suas diversas
formas literárias. Essa maneira de ler a Bíblia originou-se, em última instância, de uma ênfase no
sentido literal da Escritura na época da Reforma, em reação à interpretação alegórica do fim da
Idade Média. Entretanto, no período ulterior ao Iluminismo, surge formalmente entre os
protestantes como baluarte contra a exegese liberal do século XIX. O nome "fundamentalismo"
deriva de um documento publicado pelo Congresso Bíblico Americano realizado em Niágara,
Estado de Nova York, em 1895. Nele, protestantes conservadores, reagindo contra o darwinismo, o
progresso científico na biologia e na geologia, e a interpretação liberal da Bíblia no século XIX,
formularam uma declaração de cinco pontos sobre doutrinas a serem mantidas, mais tarde
chamados de "cinco pontos do fundamentalismo", que eram eles: a inerrância verbal da Escritura, a
divindade de Cristo, seu nascimento virginal, a doutrina da expiação vicária e a ressurreição
corporal quando da segunda vinda de Cristo. Para assegurar esses pontos, insistia-se sobre "o que a
Bíblia diz" em um sentido literal de fato. Segundo Joseph Fitzmyer, a forma de apresentar essas
doutrinas fundamenta-se em uma ideologia que não é bíblica, apesar das alegações de seus
representantes, pois exige adesão firme a rígidas atitudes doutrinárias e uma leitura sem
50

a ética não-cristã varia conforme o tempo, o lugar, e o que a maioria da


sociedade entende quanto ao que é certo e errado. Com o cristão, esse
entendimento não tem acolhida, pois, seu código de ética que é a Bíblia
Sagrada aponta princípios firmes e permanentes, os quais podem e devem ser
considerados e obedecidos, em todos os tempos, em todas as culturas, e em
todos os lugares.60

O comportamento esperado dos convertidos é que prossiga em uma vida de

crescimento espiritual, de santificação, traduzida por sua dedicação à obra do senhor e à

observância das normas de conduta adotadas pela comunidade assembleiana. Portanto, o

conceito de conversão na Assembléia de Deus tradicional é o abandono de uma vida

passada, ou seja, aquele que se converte “deve mostrar ter morrido para o mundo e

renascido para Cristo, vivendo agora em novidade de vida”61 ainda que a velha vida tenha

trazido fama, dinheiro e posição social, esta deve ser abandonada, pois o mundo é símbolo

de pecado e decadência. Outro aspecto ligado à conversão é que o crente deve ser submisso

às determinações e deveres impostos pelos líderes, sobre o que deve ser cumprido e as

proibições de omissão para realizar o ideal de vida que os crentes propõem dentro da

santidade exigida pelo pentecostalismo da Assembléia de Deus. Determina-se, com isso,

questionamentos ou críticas da Bíblia como única fonte de ensinamento sobre a vida cristã e a
salvação. Seu apelo é ao "senso comum", porque a Bíblia não pode conter erros, portanto, nenhum
erro histórico. De maneira intolerante, exerce uma influência nas pessoas que é quase a de um
"culto" ou "seita" extremista. Ao não levar em conta o caráter histórico da revelação bíblica, a
leitura fundamentalista não admite que a Palavra de Deus inspirada tenha sido expressa na
linguagem de autores humanos que podem ter tido capacidades extraordinárias ou limitadas e
escreveram em diversas formas literárias. Conseqüentemente, tende a tratar o texto bíblico como se
ele tivesse sido ditado palavra por palavra pelo Espírito e considera o autor humano mero escriba
que registrou a mensagem divina. Além disso, dá indevida ênfase à inerrância de detalhes, em
especial os que supostamente dizem respeito a acontecimentos históricos ou questões científicas.
Ignora os problemas apresentados pelos textos hebraicos, aramaicos e gregos originais e, muitas
vezes, se prende a determinada tradução ou edição da Bíblia. Cf., FITZMYER, J. A. A Bíblia na
igreja. São Paulo: Loyola, 1994, p. 65-9.
60
LIMA, Elinaldo Renovato de. Ética Cristã, p. 16.
61
CGADB, op. cit., p. 44.
51

um conjunto de ações que os fiéis realizam como expressão de sua relação com Deus e de

sua pertença à comunidade.

No discurso da maior parte das Igrejas Assembléia de Deus condenam-se os valores

que julgavam e julgam serem mundanos, provocadores de danos à sua espiritualidade.

Condenação ao mundo atual com suas tentações, corrupções e inovações, que estão muitas

vezes contra os princípios puritanos e principalmente contra os movimentos de santidade

“holiness”, que foram iniciados nos Estados Unidos. Ainda hoje, esses traços se fazem

sentir nos discursos e pregações dos crentes da Assembléia de Deus, tanto nos púlpitos das

Igrejas, como na literatura. É muito utilizado o esquema dos mandamentos 62 de Deus para

expor as exigências morais do cristão, permanecendo a matiz legalista dogmática63 em toda

concepção moral. São, portanto, os usos e costumes rígidos que estão intrínsecos na

doutrina e nos valores desse grupo.

3 – IGREJA ASSEMBLÉIA DE DEUS BETESDA

3-1 –Origem

A Assembléia de Deus Betesda não nasceu Igreja e nem o pastor Ricardo Gondim

Rodrigues, que hoje é seu presidente, foi seu fundador, embora ele tivesse conspirado

durante muitos anos antes do dia em que ela se iniciou. Ricardo Gondim morava nos

Estados Unidos e, enquanto viajava pelo Brasil como intérprete das reuniões evangelísticas

62
Cf., VIDAL, Marciano. Moral de atitudes: moral fundamental. São Paulo: Aparecida, Editora
Santuário, vol. II. 1978, p.770.
63
Ibid., p. 771.
52

lideradas pelo missionário Bernhard Johnson,64 conversava com seu amigo Ademir

Siqueira Gonçalves sobre suas inquietações dentro da Assembléia de Deus brasileira. E

Ademir Siqueira lhe confidenciou: “ainda começo um centro evangelístico que alcance os

universitários e os profissionais liberais”.65 Por vários anos Ricardo Gondim, juntamente

com seu amigo Ademir Siqueira passaram sonhando e idealizando o projeto.

No início da década de 1980, Ademir Siqueira, pregando em uma conferência

missionária na Assembléia de Deus em Fremont, na Califórnia, foi convidado pelo pastor

Robert Goree a iniciar um trabalho de evangelização paraeclesiástica que pudesse alcançar

universitários, profissionais liberais e a classe média com a mensagem do evangelho. Logo

depois, nascia em Fortaleza (CE) a Missão Betesda, em março de 1981, que seria

financiada nos três primeiros anos pelo pastor Robert Goree. O dinheiro enviado ao Brasil

chegava diretamente para Ademir Siqueira, sem passar pelas mãos de Bernhard Johnson,

organizador das missões evangelísticas das Assembléias de Deus no Brasil. Isso deixou

arranhado o relacionamento entre Bernhard Johnson e a Missão Betesda.

Uma reunião evangelística foi organizada, o pastor Robert Goree pregou em

Fortaleza, e um grupo de louvor americano – os The Dewes – cantou durante o louvor. O

culto evangelístico aconteceu na Praça Clóvis Beviláqua e um professor da faculdade de

64
Nascido nos Estados Unidos, chegou ao Brasil em 1957. Foi pastor no sul de Minas Gerais e
fundou a Convenção Estadual das Assembléias de Deus daquele estado. Em 1964, tornou-se
missionário e fundou a Cruzada Boas Novas que, mais tarde, passou a chamar-se Cruzada Bernhard
Johnson, atuando no Brasil e em mais de 70 países no mundo. Foi fundador da Escola de Educação
Teológica das Assembléias de Deus – EETAD, com sede em Campinas (SP), e da Faculdade de
Educação Teológica das Assembléias de Deus – FAETAD.
65
GONDIM, Ricardo. Nasce uma Igreja. Disponível na internet.
http://www.ricardogondim.com.br/artigos. Acessado em 06/08/2003.
53

Arquitetura se converteu. Ele seria o crente número um da missão, mas também seria o

primeiro a se afastar, posicionando-se contra o legalismo da Betesda.

Enquanto esses fatos ocorriam em Fortaleza, Ricardo Gondim ainda morava nos

Estados Unidos, terminando seu curso no Gênesis Training Center. 66 Retornou ao Brasil

em julho de 1981, para trabalhar com o missionário Bernhard Johnson, como diretor-

executivo da Escola de Educação Teológica das Assembléias de Deus – EETAD, em

Campinas (SP), uma escola de ensino teológico por extensão. Era um esforço missionário

para dar suporte teológico aos milhares de obreiros leigos do movimento pentecostal.

Durante suas férias, pregando na Missão Betesda, Ricardo Gondim ressaltou:

Antes de rumar para Campinas, paramos em Fortaleza por alguns dias, de


férias. Recordo-me que não fui bem na minha mensagem. Eu voltava muito
americanizado dos Estados Unidos, havia perdido a habilidade de pregar em
minha língua materna. Recordo-me que eu mesmo senti minha pregação
cheia de chavões, pensamentos truncados, anglicismos. Falei e minhas
palavras caíram no vazio. Esse dado é importante porque meses depois seria
convidado para pastorear a Betesda e as poucas pessoas que freqüentavam os
cultos sequer se lembravam de mim.67

Em Campinas, Ricardo Gondim encontrou suas decepções; a primeira, a de ser

rejeitado pelos missionários norte-americanos: por mais americanizado que estivesse, não

poderia considerar-se um missionário dentro da missão; percebia que, mesmo tendo vivido

nos Estados Unidos, havia uma rejeição aos brasileiros, perpetuando a visão colonialista de

que os nacionais não eram dignos dos norte-americanos.68 A segunda decepção foi em

relação ao seu salário. Tratou da quantia que ganharia com Bernhard Johnson, quando

66
Uma escola teológica que preparava homens e mulheres para o trabalho missionário, era
interdenominacional mas seguia a linha pentecostal. Atualmente, esta escola não mais existe.
67
GONDIM, R. Nasce uma Igreja.
68
Cf., Ibid.
54

ainda estava nos Estados Unidos, porém, quando chegou ao Brasil, ouviu que o valor

combinado não poderia aparecer nem ser contabilizado para não levantar questionamentos.

Oficialmente receberia menos e o restante seria dado secretamente por Bernhard Johnson

para completar o acordo.

Mesmo decepcionado, passou a se envolver na administração da EETAD. Contudo,

foi percebendo a cada dia que não havia nascido para ficar resolvendo problemas

administrativos: “Deus me vocacionara para pregar a palavra, ministrar princípios, para

salvar vidas e ordenar famílias”.69 Apesar de tudo, passou a conviver com os dilemas da

organização missionária de Campinas, que era separada da Igreja local.

Eu e minha família não tínhamos uma comunidade de fé. A Assembléia de


Deus em Campinas era retrógrada, legalista e cheia de hipocrisias. Esse clima
me angustiava. Eu me lembro que na manhã do dia 27 de dezembro de 1981
eu e a Geruza choramos na sala de nossa casinha alugada. Estávamos no
lugar errado! Mas ir para onde? O que fazer? Mal sabíamos que nossa vida
mudaria na manhã seguinte.70

Ademir Siqueira era médico e pastor, havia fundado e dirigia a Missão Betesda,

porém, teve uma morte prematura aos 32 anos de idade, em 28 de dezembro de 1981, em

um acidente automobilístico. Ricardo Gondim ficou chocado com a morte do amigo. Dois

dias depois, estava em Fortaleza para prestar condolências à família de Ademir Siqueira e

substituí-lo em um culto que deveria pregar no dia 1º de janeiro de 1982, na Igreja

Assembléia de Deus de Bela Vista.

Assim como ocorreu com Luigi Francescon, fundador da Igreja Congregação Cristã,

e Gunnar Vingren e Daniel Berg, fundadores da Assembléia de Deus no Brasil, que

69
Ibid.
55

receberam uma profecia ainda quando estavam nos Estados Unidos, antes de fundarem suas

respectivas igrejas em solo brasileiro. O fator profético estava presente quando Ricardo

Gondim, após a morte do amigo, recebeu o convite de um grupo de homens e mulheres

orientados pelo pastor Elias Gonçalves Pinheiro, pai de Ademir Siqueira, para dar

continuidade ao projeto da Missão Betesda em Fortaleza. O próprio pastor Ricardo Gondim

ressalta:

Tremi da cabeça aos pés. Eu precisava de tempo para orar, falar com a Geruza.
Naquela mesma noite, a Geruza foi a um culto numa pequena igreja da
Congregação Cristã do Brasil. Lá uma mulher foi tomada em profecia, sem
conhecer a Geruza e sem saber o que se passava, disse-lhe o texto de Josué 1: 1-
9. O capítulo começa dizendo: “Meu servo Moisés está morto”. Culmina
prometendo: “Não fui eu que lhe ordenei ? Seja forte e corajoso! Não se
apavore, nem desanime, pois o Senhor, o seu Deus, estará com você por onde
você andar”. Quando eu telefonei para Geruza contando-lhe do convite, ela
começou a chorar. Deus já confirmara: Tínhamos que voltar para Fortaleza e,
por ordem divina, e em nome de uma grande amizade, transformar a Missão
Betesda em Igreja Evangélica Assembléia de Deus da Aldeota – que passou a
ser Assembléia de Deus Betesda dois anos depois.71

Assim, o pastor Ricardo Gondim assumiu a liderança da Missão Betesda em

Fortaleza, em março de 1982, que em seguida passou a ser a Igreja Assembléia de Deus

Betesda, que em hebraico significa “casa da misericórdia divina”. A expansão da Igreja em

Fortaleza foi fenomenal e a partir daí atingiu outros estados do Brasil.

3-2 – Trajetória de Ricardo Gondim e a Expansão da Assembléia de Deus Betesda

Ricardo Gondim era membro da Igreja Presbiteriana Central de Fortaleza desde o

fim da década de 1960 e dela foi expulso em meados de 1970 em virtude da sua

70
Ibid.
71
GONDIM, R. Nasce uma Igreja.
56

experiência com o pentecostalismo. Nessa mesma época, travou amizade com Ademir

Siqueira, estudante de medicina e presidente da Aliança Bíblica Universitária – ABU, que

freqüentava uma igreja pentecostal, a Assembléia de Deus. Envolvido nessa experiência,

Ricardo Gondim assim se referia ao amigo:

mentor ministerial, o Ademir Siqueira, estudante de medicina, pregava,


lecionava em escolas de preparação leiga para pastores pentecostais e orava
por cura divina. Ele acreditava que o evangelho completo deveria conter a
mensagem da intervenção de Jesus restaurando a saúde das pessoas. Além da
experiência pentecostal em si, chamada de Batismo com o Espírito Santo,
esse era o meu único chão teológico.72

Necessitando de treinamento teológico para se tornar pastor, Ricardo Gondim pediu

a Ademir Siqueira que solicitasse a Bernhard Johnson sua indicação para alguma escola

bíblica nos Estados Unidos. Ele foi indicado ao Gênesis Training Center, na cidade de

Santa Rosa, no Norte na Califórnia. Por esta razão, “na Assembléia de Deus do Ceará,

adquirira um certo respeito por haver estudado nos Estados Unidos e por trabalhar com um

dos mais renomados pregadores pentecostais brasileiros, o missionário Bernhard

Johnson”.73 Dessa forma, Bernhard Johnson também foi seu líder espiritual.

A Assembléia de Deus Betesda retrata a dinâmica e liderança de Ricardo Gondim

Rodrigues, que também é formado em Administração de Empresas e que, em pouco tempo,

atingiu o número de aproximadamente 21 mil membros atuantes e 82 igrejas espalhadas

pelo Brasil.

72
GONDIM, R. Alvorecendo teologicamente. Disponível na Internet.
http://www.ricardogondim.com.br/artigos. Acessado em 06/08/2003.
73
Idem. Frustração que se transformou em benção. Disponível na Internet.
http://www.ricardogondim.com.br/ artigos. Acessado em 06/08/2003.
57

A chegada da Igreja Assembléia de Deus Betesda em São Paulo deu-se em janeiro

de 1991, trazida pelo próprio pastor Ricardo Gondim e sua esposa, Sílvia Geruza F.

Rodrigues, que também é pastora.74 As primeiras reuniões de oração ocorreram em seu

apartamento na Vila Mariana. Ao atingir um núcleo de 35 pessoas, as reuniões passaram a

se realizar no salão de um hotel na Rua Teixeira da Silva, no Flat Lorena. No dia 14 de

março de 1991, a Igreja Assembléia de Deus Betesda foi inaugurada oficialmente em São

Paulo. Com o seu crescimento, foi necessário mudar várias vezes de prédio e endereço,

sempre para bairros de concentração de uma população de classe média de São Paulo,

como Vila Mariana, Campo Belo, que fica próximo ao aeroporto de Congonhas, Moema,

ao lado do Shopping Ibirapuera, e, por último, em um templo próprio que foi inaugurado no

segundo semestre de 2003, localizado na avenida Engenheiro Alberto de Zagottis, no

número 1000, no Jardim Marajoara em São Paulo, contando hoje com um número de

aproximadamente 2500 pessoas freqüentes. Atualmente, conta com cinco igrejas no estado

de São Paulo: São José dos Campos, Morumbi do Sul, Jardim das Fontes, Tatuapé e São

Paulo. Está explícito em seu manual aos novos convertidos: “Temos o compromisso em

fundar igrejas fortes e que prevaleçam, tanto nos centros urbanos estratégicos como

também em lugares pobres e pioneiros.”75

A ação para o surgimento de novas igrejas dá-se de três formas: a partir da reunião

74
Para a Assembléia de Deus tradicional, ligada à Convenção Geral das Assembléias de Deus no
Brasil – CGADB, a consagração feminina ao pastorado é uma verdadeira aberração teológica. A
consagração feminina é aceita em algumas Assembléias de Deus nos Estados Unidos. Como
Ricardo Gondim e sua esposa obtiveram naquele país a sua formação teológica, acabaram por
introduzir essa diferenciação.
75
IGREJA ASSEMBLÉIA DE DEUS BETESDA. Aos nossos membros: histórico da Igreja
Evangélica Assembléia de Deus Betesda, funcionamento, ministérios e documentos da fé. Série
Doutrinas; Editora Imprensa da Fé, 1998, p. 28.
58

de um grupo familiar que deseja alcançar determinada região com a visão da Igreja

Assembléia de Deus Betesda; a partir de um projeto de implantação da igreja em uma

cidade estratégica; ou, então, de um projeto missionário em cidades pequenas consideradas

não-alcançadas por não terem igrejas evangélicas ou por haver menos de 1% de

evangélicos naquele local.

Preocupando-se com o projeto de missões, a liderança da Assembléia de Deus

Betesda estimula e desafia os jovens a se lançarem no trabalho missionário, e motiva a

Igreja a arcar financeiramente com esse programa, realizando anualmente uma conferência

missionária. Atualmente, o Ministério de Missões vem se expandindo para outros países,

como Inglaterra, Moçambique, Japão, Rússia e Índia, demonstrando o desejo de tornar a

Igreja conhecida no mundo inteiro. Como ocorre com a Igreja Assembléia de Deus

tradicional no Brasil, que tem um programa de missões e é conhecida em vários países dos

cinco continentes.

3-3 – A Organização da Igreja Assembléia de Deus Betesda

A Igreja Assembléia de Deus Betesda tem um ministério – o da “Ação Social” –

que é visto pelos fiéis como de grande importância e que tem como objetivo analisar áreas

necessitadas e levar a justiça social tentando amenizar a dor do carente oprimido

socialmente. Acreditando que através da educação poderá romper com a pobreza, vão

tentando levar escolas às crianças carentes dos bairros periféricos, como também

assistência médica e dentária. Contam atualmente com o Centro Educacional Betesda de

Tauá (CE), com 480 crianças; o Centro Infantil Betesda em Fortaleza, no bairro de Antonio

Bezerra, com 600 crianças; o Sítio Betesda também em Fortaleza, no bairro de Granja
59

Portugal, com 800 crianças; o Centro Infantil Betesda em Boqueirão do Cesário (CE), com

320 crianças; a Casa de Transformação Betesda em Lavras (MG), que atende 30

toxicômanos, recupera drogados e alcoólatras. Todas essas escolas provêem material

didático, ensino, médicos, dentistas e refeições diárias. Em São Paulo, há uma distribuição

de sopa a cerca de mil pessoas semanalmente.76

Foi organizado em São Paulo o Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos –

ICEC – para oferecer cursos intensivos de teologia, que funciona no mesmo prédio no qual

se realizam os cultos semanais, promovendo fóruns sobre prática política, justiça social e

questões éticas como aborto, pornografia, guerra etc. A Assembléia de Deus Betesda

realiza um programa semanal de rádio, “Reflexões”, em São Paulo, pela Musical FM 105,7

e Objetiva Sat FM 93,3; em Fortaleza, pela FM Apostólica 96,5, comandado pelo pastor

Ricardo Gondim; e aos domingos, o programa “Encontro Íntimo” voltado exclusivamente

as mulheres, em São Paulo, pela Musical FM 105,7, realizado por sua esposa, a pastora

Sílvia Geruza.

Para o exercício de cargos, tanto homens como mulheres são aptos,

independentemente do seu gênero. Os novos membros do chamado Corpo Ministerial são

indicados pelos já existentes, sendo que pastores recomendam novos pastores, presbíteros

recomendam novos presbíteros e diáconos recomendam novos diáconos, cuja indicação

para ordenação é discutida e aprovada por consenso da Igreja.

A organização da Assembléia de Deus Betesda dá-se através de um colegiado de

pastores, que é o órgão máximo na Igreja, que tem a seu cargo todas as responsabilidades.

76
IGREJA ASSEMBLÉIA DE DEUS BETESDA. Aos nossos membros. p. 55-6.
60

Nele, a consagração de pastores e demais obreiros não ocorre como em outras igrejas da

Assembléia de Deus tradicional, ou seja, como se ganhassem um título ou um cargo para

realizar um trabalho. Na realidade, o que ocorre é o reconhecimento do trabalho que a

pessoa realiza na função de pastor ou presbítero; posteriormente, a partir da aprovação e

desempenho satisfatório diante da Igreja, há a indicação para a consagração definitiva desse

obreiro. Esse princípio é igual para os demais cargos ministeriais dentro da Igreja.

Na igreja Assembléia de Deus Betesda há uma relação muito forte entre o clero e os

leigos, em que a tarefa dos pastores é a de conduzir os membros ao pleno conhecimento de

Deus, equipando-os para o ministério. Há uma rejeição do autoritarismo eclesiástico, bem

como da democracia irrestrita. Portanto, os pastores não devem monopolizar os ministérios,

mas, sim, multiplicá-los, estimulando os outros a usarem seus dons e treinando discípulos

para que tenham condições de formar novos discípulos.

A Convenção é composta por todos os membros do Ministério Betesda, isto é,

pastores, presbíteros e diáconos, que se reúnem ordinariamente uma vez por ano. Tem uma

diretoria executiva, que é escolhida entre os pastores, uma secretaria executiva e uma

assessoria. Há também a secretaria de missões, que tem como objetivo a implementação

das ações missionárias, e a secretaria da ação social, que planeja as ações sociais da igreja

no país.

Acreditando na militância da igreja como agência de Deus na Terra, a Assembléia

de Deus Betesda aceita como co-irmãs quaisquer congregações evangélicas que professem

os princípios fundamentais da fé cristã, tendo a Bíblia como regra de fé e prática, mesmo

que na administração das coisas secundárias possam ser diferentes umas das outras.
61

Repudia, porém, qualquer pensamento, doutrina ou manifestação espiritual que venha ferir

os princípios contextuais da palavra de Deus. O relacionamento com outros ministérios

evangélicos vêm demonstrar que a Betesda não é sectária.

A Assembléia de Deus Betesda não está ligada à Convenção Geral das Assembléias

de Deus no Brasil, portanto, à primeira vista pode-se considerá-la uma dissidente. Ricardo

Gondim, porém, não concorda com essa afirmação:

Nós fizemos questão de, quando nos separamos da Convenção Geral das
Assembléias de Deus no Brasil, manter o nome de Assembléia de Deus
Betesda. Atualmente, eu sinto que estamos mais próximos das raízes das
Assembléias de Deus mundiais do que a própria Assembléia de Deus
brasileira, pois esta não reflete os anseios pelos quais a Assembléia de Deus
no mundo caminha, como por exemplo, nos EUA e na Europa, no qual sua
tendência não é a mesma no Brasil; então, eu me sinto mais próximo com
aquilo que a Assembléia de Deus é hoje no mundo do que a própria
Assembléia de Deus brasileira. 77

Para Ricardo Gondim, a Assembléia de Deus Betesda tem uma teologia do

pentecostalismo clássico, principalmente quando se refere às classificações feitas hoje em

torno do pentecostalismo brasileiro. Para ele, é de suma importância a preservação dos

valores pentecostais78, e, ao mesmo tempo, ter uma mensagem mais contextualizada,

voltada racionalmente para as questões sociais brasileiras. Como ele mesmo esclarece: “A

Betesda é uma igreja da primeira onda, do pentecostalismo clássico, mas que se

contemporanizou, se abriu e que está tentando dialogar com sua época, com sua cultura.”79

77
GONDIM, Ricardo. Entrevista concedida em 19/12/2003. Vide anexo II.
78
A crença nos milagres e no processo de santificação, no batismo com o Espírito Santo e a
glossolalia.
79
GONDIM, Ricardo. Entrevista. Vide anexo II.
62

Pude perceber que grande parte dos membros que freqüentam a Assembléia de Deus

Betesda pertence a uma classe social mais abastada, à classe média, 80 tais como advogados

e médicos. A doutrina dos usos e costumes legalistas não faz parte dos ensinamentos

dominicais ou dos sermões de púlpito. Também o papel da mulher é bem reconhecido,

podendo ela vir a exercer cargos e até chegar ao nível de pastora, o que não é aceito pela

Assembléia de Deus tradicional.

Mesmo não ensinando os usos e costumes legalistas na Igreja, o pastor dá

instruções aos membros para que usem de moderação nos comportamentos práticos, tais

como vestimentas, ornamentos e afins, evitando os exageros desnecessários e contrários à

decência cristã. Os membros devem viver pela palavra de Deus com dedicação e

entusiasmo, e a espiritualidade deve surgir de uma experiência com Deus e não de um

legalismo, que é produto de uma coerção realizada pelos pastores. Portanto, o papel da

Igreja, que segundo os líderes é guardiã da identidade que Deus deu ao ser humano e ao lar,

deve ser o de desenvolver o contato vital com Deus e seus princípios a fim de que estes

possam reger a vida do crente.

Para a Igreja Assembléia de Deus Betesda, os cultos devem ser leves, inspiradores e

inesquecíveis, em que o louvor deva ser capaz de comunicar a mensagem do evangelho

às pessoas. A liturgia deve ser criativa e absorvente. A mensagem desenvolvida pelo pastor

deve ser sólida e centrada nas Escrituras, e, ao mesmo tempo, contextualizada e fácil de ser

entendida tanto pelos crentes quanto pelos descrentes. Há uma preocupação na importância

80
O seu início em Fortaleza tinha como objetivo evangelizar profissionais, universitários e outros
segmentos mais intelectualizados da cidade. Isso não significa, entretanto, que não haja pobres e
analfabetos que freqüentam e fazem parte dessa igreja.
63

da contextualização e renovação dos métodos e esforços evangelísticos. O trabalho de

evangelização deve estar voltado para as necessidades específicas da sociedade a qual

desejam atingir, pois, segundo essa Igreja, os não crentes têm uma cosmovisão diferente da

dos evangélicos. Por isso, sempre é necessário encontrar um meio de fazer conhecida a

mensagem do evangelho.

O desejo da Assembléia de Deus Betesda é o de ser uma igreja pentecostal que

possa refletir e ter uma relevância para a realidade social na qual está inserida. Portanto, seu

conceito de conversão é o de que o sujeito que se converte ao evangelho não sai do mundo,

mas se torna um grande atuante nele, tendo sensibilidade às necessidades do outro, devendo

tomar providências para melhorar a situação daqueles que vivem na privação e que são

negligenciados, tais como famintos, desabrigados e vítimas do preconceito e da opressão.

Deve, porém, viver também uma vida em santidade sem se deixar moldar pelo

mundo. Parte daí que a Assembléia de Deus Betesda tem como objetivo o cumprimento

das obrigações com a sociedade, sendo seus membros cidadãos, ajudando a corrigir as

injustiças sociais e protegendo a santidade em sua vida. Portanto, é necessária a obediência

a Deus e uma forma de ação responsável como cidadãos do país. Deve-se, então, apoiar a

lei e a ordem civil, honrar, respeitar e orar pelos líderes políticos, exercitando sempre o

direito de votar e protestar, principalmente em assuntos relacionados à moral e à justiça.


64

CAPÍTULO II

TEOLOGIA MORAL DAS ASSEMBLÉIAS DE DEUS

Tratei no primeiro capítulo da chegada e desenvolvimento do pentecostalismo no

Brasil e do processo de institucionalização da Igreja Assembléia de Deus, sua expressão

nos usos e costumes de santidade como via do relacionamento com Deus; a obediência à

tradição como preocupação em manter a identidade pentecostal em uma sociedade em

constante transformação, possibilitando com isso o surgimento de outras igrejas por

dissidência política ou por não concordarem com seus métodos ou doutrinas. A Igreja

Assembléia de Deus Betesda é um desses casos, mesmo não concordando em ser uma

dissidente, houve um rompimento com a Convenção Geral das Assembléias de Deus no

Brasil, o que demonstra seu descontentamento com a matriz.

Tentarei pontuar algumas considerações que ajudarão a entender um pouco as

diferenças existentes entre as duas Igrejas que surgiram de um mesmo tronco religioso, ou

seja, do pentecostalismo clássico; como a Igreja Assembléia de Deus Betesda conseguiu

desenvolver um discurso moral diferente, procurando inserir em seu contexto uma


65

interpretação da Bíblia que pudesse satisfazer a classe média e atingir um crescimento

vertiginoso em pouco tempo.

Abordarei neste capítulo a formação do conservadorismo da Assembléia de Deus

tradicional, resgatando os elos entre o pentecostalismo clássico e sua matriz teológica, o

protestantismo. Assim, farei também uma busca na tentativa de dar uma resposta para o

surgimento de dois discursos morais divergentes, a partir de uma mesma tradição teológica,

procurando mostrar os modelos de moral que permeiam tais discursos.

