Vous êtes sur la page 1sur 17
ste capitulo anal ens, as caracteristicas ¢ as conseqtiéncias do processo de globalizacao. Serio debatidos os impactos das novas tecnologias de comunicagao e de informacao sobre o emprego e mostradas as transforma- des ocorridas nos padrées produtivos, desde os sistemas tayloristas-fordistas até a emergéncia dos sistemas de producao flexivel, destacando-se os princi- pais impactos sociais e humanos dessas mudangas. Globalizagao e Mundo do Trabalho 13.1 Sociedade Global © tema da globalizagdo tornou-se uma questao-chave para a compreensao das transformacées econdmicas, sociais e politicas que marcaram a chegada do século XXL Em toro do termo “globalizacao”, entretanto, até hoje no foi consolidada ‘uma definicao universalmente aceita. As controvérsias entre as andlises desse fend- ‘meno comecam com a propria localizacao de suas origens. Alguns estudiosos vem a globalizacao como uma cadeia de eventos revoluciondrios, que estabelecem uma ruptura com relagao ao passado, enquanto outras correntes dle pensamento a definem como mais um capitulo da histéria da expansao dos mercados. Em termos histéricos, é possivel destacar fatos que, sobretudo a partir do século XV, vvém contribuindo para a formagao de um sistema econdmico mundial. A descoberta de rotas maritimas para 0 Oriente ea colonizacao do Novo Mundo permitirama integragao da Africa, Asia e América ao capitalismo mereantil que predominava entao na Europa, caracterizanco um aumento expressivo de intercambio entre paises. A Revolugio Indus- trial, iniciada no século XVIII, estabeleceu uma nova forma de produgao econdmica, baseada em grandes indkistrias que produzem em larga escala e que necessitam de ‘matérias-primas que nio sio encontradas na Europa, bem como de novos mercados ‘consumidores para seus produtos. Estes fatores impactaram no desenvolvimento dos :meios de transporte (as ferravias foram marcos desta 6poca) ¢ do comércio, resultando na formagéo de um mercado mundial que sustentou a expansao da indtistria. ‘Osurgimento dos Estados Nacionais no século XVIII também favoreceu 0 process de integracio econdmica mundial, ja que os Estados, dotados a partir de entio de um sistema econdmico, politico e juridico nacionalmente unificado, tormaram-se atotes destacados na regulacao das relacbes entre os diversos setores do capital ¢ na oferta da infra-estrutura necessaria 4 expansao do capitalismo. O sistema econémico capitalista, por suas caracteristicas, consolidou esse proceso de integracao. Conforme observou Marx no século XIX, 0 capitalismo precisa explorar constantemente novos mercados para manter seus lucros, e isto reforga a configuracao de um sistema econdmico mundial: “Pela exploracao do mercado mundial a burguesia imprime um carater cosmo- politaa producto e ao consumo em todos 0s paises. Para desespero dos reacio~ narios, ela retirow a induistria sua base nacional. As velhas indstrias nacionais, foram destruidas e continuam a s¢-lo diariamente. $40 suplantadas por novas indtistrias, cuja introdugo se toma uma questo vital para todas as nagdes civilizadas, induistrias que nao empregam mais matérias-primas nacionais, autéctones, mas sim matérias-primas vindas das regides mais distantes, e cujos produtos se consomem no somente no préprio pais mas em todas as partes do globo (...). Em lugar do antigo isolamento de regides e nagdes que se bastavam, asi proprias, desenvolvem-se um intercdmbio universal, uma universal inte! dependéncia das nagées. E isto se refere tanto 3 produgao material quanto & producao intelectual” (MARX [1977], p. 24-25). Mas um sistema econémico mundial seria o mesmo que uma economia global? Poderfamos simplesmente substituir nesta citagao a expresso “mercado mundial” ‘mencionada por Marx pelo termo “globalizacao”? Existiriam diferencas significa- tivas entre a realidade descrita por este socidlogo no século XIX e a realidade do sistema econémiico que vivenciamos na atualidade? 