1 – A MORAL CONSERVADORA DAS ASSEMBLÉIAS DE DEUS

Para a compreensão do conservadorismo que sustenta o universo pentecostal e

estrutura o discurso moral da Igreja Assembléia de Deus, precisamos entender a

interpretação da teologia dos avivamentos dada pelo protestantismo em sua feição mais

conservadora, que impulsionou o missionarismo norte-americano, do qual o

pentecostalismo brasileiro fez-se um dos herdeiros. Portanto, pensar a formação do homem

religioso da Assembléia de Deus obriga-nos a resgatar os elos e o distanciamento entre o

pentecostalismo clássico e sua matriz teológica, o protestantismo. Como diz Antônio

Gouveia Mendonça: “A concepção protestante da salvação passou por transformações que

acompanharam as alterações dos diversos contextos históricos. Nesse processo, a relação

com a cultura tornou-se elemento complicador.” 81

Oriundo da reforma do século XVI e aqui aportado a partir de 1850, portanto, quase

sempre posterior aos movimentos avivalistas que proliferavam na Inglaterra e nos Estados

81
MENDONÇA, Antônio Gouveia. Vias da salvação na teologia da Reforma. Rio de Janeiro:
Tempo e Presença. Konoinia, n. 289, set/out. 1996, p. 11.
66

Unidos até meados do século XIX, o protestantismo fez-se portador da mentalidade

evangelical, cuja teologia e ideologia tinham o cuidado de difundir por intermédio de

pregadores e agências evangelizadoras.82 Obediente às suas formas convencionais de

penetração (migração83 ou missão84), distinguia-se da tradição católica, gerando uma

variedade de tendências e instituições, entre elas, o pentecostalismo, autêntico herdeiro do

reavivamento tradicional norte-americano, do qual preservou o emocionalismo e a

disposição para a itinerância evangélica 85.

O conservadorismo que sustenta o universo pentecostal – apologia da autoridade,

sujeição do corpo ao espírito e rejeição ao que é diferente – estrutura sua ética em torno de

três importantes eixos:

 louvação a Deus em qualquer circunstância, pois só a Ele em sua infinita sabedoria

pertence o conhecimento do caminho para a salvação do homem;

 sujeição à autoridade e à ordem estabelecida, que é entendida como divina na

interpretação de epistolas de Paulo, o que implica legitimação da estrutura social e

submissão do homem às instituições sociais;

 respeito aos preceitos morais propostos pela Igreja, que formam um rígido e

ordenado código de comportamento ético, bastante centrado na disciplina do corpo,

considerado empecilho para a elevação espiritual.

82
A mais atuante hoje é a Escola Dominical. Como prática ainda em voga, faz largo uso dos meios
de comunicação de massa.
83
Luteranos alemães restritos às áreas de colonização do sul do Brasil e sem intenção missionária,
atitude não tolerável pelo catolicismo, religião oficial do Império.
84
Presbiterianos, metodistas e batistas oriundos do sul dos Estados Unidos.
85
Cf., BITTENCOURT FILHO, J. Terminologias classificatórias do pentecostalismo. São Paulo:
PUC, 1996; MENDONÇA, Antonio Gouveia. Terminologias classificatórias do pentecostalismo.
São Paulo: PUC, 1996; Cf., OLIVEIRA, P. R. Terminologias classificatórias do pentecostalismo.
67

Tal posicionamento teológico não se faz inerente ao universo protestante, nem

estabelece com ele uma relação necessária. Antes, representa uma reação preservacionista à

leitura fundamentalista da Bíblia.

O espírito da modernidade refletido no liberalismo do século XIX anunciava-se pela

secularização progressiva da sociedade: democratização, libertação do indivíduo em relação

à autoridade, progresso tecnológico, separação Igreja/Estado e concepção evolucionista da

sociedade. Substituía-se a idéia de um mundo feito e estático por outra em que ele se

encontrava em mutação e passível de melhoria, e valorizava-se o indivíduo em detrimento

de qualquer outra forma excessiva de poder. A repercussão deste ideário no campo

religioso impunha a necessidade de se redimensionar papéis e funções da religião face à

ciência, cindindo o protestantismo em torno de duas correntes principais: o liberalismo e o

conservadorismo.

O liberalismo teológico surgiu no protestantismo inglês e estadunidense no final do

século XIX, em um contexto que favorecia a expansão de posições modernizadoras, para as

quais os progressos científicos invalidavam a interpretação literal da Escritura. Propunha a

aceitação das teorias das ciências da natureza a respeito da idade e forma da origem do

Universo e da vida. Em destaque, o evolucionismo darwiniano que, ao admitir uma origem

comum a todas as formas de vida, se opunha à doutrina tradicional da criação, baseada nos

escritos do Antigo Testamento.86

São Paulo: PUC, 1996; Cf., ORO, Ari Pedro. O Espírito Santo e o pentecostalismo., Porto Alegre:
Telecomunicação, v. 25, n. 107, mar/95.
86
Cf., ARMSTRONG, Karen. Em nome de Deus: o fundamentalismo no Judaísmo, no
Cristianismo e no Islamismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 204.
68

Em contraposição, o conservadorismo atém-se com fidelidade às Escrituras

Sagradas, refutando o emprego de métodos e técnicas originárias das ciências naturais,

sociais e históricas que auxiliam o estudo da Bíblia e de seus manuscritos. A única leitura

admitida é a que se faz literal e acrítica de seus próprios fundamentos, pleiteando para si a

única condição de cristianismo autêntico. 87 “A defesa do tipo da civilização cristã ocidental

corporificada na cultura dos países protestantes dominantes justificava a renúncia

intransigente à racionalidade e às ciências”. 88

Como matriz filosófica e teológica, o conservadorismo reporta-se ao empirismo e ao

método indutivo, circunstância em que o indivíduo é percebido desprovido de qualquer

forma de saber que o habilite a um conhecimento antecipado da realidade. Conhecer é a

faculdade dos órgãos dos sentidos, resulta da experiência sensorial com os objetos que

compõem o campo de conhecimento. Não admite, entretanto, o conflito entre o dado

heurístico e o dado científico, uma vez que opera em função da distinção entre a verdadeira

e falsa ciência, cujo critério de determinação é à atitude que o indivíduo assume em relação

à fé. Qualquer dúvida que se coloque à mesma revela a falsa ciência, uma vez que a fé é

considerada sempre racional e verdadeira.

87
Karen Armstrong afirma em sua obra que para os conservadores a verdade literal das Escrituras
constituía uma questão de vida ou morte para o Cristianismo. Para lutar contra os ataques dos
liberais e críticos da Bíblia, foi necessária uma campanha contundente fundando uma “associação
para promover a interpretação literal das Escrituras e as doutrinas ‘cientificas’ do pré-milenarismo.
Em 1919, realizou-se na Filadélfia um congresso do qual participaram 6 mil cristãos conservadores
de todas as denominações protestantes”. As campanhas prosseguiram no sentido de expulsarem os
liberais das várias denominações. Cf., Ibid., p. 202-3.
88
MENDONÇA, A. G. & VELASQUES FILHO, P., op. cit., p. 114.
69

Uma das variantes mais tangíveis do conservadorismo é o fundamentalismo,89

originado do esforço de fixação das doutrinas cristãs, entre elas a autoridade inspirada na

Bíblia, a deidade de Jesus Cristo e o seu nascimento virginal. Rigidez e intolerância

integram o universo fundamentalista: fechado, voltado inteiramente para o sobrenatural e o

89
O conservadorismo tem sido freqüentemente tomado como sinônimo de fundamentalismo, quase
sempre em referência ao pentecostalismo. Embora o primeiro contenha o segundo, faz-se necessário
demarcar alguns pontos discutindo o que vem a ser o fundamentalismo. Para Ivo Pedro Oro, o
fundamentalismo é um conceito ambíguo, sendo “hoje sinônimo de quase tudo o que cheira a
tradicional, conservador, sectário ou dado a excessos na vivencia religiosa”. Cf., ORO, I. P. O outro
é o demônio. São Paulo: Paulus, 1996, p.44. Para Jürgen Moltmann, o fundamentalismo
originariamente designava “determinada corrente do protestantismo americano que se opunha a
qualquer adaptação moderna e liberal da igreja invocando os fundamentos bíblicos da fé cristã: o
fundamento da fé interpretado de maneira bem arbitrária”. MOLTMANN, J.Fundamentalismo e
modernidade. In: Concilium, 1992, p.24. De modo geral, o fundamentalismo se relaciona com o
processo de modernidade, muitas vezes como reação à mesma, embora possa ser essa apenas uma
posição retórica, na medida que, rejeitando a cosmovisão moderna (pluralismo, cosmopolitismo,
racionalidade, progressismo e secularismo), o fundamentalismo recorre à tecnologia, bem como
possui traços da modernidade como o individualismo e a aceitação do racionalismo científico.
Karen Armstrong examina o termo fundamentalismo argumentando que: “Os primeiros a utilizá-lo
foram os protestantes americanos que, no início do século XX, passaram a denominar-se
‘fundamentalistas’ para distinguir-se de protestantes mais ‘liberais’que, a seu ver, distorciam
inteiramente a fé cristã. Eles queriam voltar às raízes e ressaltar o ‘fundamental’ da tradição de
certas doutrinas básicas. Desde então se aplica a palavra ‘fundamentalismo’ a movimentos
reformadores de outras religiões. Tem-se a impressão de que os fundamentalistas são inerentemente
conservadores e aferrados ao passado, e, no entanto, suas idéias são essencialmente modernas e
inovadoras. Queriam voltar ao ‘fundamental’, porém, os protestantes americanos agiram de um
modo peculiarmente moderno”. ARMSTRONG, K., op.cit., p.10. Paul Freston, citando Moltmann,
nota a oposição fundamentalismo/liberalismo, agora acrescida do pluralismo que caracteriza a
sociedade contemporânea, percebendo que os fundamentalistas “não reagem às crises do mundo
moderno, mas às crises que o mundo moderno provoca em sua comunidade de fé e em suas
convicções básicas [...] Diante da moderna subjetividade do homem e das liberdades individuais, os
fundamentalistas colocam na autoridade divina a segurança de sua fé”. FRESTON, P. Protestantes
e politica no Brasil , p. 26. Resulta que por fundamentalismo entende-se comumente o movimento
ultraconservador e autoritário, surgido em certos meios protestantes como reação ao modernismo
teológico e religioso, que prega como fundamentos inabaláveis da fé verdades tradicionais de sua
confissão. A designação fundamentalismo deriva da preocupação em manter como absolutos os
fundamentos doutrinais confessionais, aos quais se agarra literalmente, excluindo toda interpretação
crítica – rótulo negativo e pejorativo, comumente generalizante quando aposto aos pentecostais, que
preferem se auto-intitular evangélicos-conservadores. Permanece em questão, sujeito a amplas
controvérsias, o fato de ser a Assembléia de Deus fundamentalista. Leituras, entrevistas, bem como
meu convívio com assembleianos, não me permitiu afirmar serem eles fundamentalistas; embora
muitos se declarem apegados a uma leitura não interpretativa e à aceitação histórica da inerrância
bíblica, há aqueles que se dispõem a uma atitude questionadora e histórica diante dos costumes e
que realizam uma leitura bíblica mais interpretativa e contextualizada.
70

a-histórico, não dando margem ao social nem à presença da Igreja no mundo. A crença

milenarista, reforçada pela leitura descontextualizada da Bíblia, alimenta

Uma fé passiva, em busca de sinais. Não favorece a reflexão teológica, uma


vez que a fé está cristalizada na reta doutrinaria, nem gera utopias pois a
interpretação da Bíblia já está fixada, é um dogmatismo escolástico,
autoritário e ultraconservador90.

A filosofia do senso comum forneceu base inquestionável para uma filosofia das

ciências durante o século XIX nos Estados Unidos. O liberalismo, baseando-se na aceitação

de que o conhecimento da verdade é acessível a todos e que a compreensão da realidade

não pressupõe mediações, contribuiu com elementos para a ordem moral nacional e

também confirmou o que havia de racional e de científico nas verdades bíblicas. O

liberalismo manifestou um otimismo humanista: a sociedade avançando em direção à

realização do reino de Deus, que seria um estado ético de perfeição humana. Segundo o

liberalismo, a Igreja é o movimento daqueles que se dedicam a seguir os princípios e os

ideais anunciados por Jesus Cristo, que forneceu o exemplo supremo de uma vida abnegada

de amor, e os membros dessa comunhão cooperam mutuamente para edificar o reino de

Deus.

O protestantismo brasileiro, no entanto, edificar-se-ia em torno de idéias residuais,

minoritárias e vencidas. Melhor dizendo, o liberalismo que aqui chegou não percebia o

Reino de Deus na Terra como uma construção humana, passível de ser alcançada antes da

volta de Cristo, visão divulgada pelos colégios protestantes, instrumentos de difusão

cultural e representante do pós-milenarismo e do liberalismo, cuja expressão mais radical

90
MENDONÇA, A. G. & VELASQUES FILHO, P., op. cit., p. 131.
71

foi o evangelho social.91 Restou-nos, tão somente, a corrente do desencanto humano, do

pré-milenarismo,92 o cansaço teológico, que atribui a criação do Reino de Deus a um evento

sobrenatural e pós-histórico cuja concretização dar-se-ia pela melhoria da sociedade após a

conversão do maior número possível de indivíduos à fé cristã. Valorizava-se,

conseqüentemente, a difusão da mensagem – o proselitismo.

Tomando cristianizar por colonizar, os protestantes justificavam seu trabalho, entre

outros motivos, pela necessidade de garantir educação e formação moral a quem não fora

permitido ler a Bíblia em seu próprio idioma. Apesar da doutrinação da elite dominante ter

por base práticas modernizantes93 e liberais, não houve uma adesão maciça dos intelectuais,

mesmo entre seus simpatizantes.

91
O evangelho social enfatizava a necessidade de se modificar a sociedade corrompida que, por sua
vez, estava corrompendo o homem. Os partidários do evangelho social falavam do reino onde os
homens viveriam como irmãos num espírito de cooperação, amor e justiça. A Igreja deve desviar
sua atenção da salvação dos indivíduos pecadores para a ação coletiva de salvar a sociedade.
Conseguir uma vida melhor na Terra havia sido substituído pela preocupação com a vida no Além,
e esperava-se que Cristo e os valores cristãos conquistassem o mundo. O progresso podia ser visto
no avanço da democracia política, no movimento em favor da paz mundial e nos esforços para o fim
da discriminação racial.
92
“Entendem o milênio como período de justiça universal estabelecido na segunda vinda de Cristo.
Tal acontecimento será visível e súbito, sem nenhum aviso prévio, precedido apenas do anúncio do
evangelho a toda a humanidade. Durante o milênio os justos ressuscitarão e participarão do governo
universal de Cristo. Ocorrerá ainda um período de grande tribulação – são citados freqüentemente
Ap. 2:27 e Sl. 20 como base – acompanhado da admissão por parte de Israel da messianidade de
Cristo, da conversão de um grande número de pecadores e, por fim, da vitória final sobre Satanás,
que será jogado em um abismo. Passado o milênio, Satanás será solto e tentará mais uma vez a
vitória. Nessa ocasião, ele, seus anjos e as almas perdidas então ressuscitadas, serão julgados,
condenados e lançados para tormento eterno num lago em chamas”. MENDONÇA, A. G. &
VELASQUES FILHO, P., op. cit. p. 125-6.
93
O termo “modernizante” é atribuído aos ideais missionários, se aplica apenas em referência ao
contexto brasileiro do final do século XIX, impregnado do catolicismo ultraconservador do
montanismo. “Há um visível descompasso com a sociedade, descompasso que é historicamente
explicável: no momento em que o protestantismo foi inserido na sociedade brasileira, esta se achava
num estágio de desenvolvimento significativamente anterior à sociedade norte-americana; por isso
o protestantismo foi recebido como vanguarda do progresso e da modernidade. Hoje, quando
movimentos neoconservadores e reformistas atingem valores, as Igrejas brasileiras, na esteira
desses movimentos, agitam-se na busca de valores que nunca fizeram parte da sociedade brasileira.
Assim, se no passado o protestantismo brasileiro apontou para o futuro, hoje ele aponta para o
72

Herdeira do missionarismo norte-americano que, iniciado no século XIX iria

estender-se até a I Guerra Mundial, correspondendo em termos políticos e econômicos ao

expansionismo do capitalismo mundial, as Assembléias de Deus assimilaram do

protestantismo histórico os aspectos teológicos doutrinários mais conservadores,

desenvolvidos nos movimentos de reavivamento wesleyniano como aconteceu com todo o

pentecostalismo brasileiro, especialmente da Assembléia de Deus tradicional “que

conjugados ao apocalipsismo, hipertrofia pneumológica, ética intransigente,

conservadorismo cultural e mundividência rural formam o quadro que informa o ideário da

denominação”. 94

A teologia dos avivamentos sofrera grandes transformações desde o seu modelo

original, acadêmico e elitista. Centrou-se no medo da punição eterna, na soberania absoluta

de Deus e na doutrina calvinista da eleição, feição com que, no início do século XX, o

pentecostalismo clássico ressurge com a motivação explícita de recuperar a atualidade da

experiência cristã.

O reavivamento que alimentou o missionarismo metodista surgiu na Inglaterra,

porém, foi nos Estados Unidos que ganhou expressão como movimento de santificação

originário do pietismo. Posteriormente, aliado ao puritanismo resgatou o misticismo

criando um ambiente propício ao surgimento de fenômenos espirituais. Tratava-se de

versão protestantizada do ascetismo, que deu origem a um entusiasmo fanático com o qual

passado – aliás, um passado inexistente”. MENDONÇA, ª G. & VELASQUES FILHO, P. op. cit.,
p. 13.
94
BITTENCOURT FILHO, José. A memória é sempre subversiva: as Assembléias de Deus no
contexto brasileiro. In: Imagens da Assembléia de Deus.Ciências da Religião, Cadernos de Pós-
Graduação, UMESP, s.l.d., p. 32.
73

se assemelhou mais tarde o culto pentecostal. Como a teologia do reavivamento metodista

enfatizava o papel do homem, que usa sua liberdade e responsabilidade para responder ao

chamado universal de Deus, aceitando a salvação através de Jesus Cristo,

O batismo do Espírito Santo não é idêntico com a salvação: a salvação só


provém da fé; o batismo do espírito, entretanto, é uma benção que vem da
salvação. Aceitar a salvação que Deus nos oferece e recusar o batismo do
Espírito que Deus também nos oferece é um grande erro que ofende a
dignidade do Pai Celeste. Irmãos das outras denominações, vós que estais
salvos, buscai o batismo do Espírito Santo.95

Dispensam prejulgamento ou predestinação. O destino final está condicionado à

experiência da fé e não a uma predeterminação divina. O desligamento das coisas do

mundo, a busca da perfeição cristã e a responsabilidade evangélica seriam sinais exteriores

de sua aceitação. Gerou-se, desta forma, uma doutrina de salvação centrada na antropologia

dominada pelo emocionalismo evolutivo.

O puritanismo, originalmente muito próximo do calvinismo, aos poucos se afastou

de sua ortodoxia para receber a predestinação, não mais como teologia universal, mas como

mistério discernível apenas pela fé dos eleitos. O ser humano informado pela fé de sua

salvação deve adotar um tipo de comportamento que o distingue enquanto eleito, não como

sinal visível para si mesmo, mas, sim, para a comunidade. Edifica-se, desse modo, uma

ética puritana na qual o ativismo alcança papel central, enquanto são condenados

comportamentos que desviem as energias do homem para outras atividades que não as de

louvor a Deus.

95
Ibid., p. 29.
74

Em relação ao pietismo, temos a aceitação da justificação pela fé, iniciando o

homem uma nova vivência em Jesus Cristo, ou seja, uma constante busca da perfeição

cristã, só tangível pelo isolamento em relação às questões mundanas, que dão lugar a uma

ética negativista:

A perfeição era simplesmente a completa devoção a Cristo e isso deveria se


expressar em cada atitude ou pensamento. Ela era o sempre presente poder de
Cristo transformando a natureza humana a fim de que o homem faça apenas
aquilo que reflita a sua vontade. A presença de Cristo permeia o ser, como o
sangue permeia o corpo. Os atos e pensamentos perfeitos são reflexos dessa
presença de Cristo. Não pode haver ação ou pensamento perfeito sem
Cristo.96
A liberdade, presente enquanto princípio desde a origem do protestantismo é

exarcebada pelo pietismo. Fundamenta-se pela afirmação do direito de livre interpretação

da Bíblia e o livre acesso a Deus, excluindo os dogmas e os intermediários, e é percebida

como corolário do individualismo.

A salvação é buscada na realidade do presente como realização subjetiva. Compete,

no entanto, ao pregador convencer seus ouvintes dos seus pecados, levá-los ao

arrependimento e torná-los responsável pela aceitação ou rejeição da salvação. Faz-se

necessário criar um clima altamente emocional, em que choros e desmaios são habituais.

“Sempre houve um forte apelo religioso de protestantismo em virtude do incentivo à

piedade individual e da independência pessoal quanto à obtenção da salvação.” 97

Nutrindo-se do pentecostalismo clássico, a Assembléia de Deus herdou do

protestantismo seu puritanismo e seu pietismo, o que resultou no dualismo histórico, no

moralismo e no imediatismo que tipifica a relação do crente com Deus. Ela acentua, ao

96
MENDONÇA, A.G. & VELASQUES FILHO, P., op. cit., p. 97.
97
MENDONÇA, ª G. & VELASQUES FILHO, P. op. cit., p. 23.
75

mesmo tempo, à distância entre o natural e o sobrenatural. Enfatiza de dois modos o falar

em línguas estranhas como sinal do batismo com o Espírito Santo 98 e como dom de Deus

ao crente. Interpreta o comportamento como sinal externo da salvação, entendendo que o

dom de cura pode ser ocasional ou permanente, e lhe atribui grande importância

significativa.99 Escatológica, vive na dispensação da graça,100 creditando valor mais alto às

epistolas de Paulo que aos evangelhos, à experiência religiosa que à pureza doutrinária. Há

dúvidas quanto a lhe atribuir o rótulo de fundamentalista, mesmo com predominância de

atitudes acríticas em relação à aceitação do texto bíblico.

98
Beatriz Muniz de Souza diz que “a posição doutrinária adotada pelos grupos pentecostais prende-
se, no nível psicossocial, à dramaticidade da experiência da salvação, sendo freqüente, durante as
pregações, o enfático e emocional apelo à necessidade de que os pecadores se arrependam dos erros
cometidos e se convertam ‘aceitando Jesus como único salvador’. Poderá então ser alcançada a
recompensa espiritual da santificação completa, marcada pelo ‘batismo do Espírito Santo”.
SOUZA, B. M. op. cit., p. 53.
99
O “dom de cura” merece destaque tanto nas obras doutrinárias quanto nas declarações de fé das
igrejas pentecostais, sendo, especialmente quando exercido pelos líderes, associado ao dom de
“operação de milagres”, em referência às enfermidades mais graves. SOUZA, B. M. op. cit., p. 58-
9. Mendonça cita a Assembléia de Deus como sendo administrada por líderes que são a um só
tempo autoridade tradicional carismática no sentido weberiano, que atribuem grande ênfase ao dom
de línguas, entendendo que esse dom se manifesta de dois modos como sinal de regeneração, ou
seja, de confirmação do recebimento do batismo pelo Espírito Santo e o dom permanente da
glossolalia, dádiva concedida apenas a alguns fiéis para edificação da comunidade religiosa. Não
inclui, entretanto, o dom de cura divina como atributo da Assembléia de Deus, mas como
manifestação restrita aos movimentos dissidentes do pentecostalismo clássico, que recusam a
autoridade tradicional aceitando apenas a autoridade carismática, constituídos quase sempre de
grupos de pequeno porte sem nenhuma tradição. Esses posicionamentos refletem a grande
dificuldade de classificar e/ou estabelecer tipologias para o pentecostalismo, seja pela carência de
estudos acadêmicos ou pela fragilidade dos conceitos, interpretados hoje à luz da sociologia devido,
em parte, ao seu próprio dinamismo. Cf., MENDONÇA, A. G. & VELASQUES FILHO, P. op. cit.,
p.157.
100
“A começar pela criação do homem até o Juízo Final, são estabelecidas sete épocas ou
‘dispensações’, sendo a última delas a ‘milenar’, caracterizada pelo reino de Cristo na Terra”.
SOUZA, B. M. op. cit., p. 60. Para os pentecostais as dispensações são revelações progressivas e
associadas dos procedimentos de Deus para com o homem, na qual, tem como propósito colocar o
homem sob uma especifica regra de conduta. As sete dispensações são: Inocência; Consciência ou
Responsabilidade Moral; Governo Humano; Promessa; Igreja e Reino.
76

2 – TRANSIÇÃO E ORIGEM DE DOIS DISCURSOS TEOLÓGICOS


MORAIS NAS ASSEMBLÉIAS DE DEUS

Embora com características urbanas, a Assembléia de Deus tradicional erigiu-se em

meio à marginalidade, enfrentando a proletarização crescente dos grandes centros.

Reacionária face ao racionalismo moderno da cidade, encontra celeiro fácil nas classes

inferiores, em que as concepções racionais são menos acessíveis e o indivíduo é mais

sensível à magia que o pentecostalismo oferece, em contraste com o racionalismo crescente

do protestantismo histórico. Favorece, dessa forma, o desenvolvimento de uma expressão

religiosa, cuja racionalidade ética tem que ser buscada em uma perspectiva de retribuição: a

salvação. A Assembléia de Deus se destaca pela ênfase dada aos dois estágios da salvação,

a saber: em primeiro lugar, à conversão; em segundo, à santificação. Esses dois estágios

também dão a direção para dois discursos na comunidade. Primeiramente, eles objetivam

promover a conversão de pessoas ao grupo; em segundo lugar, procuram manter viva a

tradição do Pentecostes, enfatizando as práticas, os rituais e a adoção de posturas morais

que podem assegurar a permanência da pessoa na corrente dos que atualizam essa tradição.

Estamos vivenciando um período histórico de transição, uma época de mudanças

vertiginosas, profusas e desestabilizadoras que, se corretamente computadas, têm sido

muito mais numerosas, profundas, abrangentes e impactantes nos últimos trinta ou quarenta

anos do que foram durante toda a história das Assembléias de Deus. São mudanças

tecnológicas, culturais, filosóficas, políticas, científicas e sociológicas, as quais têm afetado

cada pequena fibra do tecido social contemporâneo.

Essas mudanças que ocorrem na sociedade a cada dia não são absolutamente

irrelevantes para a Igreja Assembléia de Deus. Ao contrário, criam um dilema que exige
77

uma resposta urgente para que ela se mantenha firme no seu discurso moral: como levar o

sagrado para fora de suas paredes, trazendo problemas profanos para dentro sem, no

entanto, “macular” nem deixar transparecer essa mudança? Deve ela se sentir parte do

mundo moderno globalizado, aguardando o que o futuro lhe reserva, principalmente o que

está previsto em sua escatologia ?

Como respostas alternativas, posso dizer que a Assembléia de Deus tradicional

possa procurar uma fuga ascética do mundo, fechando-se completamente para a

modernidade, não aceitando as mudanças ocorridas. Outra alternativa seria que, para a

Assembléia de Deus se adequar ao mundo contemporâneo, teria de exercer uma atuação

equilibrada diante das mudanças ocorridas, não se fechando totalmente a elas como uma

ostra dentro de si mesma, nem aceitando inconseqüentemente suas implicações como uma

esponja que a tudo absorve. Tal postura representaria, na verdade, ser fiel à sua identidade

do passado, tendo a consciência das necessidades de hoje. E foi isso que percebeu Ricardo

Gondim, em 1982, quando assumiu a liderança da Missão Betesda, transformando-a na

Igreja Assembléia de Deus Betesda e desligando-se da Convenção Geral das Assembléias

de Deus no Brasil. Ele criou uma convenção própria para a nova Igreja, para que esta

pudesse atender as necessidades de um mundo globalizado.

A liderança da Assembléia de Deus tradicional representada por José Wellington

Bezerra da Costa, que preside a Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil, e os

pastores de uma mesma linha de pensamento, ou seja, os conservadores, como é o caso de

Elinaldo Renovato de Lima, analisado nesta dissertação, preferiram permanecer com a

mentalidade e o mesmo discurso tradicional que se faz presente em grande parte das

Assembléias de Deus no Brasil. Eles tentam preservar seus fiéis do modo mais puro
78

possível, ao mesmo tempo em que se distanciam, pelo menos dentro dos muros

eclesiásticos, dos avanços tecnológicos advindos da modernidade.

Como não podemos parar o relógio da História, ou despachar o mundo


moderno para outras eras, temos que manter o compromisso para com os
valores que herdamos de nossos pais na fé, a fim de não deixarmos esmaecer
a nossa identidade. Isso equivale a trazer de volta os ensinamentos da igreja
dos Atos dos Apóstolos; da igreja da Reforma e da igreja de nossos primeiros
missionários, os quais acenderam uma chama, que apesar de enfraquecida,
ainda brilha em solo brasileiro.101

A Assembléia de Deus tradicional, diante da dificuldade de se conduzir na sociedade

em conformidade com os novos valores, deveres e disposições acentuadamente

contraculturais, peculiares e sectários, num primeiro momento, acabou criando para si

verdadeiros monastérios e neles se fechando: a igreja e a casa. 102 As exceções ficam por

conta do trabalho e da obra de evangelização. Por várias décadas, tais prescrições legalistas

resultaram na fuga ascética do mundo; a promessa de salvação paradisíaca no

pentecostalismo sempre foi acompanhada de forte rejeição e desvalorização do mundo.

Como Ricardo Gondim teve uma formação teológica mais liberal, fruto de sua vivência nos

Estados Unidos,103 ele pôde perceber as transformações das tradicionais concepções

pentecostais no Brasil acerca da conduta e do modo de ser cristão no mundo e, assim,

contribuiu para o surgimento de um discurso teológico moral diferenciado de sua matriz

religiosa no Brasil.

101
AYRES, Antônio Tadeu. Reflexos da globalização sobre a Igreja: até que ponto as últimas
tendências mundiais afetam o corpo de Cristo ? Rio de Janeiro: CPAD, 2001, p. 67.
102
Cf., BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Os deuses do povo. p. 142-3.
103
A Assembléia de Deus norte-americana não tem doutrinas tão rígidas quanto aos usos e
costumes de santidade exigidos pelos líderes, como acontece nas Assembléias de Deus no Brasil.
Nos Estados Unidos, a ascensão social não é só permitida como também estimulada.
79

Para perceber essa transformação do discurso teológico moral é necessário saber

como ocorreu a transição da sociedade tradicional para a sociedade moderna. Essa transição

nos ajudará a entender melhor os dois discursos teológicos morais que se desenvolveram na

Assembléia de Deus tradicional e na Assembléia de Deus Betesda.

Nas sociedades tradicionais,104 a religião detinha o poder de fornecer à maioria da

humanidade uma visão e explicação do universo, sendo sua estrutura social baseada no

modelo hierarquicamente divino, ou seja, o céu confere a Terra seu modelo e autoridade,

sendo essa hierarquia aplicada integralmente na Terra pela Igreja. Por ser um modelo

divino, não podia ser questionado, devendo apenas ser aceito e obedecido. O clero, aliado

às monarquias vigentes, legitimava sua autoridade através de uma leitura da ordem e

subordinação dos poderes celestes. Olhavam para os céus e para as escrituras sagradas,

observavam como funcionava a relação de poderes divinos e angelicais e traduziam para os

habitantes da Terra o modelo a ser reproduzido. A graduação de autoridade: Deus e o Filho-

anjos-homens é o modelo escolhido por Deus para governo humano. Rei - clero e nobres-

plebe. Assim, essa imagem central do mundo legitimava com eficácia o poder estabelecido.

Portanto, perplexos e angustiados pelas indagações que faziam à vida, os homens voltavam-

se para a religião buscando respostas.

As relações sociais neste tipo de sociedade se dão através de vínculos


familiares, dominados por padrões de autoridade patriarcal. A família
constitui a base da sociedade. Os comportamentos e ações sociais são
prescritos pela tradição e autoridade. São sociedades homogêneas, com uma

104
Segundo Jung Mo Sung, “o conceito de sociedade tradicional é utilizado para designar sistemas
sociais que, de modo geral, correspondem a critérios de culturas avançadas em relação às formas
sociais mais primitivas, mas que existiam antes da primeira industrialização no mundo ou que ainda
não sofreram o impacto do encontro socioeconômico com o processo de industrialização”. SUNG,
Jung Mo. Teologia e economia: repensando a teologia da libertação e utopias. Petrópolis: Vozes,
1994, p. 151.
80

união baseada em ‘formas rígidas de vida, indiferenciadas’, prescritas pela


comunidade. Nestas sociedades se dá muita importância à palavra, honra e
sangue (relações de parentesco).105

Nesse sentido, podemos dizer que a moral está estabelecida nos alicerces da

tradição, significando que a religião é à base da legitimação da ordem estática estabelecida

diante das novas gerações. Desenvolve-se a partir daí um discurso nos padrões de morais

do passado, não podendo dar lugar a inovações. Como diz José Wellington Bezerra da

Costa: “A doutrina, por ser bíblica, não pode sofrer adaptações, conforme as circunstâncias

da época. Na Palavra de Deus não se pode mexer.”106

Na modernidade, esse monopólio foi rompido e o homem, sua razão e sua técnica,

passaram a representar os únicos referenciais possíveis. Segundo Jung Mo Sung, a transição

da sociedade tradicional para a sociedade moderna “caracterizou-se pelo fortalecimento de

três instituições: o Estado nacional, o mercado e a moeda, impulsionados pelo

desenvolvimento técnico”.107 Portanto, ao tornar-se independente da ditadura da religião, a

razão conseguiu expandir-se e desembocar numa explosão da ciência e da técnica que se

processou no desenvolvimento industrial. Com esse desenvolvimento nasceu uma

sociedade voltada para oferecer o maior número de bens, produtos e informações. A

velocidade com que os produtos chegavam às pessoas, bem como o alcance da sua

distribuição, converteram, como afirma Peter Drucker, o capitalismo em “Capitalismo”. 108

105
Ibid., p. 152.
106
COSTA, J. W. B. da. Doutrinas e Costumes. Disponível na Internet, http://www.cgadb.com.br.
Acessado em 26/02/2004.
107
SUNG, Jung Mo, op. cit., p.159.
108
Cf., DRUCKER, Peter. Sociedade pós-capitalista. São Paulo: Pioneira, 1993. p. 18-9.
81

Segundo Francis Fukuyama, a tecnologia tornaria possível o acúmulo ilimitado de

riqueza, e, portanto, de satisfação de um conjunto sempre crescente de desejos humanos.

Esse processo garante, então, uma homogeneização uniforme de todas as sociedades

humanas, independentemente de suas origens históricas ou de suas heranças culturais.

Além disso, a lógica da ciência natural moderna parece ditar uma evolução universal na

direção do capitalismo.109

Essa velocidade produtiva foi, portanto, responsável por todas as elevações do padrão

e da qualidade de vida nos países desenvolvidos. Esse “Capitalismo” necessitava conduzir

as pessoas não apenas à compulsão para compra, mas, também, à provisão de meios para

concretizar seus desejos. Os indivíduos transformam-se em consumidores que exigem

produtos cada vez melhores e mais adaptados às suas necessidades ou desejos. Em uma

sociedade secularizada, a religião deixou de ser o centro da sociedade. Se outrora

legitimava as diversas atividades sociais, hoje, cada tarefa social é justificável por si

mesma.

A diferença é que esta nova legitimação da dominação não desce mais do céu
da tradição cultural, mas é soerguida a partir da base do trabalho social. Agora a
instituição do mercado promete a justiça da equivalência das relações de troca.
A categoria da reciprocidade usada para fundamentar a nova legitimação é o
próprio princípio de organização dos processos sociais de produção e
reprodução.[...] Essa inversão não significa o abandono da utopia, da esperança
do “banquete celestial”. Mas sim uma profunda transformação no conceito do
tempo e da história. Um reposicionamento da utopia.110

Podemos dizer, então, que o paraíso se dá aquém e não mais além da história. O

velho conceito do paraíso no céu, chega a Terra, um projeto a ser concretizado na história

109
Cf., FUKUYAMA, Francis. O fim da história e o último homem. Rio de Janeiro: Rocco. 1992, p.
56.
82

do homem. O banquete celestial será servido àqueles que tomarem o caminho do progresso

rumo ao paraíso. Chega-se até lá, principalmente, pelo aperfeiçoamento do progresso rumo

à perfeição. Uma vez que esse homem moderno é capaz de tudo, naturalmente ele é capaz

de transformar sua sociedade, seu mundo, e não só isso: ele poderá instaurar o tão

prometido paraíso aqui na sua própria Terra, com a ajuda de Deus, pois, este é uma figura

usada para que esse homem conquiste seu desejo infinito.

Na mudança ocorrida na passagem da sociedade tradicional para a sociedade

moderna, destaca-se em especial o deslocamento da utopia cristã do paraíso, que se

concretizaria no além histórico através da ascese religiosa, acompanhada de uma moral

rígida e valores morais aperfeiçoados, para o aquém, em que o banquete celestial será

servido a todos aqueles que, conduzidos pelo aperfeiçoamento técnico, chegarem ao paraíso

do consumo infinito. Essa transformação provocou também mudanças no discurso

religioso, principalmente no meio pentecostal, que passou por um processo de

transformação, tornando-se moderno e contraditório, assim como a própria lógica do

mercado moderno. Com isso, apareceu na religião uma “mentalidade de mercado”,

expressão que Peter Berger111 cunhou por analogia com o que sucede no campo econômico,

em que vários produtos são ofertados obedecendo às leis de compra e venda. Nesse

conceito de mercado, as várias ideologias e religiões são oferecidas aos indivíduos

procurando cativar uma clientela. Eficiência, marketing, relações públicas e capacidade

gerencial passam a ser a obsessão dos que estão no mercado. Esses instrumentos da

administração de empresas, em uma situação de mercado, capacitam ao produtor

110
SUNG, Jung Mo, op. cit., p. 164.
111
Cf., BERGER, Peter L. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São
Paulo: Paulus, 1985.
83

mercadejar mais facilmente seu produto. Dessa forma, a religião transforma-se em mais um

participante do mercado. Para sobreviver, precisa passar por adaptações constantes. No

mercado, o cliente sempre tem razão e, como o gosto dos clientes muda rapidamente, a

mentalidade da igreja pentecostal é pressionada para adaptar-se com um novo discurso

teológico, mostrando que “a igreja é o sinal mais concreto do reino de Deus na Terra.”112

Antes de ser um espaço para o aprimoramento dos potenciais humanos ou


uma instituição social, a igreja necessita enxergar-se como a expressão do
corpo de Cristo na Terra. Como Cristo transmitiu Deus, hoje compete à igreja
transmitir Cristo ao mundo. Somente assim ela pode ser um espaço
interativo, pois, quando entender sua tarefa de encarnação, ela verá como
corpo. 113

É bem verdade que, apesar de procurar mostrar-se mais liberal, em especial maior na

área dos usos e costumes de santidade, a Betesda apresenta uma inteiração de sua tradição

religiosa, pois, em vez de manter-se apartado do mundo, esse crente, acima de tudo, está

imbuído de um espírito guerreiro já que, em “nome de Jesus” e com a autoridade por Ele

concedida, dispõe-se intrepidamente a transformar o mundo. E apesar de ciente de suas

limitações e fraquezas, tem a convicção da vitória. Como herdeiro das promessas divinas,

vê-se como mais do que vencedor e crê em todo poder naquele que o fortalece.

Segundo Ricardo Gondim, preservar as tradições de usos e costumes na Igreja é

fechar os olhos para as mudanças sociais e culturais ocorridas no mundo e nas pessoas.

Ficar anacrônico e preso aos ícones e símbolos do passado é praticar de forma velada uma

idolatria. Para a Assembléia de Deus Betesda, o caminho tomado foi o de construir uma

Igreja com pessoas diferentes, sem massificação e homogeneidade, olhando o ser humano

112
GONDIM, R. Fim do milênio: os perigos e desafios da pós-modernidade na Igreja. São Paulo:
Abba Press, 2002, p. 59.
84

como provido de uma personalidade própria e de senso crítico, portanto, um espaço de

pluralidade.114

É possível perceber que esses traços proporcionaram o desenvolvimento de dois

discursos: o primeiro, trazendo o moralismo como parte essencial da experiência religiosa,

como poderemos observar no discurso de Elinaldo Renovato de Lima, estruturando seu

discurso nas tradições morais dos usos e costumes como essenciais para a santidade. O

segundo, o discurso de Ricardo Gondim, se distingue por uma moral concreta da

experiência religiosa, na qual a santidade não é o resultado da observação às normas dos

usos e costumes e, sim de uma transformação do caráter do indivíduo que possui uma

autonomia maior perante a instituição religiosa.

3– TEOLOGIA MORAL DE ELINALDO RENOVATO DE LIMA

O discurso teológico moral de Elinaldo Renovato de Lima será um dos objetos de

análise nesta dissertação porque ele é um dos representantes importantes da Assembléia de

Deus tradicional e faz parte da ala mais radical que diz que a Bíblia deve ser lida de forma

literal. Seus livros são publicados pela CPAD, e os mais importantes são: “Ética Cristã:

confrontando as questões morais do nosso tempo”; e “Aprendendo diariamente com Cristo:

como viver a vida em um mundo em conflito”. Seu objetivo principal é estabelecer uma

ligação entre os princípios bíblicos e os problemas do cotidiano dos crentes na atualidade.

Para isso, busca nos antigos personagens da Bíblia modelos a serem seguidos, uma

referência de homem moralmente correto para os dias atuais, mostrando como deve ser a

vida do cristão evangélico.

113
GONDIM, R. Fim do milênio. p. 58.
85

Diante da mobilidade social de parte dos fiéis, das promessas da sociedade de

consumo, dos serviços de crédito ao consumidor, dos sedutores apelos do mundo da moda,

do lazer e das opções de entretenimento criadas pela indústria cultural, Elinaldo Renovato

ainda se prende ao discurso do modelo tradicional e patriarcal dos primeiros anos de

fundação das Assembléias de Deus no Brasil como meio de assegurar os costumes e

hábitos, que, segundo os pentecostais, fazem parte da salvação ou dão certeza de estarem

salvos no outro mundo, libertando-os do sofrimento de uma vida de privações.

O discurso teológico moral de Elinaldo Renovato se distingue pela maneira como

ele apresenta sua argumentação, fundamentando-a em textos bíblicos, transformando sua

interpretação em um centro de valor espiritual, no qual o leitor tem à sua disposição o

padrão bíblico para assuntos que vão desde o posicionamento ético, a vida devocional, o

jejum, os conflitos no lar, a experiência espiritual do Batismo com o Espírito Santo até a

“espera vigilante pela volta de Jesus Cristo”. Sua teologia lida com questões imediatas,

próprias do contexto dos fiéis pentecostais.

Como diz Richard Shall:

Na verdade, em seu mundo a realidade espiritual não está apenas presente,


permeando tudo, ela constitui o centro em torno do qual giram suas vidas, o
lugar em que experimentam mais profundamente os mistérios da vida e do
mundo. Nada tem mais sentido do que se dirigir a esse reino para solução de
seus problemas do dia-a-dia.115

Assim, na espiritualidade pentecostal assembleiana, o espiritual propriamente dito

não se constitui um elemento distinto e fora da realidade concreta do enfrentamento da luta

114
Cf., Ibid., p. 77.
86

pela sobrevivência. Ele penetra em todos os aspectos da vida e fornece energia e inspiração

para superá-los. É uma espiritualidade que oferece respostas às questões mais desafiadoras

dos crentes. Ela é enfatizada como grande virtude para o referencial moral. Nesse âmbito,

entram as normas e tabus comportamentais e os valores morais, em que se destacam os usos

e costumes de santificação. Infunde o desejo de viver o Evangelho de acordo com o mais

puro ascetismo de rejeição do mundo, segundo a definição weberiana, de modo a distanciá-

los de coisas, atitudes, valores e instituições do incrédulo, porém tentador, mundo

circundante. Para tanto, um sistema de proibições, no sentido dos “cultos negativos”

descritos por Durkheim,116 é posto em funcionamento. Logo, o que é produzido pelo

mundo é profano e considerado ilícito para um cristão, como é o caso da música não

evangélica que, segundo Elinaldo Renovato, não traz o louvor a Deus, a santidade bíblica,

ou a glória de Deus, mas, sim, a propagação dos interesses de uma sociedade corrompida

moralmente. Para o crente, o que deve prevalecer é o princípio da glorificação a Deus, no

qual, “um princípio ético abrangente, que inclui não somente o comer e o beber, mas
117
‘qualquer coisa’ que demande um posicionamento cristão”. Na ótica de Elinaldo

Renovato, o Evangelho é “por natureza contrário ao modus vivendi do homem moderno em

todos os tempos”. 118

Para Elinaldo Renovato, os temas éticos, tais como aborto, eutanásia, planejamento

familiar, sexo, doação de órgãos, clonagem de seres humanos, são polêmicos e por esta

razão exigem respostas claras da Bíblia:

115
CESAR, W. & SHAULL, R. Pentecostalismo e futuro das igrejas cristãs. Petrópolis: Vozes e
Sinodal, 1999, p. 202.
116
Cf., DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa: o sistema totêmico na
Austrália. São Paulo: Paulinas. 1989, p. 363-92.
117
LIMA, E. R. Ética Cristã. p.20.
87

Procuramos na fonte cristalina da Palavra de Deus as respostas mais


apropriadas para que os leitores possam obter um entendimento mais
abrangente sobre as inquietantes indagações que trazem estes tempos de
mudanças rápidas, que não respeitam nem mesmo os mais elementares
princípios da boa convivência humana. Para esses, a Bíblia tem severa
condenação. Sabemos que muitas das perguntas que se fazem, em termos
éticos e morais, só terão respostas precisas na eternidade. 119

A análise de Elinaldo Renovato para todos os temas éticos seguirá mandamentos que

estão registrados na Bíblia, e não uma postura crítica social ligada à cultura brasileira, suas

evoluções e mudanças ocorridas com o desenvolvimento da sociedade. Para o autor, a

sociedade é corrompida e reprovada por Deus, e o cristão tem que ter um “modo de pensar

e de agir, com base na ética cristã, que tem amplo respaldo na Bíblia Sagrada” 120 e que não

sofre mudanças com o passar do tempo, permanecendo com a mesma estrutura no tempo e

no espaço, sem sofrer nenhuma influência do contexto.

3-1 – A Relação do Crente com o Mundo

Tradicionalmente, os pentecostais repudiam o que denominam convencionalmente

de “mundo” ou “mundanismo”. O pentecostalismo herdou a postura de rejeição e

afastamento do mundo diretamente do metodismo e do movimento holiness, dos quais se

originou. Provêm daí às raízes puritanas e pietistas do movimento pentecostal.

Do metodismo e do movimento holiness assimilou o culto, sua teologia básica, com

exceção da glossolalia como evidência do batismo com o Espírito Santo. Desde o princípio,

o pentecostalismo atraía sobretudo as camadas pobres e marginalizadas e sobre essa base

118
Ibid., p. 22.
119
Ibid., p. 1.
88

foi difundido. Sectários e ascéticos durante décadas, os pentecostais promoveram forte

desvalorização do mundo. A fim de atingir a perfeição cristã, para onde caminha

espiritualmente aquele que renasce em Cristo, é fundamental que o crente se afaste dos

prazeres, interesses e paixões do mundo. “O apartamento das coisas do mundo deve ser o

denominador comum entre todos os crentes”.121 No caso do pentecostalismo brasileiro, esse

afastamento, naturalmente, desde a primeira década do século XX, expressou-se em radical

anticatolicismo na esfera moral, cultural e religiosa. fator relevante – quem sabe primordial

– para o desenvolvimento do discurso ascético de Elinaldo Renovato.

Na busca da salvação, devem os pentecostais resistir às tentações, ser radicais na

rejeição do mundo. Elinaldo Renovato refere-se à sociedade como corrompida e

participante do reino do mal. O mundo é o reino do pecado e das forças satânicas. O dever

do cristão é afastar-se completamente dele. A intervenção nesse mundo/sociedade perdida

tem que ser espiritual, através da conversão pessoal de cada homem. Os problemas sociais,

como a fome, a miséria e a corrupção, são frutos do pecado individual, portanto, devem ser

resolvidos através da mensagem evangélica que atinge e transforma as almas, e não com

um programa político-estrutural para a sociedade, ou seja, as respostas para todos os males

se encontram na Bíblia Sagrada.122

Purificados dos pecados cometidos antes de renascer no batismo das águas, os fiéis

são instados a trilhar o penoso caminho da santificação. Para que não sucumbam às pulsões,

aos desejos, às próprias inclinações pecaminosas, devem renunciar aos prazeres mundanos,

compreendidos como ciladas do Diabo, por meio da mortificação da carne. Para que o

120
LIMA, E. R. Ética Cristã. p.15.
121
NOVAIS, Regina Reyes. Os escolhidos de Deus, p. 82.
89

Espírito Santo lhes preencha a vida, santificando-os, devem morrer para o mundo, o qual,

como causa e lugar de sofrimento, além de rejeitado, deve ser combatido.

Por mais que o cristão esteja bem situado social, política e economicamente no

mundo, segundo Elinaldo Renovato, este cristão deve sempre ter em mente que seu destino

não é permanecer nele. Isso seria uma grande tragédia: “Essa é uma realidade da qual

muitos crentes não têm consciência. Vivem neste mundo, tão arraigados com ele, que

perdem a visão da cidadania celestial. Na verdade, nem somos deste mundo!” 123 Portanto,

a participação do crente no mundo deve ser mínima. A sociedade e a cultura têm que ser

evitadas devem ser encaradas como algo “mundano” e depreciativo, uma vida que “é visto

por Deus como reprovável e corrompida”,124 onde os valores morais estão invertidos e seus

referenciais são móveis, instáveis e mutantes, portanto, precisa ser salva pelo poder do

Evangelho.

A partir da crença de que o Diabo está no comando desse mundo, essa teologia têm

fortes razões para justificar procedimentos voltados para a separação do “mundo”. Viver

em ambientes em que imperam atividades e comportamentos considerados tentadores e

pecaminosos, pelo simples fato de virtualmente proporcionarem prazer, exige imenso

sacrifício. Na busca da salvação, o crente, deve resistir às tentações, ser radical na rejeição

do mundo e obedecer aos mandamentos de Deus. Devendo ser virtuoso, ter

autodeterminação e possuir rigidez monástica para não sucumbir ao mundanismo e ser

arrastado pelo caminho largo dos prazeres da carne e das paixões do mundo.

122
Cf., LIMA, E. R. Aprendendo diariamente com Cristo. p.230.
123
LIMA, E. R. Ética Cristã. p. 199.
124
Ibid., p.14.
90

Esse sistema de tentação, chamado mundo, tem atuado de modo avassalador


nos últimos tempos. As estruturas do pecado são cada vez mais sofisticadas.
Hoje, porém, há toda uma estrutura empresarial que facilita a prática dos
pecados sexuais. Os motéis diariamente divulgam sua propaganda na TV,
mostrando suas instalações e convidando ao pecado. São verdadeiras
empresas a serviço do Diabo, oferecem todo o conforto para que alguém
pratique o pecado sexual.125

Segundo Elinaldo Renovato, o cristão deve ter o caráter firmado em Cristo para não

ser derrotado pelas tentações impostas pelo mundo. Nenhum cristão tem vida isenta das

tentações, pois, quando Deus permite que tentações e tribulações do mundo venham a

afligir o crente, há um lado positivo, pois, faz crescer a confiança e a esperança em Deus.

A vida de tentação acaba se tornando uma escola de aperfeiçoamento.

As injustiças sociais, a miséria e as guerras que assolam o mundo são avaliadas

como fruto da própria condição de pecadores em que se encontram os seres humanos ou

como conseqüência do distanciamento de Deus. Segundo o autor, “na verdade, Deus fez o

homem para viver plenamente, com saúde física e mental. Entretanto, o pecado modificou a

estrutura psicossomática, causando desgastes que levam a doenças, à velhice e à morte

física”.126 Essa doutrina teológica, vigente entre os pentecostais da Assembléia de Deus,

traz implicações de natureza prática, já que tendem a aceitar, de forma bastante passiva, a

“vontade de Deus” diante da doença, das tragédias pessoais e dos problemas financeiros.

Essa visão escatológica é um apocalipcismo que transforma a fé cristã em uma expectativa

passiva. Quanto aos problemas familiares, há uma persistência maior em resolvê-los, já que

os pentecostais vêem a família como um projeto divino.127 Em sua argumentação, Elinaldo

125
Ibid., p. 213.
126
LIMA, E. R. Ética Cristã. p. 145.
127
MENDONÇA, A. G. op., cit., p.138.
91

Renovato não vê o problema social como derivado basicamente do econômico ou político,

mas, sim, do afastamento da família, da oração, e da leitura bíblica.

3-2 – Família e Igreja

Segundo Elinaldo Renovato, somente “a Bíblia deve ser o livro da família”, 128 que

pode resgatá-la moralmente. Para o autor, as rápidas mudanças de referenciais para os

sentidos, provocadas por influências fortíssimas como modelos “vendidos” pelos meios de

comunicação de massa, que funcionam como um espelho social; a perda de identidade para

com os valores tradicionais que foram levados de roldão pela chamada nova moralidade; o

altíssimo nível de divórcios e de separações e a adoção de um modelo liberal de educação

dos filhos, transformam os valores da família em conceitos descartáveis, discutíveis e

escamoteantes. Os resultados são filhos sem pais ou com pais múltiplos, mães solteiras por

opção, ausência de canais adequados de comunicação dentro do lar, conflitos e ansiedades,

enfim, todos os sintomas que denunciam a fragmentação dos antigos valores familiares e a

instalação da patogenia familiar.

O autor enfatiza, ainda, que a televisão é a grande responsável pela deterioração da

base familiar, dando como resultado a falta de Deus em muitos lares cristãos, onde a

influência do mundanismo ocupa o espaço espiritual do lar provocando conflitos entre os

membros da família, e estes nem mesmo sabem a razão.

Nos dias presentes, a influência mundana sobre o lar é maior do que se possa
imaginar. Há uma verdadeira sede de se abrir às portas para o mundo. E na
verdade nem é preciso abri-las. A influência vem através da janela da
televisão, de modo rápido e avassalador. A programação da TV secular

128
LIMA, E. R. Aprendendo diariamente com Cristo. p. 25.
92

encarrega-se de jogar dentro do lar o que há de mais podre na sociedade sem


Deus.129

Os problemas de ordem familiar são considerados também “provações”, mas

ganham uma outra conotação, a de que eles advêm da ação maligna que, segundo o autor,

estrutura todo o sistema de tentação do pecado que objetiva desestruturar a família. “A

mídia concentra um enorme poder, do qual quase ninguém consegue escapar, a não ser

aquelas pessoas que são salvas e procuram viver de acordo com os padrões da Palavra de

Deus”.130 Portanto, há um incentivo para que os problemas das tentações e conflitos de

relacionamentos familiares, que são provocadas pelo Diabo, sejam superados através de

estratégias dos conversos que permitam a ação sobrenatural de Deus, restaurando a ordem

tradicional familiar. Estratégias estas tais como a realização de orações, a audição musical e

os hinos cantados na Igreja, a leitura de livros evangélicos e a valorização da leitura bíblica.

É mais fácil, chegando de surpresa num lar evangélico, encontrar os filhos


assistindo à televisão do que lendo a Bíblia. As conseqüências têm sido
terríveis. Há uma geração de filhos de crentes que não sabem de cor e
salteado os nomes dos 12 apóstolos, mas sabem de cor e salteado os nomes
dos artistas de determinada novela. Isso é trágico. Conhecemos o caso de um
pai crente que deu de presente a seu filho o livro do feiticeiro mirim, Harry
Potter, que tem feito tanto mal às mentes infantis, mas não deu uma Bíblia ou
um livro evangélico a qualquer dos filhos. É a inversão de valores cristãos. 131

A Bíblia e os livros de autores evangélicos são enfatizados como elementos

principais à vida da família cristã assembleiana. O que vem de fora dessa esfera é visto

como mau e atrasado, exemplo disso é o livro de Harry Potter que, em sua ótica, pode

trazer influências diabólicas na família cristã. A Bíblia e a literatura produzida pela Igreja

129
Ibid., p. 190.
130
LIMA, E. R. Aprendendo diariamente com Cristo. p. 213.
131
Ibid., p. 26.
93

são consideradas pelo autor como essenciais para a formação do caráter, da personalidade

e para o desenvolvimento moral e social de uma família. Seu discurso mostra claramente

que “a Bíblia é a revelação da vontade de Deus para com o ser humano”. 132

Tudo que não seja bíblico ou da Igreja evangélica é visto como uma má influência à

formação moral, criando um conflito entre o “mundo” e a “Igreja”, no qual o mundo é visto

como algo pervertido e o que se origina neste meio serve para corromper a família, e a

Igreja como aquela que produz coisas boas. Em seu discurso, Elinaldo Renovato coloca

que o grande apoio à família advém da Igreja, principalmente da Escola Bíblica Dominical

que propicia formação ao crente. “A Igreja é a única instituição em que o cristão e sua

família podem apoiar-se neste mundo de mudanças e incertezas, sendo abençoada por Deus

em todas as áreas da vida”.133 Quando ele menciona que a Igreja é a única instituição

saudável, percebe-se em seu discurso que o mundo no qual a igreja está inserida está em

crise, pois, as demais instituições estariam falidas, no seu entender. Por exemplo, para ele a

escola secular tem sido fonte de influências negativas para a família, contribuindo para sua

deterioração com ensinos materialistas.

A conhecida (e não comprovada) Teoria da Evolução tem levado muitos a


deixarem de crer em Deus, portanto, reafirmamos que só resta a Igreja,
mesmo em seu sentido local, como ponto de apoio verdadeiro para a família
não sucumbir, destruída pelos valores do modernismo e do relativismo. 134

Sua abordagem é a de que a Igreja deve ser colocada como prioridade, como

instrumento de formação da moral, do caráter e da personalidade do crente. Como

estratégia de seu discurso, ele utiliza um vocabulário simples que ocupa lugar de destaque

132
Ibid., p. 28.
133
Ibid., p. 80.
94

no cotidiano das pessoas, incorporando sempre um dualismo, “a luta do bem contra o mal”.

Diante desse conflito, ele insiste em ressaltar que o crente deve ter amizade com aqueles

que não fazem parte do grupo, pois esse relacionamento traz grandes resultados no

processo de proselitismo. Somente nessa esfera é permitidos a amizade e o relacionamento

com os não evangélicos. Quanto ao namoro ou casamento, devem ser evitados para que não

haja um “julgo desigual”135 com os infiéis.

3-3 – A Interpretação Bíblica dos Usos e Costumes de Santidade

Para a Assembléia de Deus tradicional, a salvação é um dom de Deus, mas o homem

começa a experimentá-la imediatamente quando entende sua razão de ser. Em vez de

simplesmente aceitá-la e regozijar-se por ela, deve estabelecer uma forma de

comportamento que assegure sua posse. Elinaldo Renovato argumenta, portanto, que o

comportamento é um sinal externo da salvação.

Sendo o mundo tentador, viver nele negando seus prazeres exige do fiel grande força

e resistência moral. O crente crê que o Diabo está presente nos mais ínfimos espaços da

vida. “O mundo, que ‘jaz no maligno’, está sendo guiado pelos valores deturpadores dos

guias materialistas do nosso tempo que, por sua vez, são guiados por Satanás. Os cristãos,

ao contrário, ‘são guiados pelo Espírito de Deus’”.136 Logo, a ética de proibições legalistas,

voltada para os usos e costumes, reforça a rejeição do mundo. Como ele diz:

134
Ibid., p. 80.
135
Refere-se aos casais em que um dos cônjuges é evangélico e o outro não é. O envolvimento em
um relacionamento que implique namoro ou casamento do crente com alguém que não pertença ao
grupo evangélico é visto na Assembléia de Deus como risco para a fé. Na visão de Elinaldo
Renovato, esse tipo de união contribui para resultados desastrosos na relação que o crente tem com
a igreja.
136
LIMA, E. R. Aprendendo diariamente com Cristo, p. 105.
95

Já podemos verificar que não somos um povo qualquer. Do meio de todos os


povos, Deus nos tirou para sermos um ‘povo seu, especial, zeloso de boas
obras’. Dessa forma, devemos adotar usos e costumes que se coadunem com
nossa condição, por sermos um povo diferente de todos os povos.137
Tal como no puritanismo, para mostrar-se santificado o crente pentecostal

assembleiano precisa exteriorizar sinais, por meio de comportamentos ensinados e exigidos

pela comunidade religiosa, que o diferencie da sociedade. Assim procedendo, ele denota

sua condição de salvo em Cristo, pois, a seu ver, Deus se preocupa com a santidade

expressa exteriormente, na qual “o corpo é considerado o templo do Espírito Santo, que

deve ser conservado tão irrepreensível como a alma e o espírito”. 138 Assim, a postura moral

se manifesta na conduta cotidiana, por atos que demonstram, de modo inequívoco, a

aceitação dos preceitos estabelecidos e preconizados pela liderança desde quando a

Assembléia de Deus se iniciou no Norte do Brasil.

O pastor, muito além de ter e exercer o poder representa o próprio poder; ele é, em

si, um símbolo de poder. No pentecostalismo, principalmente na Assembléia de Deus, um


139
símbolo ultrapassa a realidade. Um pastor é um “ungido de Deus”, tem a “visão de

Deus para o povo”, em suma, tem a resposta; resposta definitiva, inquestionável e vitalícia.

Pode-se observar que o discurso de Elinaldo Renovato caminha nesse sentido, ou seja, o

autoritarismo tradicional patriarcal do “ethos sueco-nordestino” está sempre presente, não

existindo lugar para o questionamento do crente, mas, sim, somente a obediência.

137
Ibid., p. 247.
138
LIMA, E. R. Aprendendo diariamente com Cristo. p. 245.
139
“Não toqueis nos meus ungidos” até hoje é um chavão forte na AD para tentar legitimar todas as
ações de liderança. O “preceito” teológico nasce do episódio em que Davi é incitado a se vingar de
Saul mas se escusa por ser “ungido de Deus”( I Samuel, 24:6).
96

Elinaldo Renovato argumenta que preceitos que ocorrem em mais de um texto

bíblico, respaldado por outros textos paralelos, podem ser considerados como uma doutrina

para a Igreja. Para fundamentar a doutrina dos usos e costumes de santidade, ele cita textos

das Epístolas dos apóstolos Paulo e Pedro.

Que do mesmo modo as mulheres se ataviem em traje honesto, com pudor e


modéstia, não com tranças, ou com ouro, ou pérolas, ou vestidos preciosos’
(2Tm 2:9). Pedro também ensinou a respeito do traje feminino: o enfeite
delas não seja o exterior, no frisado dos cabelos, no uso de jóias de ouro, na
compostura de vestes, mas o homem encoberto no coração, no incorruptível
trajo de um espírito manso e quieto, que é precioso diante de Deus. Porque
assim se adornavam também antigamente as santas mulheres que esperavam
em Deus e estavam sujeitas a seu próprio marido (1 Pe 3: 3-5).140

Seu discurso dá grande ênfase para as questões dos usos e costumes, determinantes

para “remir de toda iniqüidade e purificar um povo especial, zeloso de boas obras”. 141

Estabelece, assim, uma lista de normas excessivamente rígidas quando contrastadas com as

regras que norteiam a conduta de pessoas na sociedade. Por exemplo, vestes e jóias, cortes

de cabelos para homens e mulheres, devem ser de tal modo que não venham a causar um

descompasso religioso, ou seja, despertar a sensualidade na igreja. Quando se fala em

vestimentas e jóias, logo se dá ênfase à mulher, que é vista como símbolo de fraqueza e de

desejo sexual.142 As interpretações de passagens bíblicas favorecem a hegemonia

masculina sobre o sexo feminino. As cartas paulinas, de forma especial às destinadas aos

coríntios, dão a base para o discurso da superioridade masculina. Como se pode observar no

140
LIMA. E. R. Aprendendo diariamente com Cristo, p. 241.
141
Ibid., p. 229.
142
Segue sempre o modelo pelo qual, através da mulher, entrou o pecado no mundo, ou seja, a
mulher foi a primeira a ser escolhida para ser tentada pela serpente (Diabo), submetendo-se à sua
vontade. Logo levaria seu companheiro à mesma tentação. Sendo assim, as mulheres são vistas no
meio pentecostal como o ser mais fraco, no qual a maioria delas é relegada a segundo plano, tanto
no aspecto de direção quanto nos trabalhos regulares.
97

discurso de Elinaldo Renovato, parece que somente a mulher sente desejo sexual e comete

pecados e é influenciada pelos meios de comunicação.

O ensino Bíblico neotestamentário nos mostra que o traje da mulher deve ter
três características: ‘honesto, com pudor e modéstia’. Hoje, há um espírito de
sensualidade querendo dominar o comportamento de muitas irmãs, jovens ou
casadas, que se deixam levar por modismos e influências malignas. E, em
nossa cultura, em que o sexo é considerado elemento de atração carnal,
exacerbado pela mídia, nas novelas, nos filmes, em revistas, etc., cada vez
mais o pecado da lascívia tem se manifestado no meio cristão. 143

No tocante ao corte de cabelo para os homens, ele fundamenta a sua posição na carta

do apóstolo Paulo à Igreja de Corinto: “Ou não vos ensina a própria natureza ser desonroso

para o homem usar cabelo comprido (I Co 11:14)?”. No livro bíblico do profeta Ezequiel

(44:20): “Não raparão a cabeça, nem deixarão crescer o cabelo; antes, como convém,

tosquiarão as cabeças”. Elinaldo Renovato faz uma interpretação de que o cabelo do

homem deve ser cheio e cortado; quando o homem usa o cabelo idêntico ao da mulher ou

vice-versa, estão sendo contrários à “Palavra de Deus”, portanto, cometem uma

transgressão ao texto bíblico.

Quanto ao cabelo da mulher, sua posição está na interpretação da carta apostólica

paulina de I Co 11:5-6: “Toda mulher, porém, que ora ou profetiza com a cabeça sem véu,

desonra a sua própria cabeça porque é como se a tivesse rapada. Portanto, se a mulher não

usa véu, nesse caso, que rape o cabelo. Mas se lhe é vergonhoso o tosquiar-se, ou rapar-se,

cumpre-lhe usar o véu”. O cabelo deve ser comprido para que cubra sua cabeça, pois, ele é

visto como um véu para que a mulher possa chegar até Deus em oração, dispensando assim

um véu de tecido. Nessa questão, Elinaldo Renovato diz que atualmente há um

143
LIMA, E. R. Aprendendo diariamente com Cristo, p. 240-1.
98

afrouxamento em algumas igrejas quanto a esse preceito em virtude do argumento dos

liberais de que o apóstolo Paulo escrevia a uma Igreja que estava situada em uma cidade,

Corinto,144 que era cosmopolita, cheia de costumes pagãos, de prostituição, de mulheres

pervertidas, que se convertiam e queriam continuar com seus maus costumes, portanto, uma

questão cultural a ser corrigida nessa igreja, não uma doutrina para a atualidade. Mas ele

afirma que, “tendo constatado de modo enfático, no Novo Testamento, cremos que o ensino

sobre uso do cabelo, por parte do homem e da mulher cristã, deve ser respeitado” 145, ou

seja, é uma doutrina.

Utilizando I Co 11: 14 – 16, (Ou não vos ensina a própria natureza ser desonroso

para o homem usar cabelo comprido? E que, tratando-se da mulher, é para ela uma glória?

Pois o cabelo lhe foi dado em lugar de mantilha. Contudo, alguém que quer ser

contencioso, saiba que nós não temos tal costume, nem as Igrejas de Deus.) ele argumenta

que não há apenas um ensino sobre costumes ou cultura dos tempos de Paulo, ou

simplesmente uma palavra dirigida apenas à Igreja de Corinto, mas uma doutrina sobre o

uso do cabelo do homem e da mulher em que não é necessária “uma exegese profunda, nem

uma hermenêutica sofisticada”.146 Não é apenas recomendação para os tempos apostólicos

e, sim, uma doutrina para a igreja seguir em todos os tempos e lugares, pois, se isso não

144
Leon Morris, em sua obra, mostra que Corinto era uma colônia romana, “da cidade grega a
menos grega, era por esse tempo a menos romana das colônias romanas”. Era uma cidade em que
gregos, latinos, sírios, asiáticos, egípcios e judeus compravam e vendiam, trabalhavam e se
divertiam juntos, na cidade e nos seus portos, como em nenhuma outra parte da Grécia. Por essa
razão é chamada de “cidade cosmopolita”. Portanto, uma cidade importante e próspera com grande
prestígio social. Era a capital da província romana da Acaia. Os Jogos Ístmicos eram celebrados ali
perto, e sob a égide da cidade, nos quais os mais excelentes atletas eram convocados. MORRIS,
Leon. I Coríntios: introdução e comentário. São Paulo: Mundo Cristão, 1983, p.11-23.
145
LIMA, E. R. Aprendendo diariamente com Cristo. P. 242.
146
Ibid., p. 244.
99

fosse importante, segundo Elinaldo Renovato, “teríamos que rasgar muitas páginas da

Bíblia que orientam o comportamento social e ético dos cristãos”.147

Em seu discurso teológico, há uma preocupação em manter a fidelidade à tradição

assembleiana e aos escritos bíblicos e sua aplicação na vida dos fiéis para que não haja a

chamada “extravagância, mundanismo, provocações sexuais, desafios e anarquia espiritual

e ministerial”. Se ocorrer uma liberação, principalmente dos usos e costumes de santidade,

“sempre alguém vai querer aproveitar-se para demonstrar sua vaidade cada vez mais”148

podendo haver assim uma decadência moral e um desvio da fé, que irá resultar na perda da

salvação, pois, o cristão tem de se preparar para a vinda de Jesus Cristo,149 preocupando-se

com o ser integral, ou seja, com o corpo, a alma e o espírito.

O pecador vem a Jesus, trazendo consigo todos os costumes do mundo: vícios,

linguagem imprópria, superstições, idolatria, natureza impulsiva, ira fácil, um forte

sentimento de vingança, atração para o sexo ilícito, roupas indecentes, enfim, ele tem em si

tudo que é natural ao mundo de pecado. Com a conversão, esses hábitos devem ser

deixados para trás. Uma vez convertido, é necessário que regras e normas sejam

internalizadas. O conhecimento adquirido através da Bíblia em termos morais, segundo

Elinaldo Renovato, oferece um conjunto de referenciais seguros fixados no passado e cuja

147
Ibid., p. 245.
148
LIMA, E. R. Aprendendo com Cristo. p. 249.
149
O manual de doutrina das Assembléias de Deus cita a doutrina escatológica que “na vinda de
Jesus, haverá duas coisas importantíssimas: a ressurreição dentre os mortos e a transformação dos
crentes que estiverem vivos (o arrebatamento da igreja). Esses dois fatos não ocorreram ainda, mas
acontecerão no dia da vinda de Jesus (1º Ts 4:16 – 18). A vinda de Jesus, ainda que oculta aos olhos
do mundo, será literal e pessoal. Enquanto a vinda de Jesus será motivo de glória para aqueles que o
esperam, será de sofrimento e agonia para os ímpios.” CGADB, p. 58.
100

obra é continuada, pelos crentes, no presente e que acabará no futuro, no Juízo Final, onde

todas as injustiças serão reparadas.

4 – TEOLOGIA MORAL DE RICARDO GONDIM

Antes do surgimento da Assembléia de Deus Betesda em Fortaleza (CE), Ricardo

Gondim era membro das Assembléias de Deus ligadas a CGADB e trabalhava como

intérprete nas reuniões evangelísticas lideradas pelo missionário Bernhard Johnson no

Brasil; em 1981, assumiu como diretor-executivo da Escola de Educação Teológica das

Assembléias de Deus em Campinas (SP). Desde essa época, já se podia perceber suas

inquietações dentro da Assembléia de Deus tradicional brasileira. Ricardo Gondim já

possuía experiência transcultural, pois, já havia viajado pela Europa e também morou por

alguns anos nos Estados Unidos. Suas inquietações eram o legalismo pentecostal, os

estereótipos litúrgicos, os chavões homiléticos; e isso fazia crescer as críticas e as angústias

com sua participação e vivência nas Assembléias de Deus tradicional no Brasil.

Ricardo Gondim teve sua formação teológica nos Estados Unidos, no Gênesis

Training Center, no Norte da Califórnia, que, acredito, o tenha levado a uma mentalidade

pentecostal diferente daquela que se desenvolveu e permanece até hoje no Brasil.

Certamente, uma mentalidade mais liberal, buscando algo que mantivesse a tradição

carismática de uma religião entusiasta, mas sem os tabus legalistas e os códigos de

doutrinas.

A partir do surgimento da Missão Betesda, em 1981, e após a morte de Ademir

Siqueira, seu organizador, a participação de Ricardo Gondim fez-se presente na liderança


101

do grupo, transformando a Missão Betesda na Igreja Assembléia de Deus Betesda, a partir

de 1982. A partir de então, Ricardo Gondim começou a desenvolver nas pregações que

realizava – e mais tarde através de seus livros – um discurso sem as expressões do

legalismo e dos estereótipos pentecostais. Isso fazia com que se sentisse mais próximo da

Igreja Assembléia de Deus dos Estados Unidos do que das Assembléias de Deus no Brasil.

Em 1998, escreveu o livro “É proibido: o que a Bíblia permite e a igreja proíbe”, no

qual seu discurso teológico ficou transparente para a comunidade evangélica pentecostal.

Ele traz a discussão sobre arbítrio eclesiástico ou, em uma linguagem mais simples, a

ditadura pastoral em questões relativas à conduta do crente, como a proibição do uso de

calças compridas, o corte de cabelos, o uso de jóias, de batom ou pinturas para as mulheres,

a proibição de ir ao cinema ou à praia, de assistir televisão ou mesmo de bater palmas

durante o culto. Em sua análise das condutas permitidas e proibidas, dos rigores legalistas e

dos usos e costumes, ele critica os setores mais tradicionais do pentecostalismo.

Em sua ótica, o movimento pentecostal brasileiro – e o evangélico de um modo

geral – tem muita dificuldade para enxergar a graça comum, ou seja, a graça de Deus

distribuída a todos os homens e que os capacita a fazer coisas boas. Embora seja

participante da “natureza caída”, esse homem não deixou de ser a imagem de Deus.

4-1 – Leitura Bíblica e Interpretação do Mundo

Segundo Ricardo Gondim, a Igreja Evangélica tem a tendência de rotular pessoas,

costumes e certas práticas no meio cristão, e de isolar-se do diálogo. Ainda hoje, o

evangélico brasileiro típico é conhecido como aquele que pode ou não fazer certas coisas,

porque ainda existe uma ditadura dos costumes, principalmente com respeito a ornamentos,
102

à indumentária – principalmente a feminina – e até ao diálogo cultural com as artes. Ainda

persiste a famosa frase: "Evangélico não ouve música do mundo", como se houvesse uma

departamentalização entre aquilo que pode ou não ser consumido pelo crente só porque foi

produzido por uma pessoa que não é evangélica. Portanto, a expressão "é proibido” ainda é

muito utilizada, literalmente. Para ele, o que existe é uma dificuldade de interpretação da

Bíblia por parte dos evangélicos, principalmente dos pentecostais. Por causa da falta de

uma fidelidade à hermenêutica,150 os textos são lidos e interpretados de modo a se

encaixarem na doutrina de uma denominação, sem uma contextualização dos textos

bíblicos.

Essa concepção advém da incapacidade de ler a Bíblia como um livro


cultural. A Bíblia não é um código de doutrinas, não é um catecismo que foi
codificado para que nós o obedecêssemos como um regulamento religioso. A
Bíblia é a história da interação de Deus com a cultura humana. No meu livro
‘É proibido: o que a Bíblia permite e a igreja proíbe’ fiz um esforço para
mostrar às pessoas que a Bíblia não é uma dogmatização teológica, mas uma
saga humana onde existem coisas bonitas e feias. Enfim, assim é a vida como
um todo.151

Diante dessa constatação, para Ricardo Gondim é necessário que o pentecostalismo

adquira uma capacidade maior de adaptação aos contornos culturais, possibilitando uma

igreja de princípios sólidos e sem receio da interação e comunicação com a sociedade. O

comportamento do cristão não deve ser o de cumprir um catálogo do que pode e do que não

pode fazer, mas o de conviver com essa cultura e, no exercício de um crescimento de

maturidade, olhar para a cultura à qual pertence e perceber a imagem de Deus na produção

humana. Nessa lógica, o que deve ser rejeitado é “o adoecimento de toda produção humana

e a manifestação do desejo doentio de poder. Que está em relevo na ânsia obcecada por

150
Método que visa a interpretação de textos religiosos, filosóficos etc.
103

prosperidade”.152 Portanto, “o mundo está cheio de maldade não por estar cheio de mentes,

corpos, raciocínios, paixões semelhantes às do Diabo, mas porque os homens decidiram

voltar seus corpos, mentes, raciocínios, e inclusive seus espíritos contra Deus”.153

Em seu discurso está implícito que sua maior preocupação é reavivar a “Teologia da

Graça” e não assumir uma postura eticamente liberal.154 Para tanto, segundo Ricardo

Gondim, não é necessário isolar-se do mundo, pois essa atitude não é o caminho para a

santidade. A realidade do mundo contemporâneo é que as pessoas diferentes, com culturas

e até condutas éticas distintas, compartilham os mesmos espaços. A preocupação em fazer a

vontade de Deus e o desejo de ver toda a sociedade refletindo essa vontade tem levado

muitos grupos religiosos a uma postura de intolerância religiosa, de imposição de uma

crença e de um determinado padrão de comportamento aos seus seguidores.

O desafio do verdadeiro cristão não consiste em esconder-se dos perigos do


mundo como um caramujo, mas em saber conviver entre pecadores como sal
e como luz. Jesus jamais se furtou de comparecer a atividades sociais
promovidas por pessoas comuns. Nunca tentou isolar seus discípulos em
mosteiros para que eles se mantivessem imunes às tentações. Pelo contrário,
lançou-os num mundo hostil, em que teriam de demonstrar uma fé forte o
suficiente para influenciarem e não serem influenciados. Ele próprio não
temia comer, beber e conviver com pessoas espiritualmente desqualificadas.
Quando Jesus comparecia a festas, como a das bodas de Caná, ele partilhava
do mesmo ambiente que os pecadores.155

Para Ricardo Gondim, a vida cristã compõe-se do grande desafio de viver em um

ambiente hostil sem contudo participar de seus pecados. O crente deve ter maturidade cristã

que lhe forneça o espírito crítico para escolher com livre arbítrio quais ambientes devem

151
GONDIM, Ricardo. Entrevista concedida no dia 19/12/2003. Vide Anexo II.
152
Idem, É proibido, p. 76.
153
Idem, O evangelho da nova era: uma análise e refutação bíblica da chamada teologia da
prosperidade. São Paulo: Abba Press, 2001. p. 64.
154
GONDIM, R. É proibido p. 16.
104

ou não freqüentar com a obrigação de influenciar o mundo positivamente. Para ele, proibir

o crente de ir a certos locais considerados impuros é uma forma de tirar a liberdade cristã e

possibilitar um grande atraso em seu amadurecimento. Ficando claro em seu discurso que

“a censura e proibição taxativa a que não se freqüentem ambientes ‘suspeitos’ não gera

santidade. Ao contrário das expectativas dos conservadores, a proibição causa curiosidade,

que, por sua vez, conduz ao pecado”.156

Ricardo Gondim se baseia na “Teologia da Graça” para propor aos crentes que

tenham compreensão da capacidade divina, para que saibam como obedecer e se comportar

conforme a vontade de Deus. Conhecendo o conteúdo dos evangelhos e percebendo a face

mais real e simpática do cristianismo podem desprezar o legalismo pregado por alguns

pastores. A igreja deve ser o lugar onde as pessoas não devem sentir-se reprimidas, mas,

sim, amadas e felizes.

Para ele é necessário compreender a graça de Deus, pois ela é central nos

evangelhos, aliviando o crente das tensões religiosas e permitindo que Deus não seja uma

ameaça e nem mesmo um emaranhado de leis e regulamentos onde acaba escondendo sua

face. Para Ricardo Gondim, o Novo Testamento exalta que somente a graça é que torna o

cristão capaz de agradar a Deus, sem cumprimentos de ordenanças, simplesmente na

compreensão dos valores eternos.

155
Ibid., p.106.
156
GONDIM, R. É proibido. p. 107.
105

O olhar do autor para o legalismo doutrinário é o de que ele não tem valor contra o

desejo interior do crente mas que possibilita somente uma subordinação dos indivíduos à lei

produzida no interior do grupo, pois, ”o esforço de acrescentar à graça de Deus a lei é

fortemente repelido nos escritos paulinos, principalmente nas epístolas aos Gálatas e aos

Colossenses”,157 segundo as quais o legalismo dos usos e costumes não produz santidade

nem amadurecimento cristão. O que é produzido na realidade é um fundamentalismo

religioso, ao qual as pessoas obedecem cegamente, criando comunidades de pessoas

obedientes, separando grandes segmentos pensantes da sociedade e um evangelho sem

reflexão lúcida.

Nota-se, então que, para Ricardo Gondim, a forma de entender a santidade é quando

se encoraja o crente para assumir o mundo com suas limitações e ambigüidades,

interagindo como instrumento de Deus na história, ou seja, cada indivíduo pode ser livre

para escolher os seus próprios caminhos, o que significa o reconhecimento do valor

intocável desse indivíduo enquanto pessoa. Buscando participar de uma sociedade na qual

os valores do Reino de Deus – justiça e paz – sejam modelos para todas as dimensões da

vida, este enfoque de santidade mantém a necessidade pessoal da ação social, exigindo que

os fiéis assumam sua condição de seres sociais, comprometendo-se com o mundo, mas

rejeitando sua mundanidade.158

Em sua argumentação, ele propõe que os usos e costumes não são valores espirituais

em si mesmos, não fazem parte da lei moral de Deus, mas devem ser concebidos como

valores culturais. Para ele, os usos e costumes fazem parte da cultura de cada sociedade,

157
Idem, Entrevista. Vide Anexo II.
106

devendo ser respeitados. É necessário saber que a cultura exerce poder no comportamento

de cada sociedade ou grupo e que “a ética evangélica sobre a cultura deve discernir com

precisão o que é produto do pecado e o que é fruto da graça comum de Deus.”159 Diz ele

que o número de pessoas afastadas da Igreja e receosas de conhecer Deus demonstra que a

proclamação do Evangelho não tem demonstrado a graça mas, sim, o legalismo.

Quando se tem a percepção da graça, que a seu ver está acima das leis e preceitos impostos

pelos pastores, ela dissolve a culpa e abranda os sentimentos que as pessoas sempre tiveram

em relação a Deus, pois, “quanto menos ensino sobre a graça, mais desfigurada é a

compreensão que as pessoas terão de Deus. Menos conhecido ele será das pessoas”. 160

4-2 – Interpretação dos Usos e Costumes de Santidade

Para Ricardo Gondim, a cultura brasileira foi influenciada por muitos padrões de

comportamento, sofreu mudanças com o passar dos anos e basicamente com o processo de

globalização, que trouxe um novo conceito de cultura global pelo qual as pessoas passaram

a aderir aos costumes de outros países.

Quando a questão é roupas e músicas, pode-se salientar que estas participam das

relações sociais nas quais um povo se expressa culturalmente. Logo, segundo o pastor-

presidente da Igreja Assembléia de Deus Betesda, há uma dificuldade para desenvolver

uma teologia sobre os usos e costumes sem levar em conta as manifestações culturais. Para

ele, o legalismo pode indicar uma visão errada e preconceituosa ao atribuir valores morais

158
Mundanidade seria tudo aquilo que está identificado como pecado que promove uma vida moral
não digna, portanto, contra a vontade de Deus.
159
GONDIM, R. É proibido. p. 39.
160
GONDIM, R. É proibido. p. 159
107

ao modo como um grupo social se veste. No seu entendimento não há cultura sagrada. “A

Bíblia está repleta de exemplos de evangelistas e missionários que, chegando a um contexto

cultural diferente do seu, respeitaram a maneira de ser daquele povo e procuraram adaptar-

se aos seus ouvintes”.161

Observa-se, então, que sua visão a respeito da Bíblia é que esta não é um livro de

codificação doutrinária, mas a história de um povo, e que os valores do povo bíblico são

diferentes dos valores do povo brasileiro, necessitando, assim, de uma contextualização dos

textos a serem aplicados na cultura brasileira. No seu modo de entender, as proibições são

frutos do autoritarismo inconseqüente de homens que dirigem a Igreja hoje, e que, na

Bíblia, Deus não assume a postura de condenar quando a questão é o uso de jóias, roupas e

adornos, sendo que os valores estéticos da Bíblia não estão ligados sempre à moralidade.

Certamente, o que determinará o que convém não é só a consciência do cristão, mas a

cultura na qual ele está inserido. “As proibições de nossas igrejas foram importações

culturais que uma mentalidade missionária forçou sobre nós e que aceitamos sem

questionar”.162 Segundo Ricardo Gondim, cabe à Igreja o comprometimento de resguardar

os valores da família e do indivíduo em um mundo que está dividido e perde seus

referenciais com imensa rapidez. O fato de a Igreja Assembléia de Deus Betesda não se

ater aos usos e costumes humanos não implica que não se atenha aos princípios bíblicos de

uma vida santa diante de Deus.

Fica explícito no discurso de Ricardo Gondim que a Bíblia não traz aprovação ou

condenação em relação ao uso de roupas. Somente em determinados momentos, estas

161
Ibid., p. 37.
162
GONDIM, R. É proibido. p. 66.
108

poderiam ser consideradas dignas, ou não. Isso significa, segundo ele, que Deus não atrela

necessariamente o pecado ao desejo de vestir-se bem ou de acordo com a moda. As roupas

ou uso de jóias não estão associados ao pecado das pessoas, mas fazem parte da produção

cultural.

A expressão “vaidade no vestuário”, segundo Ricardo Gondim, encontra-se

carregada de valores espirituais e éticos em muitas denominações evangélicas do ramo

pentecostal, nas quais a maioria das proibições visa sempre as mulheres que, geralmente,

sem poder de contestação, sofrem diante dos discursos que exigem delas submissão e a

simplicidade do traje, esquecendo-se de que a maneira de se vestir atualmente oferece uma

forma de ornamento, que traz prazer e felicidade aos indivíduos.

A lei sobre o uso de roupas e adornos como forma de agradar a Deus, em sua ótica é

inútil e pode levar a um conceito de salvação pelas obras, além do que é a necessidade

social e não moral que provoca mudanças no comportamento das pessoas. Para Ricardo

Gondim, “uma das mais perniciosas tendências da religião é associar a fé ao cumprimento

de regras e leis”.163 Sua preocupação está voltada para muitos líderes pentecostais que não

têm estruturado os crentes com sua fé na graça de Deus, porém, têm acrescentado fórmulas

e exigências doutrinárias e proibições comportamentais à mensagem da salvação.

Em pesquisa empírica no interior das Assembléias de Deus ligadas a CGADB

observei que grande parte das lideranças evangélicas é masculina, e as maiores proibições

visam sempre as mulheres, principalmente quanto ao vestuário, à proibição do uso de jóias

ou pinturas e ao corte de cabelo. Todas essas proibições, para Ricardo Gondim, não têm

163
Ibid., p.154.
109

fundamentação bíblica, pois o trato na Bíblia dessas questões é meramente cultural,

principalmente em I Co 11: 14 – 16, que fala a respeito do cabelo do homem e da mulher.

Segundo Gondim, o apóstolo Paulo pede “que esses preceitos sejam respeitados apenas

no contexto de Corinto. Ele não poderia exigir que essas normas fossem

obedecidas hoje, pois o véu e os cabelos compridos já não possuem a mesma significação

daqueles dias”.164 Portanto, em seu discurso, tais questões como cortar o cabelo para os

homens e mantê-los compridos para as mulheres, proibir o uso de jóias ou pinturas, não

podem ser tomadas como morais ou imorais.

Esse jugo pesado, quando não aliena, gera também uma outra excrescência: a
hipocrisia. Existem muitos que se acomodam ao sistema religioso e mostram-
se coerentes com as exigências do pastor somente quando estão na igreja.
Longe da fiscalização religiosa, porém, vivem noutra realidade. Esse largo
contingente de evangélicos conseguiu desenvolver uma duplicidade
comportamental. Na esfera privada agem e convive com mais liberdade,
brincam e riem, vestem-se de acordo com as últimas novidades da moda.
Mas, quando vão para a igreja, passam por uma metamorfose impressionante.
Assumem um ar mais grave. Agem dentro do ambiente religioso de acordo
com os códigos impostos pela liderança, mas com revolta. 165

Para o pastor Ricardo Gondim, essa situação produz críticas no meio daqueles que

freqüentam a igreja e participam intensamente dos cultos, criando, assim, um mecanismo

de defesa ao desprezarem os sermões legalistas que ouvem. Os códigos pregados não lhes

dizem respeito, transformando a vida cristã numa espécie de hipocrisia involuntária, que os

agride. “O rigoroso discurso de alguns líderes hoje, mal sabem eles, faz parte do cardápio

dos encontros entre os membros de suas igrejas”.166

164
GONDIM, R. É proibido. p. 99.
165
Ibid., p. 11.
166
Ibid., p. 12.
110

A essência do legalismo, segundo Ricardo Gondim, é a oferta de regras de como o

crente deve ser santo, ditando, assim, os regulamentos da igreja a serem seguidos.

Argumenta que os líderes desse seguimento se esquecem que se converter não é um

esforço para ter uma nova cartilha de usos e costumes; a conversão engloba uma

compreensão jurídica do processo em que o pecador é considerado justo nos méritos de

Cristo, no qual se inicia um processo gradual de transformação em sua natureza. Observa,

então, que a santificação não é o resultado da observância a normas eclesiásticas ou de

assiduidade aos cultos, mas, sim, da relação particular com Deus.

Pode-se dizer, então que, ao procurar mostrar-se mais liberal – em especial na área

dos usos e costumes de santidade – o discurso da Igreja Assembléia de Deus Betesda

apresenta uma inteiração maior com o mundo vigente, criando novas possibilidades de

participação social, de conquista e exercício da cidadania por parte dos crentes que a

freqüentam. A santidade não está implícita nas proibições colocadas pelos líderes, mas,

sim, no relacionamento e compreensão das Escrituras e também na atuação do Espírito

Santo, que transforma os crentes de uma maneira sobrenatural.167 Logo, a experiência do

crente com Deus se fazem necessária para que ele tenha uma vida moldada e equilibrada

moralmente, não interpretando o comportamento e a exteriorização dos usos e costumes

como sinal da salvação.

167
GONDIM, R. É proibido. p. 178.
111

CAPÍTULO III

MODELOS TEOLÓGICOS MORAIS E ANÁLISE DO DISCURSO TEOLÓGICO

Neste capítulo procurarei apresentar uma análise dos modelos de moral, definindo o

conceito de ética como referência teórica sobre a prática moral. Nos dois discursos

teológicos apresentados no segundo capítulo, é possível notar que eles são permeados por

dois modelos de moral, o essencialismo e o personalismo, que têm por finalidade moldar

tipos específicos de comportamento, utilizando a Bíblia como referencial.

Abordarei o discurso religioso como elemento fundamental de estratégia no campo

pentecostal, como forma de atingir a experiência da salvação, e de produzir força e coragem

no crente para enfrentar as dificuldades do cotidiano. Procurarei, portanto, mostrar dois

modelos de moral e um mesmo tipo de argumentação religiosa apresentado pelos dois

pastores aqui analisados.

Busco aqui compreender o discurso como caminho para a conversão e

comportamento do crente assembleiano. Analiso categorias de poder e saber, como fonte de

controle para a manutenção da tradição dos usos e costumes de santidade e separação do

mundo, mas que também proporcionam liberdade e compreensão do valor personalista

cristão que pode ter uma experiência religiosa sem isolar-se do mundo.

1 – DOIS MODELOS DE MORAL


112

Se levarmos em consideração que a religião muda expectativas, modela

comportamentos, altera desejos e frustrações e também ensina a como se relacionar com

o mundo,168 então podemos pensar que o indivíduo que se torna adepto de uma

denominação religiosa tem uma nova visão-de-mundo, que se mostra na sua vida cotidiana,

na interpretação que constrói sobre sua crença e nas expectativas que coloca para si em

relação ao futuro.

A experiência religiosa impele o indivíduo a rever seus valores, com base nos

princípios religiosos introjetados e a adotar, juntamente com o grupo religioso do qual faz

parte, um universo simbólico cujos significados norteiam a maneira de viver no mundo e de

explicá-lo. Além disso, a Igreja torna-se uma resposta para os conversos no sentido de lhes

conceder certezas diante das incertezas, que advém das crises e dilemas que permeiam a

realidade.

O conjunto de normas criado pelo grupo dá ao crente a segurança e a sensação de

estar inserido na normalidade e, por essa razão, ter uma identidade. Esse conjunto de

normas é composto de valores morais de caráter normativo, pois, o homem é um ser moral

e os grupos sempre criaram sistemas de valores e normas morais para possibilitar sua

própria convivência.

A moral se caracteriza por sua dimensão social e tem nos costumes sua primeira e

mais aparente manifestação. O conjunto moral de costumes aceito por um grupo constitui o

ethos da comunidade humana. Segundo Marciano Vidal há dois grupos de termos na

língua portuguesa referidos à mesma realidade – a ética e a moral – utilizados às vezes de


113

forma diversa. A palavra ética vem do grego ethos, que pode significar costume e/ou

caráter; a palavra moral vem do latim mos, que significa costume."O termo ‘ethos’ foi

utilizado no mundo helênico com notável carga expressiva. Escrito com ‘epsilon’ o ‘ethos’

designava o conceito de costume (daí ‘etologia’ etc.); enquanto que escrito com ‘eta’ o

ethos se referia ao conceito de caráter".169 A ética é reservada para a aproximação racional

ou filosófica; e a moral, para a consideração religiosa. Em outras ocasiões, a ética indica o

estudo fundamental do problema enquanto que a moral se refere aos códigos concretos do

comportamento humano. Segundo Marciano Vidal, “a diversa etimologia de ética e moral,

grega e latina, respectivamente, não é causa de diversidade semântica, mas de riqueza de

significância”.170

Os costumes se referem aos usos sociais repetidos; por outro lado, o caráter tem um

referencial pessoal, é resultado das ações da pessoa internamente, ou seja, é o ser interno. O

ético, tal como usamos atualmente, está relacionado ao significado ethos-caráter. De modo

geral, é comum utilizar o conceito de ética e moral como sinônimos ou, quando muito,

definir a ética como um conjunto de práticas morais de uma determinada sociedade ou,

então, de princípios que norteiam essas práticas. Desde os tempos mais remotos, o homem,

vivendo em sociedade, estabeleceu regras de conduta e impôs limites a fim de levar em

conta o seu semelhante. A partir do momento em que foi estabelecido um conjunto de

regras tidas como incondicionalmente válidas, precedidas de larga tradição oral, estava

criada a moral.

168
Cf., PRANDI, Reginaldo. Um sopro do espírito: a renovação conservadora do catolicismo
carismático. São Paulo: Edusp e Fapesp. 1997, p.270.
169
VIDAL, Marciano. Moral de atitudes. Vol. I. São Paulo: Editora Santuário, 1986, p. 19.
170
Ibid., p. 18.
114

Quando se procura diferenciar a ética da moral, visa-se geralmente distinguir o

conjunto das práticas morais cristalizadas pelo costume e a convenção social dos princípios

teóricos que as fundamentam ou criticam. Portanto, o conceito de ética aqui utilizado

refere-se à teoria sobre a prática moral. Ética seria então uma reflexão teórica que analisa e

critica ou legitima os fundamentos e princípios que regem um determinado sistema moral,

ou seja, a dimensão prática.

Para Elinaldo Renovato, a realidade humana não é regida unicamente por leis

autônomas nem se constrói segundo modelos previamente incorporados a um devir cego e

irreversível. Pelo contrário, as realizações humanas dependem das decisões de um Deus que

é o criador.171 O converso pentecostal busca a ordem oferecida por um Deus moral descrito

na Bíblia.

A argumentação de Ricardo Gondim sobre a moral é de que ela vem do poder de

liberdade de escolha, da maturidade emocional cristã, intelectual e espiritual de cada

cristão; e a Bíblia não é um livro de proibições e censuras; ao contrário, está repleta de

textos anunciando a liberdade dos indivíduos. Portanto, a moral deve partir da consciência

de cada um, percebendo o que vem ser lícito e o que convém realizar na vida.172

Os valores aceitos pelos indivíduos determinam as finalidades estabelecidas em sua

atividade cotidiana, dando-lhes, assim, o sentido da vida. Nesse caso, a Igreja enquanto

instituição religiosa e representante de Deus influi na formação do caráter pela mediação do

sistema de valores que transmite ao indivíduo.

171
LIMA, E. R. Ética Cristã. p. 08.
172
GONDIM, R. É proibido. p. 113.
115

Juan Martim Velasco argumenta que não há religião sem ética. A religião tem em si

um código básico para delinear a ação do crente; código, este, útil e necessário ao grupo

para a preservação da comunhão com Deus. Na realidade, “são as obrigações relativas ao

culto e à manutenção da comunidade religiosa, de suas instituições e ministros”.173

Em razão desse caráter da realidade do crente surgem as instâncias normativas, as

quais, através da proposta de fins e ideais, tratam de construir a história humana segundo

modelos configurados na Bíblia, principalmente no Antigo Testamento e nos escritos

paulinos. Entre as instâncias normativas, sobressai-se a instância moral que procura

conformar as realizações humanas com a consciência moral e referir-se a valores morais

objetivos fundamentados na Bíblia.

A realidade e o conceito de pessoa têm uma carga axiológica irrenunciável. Os dois

modelos de moral mais presentes, que percebemos nos dois discursos apresentados no

segundo capítulo, são: a moral essencialista, que tem como herança às tradições greco-

latina e judaico-cristã, e a moral personalista, fruto do diálogo com a cultura moderna. Com

efeito, a dimensão moral brota da pessoa e o valor moral se referem à pessoa.

Nos discursos morais religiosos pode-se perceber que ele tem por finalidade moldar

um tipo específico de comportamento. A Igreja Assembléia de Deus tradicional tem como

um de seus deveres fundamentais a tarefa de regular o comportamento moral dos

indivíduos, a sexualidade, os costumes etc. Portanto, o comportamento e as sanções passam

pelo crivo da palavra bíblica pregada, “que fundamenta a validade da decisão ética, não em

173
VELASCO, Juan Martim. Religião e Moral. In: VIDAl, Marciano. Ética Teológica: conceitos
fundamentais. Petrópolis:Vozes, 1999, p. 169.
116

conformidade com uma nova ordem superior, mas na obediência a um mandamento

divino”.174 A Assembléia de Deus Betesda, no entanto, centra mais sua atenção na

liberdade religiosa dos indivíduos; realiza uma interpretação contextualizada dos textos

bíblicos e proporciona aos membros a decisão do amadurecimento por uma moral concreta

da experiência religiosa. Percebe que as proibições e censuras não geram a experiência da

santidade e da salvação, mas que somente a transformação do caráter do indivíduo é capaz

de proporcionar a autonomia dos sujeitos participantes do culto na Igreja e a atuação na

sociedade.

No discurso de Elinaldo Renovato de Lima, a luz do referencial ético e moral é a

palavra de Deus. Segundo ele, em meio a uma sociedade reprovada e corrompida perante

Deus, é na Bíblia que se encontram os referenciais éticos indispensáveis para um viver

santo e digno. Em sua concepção, a Bíblia é o manual perfeito para a vida cristã. O cristão

não precisa recorrer a paradigmas humanos ou lógicos para posicionar-se quanto aos seus

atos; se estes estão fundamentados ou estão de acordo com a Bíblia, o crente não tem com

que se preocupar.175

Assim, o discurso de Elinaldo Renovato tem como base o essencialismo, uma das

vertentes da moral, o qual se estrutura na tradição e nos costumes, pois tudo se legitima em

nome da tradição; as novidades não são bem-vistas porque os valores são legitimados em

nome da moral eterna. A religião passa a ser a base da ordem estática estabelecida perante

as novas gerações. Nosso próximo passo é analisar a moral essencialista que permeia o

discurso de Elinaldo Renovato.

174
Ibid., p. 170.
175
Cf., LIMA, E. R. Ética Cristã.
117

1-1 – Moral Essencialista

Trata-se de um conjunto de normas que deve servir de base para o comportamento

moral dos indivíduos em toda e qualquer situação. Este conjunto de princípios está

estruturado geralmente sob a forma de um princípio regulador de fundo filosófico ou

religioso. Essa forma de moral é própria das sociedades tradicionais em que a força dos

costumes e das normas desempenha um papel fundamental na manutenção da coesão de

grupo. As regras de conduta moral – o que é bom ou mau para as pessoas – já estariam

definidas desde sempre, cabendo ao indivíduo somente aceitá-las. A não-aceitação das

regras poderia acarretar sérias conseqüências ao indivíduo e a todo o grupo.

A moral essencialista é baseada em princípios transcendentes, ou seja, as regras de

conduta moral são exteriores ao sujeito. De modo geral, acredita-se que elas foram ditadas

por Deus. Cabe ao ser humano seguir essas regras em sua vida cotidiana, sem poder

reformá-las ou mesmo substituí-las por outras, pois, não sendo seu autor, também não está

em seu poder a possibilidade de mudá-las. Nesse sentido, a argumentação de Márcio Fabri

dos Anjos nos mostra que:

O primeiro fundamento da moral é a ordem universal decorrente do próprio


Deus que tudo criou por derivação de sua imagem e essência eterna.
Conseqüentemente, todo ser criado tem uma destinação ou finalidade que lhe
é intrínseca, independentemente da vontade do homem e de suas diferenças
culturais.
Como sob o ponto de vista cristão o homem é chamado a uma vida
sobrenatural, lhe é dada também à revelação divina de uma lei sobrenatural e
previne as más interpretações que o homem decaído (pecador) pode fazer da
própria lei moral natural.
118

A fidelidade quanto à conservação e interpretação da lei moral natural e da


lei divina revelada é garantida pela autoridade eclesiástica, a quem cabe a
autêntica interpretação da lei moral.176

A moral essencialista exige a subordinação da razão e da lei humana à sabedoria de

Deus e à sua lei, que é apresentada como ordem racional, à qual o homem é chamado por

Deus a dirigir, regular sua vida e os seus atos177 “Nesse sentido, pode-se dizer que o

raciocínio moral do passado é para nós uma herança; é ao menos um ponto de referência

muitas vezes necessário para o raciocínio atual”. 178

Esse sistema moral tem um papel fundamental na reprodução da ordem vigente e na

repressão a todas as tentativas de inovações e liberdade. O teólogo moralista Marciano

Vidal coloca que esse modelo de moral se mede conforme a correspondência com a

vontade divina: “É bom o que Deus quer e é mau o que Deus proíbe”. 179 Percebe-se no

discurso de Elinaldo Renovato que a moral verdadeira para ele é a que emana de Deus e

não aquela produzida pela consciência humana, já que o homem está corrompido pelo

pecado. Propõe, portanto, que “o referencial seguro, imutável e infalível não é a

consciência humana, mas a consciência de Deus, expressa em sua maravilhosa Palavra, a

Bíblia Sagrada”.180

O discurso moral de Elinaldo Renovato tem por finalidade moldar um tipo

específico de comportamento, ou seja, fazer com que o indivíduo possa ser submisso às

176
ANJOS, Márcio Fabri dos. Moral Tribal e Moral Universal. In: SUESS, Paulo. Queimada e
Semeadura: da conquista espiritual ao descobrimento de uma nova evangelização. Petrópolis:
Vozes, 1988, p. 121.
177
Cf., Idem. Ética e clonagem humana. São Paulo: Instituto Teológico. Espaços. Ano I, p. 86.
178
Idem. Argumento moral e aborto: da argumentação sobre a moralidade do aborto do modo justo
de se argumentar em teologia moral. São Paulo: Loyola, 1976. p.33.
179
VIDAL, M. , op. cit., p. 216.
180
LIMA, E. R. Ética Cristã. p. 27.
119

regras e doutrinas impostas pela igreja e não questione a “Palavra de Deus” pregada pelo

pastor. A igreja através da liderança tem como dever fundamental a tarefa de regular o

comportamento moral, a ética dos indivíduos, a sexualidade e os costumes. O

comportamento e as sanções passam pelo crivo da palavra bíblica.

Diante desse fato, pode-se argumentar que na moral essencialista o cumprimento das

regras morais pode ser assegurado por critérios pessoais ou coletivos. Coletivos quando

existe uma pressão por parte da sociedade para o cumprimento das regras, sob pena de

castigo ou punição com a expulsão da comunidade, dependendo da gravidade da falta

cometida.

Já no caso dos critérios pessoais, o indivíduo segue determinados preceitos por ter a

convicção de estar agindo conforme a vontade de Deus e orientado por princípios de

justiça. Em outro grupo estão as pessoas que se guiam por motivos morais menos elevados,

que agem sem convicção, só pela esperança de receber alguma recompensa de Deus, como

uma vida próspera ou uma vida eterna no céu. Na Igreja Assembléia de Deus tradicional, a

liderança procura imprimir na conduta dos fiéis, desde a conversão, normas e tabus

comportamentais, valores morais voltados para os usos e costumes de santificação como

sinal da salvação eterna.

Com efeito, o sistema dogmático de crenças é imposto aos fiéis como uma
obrigação de consciência. Desde esse momento a ortodoxia dogmática
converte-se no inevitável horizonte da consciência moral. O funcionamento
da consciência se desenvolverá a partir do pressuposto de uma manipulação
original. Mais ainda, a ética se converterá numa ortodoxia dogmática, com
todas as falhas que lhe são inerentes: construção totalitária de uma
determinada ordem, dependência de poderes controladores, exclusão
daqueles que se regem por pautas ‘heterodoxas’ etc. 181

181
VIDAL, M. Moral de atitudes. Vol. I, p.76.
120

Na modernidade, com a formalização do direito na maioria das sociedades, o Estado

passou a ter o monopólio da aplicação da justiça. Isso enfraqueceu o poder da comunidade

de controlar e punir seus membros. Passou a ser mais comum a pessoa seguir determinados

preceitos religiosos, na convicção pela fé de recompensa na Terra ou então no céu.

Prevalece, então, a referência contínua à Bíblia como garantia mais eficaz e segura da

autenticidade da vida ética dos crentes e da reflexão teológico-moral.

Assim, o discurso da igreja se caracteriza como a leitura ética iluminada pelo dado

da revelação, no qual ela é revestida de competência para interpretar a repercussão da fé

sobre a razão moral, isto é, ela decifra as implicações éticas da mensagem revelada. Como

argumenta Elinaldo Renovato, “o cristão tem a vantagem de possuir um código de ética

extraordinário, que é a Bíblia Sagrada, por ele aceita como inspirada e revelada por Deus,

através do Espírito Santo”. 182

Cecília Loreto Mariz diz que o apelo do pentecostalismo visa a busca de uma ordem

ou moralidade oferecida por Deus, que aponta modelos e regras a serem seguidas, e que na

conversão a experiência do crente com o Espírito Santo é fundamental para que ele possa

sentir-se um novo cidadão.

O pentecostalismo oferece uma magia moral, com uma moralidade clara,


definida e regida por leis universais inexoráveis, num mundo de regras
particularistas e flexíveis. Oferece uma ordem, uma lógica, que o indivíduo
não encontra nem em sua vida, especialmente numa sociedade assolada por
crises econômicas, inflação, criminalidade, com leis frágeis e grande
impunidade.183

182
LIMA, E. R. Ética Cristã. p. 9.
183
MARIZ, Cecília Loreto. Libertação e Ética: uma análise do discurso de pentecostais que se
recuperaram do alcoolismo. In: ANTONIAZZI, Alberto. Nem anjos nem demônios: interpretações
sociológicas do pentecostalismo. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 220.
121

A desordem moral que se expressa na sociedade através das doenças, do

desemprego, da criminalidade e de outros desvios vistos como espirituais pelo crente é vista

como uma desordem sobrenatural que traria a falta de Deus e que implicaria na presença do

demônio. O converso pentecostal, especialmente aquele que mora na periferia das grandes

cidades e que compõe o quadro das Assembléias de Deus tradicional, constituída por

migrantes pobres que se sentem perdidos e marginalizados em um mundo de rápida

transformação econômica e de valores morais, busca a ordem oferecida por um Deus moral.

Ao defender um Deus absoluto que possui uma ética divina, e ao definir qualquer

sobrenatural que não seja Deus como demoníaco e mau, o crente não apenas crê numa

magia ética, mas atribui um poder mágico à ética. Pois convivendo com a ilegalidade e com

altos índices de violência no cotidiano, o converso da periferia da Assembléia de Deus em

especial não encontra na esfera social uma plausibilidade ou apoio para nenhuma ética,

indo buscar esse suporte na esfera do sobrenatural, do absoluto que produz justiça. Quando

não se espera na Terra, que seja no céu, “onde todos irão prestar contas a Deus”.

Para tornar o indivíduo livre da opressão sofrida pela sociedade mais ampla, o

discurso assembleiano propõe a moral essencialista criando uma pequena sociedade: a

igreja e a família. Essa pequena sociedade coesa de “irmãos” ajuda na segurança dos

marginalizados no mundo desprovido de justiça, prometendo combater a opressão social

com o poder do sobrenatural. Como diz Elinaldo Renovato, “como resultado do ensino da

Palavra às pessoas, Deus promete multiplicar os dias dos seus servos na Terra, além de

bênçãos de vitória contra as injustiças”.184 Nesse aspecto, notamos que a “Palavra de Deus”

soa como aquela que tem poder e que dá o direito, a segurança e a orientação ao crente.

184
LIMA, E. R. Aprendendo diariamente com Cristo. P. 77.
122

Segundo os pentecostais, em um mundo onde os valores e princípios são totalmente

invertidos e deturpados, há uma orientação de Deus a ser seguida por aqueles que desejam

obter vitórias e serem felizes na vida.

Nesse sentido é possível perceber que há uma preocupação no meio cristão da Igreja

Assembléia de Deus de fazer a vontade de Deus e cumprir seus mandamentos, ou seja, tudo

o que está escrito na Bíblia e que é considerado como “Palavra de Deus” deve ser

seguido fielmente pelo crente; com seu discurso de salvação, ela deseja que toda a

sociedade possa refletir sobre o cumprimento dessa vontade. Isso pode contribuir para uma

postura de intolerância religiosa porque essa atitude impõe uma crença e um tipo de padrão

de comportamento a todos.

A moral essencialista pode ser uma forma de conduta que limita o campo da

liberdade humana. Se o indivíduo não pode questionar as regras nem transformá-las, sua

liberdade se restringe a obedecê-las já que elas estão estruturadas na leitura literal da Bíblia.

Portanto, a moral essencialista não permite soluções novas que possam ser tomadas de

comum acordo pelos membros da comunidade ou que atendam a situações concretas

bastante particulares. As regras morais essencialistas acabam se tornando uma imposição,

em vez de contribuírem para a melhoria da convivência social e para a felicidade dos

seres humanos. Entretanto, o discurso de Ricardo Gondim, vai de encontro com essa

necessidade de apresentar uma moral pela qual o indivíduo possa expressar seus

questionamentos para contribuir na formação do grupo e em um melhor entendimento

social. Dessa forma, Ricardo Gondim traz uma moral personalista em seu discurso.
123

1-2 – Moral Personalista

A Assembléia de Deus tradicional sempre foi, desde seu início, uma Igreja voltada

para as massas, um movimento que nunca esteve preocupado com as elites. “Obviamente

no movimento pentecostal das Assembléias de Deus existem muito mais pobres do que

ricos”.185 Para expandir-se, a Assembléia de Deus aproveitou-se das correntes migratórias

do Norte e Nordeste para o Sudeste, um meio eficiente para quebrar os tentáculos

tradicionais das crenças de um catolicismo rural.186 Os primeiros pastores brasileiros

inspiraram-se no modelo vivido pelos pioneiros suecos, e ainda hoje há um forte discurso

voltado para manter a identidade do passado. Os primeiros “obreiros” não tinham nenhuma

formação acadêmica para iniciar o trabalho voltado à evangelização. Muitos aprenderam a

ler em suas próprias Bíblias.

A Igreja Assembléia de Deus Betesda deu os primeiros passos no sentido de resgatar

os valores pentecostais com uma mensagem contextualizada e com a missão de atrair

profissionais liberais, universitários e segmentos intelectualizados da cidade. Apresentou

uma forma diferente da que foi apresentada pela Assembléia de Deus tradicional que se

esmeraram nos códigos de usos e costumes como elemento da salvação. Ricardo Gondim

diz que

O religioso brasileiro aprendeu que a religião prepara para a vida depois da


morte, mas não sabe como enfrentar os embates da vida. Esse preparo para
vida depois da morte não faz necessariamente do religioso um bom cidadão,
pai exemplar, profissional competente. Essa transcendência tornou as pessoas
fatalistas. O homem, preso a forças do destino, aprende na religião a

185
OLIVEIRA, José de. Breve história do movimento pentecostal: dos Atos dos Apóstolos aos dias
de hoje. Rio de Janeiro: CPAD, 2003, p. 72.
186
Cf., Ibid., p. 72.
124

contentar-se com sua sorte esperando que na outra vida ele possa compensar
todo sofrimento de sua existência.187

Em uma sociedade moderna que vive o processo de globalização, a religião deixa de

ser uma dimensão pública da vida passando a restringir-se à esfera privada, na qual as

pessoas querem optar pela sua preferência religiosa sem ser importunadas por opiniões

contrárias. Nesta sociedade, a religião passa a ser uma instituição a mais entre tantas outras,

especializada em questões de culto, sacramentos e vida após a morte. Segundo Ricardo

Gondim, a Igreja deve ser um centro que possa provocar no indivíduo o desejo de pertença,

só assim poderá atingir a esfera inter-relativa onde todos são amados e queridos.188

Em uma sociedade moderna e industrializada há uma reação contra os valores

baseados na tradição e nos costumes. Diante da insegurança e da descrença no governo e

nas instituições sociais e familiares, no meio da grande multidão, o homem torna-se mera

estatística que inflaciona os meios religiosos. Para Ricardo Gondim, as pessoas devem ser

tratadas na pessoalidade, individualmente, para se sentirem amadas por Deus, e não com a

frieza dos guichês das repartições públicas.189 Assim, tornam-se pessoas seguras no

ambiente que freqüentam e não meros crentes massificados. Torna-se necessário o

estabelecimento de uma moral que não venha a limitar a liberdade ou oprimir o crente; que

ele possa, acima de tudo, ter a liberdade para se comunicar, participar e ser criativo.

Ricardo Gondim com sua dedicação à pesquisa dos movimentos espirituais, sociais

e políticos da Igreja Evangélica brasileira e sua experiência trazida dos Estados Unidos,

187
GONDIM, R. O evangelho da nova era. p. 11.
188
Cf., Idem. Fim do milênio: os perigos da pós-modernidade na Igreja. São Paulo: Abba Press, p.
58.
189
Cf., Ibid., p. 77.
125

onde recebeu sua formação teológica foi fundamental para o desenvolvimento da Igreja

Assembléia de Deus Betesda.

Desde o momento em que passou a liderar o movimento da Igreja Assembléia de

Deus Betesda, Ricardo Gondim buscou estabelecer o equilíbrio entre a espiritualidade e a

reflexão bíblica, para que a Betesda pudesse ser uma Igreja Pentecostal que não

abandonasse a sua humanidade nem os processos históricos de suas ações, onde os

participantes pudessem contribuir com sua críticas e opiniões para o crescimento do grupo.

Certamente ele não poderia se fechar na tradição assembleiana e fazer com que todos

estivessem submissos ao seu poder. Isso fica claro nas atitudes dos membros envolvidos

com a Igreja, como Roberto Minczuk, regente e diretor artístico-adjunto da Orquestra

Sinfônica do Estado de São Paulo – Osesp – e da Filarmônica de Nova York, onde é

regente associado. Ele explica que “a igreja é um lugar em que você compartilha a sua

esperança”.190 Minczuk foi criado na Assembléia de Deus tradicional e deixou de

freqüentá-la por ser uma Igreja muito fechada, que mantinha o legalismo pentecostal. Ele

declara que pertence hoje a Betesda porque encontra ali um canal de diálogo e participação.

Nesse sentido, é possível perceber que as relações humanas, ou seja, o processo de

reiteração no grupo da Igreja Assembléia de Deus Betesda, se fundamentam e se

configuram racionalmente de acordo com os fins dos próprios participantes. Estes

condicionam a comunicação e proporcionam as regras de atuação conjunta para o

funcionamento da Igreja. É, portanto, na comunidade cristã que a pessoa convive e

desenvolve sua auto-estima e expectativas, tanto pessoais – de relação consigo mesmo –

190
DIAS, E. C. SP 450. Folha de São Paulo, São Paulo, 14 de Dezembro 2003. Cotidiano, p. 9.
126

como também sociais, ou seja, o papel que irá desempenhar no contexto de sua sociedade.

Por isso, pensar, apreender e compartilhar é desenvolver racionalmente as estruturas da

convivência humana.

O espaço de realização pessoal não é um lugar dado de antemão, mas uma criação

que vai tomar forma na relação pessoal, em que a concepção que uma pessoa tem de si

mesma e dos outros desempenha um papel fundamental e condiciona ao mesmo tempo a

base da criação das regras e normas que vão determinar o comportamento coletivo.

O modelo personalista de moral reconhece que, no trabalho de composição entre os

valores do todo e do indivíduo, brilha um valor dominante, uma constante axiológica do

justo, que é o valor da pessoa humana. O indivíduo deve ceder ao todo até e enquanto não

for ferido em seus valores, ou seja, na plenitude do homem enquanto homem. Todas as

vezes que se ultrapassa a esfera da personalidade haverá arbítrio.

A moral personalista ocupa um lugar central na busca de uma maior autonomia e

liberdade dos indivíduos diante das instituições. O princípio é o de que a pessoa não se guie

pela tradição ou por um conjunto de verdades preestabelecidas, mas que escolha o que é

melhor para si e para a sociedade. Ela tem como estrutura a consciência, e esta é um

elemento dinamizado dentro do grupo em que o sujeito está inserido. É dada a ele a

liberdade de pensar, de escolher e agir. Marciano Vidal afirma que, na moral personalista,

a decisão moral brota do núcleo autônomo da pessoa. Decisão ética só tem


sentido quando é “responsável”, ou seja, quando constitui “resposta” do eu às
exigências de sua própria realização.
De outro lado, se expressa à decisão moral prevalentemente mediante opções
e atitudes, e não mediante atos atomizados e casuísticos. O discernimento
ético instala-se preferentemente na opção fundamental da pessoa e orienta a
partir dela todo o dinamismo moral humano. [...] A verdadeira visão
127

personalista da decisão moral situa o discernimento ético no lugar marcado


pela “reciprocidade das consciências” e pelas exigências do projeto histórico
socialmente compartilhado.191

A virtude reflete um padrão de moralidade intrapessoal. Sob o ponto de vista

teológico, a liberdade torna-se necessária, pois, cada pessoa tem um destino além da

sociedade em que vive neste mundo e só pode realizá-lo sob condições de liberdade. Isso

significa que cada indivíduo é um fim em si mesmo e jamais deve ser tratado como simples

meio para se atingir determinado fim. Tratá-lo assim constitui forte violação à sua natureza,

à sua condição e à sua dignidade.

A subjetividade criativa da pessoa humana está relacionada com a idéia de que

todos, indivíduo e sociedade, tanto no plano natural como no sobrenatural, são chamados a

responder e a cooperar, direta ou indiretamente, para a vocação universal de realização por

meio das formas sociais e individuais do bem e do conhecimento de Deus. O personalismo

significa o reconhecimento do valor intocável do indivíduo enquanto este se põe como

pessoa.

Para a moral personalista, cada indivíduo deve ser livre para escolher os seus

próprios objetivos, isso significando o reconhecimento do valor intocável do sujeito.

Distingue-se, portanto, por uma moral concreta da experiência religiosa, na qual a santidade
192
“não é resultado de observância a normas eclesiásticas ou de assiduidade aos cultos”

mas uma transformação do caráter do indivíduo trazendo-lhe a liberdade. Como afirma

Ricardo Gondim:

191
VIDAL, M. Moral de opção fundamental e atitudes. São Paulo: Paulus, 1999. p. 103-4.
192
GONDIM, R. É proibido. p. 168.
128

O poder moral de discernir e recusar o que é torpe vem da liberdade de


escolha, maturidade emocional, e intelectual e espiritual. Nunca, porém, da
censura e patrulhamento da nossa liberdade crítica. A Bíblia afirma, em
diversas circunstâncias, que o evangelho não se propõe a coibir a liberdade
das pessoas, mas a fornecer-lhes a capacidade de eleger o que for nobre em
contraposição ao que é inconveniente.193

O discurso de Ricardo Gondim pode ser considerado personalista, pois, ele acredita

em um Deus pessoal e na experiência religiosa interior da cada ser, e sua compreensão a

respeito da conversão é que essa ocorre sem nenhum esforço humano, sem regras ou

cartilhas de usos e costumes, mas com grande investimento de Deus no plano da salvação

da humanidade. A pessoa é considerada primordialmente um ser racional dotado de

vontade própria, de livre arbítrio, e que, portanto, se realiza no exercício da sua liberdade.

O humano é valorizado pela defesa de sua autonomia.

A estrutura personalista da ética cristã aceita como pressuposto a autonomia da

razão ética em relação às proposições do Novo Testamento. Nessa compreensão da moral

cristã, pode-se aceitar a ordem humana com sua normatividade consistente e autônoma.

Segundo Marciano Vidal, ao considerar o homem a partir da perspectiva da criação, é

possível pensar em Deus como alguém que dá sentido à autonomia do homem e a

fundamenta194. Percebe-se, assim, que a ética personalista é a expressão da relação

normativa de Deus com o homem, e essa relação não contradiz a sua normatividade; ao

contrário, dá-lhe a possibilidade de autonomia.

Não deixa de ser significativo que o personalismo, como filosofia que


‘reivindica a dignidade ontológica, gnosiológica, moral e social da pessoa’,
tenha encontrado no cristianismo o terreno propício onde se assenta de forma
adequada. Os motivos para uma inspiração personalista do Cristianismo

193
Ibid., p. 113.
194
Cf., VIDAL, M. Moral de opção fundamental e atitudes. P. 44.
129

encontram-se em cada página do Novo Testamento. Por isso, as fibras mais


essenciais do tecido antropológico cristão são as que introduzem na própria
compreensão constitutiva de pessoa o princípio de abertura, de ser dialogal,
de responsabilidade e reciprocidade do ser pessoa.195

Dispondo de si mesmo como opção fundamental, o ser humano alicerça individual,

social e religiosamente a sua própria identidade e personalidade moral. Essa opção, que o

envolve em um compromisso que afeta todo o seu ser, qualifica nuclearmente o seu

dinamismo ético e, caracterizando sua intencionalidade mais profunda, define assim a

condição moral da pessoa.

O personalismo é uma orientação predominante da estrutura básica da moralidade

humana que se traduz em uma prefiguração constante e distinta do agir de cada ser; serve

de base para o sentido radical que a pessoa dará à sua vida – sentido que é mais importante

que a própria vida –, influindo decisivamente na resposta vital às perguntas-chave da

existência. Estabelece no ser humano uma consistência essencial que influi de modo

determinante em seu sistema de motivação e em sua capacidade de escolha; imprime uma

marca precisa na história de cada pessoa de tal modo que, exprimindo a sua insubstituível

singularidade, inspira eticidade de seus múltiplos comportamentos e configura a sua

conduta habitual com um estilo característico de vida. Proporciona-lhe um horizonte

definido de referência em seu devir, de forma que seu itinerário pessoal possa realizar-se

com solidez, coesão, coerência e continuidade; passa a ser filtro valorativo de todas as

expressões de sua consciência e de sua liberdade. Possibilita, assim, a identidade dinâmica

da pessoa humana, fazendo com que inicie sua vida moral propriamente e comece a ser um

adulto responsável. Situada na dimensão especificamente cristã e a partir de sua concreção

195
Idem. Ética Teológica: conceitos fundamentais. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 301.
130

positiva, essa opção acarreta para o seguidor de Jesus uma verdadeira coexistência com sua

vida e mensagem.

Segundo Ricardo Gondim, a vida cristã compõe-se de um grande desafio: a não

estruturação da maturidade e da educação do cristão nas censuras e proibições que não

geram santidade. Isso significa que a base da formação cristã é o amor a Cristo e ao

Evangelho, e que “proibir não ajuda. Quando se impede o livre-arbítrio, mais do que tolher

a liberdade cristã está roubando das pessoas processos de amadurecimento que lhes

possibilitariam saber discernir o que é bom e o que deve ser reprovado”. 196

Nesse aspecto percebemos que “quem ama não precisa de outra norma para agir

bem; seu amor é mais exigente do que poderia ser qualquer código de normas objetivas;

estas podem pedir que não se mate ou não se roube”.197 Segundo Marciano Vidal, a atitude

estruturada no amor contribui para a importância da pessoa, ou seja, ela quer por si mesmo

o bem de cada um. Uma ética que faz disso um princípio, ao mesmo tempo em que é mais

exigente, será mais prazerosa e constituirá o crente em uma autêntica liberdade. Essa ética

pode ser mais fundamental situada como está, no conjunto de uma fé religiosa. Portanto,

quem aceita Deus como Pai na fé, aceita logicamente a básica atitude ética religiosa que

consiste em querer selecionar as máximas de conduta desde o supremo princípio do amor,

isto é, olhar todas as pessoas como irmãos.198 Nessa opção o cristão se acha diante da

decisão principal de sua existência.

196
GONDIM, R., É proibido. p.108.
197
VIDAL, M. Ética Teológica., p. 161.
198
Cf., Idem. Moral de atitudes. p. 491-5.
131

2 – O DISCURSO RELIGIOSO COMO ESTRUTURANTE DO CRENTE

O discurso realizado pelos pastores é reconhecido pelos membros das respectivas

Igrejas como uma contribuição para a formação cristã, estruturando uma nova realidade de

vida, definindo uma nova forma de se relacionar no mundo perante as dificuldades do

cotidiano. Nos devidos discursos a conduta pessoal está intimamente relacionada à

experiência religiosa. Na verdade, os valores que norteiam a vida dos crentes estão

perpassados pela experiência do sobrenatural. Quando o crente faz ou deixa de fazer algo,

tal atitude é um desdobramento da relação que ele tem com o núcleo fundamental de sua fé.

Por ser um fenômeno histórico e produtor de discursos, com registros concretos, a

religião constituiu-se como um campo de pesquisa que merece análise. A religião é a

epifania da palavra. Partindo da premissa de que a religião se manifesta na e pela palavra,

podemos perceber que o discurso religioso, resultante da religião, se constrói como ato de

linguagem. O discurso pentecostal possui a capacidade de estabelecer equivalência entre fé

e vida. Para Waldo César, talvez seja possível dizer que, mais do que linguagem existe uma

língua pentecostal, visto que ela abrange todas as formas de comunicação, tais como

palavras, gestos, símbolos:

Cada participante parece mergulhado em si mesmo, mas a comunicação total


estabelecida por uma linguagem comum cria comunhão e confiança que se
reflete sobre a totalidade dos presentes – todos os sentidos participam da
freqüência do discurso e de seus efeitos repetitivos. [...] A faculdade com que
se usam as formas vocabulares e a freqüência com que se trocam os sinais de
sua significação superam a linguagem comum e dão voz àqueles cuja fala
estava submissa e conformada com o glossário de sua marginalidade e
desesperança [...] A produção de sentido que provém do uso livre e ilimitado
dos sons – onde a voz de cada um se perde e se soma ao conjunto de outras
vozes na multidão – oferece um signo, um sinal que se traduz e se materializa
tanto na libertação pessoal quanto coletiva. Essa forma de comunicação, que
aparentemente nada comunica, torna-se profundamente comunicativa e
132

estabelece forte conexão com o social como instrumento multiplicador do


eu.199

A mensagem escrita é um elemento de importância vital na igreja Assembléia de

Deus. Sua função, além de doutrinária, é inspirativa no viver do cristão. Assim, o discurso

escrito bem como as palavras dirigidas do púlpito representam componentes úteis à

estrutura da vida social e religiosa do crente. Waldo César observa que a experiência
200
religiosa promove um continuum entre o interno e o externo, no qual a aparente

passividade dos membros sentados nos bancos das igrejas é rompida com os apelos

concernentes à vida fora do templo, pois, a mensagem envia os crentes para o mundo para o

combate das forças malignas.

Para Elinaldo Renovato, seu discurso tem a força de produzir uma estabilidade na

vida cristã de cada membro participante das Assembléia de Deus. Ele está sempre frisando

em seu discurso temas direcionados a uma vida devocional diária do cristão: o jejum como

reforço à oração, relacionamento familiar, relacionamento doméstico e social do crente,

vitória nas tentações e por fim a espera do retorno de Cristo a Terra. Estes temas estão

ligados ao cotidiano do crente e tem como objetivo ensiná-lo a se comportar no seu dia-a-

dia, pois, suas vitórias e a salvação eterna dependem de seu comportamento.201

Sempre inspirados nos grandes heróis da Bíblia, os discursos são de enfrentamento,

e, claro, de possibilidade de vitória do crente. Todo crente quando sincero pode vencer toda

e qualquer tentação, seja qual for sua origem. Para tanto, adverte Elinaldo Renovato,

199
CÉSAR, W. & SHAULL R., op. cit, p. 80-3.
200
Cf., Ibid., p. 99.
201
Cf., LIMA, E. R. Aprendendo diariamente com Cristo. p. 258.
133

“precisa seguir fielmente o que orienta a santa Palavra de Deus”, 202 significando que,

quando há derrotas, a falha está no sujeito crente e não em Deus. É necessário, então,

consertar-se diante da Igreja e da palavra de Deus para que não haja dúvidas e ele não

venha a temer Satanás.

Alegar que o crente é fraco, que isso é próprio do homem, é argumento


falacioso. O cristão tem todas as armas e todos os meios para vencer. ‘Posso
todas as coisas naquele que me fortalece’. [...] Se o cristão não tiver caráter
firmado em Cristo, será derrotado pelas tentações do mundo. A vitória sobre
o mundo advém da atitude mental e espiritual que rejeita o mundanismo.
Podemos vencer o mundo, conforme diz a Bíblia. Neste mundo, enquanto
não passarmos para a eternidade, estaremos sempre numa guerra espiritual.
Nela, as batalhas são travadas em todos os lugares em todo o tempo. Mas
formamos o maior e mais bem equipado exército que o mundo jamais
conheceu.203

Esse discurso é uma estratégia que permeia o campo pentecostal, a palavra ocupa

lugar de destaque, o pastor atua como um grande animador pronunciando frases que

provocam nos fiéis confiança e coragem de vencer. O discurso baseia-se de forma especial

nas dificuldades enfrentadas pelos crentes no seu dia-a-dia, com ênfase acentuada na luta

contra o mal.

O processo de inserção do pentecostalismo no mundo secularizado e também a

utilização de seus meios têm provocado um grande impacto em seu vigor escatológico. A

expectativa de realização plena com a chegada do reino de Cristo é, de certa forma,

antecipada nas experiências concretas de manifestação do Espírito Santo no cotidiano dos

crentes favorecendo uma relação com Deus.

202
Ibid., p. 220.
203
Ibid., p. 222-4.
134

Não adianta ser crente dentro das quatro paredes da igreja: de nada valem os
‘Aleluias’ intramuros, para, logo na calçada, contradizê-los com atitudes
impróprias. De nada vale um culto dissociado da contingência diária. Não
devemos buscar uma vida marcada por picos de sensações espirituais
extraordinárias. E nem por uma carga exageradamente pesada de leis,
estatutos e normas religiosas. A peregrinação do crente é marcada pela busca
de querer viver humildemente e sensatamente diante de Deus. 204

Dessa forma, a experiência religiosa da salvação no meio pentecostal das

Assembléias de Deus deve ser entendida como um fenômeno que possui expressões ou

manifestações sensíveis e significado na vida das pessoas. Ela pode influenciar as ações e a

personalidade dos praticantes, moldando-a ou sendo moldada.

No contexto pentecostal, a experiência religiosa é qualificada pelos crentes como a

forma visível da força do Espírito Santo movendo a Igreja. Ela produz a espiritualidade

pentecostal a partir de quatro noções que se fundem de maneira interdependente, a saber: a

convicção de que a experiência atual é fruto da manifestação de Deus, por intermédio do

seu Espírito que irrompeu em Pentecostes; a certeza de que a comunidade realiza no ato do

culto o prolongamento dessa experiência fundante; a construção de uma identidade própria

à luz desse evento; e, por último, a certeza de que a experiência do Pentecostes possui a

capacidade de permear diversas classes sociais freqüentemente antagônicas e processos

históricos radicalmente opostos.

Francisco Cartaxo Rolim destaca que a experiência religiosa oferece aos crentes o

sentimento de proteção e de pertença ao grupo, constituindo-se uma experiência

estruturadora, no qual.

204
GONDIM, R. É proibido. p. 182.
135

Os crentes produzem um imaginário sob cuja influência experimentam


simultaneamente o aspecto de proteção e de existência do grupo. Proteção
porque de um lado a crença no Espírito Santo é a crença no poder divino
absoluto, e por outro lado o grupo é percebido como espaço por excelência da
manifestação desse poder, no qual se reproduz e re-atualiza a manifestação
primitiva desse mesmo Espírito.205

A argumentação de Ricardo Gondim é que a Igreja tem a responsabilidade de

amparar o cristão e sua mensagem provocar um encorajamento para se obter a vitória sobre

o pecado, no qual o cristianismo toma o homem interior, transformando o que há de mais

íntimo em sua natureza, de maneira que este não precisará de outras pessoas para impor

regras, mas, auxiliado por Deus, ele poderá por si mesmo distinguir o que é verdadeiro e

fazer o que é direito. Sendo a igreja um organismo vivo e não uma instituição disputando o

mercado, suas afirmações têm que vir do coração de Deus e ter sua identidade no

Evangelho, para poder tratar das pessoas individualmente, possibilitando o

desenvolvimento de um pluralismo para que assim os crentes possam ter profundas

convicções em sua fé. Pois sem convicções pessoais, este se fecha no tradicionalismo e

legalismo religioso, ou então, cai no desvio da “Palavra de Deus” indo de encontro com o

apego às ideologias e doutrinas criadas por uma instituição. 206

Nossas comunidades têm-se fechado em um dogmatismo tanto teológico


como político asfixiante. Qualquer um que expuser posicionamentos
diferentes em qualquer área sofrerá retaliações. Infelizmente, ainda existem
pastores que lutam desesperadamente para formar igrejas com um perfil
político único. Acreditam que sua percepção da política é completa e, se
qualquer crente pensar diferente, infligirão ostracismo.207

No discurso de Ricardo Gondim o crente não necessita realizar esforços para obter a

205
ROLIM, F. C., op. cit., p. 225.
206
Cf., GONDIM, R. Fim de milênio. 2002.
207
Ibid., p.77.
136

salvação ou vitória, é somente esperar com sua fé em Deus que com sua graça santifica e

capacita-o a fazer sua vontade, fornecendo o desejo, a força moral e os ímpetos de virtude.

Segundo Gondim, “a graça de Deus aguça no crente a percepção dos princípios da lei moral

de Deus, e não da letra”. 208

3 – DOIS MODELOS DE MORAL E UM MESMO TIPO DE ARGUMENTAÇÃO


RELIGIOSA

Procuro analisar o discurso dos dois autores, no qual possuindo teologias morais

diferentes utilizam-se do mesmo tipo de argumentação religiosa. Pois, tanto Elinaldo

Renovato como Ricardo Gondim deixam claro que a Bíblia é o padrão a ser seguido. A

forma como procuram interpretar os textos sagrados para fundamentar suas posições

teológicas deixa evidente que estão revestidos da autoridade de Deus, portanto, se tornam

instrumentos no qual a voz de Deus se torna ouvida pelos crentes. Observarei, portanto,

suas tendências e características. Não tenho como objetivo aqui elaborar uma síntese do

conceito de teologia, nem percorrer de modo abrangente os campos e tendências que o

termo sugere. O termo discurso teológico é empregado aqui para designar as marcas

lingüísticas, por intermédio das quais os crentes exteriorizam a moral e sua experiência com

Deus.

O discurso religioso (ou teológico) se caracteriza por ser aquele “em que fala a voz

de Deus”, cujas características especificas são: o desnivelamento na relação entre locutor e

o ouvinte; o domínio do mundo espiritual sobre o temporal; a mistificação; a apropriação da

voz de Deus; a obscuridade e a reversibilidade ilusória. Além dessas características deve-se

208
Idem, É proibido. p. 161.
137

acrescentar a ausência de autonomia, pois aquele que fala em nome de Deus não pode

alterar o que lhe foi determinado. Assim, o texto bíblico sendo ele interpretado ou sendo

visto como dado da revelação, os rituais e as determinações do grupo contêm as regras

pelas quais o crente se apropria da voz de Deus209. No discurso teológico, a interlocução

com o sagrado têm formas especificas; a fala é ritualizada e as fórmulas por intermédio das

quais se pode falar com Deus são previamente determinadas. 210

Por esse motivo, o discurso religioso possui uma tendência à monossemia, ou seja, o

processo interpretativo não pode transgredir certos postulados que são preservados pelo

grupo como sendo sua identidade elementar. No caso do pentecostalismo clássico das

Assembléias de Deus, a monossemia é caracterizada pelo pneumatocentrismo que a

experiência com Deus e as falas adquirem. A relação com Deus se dá por intermédio da

vivência do derramamento do Espírito Santo na vida do crente, entretanto, essa experiência

possui um código próprio de legitimação; existem parâmetros objetivos para se definir o

momento em que cada crente é alcançado com a graça do enchimento do Espírito, bem

como o momento de seu distanciamento. Na Assembléia de Deus tradicional essa

experiência é marcada pelo falar em línguas estranhas, e a partir de então, inicia-se um

processo de doutrinação a respeito das normas e tabus comportamentais, valores morais

209
Cf., ORLANDI, Eni P. Análise do discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes,
1999, p. 245.
210
Elinaldo Renovato, em seu livro “Aprendendo diariamente com Cristo”, e Ricardo Gondim em:
“É proibido: o que a Bíblia permite e a igreja proíbe”, descrevem as posturas que os crentes – após
sua experiência de conversão e serem dominados com o Espírito Santo – devem seguir e fazer para
atender o caminho da santificação e de uma vida moral integra com Deus. É certo que Ricardo
Gondim mostra com clareza que o crente não deve realizar o caminho dos usos e costumes para
agradar a Deus, mas viver uma consistência cristã da experiência com o Espírito Santo esperando
que Deus possa realizar sua vontade. Desse modo, o discurso de ambos tende a evoluir para uma
cristalização dogmática.
138

voltados para os usos e costumes de santidade como sinal da salvação. Já na Assembléia de

Deus Betesda é marcada por uma experiência de transformação no interior do crente, ou

seja, “a santificação é uma exigência bíblica para os filhos de Deus e um imperativo da vida

cristã” 211 e que ocorre como relacionamento, como compreensão das Escrituras e também

pela atuação sobrenatural do Espírito Santo sobre os crentes transformando-os, dispensando

assim os tradicionais rigores legalistas.

Dessa forma, é possível caracterizar o discurso teológico no ambiente das

Assembléias de Deus tradicional ou Betesda como sendo um discurso que se caracteriza

por apresentar as marcas do desnivelamento. Ou seja, o locutor (o próprio Deus/sujeito)

situa-se no plano espiritual e o ouvinte no plano temporal. Duas diferentes categorias de

mundo interagem tendo como referência à desigualdade na relação. O espiritual ou

imutável domina o temporal. Trata-se de uma relação assimétrica entre os sujeitos, pois o

lugar de Deus jamais será ocupado pelo ser humano.

É possível dizer que no discurso teológico de Elinaldo Renovato e Ricardo Gondim

ocorrem um processo de subsunção, ou seja, estar no lugar, de uma voz pela outra. As

descrições sobre a vontade de Deus ou as expressões doutrinárias realizadas pelos autores

evidenciam muito bem esse elemento. Quando Elinaldo Renovato afirma que “o referencial

seguro e infalível não é a consciência humana, mas sim a consciência de Deus, expressa em
212
sua palavra, a Bíblia Sagrada, hoje pregada pelos servos de Deus” , ou então, quando

afirma Ricardo Gondim, “Deus não deseja estabelecer com ninguém um relacionamento

211
GONDIM, R. É proibido. p. 165.
212
LIMA, E. R. Ética Cristã. p. 27.
139

proibitivo; ele almeja que sejamos íntimos e livres para desfrutar de sua companhia”213, eles

ocupam o lugar de Deus e a voz de Deus se confunde com suas próprias vozes.

Normalmente as sentenças doutrinárias quando estruturadas na “Palavra de Deus” adquirem

maior legitimidade quando obedecem a essa dinâmica. Esse processo é chamado de

mistificação porque oculta o mecanismo por intermédio do qual uma voz se mostra na outra

ou a pessoa se apropria da voz da outra.

A forma taxativa com que Elinaldo Renovato recorre aos textos bíblicos para

evidenciar a prática dos usos e costumes de santidade como experiência da salvação

mostra o importante papel que o texto sagrado possui em seu discurso, pois o autor

procura fundamentar seus argumentos em citações do texto bíblico, tendo assim, uma

autoridade divina diante de seu público. Assim também Ricardo Gondim, mesmo

discordando em muitos aspectos da forma interpretativa – especialmente em relação dos

usos e costumes de santidade – da Assembléia de Deus tradicional, também busca apoiar-se

nos textos bíblicos sua autoridade pastoral e de representante de Deus em sua Igreja. Pois

como relata no manual aos membros da Betesda: “acreditamos que a Igreja deve honrar e

respeitar seus pastores como homens de Deus (Hb 13:17; Rm 13:7)”.214

É possível observar uma característica que se atribui ao discurso como apropriação

da voz de Deus. Nesse sentido, o livro de Ricardo Gondim, “É proibido: o que a Bíblia

permite e a igreja proíbe” mostra-se paradigmático. Ele procura mostrar como o movimento

pentecostal se mantém distante do verdadeiro Pentecostes, pois, em sua crítica, o

movimento pentecostal com sua “cartilha do que pode e não se pode fazer” tem contribuído

213
GONDIM, R., op. cit., p. 61.
214
Igreja Assembléia de Deus Betesda. Aos nossos membros. p. 25.
140

para o crescimento de inúmeros “desviados” que cresceram nas Igrejas, mas, por não
215
suportarem o fardo do legalismo, acabaram deixando o evangelho. Segundo ele, os

pentecostais têm dificuldade de entender a “graça comum de Deus”; por essa razão, se

afastam ou condenam a cultura de ser perniciosa aos crentes por medo de cederem ao

mundanismo. Para ele, “a intenção de Deus não é que formássemos guetos culturais, mas

que fôssemos sal e luz dentro de nossa própria realidade”. 216 Dessa forma, fica claro que há

uma apropriação da voz de Deus pelo pastor.

Assim, há também uma característica no discurso da Assembléia de Deus

tradicional que é a obscuridade de significação decorrente do desnivelamento entre o dito

de Deus e o dizer humano. A comunidade resolve esse problema através da fé, ou seja,

como não compreende, crê e obedece. Como fica evidenciado nas palavras de Elinaldo

Renovato, “sabemos que muitas das perguntas que se fazem, em termos éticos e morais, só

terão respostas precisas na eternidade”.217 O mistério deve permanecer mistério, o qual

somente o sobrenatural pode revelar.

Destaca-se, portanto, nos discursos o caráter de reversibilidade. Trata-se da

dinâmica segundo a qual os lugares de locutor e ouvinte não são fixados categoricamente

ou, melhor dizendo, da “troca de papéis na interação que constitui o discurso e que o

discurso constitui”. 218

Para Eni Orlandi, a reversibilidade é a condição prioritária para a existência do

215
Cf.,GONDIM. R. É proibido. p. 11.
216
Ibid., p. 39.
217
LIMA, E. R., op. cit., p. 2-3.
218
ORLANDI, Eni P., op. cit., p. 239.
141

discurso. Na inexistência dessa dinâmica na relação entre os interlocutores, “o discurso não


219
se dá, não prossegue, não se constitui”. Essa categoria está presente, seja no discurso

lúdico, polêmico ou autoritário; ela é também a condição necessária para que o discurso

aconteça. Entretanto, como o discurso religioso se mostra autoritário, a condição discursiva

se mantém pela ilusão da reversibilidade.

O termo ilusão diz respeito aqui à passagem de um plano para outro ou de um

mundo para outro. Deus partilha com os seres humanos suas propriedades: santidade,

poder, fé, unção, benção etc., por outro lado, o ser humano lança-se até Deus buscando

adquirir essas qualidades atemporais. Concretamente, quando o crente vive a experiência da

conversão, do batismo com o Espírito Santo e do processo de santificação, ele realiza essa

ilusão da reversibilidade, pois, de maneira simbólica, assume mesmo o papel de Deus. “Ser

representante, no discurso religioso, é estar no lugar de, não é estar no lugar próprio”. 220

O discurso autoritário é a forma persuasiva mais evidente, na qual se instalam todas

as condições de dominação pela palavra. Adilson Citelli afirma que uma das formações

discursivas mais explicitamente persuasivas é a religiosa, na qual seu enunciador não pode

ser questionado ou analisado, pois representa a voz de Deus, e esta dará forma a todas as

outras vozes, incluindo a daquele que fala em seu nome: o pastor. Logo, é um discurso de

autoria sabida, porém, não determinada, visto que a fala do pastor se constrói como verdade

– não sua mas do outro –, aquele que por ser considerado a determinação de todas as coisas

engloba todas as falas do rebanho. 221

219
Ibid., p. 239.
220
Ibid., p. 252.
221
Cf., CITELLI, Adilson. Linguagem e persuasão. São Paulo: Ática, 2000, p. 48.
142

Portanto, diante desse discurso não se pode questionar, pois, se o fizer, estará

questionando Deus e sua vontade, ou, quando se pode questionar, deve fazê-lo com

fundamento bíblico e amparar-se na “Palavra de Deus”, senão poderá incorrer na

especulação da Bíblia.222 A ordem estabelecida também não pode ser quebrada. Nesses

discursos estão implícitas a ética e a moral, configuradas dentro do grupo para assegurar

não somente os limites mas as objetivações ideológicas de manter a disciplina sobre

aqueles que se convertem. Podemos observar também que não se dá apenas uma imposição

da Igreja, que define e enquadra o que deve ser dito; há o consenso dos fiéis que se

reconhecem no discurso e acabam por criar uma rede que se reforça mutuamente. A Igreja

prega o discurso bíblico, que é incorporado pelos fiéis na fala cotidiana,

institucionalizando-se simbolicamente.

É através desse discurso que os crentes se sentem mais preparados para atuar no

mundo e na sociedade como cidadãos ou enfrentar as relações de poder, que se configuram

na sociedade global, opondo pontos de resistência e pontos de conformidade com a

sociedade na qual estão inseridos.

4 – CONVERSÃO E COMPORTAMENTO MORAL

Para o crente, a palavra ou o discurso é muito mais do que uma simples expressão

verbal. Neles, ele observa alguma coisa da dinâmica que propicia mudança. Ele acredita na

Igreja e em seu discurso, seja ele realizado no púlpito ou escrito, como sendo a “Palavra de

Deus”. Este discurso revela a intenção da pregação, a conversão; revela também aquele que

prega: o sujeito. A identidade deste sujeito se revela no discurso, ela se constitui nessa

222
Cf., GONDIM, R. Fim de milênio. p. 147.
143

operação. A linguagem faz parte das instituições culturais nas quais os indivíduos se

encontram ao serem socializados. Ao se converter, o crente reelabora essa linguagem

original e, através do discurso bíblico, adquire novas práticas discursivas que se revelam

mais eficazes na sua vida cotidiana. Para Cecília Loreto Mariz, o fator fundamental do

pentecostalismo é que ele articula a magia e o sobrenatural com a ética, levando o crente a

se conceber como indivíduo. 223.

É através do discurso que o crente é reconhecido e cria sua identidade de sujeito

coletivo. Ao reelaborar uma linguagem nova a partir daquilo que já lhe era comum em sua

religiosidade, e com o acréscimo do discurso bíblico, ele estrutura uma nova realidade e um

novo imaginário que definem uma nova maneira de viver e de se relacionar socialmente.

Cria, portanto, novas relações de força e de poder diante das dificuldades do cotidiano.

O discurso enquanto se obstina em uma ordem, em um sistema de regras, em uma

escolha de temas, cria poder e cria saber. Poder tem o sentido que Michel Foucault lhe dá:

não é só repressão e interdição, é também estímulo ao discurso e produção de saber. O

poder não é uno, não é composto, não é processo unidirecional entre uma entidade que

comanda e os próprios sujeitos.

É preciso admitir que este poder é antes exercido que possuído, que não é
privilégio adquirido ou conservado pela classe dominante, mas efeito
conjunto das suas posições estratégicas. Efeito que se manifesta e por vezes
reflete a posição daqueles que são dominados. Por outro lado este poder não
se aplica pura e simplesmente como uma obrigação ou uma proibição àqueles
que não o possuem; ele os investe, impõe-se por meio deles através deles,
apóia-se sobre eles exatamente como eles próprios, na luta contra ele apóiam-
se por sua vez sobre as conquistas que o poder exerce sobre eles. 224

223
Cf., MARIZ, C. L., op. cit., p. 205.
224
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 259.
144

É possível observar que os pentecostais, especificamente os da Assembléia de Deus

tradicional, além de sofrerem a dominação dentro da sociedade – os fiéis são quase sempre

oriundos das classes mais pobres – submetem-se também às diretrizes que ela impõe

através dos cultos de doutrinas e também da escola dominical.

O discurso pentecostal da Assembléia de Deus tem como dever fundamental a tarefa

de regular o comportamento moral, a ética dos indivíduos, a sexualidade, os costumes. O

comportamento e as sanções passam pelo crivo da palavra bíblica. Há que se disciplinar os

convertidos para que não ocorra a perda gradativa de um referencial de valores morais e

éticos; esses valores estão cada vez mais obscuros no contexto de um processo compulsório

de liberalização dos costumes por parte de outras denominações evangélicas, o que gera

insegurança e abala sensivelmente as relações do grupo.

Segundo Beatriz Muniz de Souza, em sua obra “A experiência da Salvação”, a

doutrina tem sua base no nível psicossocial que pode ser observado no apelo dramático em

torno da questão da salvação, bem como na exigência do arrependimento, da santificação e

do batismo com o Espírito Santo. Há predominância da ênfase emocional; a experiência

religiosa pentecostal produz uma qualificação moral para os fiéis, ou seja, o fato de ser

identificado com um determinado grupo produz no indivíduo um processo de redefinição

de sua própria identidade e valores. A autora explica que o ponto central na caracterização

do fiel é que sua conduta seja moldada segundo um padrão julgado como moralmente

exemplar pela comunidade religiosa. 225

225
Cf., SOUZA, B. M., op. cit., p. 74.
145

José Bittencourt Filho enfatiza que no pentecostalismo são numerosas as

possibilidades de reprodução da proposta religiosa porque seu proselitismo se desenvolve

também através de outros meios além da palavra. O discurso desempenha a função

principal de estabelecer um conjunto de valores básicos que as pessoas podem guardar e

reproduzir quando questionadas. Segundo Bittencourt:

É oportuno sublinhar que esses valores adestram as pessoas para cumprirem


fielmente seus papéis sociais. Disso decorrem as conquistas dos convertidos
quanto à restauração de relações familiares e harmonia subjetiva. Contribuem
ainda para a ascensão social, porquanto produzem trabalhadores
“exemplares” e patrões mais “generosos”. 226

Mediante as exortações morais e religiosas, faz-se do comportamento da família

uma conduta econômica e politicamente produtiva. O comportamento do crente passa pela

teia do discurso bíblico, impondo um novo saber e intensificando o poder religioso. Parece

que a moral acentua uma exigência maior de austeridade exatamente onde as interdições

codificadas são mais coercitivas. A austeridade moral constitui, assim, uma confirmação

das interdições; confirma e reforça seu poder coercitivo. A disciplina da igreja vai

influenciar através de uma ética religiosa as atitudes dos fiéis e este comportamento vai

influir no trabalho, na escola e em outros ambientes sociais.

O poder disciplinar é uma técnica, um dispositivo, um método que permite o

controle minucioso das operações do corpo e que assegura a sujeição constante de suas

forças e os transforma em indivíduos dóceis. A Igreja tem o instrumento, a Escola

Dominical, que tem o poder para fabricar o homem necessário ao funcionamento e

226
BITTENCOURT FILHO, J., op. cit., p. 32.
146

manutenção da doutrina moral religiosa. Logo, a disciplina imposta no grupo começa por

atuar no corpo do converso e se estende no controle do espaço e do tempo.

A disciplina ‘fabrica’ indivíduos; ela é a técnica específica de um poder que


toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos de
seu exercício. [...] O sucesso do poder disciplinar se deve sem dúvida ao uso
de instrumentos simples: o olhar hierárquico, a sanção normalizadora e sua
combinação num procedimento que lhe é específico, o exame. 227

Na produção da verdade, vontades e corpos são controlados por meio da

normatização. Norma, corpo e saber são conceitos centrais para a análise das técnicas

modernas do poder, que atuam por intermédio da canalização produtiva de forças e do

disciplinamento da ação. Esta se torna rotineira, produz costumes estáveis e cria a

normalidade social que constrange e obriga como realidade social em vigor. Mais que as

maneiras culturais de pensar, são os corpos físicos e suas manifestações vitais o lugar

primeiro do exercício moderno do poder. Como na microfísica, o poder regulamenta e

disciplina os corpos em vista de ações automaticamente disponíveis, produtivas. 228

A hierarquia, o poder e a autoridade estão presentes no discurso sobre a figura do

marido e da mulher. A hierarquia começa na família. O discurso bíblico, segundo Elinaldo

Renovato, faz da família a base de autoridade e poder para a Igreja229. A submissão à

hierarquia condiciona o crente para as relações com a sociedade em geral. O poder que se

estabelece dentro da família crente não é um poder que se traduz por violência, mas é um

poder positivo. Como argumenta Elinaldo Renovato, “o Espírito Santo acentua

grandemente a liderança do crente no lar, no casamento e na família, isto é, o obreiro deve

227
FOUCAULT, M., op. cit., p. 143.
228
Cf., Idem. Microfísica do poder.
229
Cf., LIMA, E. R. Aprendendo diariamente com Cristo. p. 113-35.
147

ser um exemplo para a família de Deus, especialmente na sua fidelidade à esposa e aos

filhos. Ele não pode falhar diante da sociedade”.230 Percebe-se que esse cristão tem de

possuir um posicionamento ético de acordo com o discurso empregado pela igreja diante da

comunidade onde vive, trabalhando para modificá-la. Esse comportamento é exercido

através do discurso bíblico que aparece como o poder mais sutilmente disseminado nas

relações cotidianas da comunidade. Por meio de tais discursos, multiplicam-se as relações

dos desvios com o pecado, com a marginalidade. Surge a presença constante do demônio,

de satanás, sempre como responsável por tais desvios degenerativos. Para os pentecostais,

o discurso moralista e repressor têm como preocupação assegurar as formas de relações

sociais da comunidade e proporcionar comportamentos que sejam úteis e conservadores.

O crente torna-se uma nova pessoa a partir do momento em que aceita Cristo como

senhor e salvador. Deve manter-se fiel a esse princípio adotando um modo diferente de ser

em relação ao que era antes. No meio pentecostal há uma mentalidade na qual o crente deve

passar por provações para que possa amadurecer e discernir a vontade de Deus e entender a

importância de ter uma vida santificada. Ele se torna um missionário, alguém que proclama

com todas as suas forças a novidade do evangelho. A partir desse princípio, que funciona

como um centro de valores, o crente constrói sua identidade. Desse modo, a doutrina se

manifesta como um centro de poder que gera a fé no Deus da retidão, no qual a experiência

do crente com o Espírito Santo faz gerar uma santificação. A fé determina uma nova visão

de mundo e uma nova identidade que é determinada pela fidelidade ao Espírito Santo.

Nesse processo, a descoberta de um marco categorial singular – a fé – potencializado por

230
Idem. Ética do comportamento cristão: uma abordagem pastoral. Disponível na internet.
http://www.cgadb.com.br. Acessado em 26/02/2004.
148

um conjunto de relações com o transcendente – o Espírito Santo – atua como agente

orientador de todas as forças que, em conjunto, formam a pessoa – a personalidade. Essa

experiência não só estabelece os limites da existência, mas, em última instância, decide

aquilo que a pessoa é em profundidade.

É interessante notar que no discurso de Elinaldo Renovato deve haver um grande

esforço por parte do crente para se manter como salvo e seguir o padrão imposto pela

igreja, ou seja, “pode-se exigir um pouco mais aos crentes com relação aos usos e costumes

adotados pela igreja local, desde que sejam ensinados sobre o assunto, com base na Palavra

de Deus”. 231 Os usos e costumes de santidade fazem parte da grande mudança que ocorreu

na vida do crente, sendo que as primeiras se verificam na aparência. As mulheres passam a

usar saias ou vestidos longos, abolindo qualquer tipo de adereço ou maquiagem e

deixando o cabelo crescer. Para os homens, o cabelo curto, barba feita, terno e gravata. Não

é só a sobriedade que caracteriza a aparência do crente, mas também uma respeitabilidade

que se traduz no vestuário até então utilizado pelos bem-sucedidos na vida. 232 Entretanto, o

pastor fica encarregado de manter seu discurso sempre lembrando as rígidas normas

doutrinais para se manter santificado e separado do mundo.

Na Igreja Assembléia de Deus Betesda de Ricardo Gondim, o discurso é de que o

Espírito Santo é o guia-mestre encarregado da santificação, pois, “estamos incapacitados

pelo pecado. O progresso de nossa vida espiritual acontece como desdobramento da ação

do Espírito Santo, que nos coloca a caminho do modelo, que é Jesus”. 233 Ricardo Gondim

231
LIMA, E. R. Aprendendo diariamente com Cristo. p. 251.
232
MARIANO, Ricardo, op. cit., p. 195.
233
GONDIM, R., É proibido. p. 176.
149

argumenta que é um processo de transformação que ocorre mesmo que o crente não esteja

consciente do que está acontecendo; uma operação interna, secreta, produzida por Deus.

Anula, portanto, o papel do pastor no sentido de recordar o que os crentes devem ou não

fazer. Abole qualquer tipo de doutrina em relação aos usos e costumes de santidade

mostrando que a mudança no convertido não é externa, mas, sim, um processo interno.

Pode-se, então, perceber que as pessoas são mais aptas para decidir sobre sua vida cristã.

Isso é o que acontece quando nos convertemos. [...] Houve um antes e um


depois em mim; uma influência externa operou alguma coisa de diferente em
mim. Não se trata de mudança de religião. Ou da renovação de atos
comportamentais. Quando alguém se rende a Cristo, ele não se limita a uma
simples transferência religiosa. [...] Uma vez que o velho homem é
crucificado com Cristo, o Espírito Santo implanta uma nova natureza no
coração, fazendo desse homem uma nova criação.234

O crente que se sentiu atingido pelo poder do Espírito Santo passa a agir como um

“santo”. Segundo Ricardo Gondim, o processo de “santificação vem como relacionamento,

como compreensão das Escrituras e também pela atuação sobrenatural do Espírito de Deus

no crente. Ele transforma os filhos de Deus de uma maneira sobrenatural”235, direcionando,

portanto, suas atitudes no mundo. Neste momento ele rompe com a história com a qual até

então se identificava. Rompe com o passado religioso e se inscreve em outra dinâmica de

significação da vida. Essa experiência coloca a pessoa em contato com uma religiosidade

que oferece respostas. Tudo tem sentido claro e definido. Desse modo, todo cotidiano é

possuído pelo religioso. Essa teologia articula a convicção plena de que os crentes de hoje

revivem o Pentecostes, conforme narrado no livro dos Atos dos Apóstolos, e adotam um

modo de ser ou de existir fundamentado na experiência com o Espírito Santo.

234
Ibid., p.168.
235
Ibid., p. 178.
150

Nessa nova realidade, o que interessa basicamente não é expulsar os homens da vida

social, impedir o exercício de suas atividades, e, sim, gerir a vida dos homens aproveitando

suas potencialidades e utilizando um sistema de aperfeiçoamento gradual e contínuo de

suas capacidades, cumprindo o mandato do Evangelho. Como diz Ricardo Gondim, “o

papel de um pastor ou líder é desenvolver novas lideranças, capacitando-as para o

cumprimento da Grande Comissão”. 236

Para Michel Foucault, o poder não tem somente uma função repressiva. Ele é

também produtivo na medida em que produz saber. A força do poder vem justamente do

fato de que ele não se opõe ao saber, mas o promove. Por outro lado, a análise das práticas

e formações discursivas aponta para as funções sociais do conhecimento, enquanto

estratégia de poder. Por meio das técnicas modernas de fabricação da verdade regula-se a

produção, a distribuição e a circulação de alguns discursos em detrimento de outros. 237

O valor e a dignidade da pessoa humana só podem ser garantidos onde a sociedade e

a pessoa reconhecem um Deus pessoal que, segundo Ricardo Gondim, age no interior de

cada ser, concedendo a liberdade de escolha. Do contrário, a pessoa humana corre o risco

de ser vítima do poder, seja do poder pessoal de alguém ou de determinada classe social.

Na moral personalista do discurso de Ricardo Gondim, o poder possui uma eficácia

produtiva, uma riqueza estratégica, uma positividade. E é justamente esse aspecto que

explica o fato de que tem como alvo o ser humano, não para supliciá-lo, mutilá-lo, mas para

236
IGREJA ASSEMBLÉIA DE DEUS BETESDA, op. cit, p. 29.
237
Cf., FOUCAULT, M. Microfísica do poder. p.146.
151

aprimorá-lo.238 É possível dizer que a disciplina implica registro contínuo de conhecimento.

Ao mesmo tempo em que exerce um poder, produz saber.

Conhecimento e saber estão implícitos na forma da Igreja Assembléia de Deus

Betesda olhar a vida cristã nos indivíduos, ou seja, para ela é fundamental que as pessoas

sejam alfabetizadas, pois, assim, terão uma capacidade maior de viver uma vida liberta das

imposições religiosas e poderá conquistar uma maior santidade. Ricardo Gondim afirma:

“quanto mais entendimento das Escrituras, da Palavra de Deus, mais condições de viver

uma vida santa”.239

A moral calcada na elaboração dos usos e costumes de santidade não consegue

responder à necessidade de um sujeito moral, para o qual a relação com o domínio está

cada vez mais ligada à forma de igualdade e reciprocidade, e que a manifestação da própria

superioridade sobre si e sobre os outros está inserida em um jogo mais complexo de

relações de poder.

Ricardo Gondim argumenta a respeito do legalismo imposto aos membros de igrejas

que pertencem à periferia, por serem na sua maioria pobres e analfabetos, deixando claro

que há um grande preconceito em relação a essas pessoas. A Assembléia de Deus

tradicional cria, portanto, dois evangelhos: o da graça, para os socialmente abastados e

cultos; e o legalista, proibitivo, para os pobres e analfabetos. Ele declara que há uma

explicação para a defesa do legalismo nessas igrejas; uma delas é a de que:

Há certo tipo de pessoa que necessita de cabrestos e leis proibitivas. Entenda-


se que esse tipo de pessoa seja o pobre e o simples. Esse argumento reforça a

238
Cf., GONDIM, R. É proibido. p.176.
239
Ibid., p. 178.
152

idéia de que os pobres e os simples não têm condições de participar do


evangelho da graça. Aqueles que defendem esse argumento acreditam que há
pessoas sociais e culturalmente atrasadas e que precisam de cabrestos, leis
rígidas e muita proibição.240

Esse argumento deixa explicito que a liberdade que o indivíduo deveria ganhar

conhecendo o Evangelho lhe é negada, como explica Ricardo Gondim: “o crente não tem

necessariamente que satisfazer as exigências das leis do pastor, não precisa se adequar a um
241
código rígido de proibições, que lhe rouba a alegria de viver”. É necessário, porém,

manter as proibições para que as pessoas não partam para o extremo da carnalidade, rebate

o pastor João Eunilson de Jesus, da Assembléia de Deus tradicional, que explica que “as

pessoas da periferia não têm uma conduta refinada, uma doutrina que possa corrigir sua

vida, então se faz necessário que Deus use a Igreja com uma palavra de cobrança, mais

rigorosa para o povo acordar para a realidade da vida. Pois todos podem alcançar a

vitória”.242 Segundo Ricardo Gondim, há líderes que se firmam em seus cargos

incutindo medo nas pessoas e agindo como legisladores de pesadas exigências religiosas,

estabelecendo-se como autênticos “messias”. Dessa forma, a situação é duradoura porque,

ao elaborarem um sistema tão implacável, ninguém se sente isento de culpa para poder

questioná-los; assim, esses líderes permanecem na direção das igrejas por muito tempo. 243

Enfim, através desses mecanismos criam disciplinas que permitem o controle do

comportamento do crente e produzem o homem necessário ao funcionamento e manutenção

da igreja e do poder.

240
Ibid., p. 61.
241
GONDIM, R. Entrevista concedida. Vide Anexo II.
242
Afirmação de João Eunilson de Jesus Caetano, pastor da Assembléia de Deus tradicional.
Entrevista concedida em 20/10/2003. Vide Anexo I.
243
GONDIM, R. Entrevista. Vide Anexo II.
153

Percebe-se que as duas denominações evangélicas têm a preocupação de moldar um

tipo de comportamento. A Assembléia de Deus tradicional, restrita ao essencialismo, tem

um discurso no legalismo doutrinário da experiência religiosa nas tradições morais dos usos

e costumes como essencial para a santidade, em que a ordem estabelecida não pode ser

questionada ou quebrada, pois é vista como uma ordem de Deus, que possibilita, portanto, a

sensação de segurança e esperança aos seus membros e dá aos dirigentes a oportunidade de

se manterem no poder por longos anos. A Assembléia de Deus Betesda, estruturada no

personalismo, faz um discurso livre das proibições doutrinárias dos usos e costumes de

santidade, permitindo aos seus membros que tenham uma vida cristã mais livre e aberta

para a experiência religiosa, sem isolá-los do mundo e das outras pessoas; eles podem

decidir e questionar as formas doutrinárias e de poder impostas pela Igreja.

É impensável uma organização ou instituição sem relações de poder e de controle. É

possivel perceber que as Igrejas Assembléias de Deus enquanto instituições organizadas

têm suas relações de poder, assim como qualquer outra instituição social como a família, o

trabalho, a prisão, a escola244 etc. Uma com maior rigidez para o cumprimento das

doutrinas e a outra permitindo a liberdade e os questionamentos no grupo. Assim como o

discurso científico, o discurso religioso também se apresenta como lugar de exercício de

poder e de transformação do saber, assegurando a preparação do crente no mundo.

Apontando a realidade cristã na sociedade em que estão inseridas, as duas

denominações procuram estruturar o valor moral de seus discursos na Bíblia Sagrada, que

244
Cf., FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir.
154

através da conversão e da experiência com o Espírito Santo e da palavra pregada espera um

novo comportamento, íntegro, na vida do crente.


155

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa pesquisa pôde expor a complexa realidade do movimento pentecostal, bem

como o crescimento vertiginoso que o movimento alcançou desde sua fundação até os dias

atuais. Tal movimento tem promovido debates e levantado teses diversas. Essa realidade

torna-se uma advertência para as conclusões simplificadoras da questão. Assim como a

ação do Espírito, o movimento pentecostal tem no seu âmago a marca da diversidade, da

surpresa e da novidade.

O caráter intimista e místico que essa religiosidade sugere parece encontrar ecos na

cultura brasileira. Tem-se a impressão de que a cultura brasileira fornece o sulco pelo qual a

religiosidade pentecostal corre e se determina. O sentimento de apego aos símbolos

religiosos, a crença absoluta nas promessas divinas, a dedicação e o sacrifício, a

sacralização da vida a partir da experiência religiosa etc., nos fornecem uma pequena

demonstração dos elementos impregnados nessa religiosidade.

Estudar a Assembléia de Deus como grupo específico dentro do pentecostalismo se

faz necessário pelo fato de essa Igreja ter dado grande evidência do seu esforço para

distinguir-se dos demais grupos pentecostais. Ela é hoje a maior comunidade pentecostal no

cenário brasileiro. Seus limites se estendem para além do Brasil e da América Latina. Sua

relação com a política nacional tem sido cada vez mais assumida. Ninguém bem informado

deixaria de reconhecer a importância dessa Igreja para a compreensão da religiosidade

brasileira.
156

Desse modo, situá-la dentro do próprio pentecostalismo é um procedimento

necessário para se compreender melhor as especificidades e contribuições que ela pode

oferecer. Essa opção metodológica possibilitou-me optar por um objeto específico de

pesquisa que evidencia a complexidade e a vastidão do pentecostalismo brasileiro. A

hipótese levantada é a de que a Assembléia de Deus, embora faça parte do bloco

pentecostal, tem construído uma maneira própria de vivenciar sua religiosidade e de

relacionar-se com a sociedade. Embora possam ser encontrados traços característicos da

cultura brasileira nas ênfases, bem como na maneira de experienciar o religioso, o discurso

assembleiano é taxativo quanto à rejeição das práticas religiosas que evidenciam

proximidades com o catolicismo ou com os cultos afro-brasileiros.

Em seu início, criou modalidades de contato primário existentes na sociedade

tradicional, firmou laços de solidariedade entre os irmãos de fé, incentivou o auxilio mútuo,

promovendo ampla participação e ressocialização do fiel nos cultos, reorientando sua

conduta, seus valores e sua interpretação do mundo conforme os estritos preceitos bíblicos

impostos pela liderança sectária, os quais seriam funcionais em relação às normas de ação

da sociedade emergente. A função social da Igreja Assembléia de Deus seria cumprir o

papel de capacitar o crente para enfrentar a pobreza, as agruras dos empregos de baixa

qualificação, os efeitos angustiantes das mudanças socioculturais e da impessoalidade típica

das relações interpessoais dos grandes centros urbanos.

Ocorre, porém, que a suposta integração social propiciada pela igreja, em vez de

levar o crente a estabelecer um compromisso com esse mundo, tinha uma contrapartida

fortemente contracultural, sectária e ascética, fundamentada na crença do iminente “retorno

de Cristo a Terra” e na radical dicotomia entre os reinos material e espiritual. Imerso nessa
157

cosmologia dualista e apocalíptica, o fiel, na condição de “nova criatura”, não apenas

deveria isolar-se e apartar-se das coisas, interesses e paixões mundanos, como até mesmo

morrer para o mundo. Portanto, o preço pago em troca do conforto espiritual, da certeza na

salvação, é o viver uma moral ascética e observar toda uma série de proibições, prescrições

legalistas e tabus comportamentais.

A falta de sintonia com as mudanças sociais e culturais teve como conseqüência as

divisões no movimento da Assembléia de Deus no Brasil, provocando dois discursos

teológicos morais. Elinaldo Renovato, dentro da tradição assembleiana, mantém seu

discurso moral no puritanismo, representando uma ala radical da igreja que luta pela

preservação da identidade tradicional desde sua fundação. Em seu discurso, os usos e

costumes de santidade e a separação do mundo ainda são necessários para a obtenção da

salvação e da santidade na vida do crente. Enquanto que Ricardo Gondim, líder da

Assembléia de Deus Betesda, transformou as tradicionais concepções pentecostais dos usos

e costumes de santidade em uma experiência concreta de salvação baseada no caráter

cristão acerca da conduta e do modo de ser cristão no mundo. Ser cristão na Assembléia de

Deus Betesda tornou-se o modo primordial para que se permaneça liberto do pecado e se

obtenha uma interação com o mundo. Ou seja, manter uma boa relação com Deus passou a

significar o mesmo que ser atuante no mundo como forma de modificá-lo e torná-lo mais

justo para as pessoas, que podem gozar de uma vida livre e feliz.

A Assembléia de Deus tradicional e a Betesda são igrejas que preservam no seu

cotidiano a doutrina pentecostal, mas divergem nos chamados usos e costumes de

santidade, no estilo de culto e também no discurso desenvolvido em seu púlpito e na

literatura. Com um discurso moral personalista, a Assembléia de Deus Betesda


158

desenvolveu-se mais amplamente entre as pessoas da classe média, enquanto que a

Assembléia de Deus tradicional, desde seu início no Brasil, está mais voltada para as

classes pobres e periféricas das grandes cidades, permanecendo com um discurso moral

essencialista.

Procurando mostrar-se mais liberal na área dos usos e costumes de santidade, o

discurso moral de Ricardo Gondim apresenta uma interação maior de sua tradição religiosa.

Por conta dessa e de outras formas de inserção e acomodação à sociedade, cresce o número

de conversões de pessoas da classe média, de empresários e de uma variada gama de

profissionais, os quais, antes da contextualização doutrinária e comportamental praticada na

Betesda, talvez não fossem alcançados, ou teriam que mudar seus hábitos se quisessem ser

batizados e prosseguir como fiéis em uma igreja da Assembléia de Deus tradicional. Tal

abertura ao mundo descortina novas possibilidades de participação social, de conquista e

exercício da cidadania por esses pentecostais.

As mudanças demonstram que a Igreja da Assembléia de Deus Betesda passou a

interessar-se por orientar sua mensagem para este mundo, não para transformá-lo

subitamente por meio de qualquer tipo de revolução de cunho milenarista, nem para

desqualificá-lo, mas para ajustar-se às demandas sociais das pessoas interessadas não

somente na salvação eterna, mas também em encontrar uma forma de lidar com seu

cotidiano a partir da sua experiência religiosa pentecostal. Isso demonstra que os fiéis estão

mais afinados com o que se passa à sua volta, isto é, com as informações rápidas via mídia

e com um mundo interligado globalmente. Isso representa uma transformação significativa

na identidade desses religiosos: a queda por terra da velha e esteriotipada identidade

pentecostal, ou de sua distinção social.


159

O crente era anteriormente reconhecido de longe, a metros de distância. Com o

processo de modernização do Brasil, o processo de adaptação e contextualização da

mensagem pentecostal, a demarcação da identidade do crente da Assembléia de Deus

Betesda tornou-se problemática, algo a ser indefinidamente redefinido e reconstruído em

outras bases. O que quero dizer é que esse crente à primeira vista passa facilmente por um

descrente no visual, pois nada há na aparência que possa identificá-lo como membro da

Assembléia de Deus. Isso vem mostrar a grande diferença entre as duas denominações e

seus respectivos discursos morais em relação aos usos e costumes de santidade.

Em ambos os discursos os dois pastores procuram interpretar os textos bíblicos para

fundamentar suas posições teológicas, trazendo dois modelos de moral, mas contendo

lógicas discursivas semelhantes, pois, para suas comunidades estão revestidos da autoridade

de Deus, como instrumentos receptores de um discurso que deve ser colocado em prática.

Esse discurso possui um processo interpretativo que não transgride certas posições

que são preservadas pelo grupo como parte de sua identidade elementar; nesse caso, o

discurso possui a monossemia, seguindo a dinâmica da mistificação, na qual a sentença

doutrinária quando estruturada na Bíblia adquire maior legitimidade.

Pode-se concluir que o discurso teológico moral de ambos traz a experiência que o

crente tem com Deus através da conversão. Com um comportamento rígido ditado pela

doutrina evangélica nos usos e costumes de santidade, no caso da Assembléia de Deus

tradicional, a relação de poder é realizada para a criação de regras e doutrinas impostas aos

crentes. Na Assembléia de Deus Betesda, a conversão é marcada pela experiência de

transformação no interior do crente pela atuação sobrenatural do Espírito Santo, e o poder


160

tem uma relação na produção do conhecimento e saber, permitindo a liberdade dos

indivíduos.

É importante ressaltar que toda organização seja ela política, econômica ou

religiosa, tem suas relações de poder que ora tem o seu aspecto opressor, ora libertador,

porém, o que interessa destacar aqui são os aspectos promotores de esperança que as

igrejas das Assembléias de Deus possibilitam. Pensar uma teologia moral que parte da

experiência é pensar na realidade concreta do povo brasileiro com seus sucessos e

fracassos, com seus risos, lágrimas, sonhos, mitos e expectativas. Nesse sentido, o

pentecostalismo assembleiano aponta horizontes significativos de esperanças possíveis.

Para mim, o estudo da experiência religiosa da salvação e de usos e costumes nas igrejas

Assembléias de Deus possibilitou tornar evidente que o papel da religião é promover um

novo sentido na vida das pessoas que as procuram.


161

ANEXOS

1 – Anexo – I: Entrevista Concedida por João Eunilson de Jesus Caetano 20/ 10/
2003. Pastor da Igreja Assembléia de Deus tradicional, localizada no Jardim
Marajoara – Mauá, SP.

Juarez Ap. Costa: Na opinião do senhor porque a Assembléia de Deus cresce mais
na periferia, no meio pobre ?

João Eunilson de Jesus Caetano: Eu entendo que nós aplicamos a Palavra de Deus de

acordo com a necessidade do povo, e a periferia é o local onde se encontra o povo mais

pobre, a classe mais desfavorecida. Essa pessoa vem à Igreja pela necessidade e isso a

gente não pode negar, pois elas possuem uma necessidade de ser amada, o ser humano é um

ser gregário, vivendo em comunidade, tem necessidade de ser amado e compreendido, ser

notado. As pessoas querem ter uma vida livre das opressões, a maioria vem para a Igreja

com essa concepção de que aqui ela vai ter de tudo. Só que o evangelho na verdade é

passado para as pessoas de uma forma diferente, de uma forma errada. O evangelho não é

um meio de se adquirir bens materiais, o evangelho é o poder de Deus para restaurar o

homem que foi gerado em pecado, pois o homem tem uma conduta toda irregular, no seu

relacionamento familiar, no trabalho ou na escola. O homem é um ser todo complexo, até

mesmo pela situação em que vive. Então, por isso, na verdade é que ele vem a Igreja, pois

ele quer se encontrar com si mesmo. E no meio evangélico encontra-se com charlatões que

usa esse meio para prometer coisas que nunca irá cumprir.

O que a Igreja tem que pregar é a equidade, a justiça igual para todos e mostrar ao

homem que ele tem uma alma e que ela precisa ser salva. E ele só vai conseguir uma

salvação através de uma aproximação com Jesus, e através dessa aproximação as demais
162

coisas irão acontecer como milagre, pois a partir do momento em que ele tiver um

conhecimento da verdade ele vai fazer uma análise de vida, uma reciclagem. Então, ele

vem do mundo com vícios das drogas e a partir do momento que aceita Jesus sua vida vai

mudar completamente, ele vai ter uma compreensão de que as drogas não aliviam, e se tem

um alivio é temporário, é efêmero, passageiro. Por esta razão deixa de usar as drogas

quando vem a Igreja. Deixando de usar drogas ele vai poupar sua saúde, não vai ter um

gasto com a medicina, não vai correr o risco de ficar preso e pagar um advogado. Ele vai

usar o dinheiro para ajudar a sua família, nisso ele vai ter uma prosperidade, que na verdade

o evangelho deu para ele. Uma coisa que com o tempo ele vai ter que descobrir, e isso não

faz parte da teologia da prosperidade. Pois quando ele vem para a Igreja aquele

procedimento errado de conduta ele deixa para trás, porque deixa de beber, de fumar, de

usar drogas, deixa a prostituição, deixa de roubar e deixa de ter uma segunda mulher na rua.

Tudo isso é economia e que irá beneficiar para que ele possa andar mais bem vestido, vestir

melhor a família. Não usando drogas não tendo amantes ele passa a ter um relacionamento

mais aberto com a família, vai amar mais, vai se tornar mais amado pela esposa e família e

a vida dele vai melhorar. Então, isso é a proposta do evangelho, não a teologia barata da

prosperidade, mas uma conscientização de vida. O ser humano como ser gregário que

precisa ser amar e ser amado é um ser que é corpo, alma e espírito, que se relaciona no

mundo social com corpo e alma e com o espírito se relaciona com Deus, ele o homem

precisa disso.

J.A.C.: Qual a diferença que o senhor vê entre a Assembléia de Deus tradicional, que o
senhor lidera, com a Assembléia de Deus Betesda do pastor Ricardo Gondim ?
163

J.E.J.C.: O que muda é a camada social. A mensagem do pastor Ricardo Gondim até pelo

público que ele tem em sua Igreja tem que ser mais refinada, o que ele prega é uma

mensagem com mais teologia, com mais conhecimento. E nós com uma linguagem talvez

mais grosseira, pois as pessoas da periferia não têm uma conduta refinada, uma doutrina

que possa corrigir sua vida, então, se faz necessário que a Igreja use de uma palavra de

cobrança, mais rigorosa para o povo acordar para a realidade da vida. Pois todos podem

alcançar a vitória. Já na Igreja do pastor Ricardo Gondim as pessoas pertencem ao nível

econômico mais alto e que tem seus vícios, mas já tem uma conduta de vida melhor, pois

muitos estudaram e tem títulos de universidades, são pessoas que já possuem regras, tem

uma conduta mais refinada uma doutrina de vida, uma disciplina então não precisa das

proibições, das imposições.

Muitas vezes Deus nos usa na Igreja para trazer uma mensagem com mais

correção, uma mensagem de alerta, deixa de fazer isso, deixa de fazer aquilo. Não é uma

proibição, mas fazendo uma conscientização às pessoas para que elas possam acordar para

a vida, pois assim como o Lula se tornou presidente da República o povo aqui na periferia

pode chegar a altos postos na vida, mas para isso ele precisa se reciclar precisa dos valores

absolutos da vida, não relativizar, aquilo que é absoluto como a família, a honestidade,

preservação do próprio corpo físico dele. Acredito então, que esse é um dos motivos das

diferenças entre as Assembléias de Deus e a Igreja do pastor Ricardo Gondim, porque me

parece que na periferia Deus vem com uma palavra um pouco mais dura, mais rigorosa.

Precisamos de uma disciplina um pouco mais forte para fazermos a vontade de Deus.
164

J.A.C.: O senhor acredita que as pessoas chegam a Igreja interessadas na salvação eterna,
e para atingi-la tem que ouvir um discurso moral de proibições ? Ou as pessoas só vêm
para a Igreja amenizar sua dor ?

J.E.J.C.: Vem para resgatar a identidade como homem, pai de família, enfim resgatar essa

identidade perdida através dos vícios. Na verdade sem uma conduta moral não tem como se

adquirir a vida eterna, uma vida desregrada, por exemplo, não será abençoada, salva no dia

do juízo. O dilúvio aconteceu porque o povo levava uma vida totalmente afastada de Deus,

completamente amoral, Sodoma e Gomorra também foram destruídas porque lá existia o

homossexualismo liberado, então, por tudo isso é que a Igreja tem que ter um discurso

inspirado por Deus, para sustentar uma conduta moral. Cada homem com sua esposa, cada

mulher com seu marido, tem que haver uma honra entre a família, isto é, entre homem,

mulher e filhos se respeitando, para que se tenha uma comunidade. A sociedade precisa de

uma família sadia, pois a sociedade está doente porque a família está sem moral. Qual o

valor absoluto da sociedade hoje? É a liberalização de que tudo pode. Pode haver

casamento entre pessoas do mesmo sexo, pode ter relações sexuais fora do casamento, não

precisa se casar para fazer sexo. Quando o homem sai do padrão da Bíblia e pratica essas

coisas, sai do padrão de Deus, se tornando imoral. Pois o referencial moral dentro de uma

casa é o pai e a mãe, na Igreja é a Bíblia. Sem a conduta moral de Deus é impossível atingir

a vida eterna. Temos, portanto, que primar por uma vida regrada, disciplinada. Para

preservação da humanidade, para previnir doenças sexualmente transmissíveis como a aids

e outras.

Então, precisamos de um evangelho que impõe a verdade, que conscientize, que

mostre para o povo que é necessário uma conduta moral para se adquirir a vida eterna. Se o
165

evangelho não tiver esse principio fica difícil Deus atuar em um lar onde o marido é infiel

ou a mulher é infiel, os filhos não respeitam o pai. Esse lar seria uma bagunça, onde

ninguém se entende. Por isso acredito que Deus é moral e disciplinador.

J.A.C.: A questão de a família ser desregrada, sem moral vem de onde ?

J.E.J.C.: O próprio homem é um ser mau em si, mas não podemos descartar nunca que por

traz de toda essa problemática da imoralidade está o ocultismo. Acredito que existe uma

força oculta, existe demônios, espíritos malignos que querem atuar, encontrar brechas, pois

o homem foi gerado no pecado, então ele é despertado, sua vontade é aguçada através da

licenciosidade que está presente. Quem vai para a mídia ? Quem coloca as mulheres nuas

na televisão ? Hoje não precisa ter cultura, basta ter um corpo bonito para fazer sucesso.

Tem somente que apresentar seu corpo nu. Então, atrás de tudo isso existe uma perversão

primeiro do próprio homem que tem essa forte tendência imoral, agora por trás de tudo

isso tem o Diabo, os demônios, aqueles que não querem o bem estar, então, não há amor,

não há moral.

O que se ensinamos na Igreja é que se você já tem uma tendência, você deve fugir

daquilo, você ficar olhando a pornografia está despertando uma prática dentro de si

mesmo. Quando se aceita Jesus não se deixa de ser homem ou mulher; indo para a Igreja o

indivíduo alcançará um domínio, um controle, podendo saber excluir de sua vida algumas

práticas que não são benéficas para a família, para a sociedade como um todo. Somos

cidadãos brasileiros, enquanto cidadão tenho que produzir coisas boas para o crescimento

do meu país, então tenho que ter uma vida regrada, sadia, porque a sociedade depende de

mim, pois tenho que ter uma família que possa produzir o bem para a sociedade.
166

2 – Anexo – II: Entrevista Concedida por Ricardo Gondim 19 / 12 / 2003. Pastor -


Presidente da Igreja Assembléia de Deus Betesda – São Paulo.

Juarez Ap. Costa: O senhor vê alguma diferença entre a Igreja Assembléia de Deus
Betesda e a Assembléia de Deus tradicional ?

Ricardo Gondim: Sim, em várias dimensões. A Igreja Betesda tem profundas diferenças

com a Assembléia de Deus tradicional, principalmente no que tange a liturgia, no que tange

sua concepção e sua percepção de valores teológicos, que considero que são muito

importantes para a vida da fé. E que acabam resvalando e mostrando mais claramente no

que diz respeito aos usos e costumes, são as diferenças fundamentais entre a Betesda e a

Assembléia de Deus tradicional. Essa diferença não é apenas cosmética, ela não diz apenas

a respeito de uma mudança estética, mas ela diz respeito a uma mudança mais profunda.

Nossa concepção é de um evangelho da graça que se dá e pode afetar a vida das pessoas. A

Assembléia de Deus tradicional tem uma visão do evangelho ressaltando muito mais as

obrigações, e eu tenho a concepção muito mais da graça de Deus. De que nós não

precisamos fazer as coisas para sermos aceitos por Deus. Então, é uma diferença sutil e

teológica mais do que comportamental eu diria.

Nós temos uma visão de culto litúrgico que difere muito da Assembléia de Deus,

porque eu tenho uma visão de que o culto tem que ter a cara da Igreja local. O culto tem

que ter os contornos ditos pela própria comunidade, não pode ser formatado, enlatado, não

pode ser uma perpetuação daquilo que foi recebido de outros. Então, a liturgia da

Assembléia de Deus está muito engessada porque ela se prende muito a perpetuar o

sistema na tradição. Nós sentimos que na direção do louvor, de adoração, do culto em si

não precisamos ficar encabrestados por uma tradição, mas termos muito mais latitude, mais
167

jogo de cintura. Então, a Betesda, também difere muito da Assembléia de Deus nessa

dimensão. Quem não conhece a Betesda e assiste a um culto aqui, pode achar que ela tem

programaticamente feito um culto para ser diferente da Assembléia de Deus tradicional.

Esse não é o sentido, o sentido não é que queremos ser em si uma dissidência, queremos ser

um contra ponto à Assembléia de Deus tradicional. É uma questão de postura, de

concepção de como se dá o culto a Deus, de como se presta um culto a Deus.

J.A.C: O senhor fala de dissidência, a Betesda se considera uma dissidência da Assembléia


de Deus ?

R. G. : Não. Eu não me considero uma dissidência da Assembléia de Deus. É tanto que

nós fizemos questão de quando nos separamos da Convenção Geral das Assembléias de

Deus tradicional, de manter nosso nome de Assembléia de Deus Betesda. Eu sinto que

estamos mais próximos das raízes das Assembléias de Deus mundial do que a própria

Assembléia de Deus tradicional brasileira, pois esta não reflete os caminhos pelos quais a

Assembléia de Deus no mundo caminha. Nos Estados Unidos, na Europa, a tendência da

Assembléia de Deus não é a tendência desenvolvida no Brasil. Portanto, eu me sinto mais

próximo com aquilo que a Assembléia de Deus é hoje fora do Brasil do que a mesma

Assembléia de Deus tradicional no Brasil.

Nós temos a teologia da Assembléia de Deus Betesda, ela é uma teologia do

pentecostalismo clássico, nós acreditamos nos pressupostos do pentecostalismo, pois,

cremos na segunda benção, na evidência do falar em línguas estranhas, na

contemporaneidade dos dons espirituais. Somos uma igreja envolvida com missões, nós

temos um sistema de implantação de igrejas semelhante ao sistema da Igreja Assembléia de


168

Deus tradicional, ou seja, com igrejas filiadas, congregação com padrão da igreja mãe, as

igrejas satélites e as igrejas filhas. Nós mantemos muito das características que estão bem

próximas do movimento pentecostal clássico das Assembléias de Deus tradicional.

J.A.C.: Qual a razão teológica doutrinária que leva duas denominações da mesma tradição
pentecostal a terem duas posturas morais diferentes ?

R.G.: Eu diria que a diferença fundamental, e isso eu tento mostrar em meu livro “È

proibido”, que a postura moral da Assembléia de Deus tradicional é um erro de leitura da

Bíblia, que ela, quando lê a Bíblia ela já lê com as lentes da moral legalista,

fundamentalista americana na virada do século (século XIX para XX), ela já vai ao texto

com esta leitura. Ela descarta toda questão cultural da Bíblia, não consegue perceber que é

um livro em sintonia com a cultura. Quando a Bíblia relata as intervenções de Deus na

história de Israel, as intervenções de Deus não violentam a cultura, pelo contrário, as

intervenções de Deus na cultura de Israel valorizam os traços culturais que são bonitos, e

condenam os traços culturais que estão adoecidos. Essa impossibilidade de ler a Bíblia

vendo que a cultura de um povo não é necessariamente demoníaca, não necessariamente

adoecida, pecaminosa, faz com que as pessoas lêem a Bíblia com os olhos do legalismo,

por exemplo, a questão dos usos e costumes da Assembléia de Deus tradicional, tem uma

postura ostensivamente contrária de tudo aquilo que eles consideram vaidades. Vaidades do

corpo, jóias, adornos, principalmente das mulheres.

E eu procuro mostrar no meu livro que isso é uma incapacidade de ver a cultura.

Quando houve adornos, beleza estética nos relatos do Antigo testamento, eles não

necessariamente são condenados por Deus, mas sim pela postura do coração e esta não tem

nada a ver necessariamente com adornos. Eu mostro para eles que essa é uma dificuldade,
169

uma incapacidade de entender a cultura. Nós precisamos entender a cultura, nenhuma

cultura e nenhum povo são em si mesmo ruim ou bom, ela tem coisas ruins e coisas boas,

mesmo na cultura judaica. O povo também tem uma leitura e uma tendência em divinizar a

cultura judaica. A cultura judaica tinha muitas coisas erradas e feias, comportamentos que

foram adotados pelo povo judeu nos quais Deus não aprovava, só porque eram judeus. E

assim, os gregos, os romanos e os babilônios todos eles tinham coisas boas e coisas ruins,

feias e bonitas. Essa é uma diferença fundamental da Betesda.

Outra diferença é a incapacidade da teologia legalista, principalmente da teologia da

Assembléia de Deus tradicional de verem a “imago Dei” imagem de Deus no ser humano.

Tem a incapacidade de entender, mesmo independentemente da pessoa ser convertida ou

não ela tem a imagem de Deus, e essa imagem de Deus no ser humano é que o capacita,

mesmo não sendo cristão a praticar coisas bonitas, louváveis, coisas que são dignas de

serem elogiadas de serem inclusive vivenciadas por nós cristãos. Um autor para escrever

um texto louvável ele não precisa necessariamente ser cristão, um juiz para sentenciar uma

sentença justa ele não precisa ser cristão, um cantor para compor uma música bonita, não

precisa necessariamente ser cristão. Minha tarefa não é identificar o cristão ou não cristão.

Ou somente consumir, ler, louvar o que é feito pelo cristão e rechaçar o que não é feito pelo

não cristão. Não é esse o nosso papel, nosso papel é identificarmos naquilo que foi

produzido o que tem de louvável, o que tem de bonito, o que tem de digno,

independentemente de quem o tenha feito. Têm-se valores do reino de Deus há coisas

bonitas ali e, eu tenho que necessariamente que aplaudir, não importa se veio da boca, da

pena, ou da escrita ou do texto de um cristão ou não, o texto em si ele têm valores do reino

de Deus. E de onde vem à capacidade do não cristão produzir coisas louváveis? È porque
170

todos os seres humanos carregam em si mesmo a imagem de Deus, aquilo que os teólogos

da Idade Média chamavam em latim de “imago Dei”.

Então eu posso ler um texto de Gilberto Dimenstein que não é cristão, mas de

tradição judaica e dizer puxa vida que coisa bonita, digna. Isso aqui eu como cristão tenho

que louvar este escrito e dizer é algo que como cristão assino embaixo, estou junto.

J.A.C.: Elinaldo Renovato chama atenção em seu livro “Aprendendo diariamente com
Cristo: como viver a vida cristã em um mundo em conflito” que cantores evangélicos da
Assembléia de Deus não devem cantar em Igrejas Católicas por ter imagens e
representações de santos. Segundo ele, cantores que desobedecem as ordens devem ser
repreendidos e punidos pelo pastor da Igreja local, pois eles cometeram algo que desagrada
a Deus. O senhor como pastor de um mesmo seguimento evangélico, o que acha dessa
posição ?

R.G.: Coitado, ele não leu o capítulo 17 do livro de Atos dos Apóstolos, em que o apóstolo

Paulo pregou no Aéropago , onde havia um panteão de deuses, e ele não se sentiu

intimidado, a grande dificuldade é que os pastores da Assembléia de Deus lêem a Bíblia

com as lentes do legalismo, da proibição e da tradição assembléiana. Nada podem, tudo é

proibido.

J.AC.: Na sua opinião a Assembléia de Deus no Brasil é fundamentalista ? Ela interpreta a


Bíblia literalmente ?

R. G.: Ela é fundamentalista, tem um cabresto da Teologia Sistemática muito forte, quero

dizer que a Teologia Sistemática ela é a rainha na leitura da Bíblia, então, não é a Bíblia

que está fazendo com que eu defina minha teologia, mas minha teologia é que define minha

leitura da Bíblia. E essa Teologia Sistemática vem do fundamentalismo norte americano


171

que é muito forte e infelizmente perde muito na criatividade. É uma igreja que não

consegue ser criativa, ela não consegue fazer, ser inovadora na sua abordagem teológica,

então, se ha muitos gramáticos e poucos poetas e isso se torna problemático.

J. A. C.: O senhor acredita que através de seus discursos, de suas pregações pode ocorrer
uma estruturação do cristão que freqüenta a Assembléia de Deus Betesda, criando assim
uma identidade de sujeito coletivo, preparado para enfrentar as relações de poder em nossa
sociedade ou na sociedade global ?

R. G.: Eu acho que uma das grandes contribuições, se é que posso falar de mim mesmo e

da Betesda sem parecer ufanista ou soberbo, mas eu diria que uma grande contribuição que

a Betesda tem dado é que você não precisa cometer suicídio intelectual. Eu acho que a

contribuição da Betesda é que não é proibido pensar e eu acho que esta estruturação tem

sido muito nessa dimensão. Quando a gente pensa, usa do bom senso, que temos liberdade

para questionar, não rompemos com a tradição cristã, não magoamos Deus, não fere, então,

esta capacidade de gerar pessoas que pensam sem se sentir patrulhados, que pensam sem

sentirem cabrestados por dogmas, eu acho que é uma contribuição no sentido de começar

estruturar homens e mulheres para serem livres. É um caminho perigoso, difícil, pois você

solta a pessoa, libera a pessoa. Talvez eu não veja, eu não consiga colher todos os frutos

dessa caminhada, mas eu acho que pelo menos uma próxima geração vai caminhar com

mais liberdade, com menos medo, com a capacidade maior de ser senhor de sua própria

história de suas próprias decisões. Poder tomar decisões morais sem que ele precise do

cabresto de uma igreja, de uma lei, de um livro que me diga o que eu posso fazer ou que

não posso fazer. Que tenhamos a capacidade, maturidade para decidir e tomar decisões que
172

sejam dignas, que sejam louváveis, sem que eu precise dessa tutela, dessa bitola me

orientando e conduzindo na vida.

J.A.C.: Quando o senhor diz em seu livro “É proibido” na pagina 113, “ que o poder moral
de discernir e recusar o que é torpe vem da liberdade de escolha, maturidade emocional,
intelectual e espiritual. Nunca da censura e patrulhamento da nossa liberdade critica”, isso
significa que o pastor não tem que ficar impondo à sua comunidade o que é certo ou errado,
mas deixar o cristão à vontade e livre para escolher o que é certo e errado ?

R. G.: Lógico, lógico. O apóstolo Paulo diz isso quando ele trabalha lá em Gálatas ou

Colossenses, quando ele diz que essa doutrina do não pode, não deve, não toque, não tem

valor nenhum contra a sensualidade, não muda nossas estruturas. Você corrige

comportamentos, não corrige valores, você não muda os valores da pessoa. As pessoas

ficam fazendo determinadas coisas, mas fazendo não porque entendeu, não porque

escolheu, não porque decidiu que não quer aquele caminho, mas porque ele foi imposto. E

no fundo, dentro do coração dele continua desejando, então, não tem valor nenhum. Que

valor me tem de proibir você de fazer alguma coisa, de adulterar, de matar, roubar, ou fazer

qualquer coisa, se dentro de seu coração você continua desejando, querendo isso, eu não

mudei nada. Não houve maturidade, a maturidade é as escolhas que fazemos a partir dos

nossos valores que incorporamos em nosso viver e, esses valores formam nosso caráter.

Então, o cristianismo lida não com mudanças circunstanciais, ele lida com o caráter, a

grande preocupação do cristianismo é trabalhar nossos valores, nosso caráter.

J.A.C.: Então há uma diferença em ser cristão na Betesda e ser cristão na Assembléia de
Deus tradicional ?
173

R. G.: Eu vejo que o cristão na Betesda ele é solto, ele é livre, ele não vive debaixo de uma

neurose religiosa, que o infantiliza, que oprime, ele é livre. Ele não tem necessariamente

que satisfazer as exigências das leis do pastor. Eu não sou mais a alma seca do crente. Eu

digo sempre o seguinte: se me perguntam se o cristão da Assembléia de Deus tradicional é

cristão, eu digo que sim, mas ele é mais triste, não tem uma religião crítica, é uma religião

sem festa, sem liberdade. Eu diria que o cristão da Betesda pode ser mais feliz, mais alegre,

ele pode fazer mais festa na presença de Deus, porque ele está livre. Ele não está precisando

se adequar a um código rígido de proibições, que roubam a alegria de viver.

J.A.C.: A Assembléia de Deus tradicional permanece entre as mais conservadoras das


igrejas pentecostais hoje. Ao que se deve esse conservadorismo principalmente dos valores
morais voltados para os usos e costumes ?

R. G.: Eu diria que houve um tempo que era uma questão só de interpretação literal e

fundamentalista das escrituras, mas diria que hoje há uma vertente de poder nesta questão.

Existe uma necessidade de perpetuação dessas estruturas de poder dentro da igreja

Assembléia de Deus tradicional. Eu diria que hoje a questão do legalismo tem uma

estrutura de poder fincada, ou seja, o pastor jovem tem uma percepção diferente, mas eles

se adequam a esse poder, pois sabem que só conseguem galgar dentro da hierarquia da

Assembléia de Deus se eles perpetuarem o discurso do legalismo, se eles derem

continuidade ao discurso das elites que estão dominando o poder. Essas elites dominam o

poder em cima do discurso do encabrestamento, da proibição. É como um regime

ditatorial, a ditadura se estabelece, os que estão lá tem toda uma estrutura montada e os que

querem chegar no topo precisam repetir, reforçar o discurso dos que estão no poder. Se

eles não reforçarem o discurso dos que estão no poder, são vistos como uma dissidência e
174

as dissidências neste edifício monolítico não são bem vindas, então você tem que ser

sempre “sim senhor, não senhor”. Só é tolerável nessa estrutura do poder os que repetem o

monólogo daqueles que já estão encastelados no poder.

Eu diria que hoje as Assembléias de Deus não mudam não é porque não tem

percepção, é porque hoje existe toda uma elite que domina a igreja, que estão embriagados

com a exuberância do exercício do poder político dentro da Assembléia de Deus, gosta

desse domínio político, que está calcado dentro do legalismo proibitivo.

J.A.C.: Na visão do senhor o que é necessário para a igreja manter uma atitude ética, moral
comprometida com os valores Bíblicos, sem precisar do determinismo e legalismo ?

R. G.: Ela precisa em primeiro lugar se arejar, precisa ter pessoas que venham, que entram

na igreja com uma visão nova. A igreja precisa de novos convertidos e que entram na igreja

sem o ranço do passado e aqueles que estão na elite, que dominam a igreja, saibam dialogar

com pessoas que estão entrando. Essas pessoas novas, às vezes conseguem ver coisas que

nós da liderança não conseguimos mais ver. Eu estou na Betesda há vários anos e não

consigo mais ver certas e determinadas coisas. Já me acostumei a fazer certas coisas do

meu jeito e vou continuar a fazer, a única maneira de eu conseguir ver diferente é que entre

uma pessoa nova que nunca participou da Betesda, que tenha uma outra cultura, outra

cabeça, que não tenha um ranço religioso que a gente já criou, e quando ele chegar aqui

comece a questionar, perguntar. “Por que tem que ser feito assim ?”. E eu não tenha medo

da pergunta dele. Eu muitas vezes conversando com pastores da Betesda digo isso a eles e

tenho repetido essa frase: “nenhuma tradição nossa precisa ser perpetuada a não ser que

tenhamos uma boa razão para perpetuarmos a ela, o dia que não tivermos uma boa razão

para fazermos do jeito que estamos fazendo, não precisamos mais fazer.”.
175

Por que eu preciso fazer desse jeito para sempre ? Não sou necessariamente

obrigado eu fazer desse jeito, só porque a gente sempre fez assim. Então precisamos ter a

capacidade de abrir para o novo, para as pessoas que estão chegando, para os

questionamentos. Por que estamos fazendo desse jeito ? Essa é uma razão.

Uma outra razão é não termos que apegar a estrutura de poder. Eu acho que a igreja

precisa ter uma estrutura leve, precisa ter uma estrutura de poder que fuja o máximo

possível do jogo político intenso, então, ela tem que se firmar muito mais na base dos

relacionamentos do que nas relações institucionais. Nós precisamos criar uma igreja onde

os líderes tenham uma relação muito mais forte com as pessoas, do que uma relação

institucional. E que as pessoas possam me ver muito mais como amigo, os pastores que

coordenam a igreja, que me rodeiam dentro da Betesda me vejam mais como amigo do que

como pastor presidente. Isso é muito importante para nós. E não podemos ter medo de

sermos livres, de ousarmos, caminharmos no reino de Deus sem que nós necessariamente

precisemos da segurança da lei e do legalismo. A lei nos dá uma segurança, os contornos,

as margens dentro do qual eu possa andar. Mas é uma segurança falsa, por que a vida não

caminha sempre dentro dessas molduras, então, a gente vai encontrar com realidades para

as quais o faça não faça não tenha previsto, quando eu deparar com isso não vou ter

recursos, ferramentas para lidar com esse tipo de coisa, portanto, eu tenho que educar

muito mais do que disciplinar, do que proibir, censurar. Tem muito a ver, por exemplo, com

a censura colocada em um país, dentro de um regime ditatorial é muito mais fácil dizer para

sua população que esse livro você pode ler, esse livro não pode ler, isso é bom, aquilo não

é bom. É muito mais fácil agir assim, mas o que você ganha em domesticação, você perde

em capacidade criativa, em humanidade, em vida verdadeira.


176

J.A.C.: No livro “Ética Cristã: confrontando as questões morais do nosso tempo” Elinaldo
Renovato de Lima diz que “temos de fechar todas as questões concernentes à moralidade e
a santidade da vida” e que “nessa área nenhuma condescencia é possível; a Bíblia lida com
valores absolutos e nenhuma espécie de relatividade admite.” O senhor concorda com ele ?

R. G.: É lógico que não, logo na primeira frase não consegue ser coerente. O que ele diz na

primeira frase ? Qual é o ser humano, qual é o sistema, qual é a legislação que consegue

fechar todas as questões ? Cada ser humano é um universo em si mesmo. E as relações

entre seres humanos são infinitas, somos um universo infinito. Portanto, nós não

conseguimos fechar todas as questões. Não iríamos criar direito um livro canônico que

conseguisse abranger todo escopo das relações humanas. Essa é a grande falácia do

legalismo, no qual ele quer doutrinar, ele quer abranger todas as relações humanas, isso é

impossível, não tem como. Outra coisa é dizer que a Bíblia trata exaustivamente de

comportamentos humanos, também é outra falácia, pois a Bíblia é um livro que foi escrito

há 2000 anos atrás, e há comportamentos humanos hoje se quer estavam previsto na Bíblia.

Nós temos hoje a bioética, temos a engenharia genética, que são questões que estão

surgindo e que não estavam previstas na Bíblia. Não temos se quer como legalisticamente

nos posicionar diante destas questões. Principalmente sobre questões que dizem respeito a

comportamentos morais hoje, absolutamente novos como pedofilia, sado masoquismo, são

questões que não estão previstas na Bíblia, e que hoje diante da complexidade do viver

humano nós temos que lidar com isso. É um esforço inútil querer fazer um livro dizendo

que ele trata do absoluto, vai acabar no simplismo. Dentro desse livro que ele trata do

absoluto ele vai ter que transcender o texto bíblico, então, esse é o grande problema do

legalismo. Outra dificuldade do legalismo é que ele não consegue ser coerente, não
177

consegue manter-se coerente. Ele vai se dizendo absoluto em uma coisa, e vai ter que ser

relativo em outra, então é inútil.

J.A.C.: Elinaldo Renovato também menciona que uma das leis da hermenêutica é que
quando a Bíblia trata de um assunto em vários textos isso se torna uma doutrina para a
Igreja, principalmente em Corinto a respeito das mulheres cortarem o cabelo e se vestirem.
Como o senhor analisa essa questão ?

R. G.: A questão hermenêutica que ele esta dizendo, é a mesma hermenêutica que diz que

não podemos pegar texto fora do contexto. Quando ele diz que está pegando vários textos e

fazendo deles uma doutrina, ele está se valendo de um dos princípios da hermenêutica e

desprezando todas os outros princípios dela. Ora, se este é um princípio da hermenêutica

que vários textos fazem uma doutrina, esse princípio tem outros princípios que precisa ser

colocado no contexto dos outros. Existe um princípio na hermenêutica que nenhum texto

pode ser lido fora do seu contexto, e que na leitura do texto deve se levar em conta

principalmente o contexto histórico, esse é um principio da hermenêutica. Quando eu vou

ler um texto seja de uma lei, um poema, um romance, qualquer texto, o princípio universal

da hermenêutica é que o texto deve ser colocado no seu contexto histórico. Temos que ter a

percepção que a Bíblia é um livro de história, e não posso ler a Bíblia como uma

sistematização doutrinária, ela é um livro histórico e tem que se levar em conta à história.

Se pegarmos o raciocínio dele teremos que legitimar, por exemplo, a poligamia,

temos mais de um texto na Bíblia, inúmeros textos onde ela legitima relações poligâmicas.

A Bíblia legitima a poligamia de Abraão, de Jacó, de Davi, Salomão. Ela legitima a

poligamia nos mais diversos períodos.


178

J.A.C.: O senhor acredita que a experiência religiosa pentecostal possa produzir uma

qualificação moral, na qual os fiéis sejam identificados com um determinado grupo ?

Produz no individuo um processo de redefinição de sua própria identidade e valores ?

R.G.: Eu diria que a experiência pentecostal convoca a uma mudança de postura de

definição moral. Pois a experiência pentecostal, ou o batismo com o Espírito Santo,

evocado por todo movimento pentecostal tem sim uma vertente de convocação a uma vida

mais integra, mais santa diante de Deus. Ela é uma porta, para um estilo de vida que seja

digno dos filhos de Deus. Eu diria que a experiência pentecostal não é em si mesma uma

mágica para uma vida santa com Deus. Não é porque tenho uma experiência pentecostal

que a partir desse momento tenho uma vida santa. Mas a experiência pentecostal é uma

convocação para vivermos uma vida santa, integra, com valores, com princípios do reino

de Deus que são absolutos. Agora o comportamento do homem não tem como absolutizar,

o homem passa por aprendizados e aprende valores que vai ter pelo resto da vida, e que

vão ter que ser dirigidos por estes princípios do reino de Deus.

J.A.C.: Quantos membros a Igreja Assembléia de Deus Betesda tem hoje ?

R. G.: Não tenho um numero exato, mas calculamos que a Betesda tem hoje em torno de 20

a 21 mil membros no Brasil todo. Em São Paulo temos aproximadamente uns 2500

membros na sede, Tatuapé e Morumbi do Sul.

J.A.C.: Ao que se deve esse fenômeno da Betesda em um espaço curto de tempo crescer
dessa forma ?

R.G.: Eu diria que a Betesda hoje é uma Igreja que faz um contra ponto pentecostal a

teologia da prosperidade, ao neo-pentecostalismo. Ela é uma Igreja que tem se mantido


179

graças a Deus nesses 10 ou 15 anos na margem do movimento da teologia da prosperidade.

Portanto, somos um referencial saudável de que é possível ser uma Igreja pentecostal sem

ser preciso descambar para a teologia neopentecostal e que nem perpetue os valores

engessados do legalismo clássico.


180

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