128 Capitulo Treze Held e McGrew (2001) identificam uma corrente de pensadores para quem a idéia de globalizacao ¢ falsa, apenas um discurso ideol6gico que visa mascarar a nova fase de expansao do capital, conduzida pelas nacées capitalistas mais poderosas domundo. Desse ponto de visla, existe basicamente uma continuidade da dominagao imperialista dos paises ricos sobre os paises pobres, agora sob novas formas. Neste sentido, as cres- ccenies ligacdes econdmicas entre as sociedades nacionais deveriam ser descritas pelo termo internacionalizacio, em lugar de globalizacéo, uma vez. que as fronteiras, os inte- resses e 05 poderes dessas sociedadles permanecem perfeitamente distintos. Outra linha de pensamento destaca que a organizagio social moderna sofreu -mudangas muito significativas, especialmente a partir da Segunda Guerra Mundial, e que indicam a existéncia de marcas distintivas da globalizacao: “Uma economia global 6 uma nova realidade histérica, diferente de uma economia mundial. Segundo Fernand Braudel ¢ Immanuel Wallerstein, economia mundial, ou seja, uma economia em que a acumulacao de capital avanca por todo o mundo, existe no Ocidente, no minimo, desde o século XVI. Uma economia global ¢ algo diferente: é uma economia com capacidade de funcionar como uma unidade em tempo real, em escala planetéria. Embora 0 modo capitalista de producio seja caracterizado por sua expansao continua, sempre tentando superar limites temporais e espaciais, foi apenas no final do século XX quea economia mundial conseguiu tornar-se verdadeiramente global com base na nova infra-estrutura, propiciada pelas tecnologias da informagio e comunicacio” (CASTELLS, 1999). A observacao de Castells (1999) destaca as transformagies que atingem os modos de vida da maior parte das sociedades, provocando alteragGes nos padres de rela- cionamento entre seus cidadaos, nos seus comportamentos, nos seus empregos € nas suas formas de trabalho. Entretanto, 0 autor observa que esses impactos nao se manifestam da mesma maneira em todos os lugares. As conseqiiéncias da globa- lizagao nao afetam universalmente a todos com a mesma extensao, intensidade, beneficios e énus. Por um lado, a quebra de barreiras comerciais, a ampliagio do comércio internacional, a reducao de pregos de produtos ¢ servigos ¢ o sistema de comunicagio universal sio fatores potencialmente capazes de promover o desen- volvimento social e econémico; mas, por outro lado, conseqiiéncias nefastas como, ‘0 desemprego, a exclusio de parcela significativa da populacio mundial dos bene- ficios do desenvolvimento e o aprofundamento das diversas formas de desigual- dade social indicam os limites de tal sistema. is A prépria experiéncia brasileira de insercao no processo de globalizacao é esclare- cedora neste sentido: o Brasil, que durante varias décadas caracterizou-se por uma economia fechada pela prética do protecionismo, ingressou de forma acelerada na flexibilizacao de seus mercados a partir da década de 1990, ¢ os resultados mostram que nem todos foram ganhadores nesse proceso. Enquanto algumas empresas tiveram condigSes de aproveitar as oportunidades trazidas com a expansdo das relagGes comerciais, outras ficaram expostas aos problemas trazidos pelo acirra- mento da competigao e quebraram. Feitas estas observacdes iniciais, partiremos da definicao de Castells (1999) e através dela abordaremos os limites a avangos de tao complexo proceso. Eye Oe ees Na definigdo de Castells, um dos aspectos mais importantes do processo de globa- lizacdo 6 a base tecnol6gica que o sustenta. A importancia das novas tecnologias de informacdo e de comunicagao foi ressaltada por Bell (apud KUMAR, 1997), em. Globalizagio e Mundo do Trabalho 129 sua interpretacdo da sociedade moderna como uma sociedade de informacao. Bell aborda o desenvolvimento do computador durante os anos da Segunda Guerra Mundial, quando sistemas de tecnologia de informacio foram desenvolvidos pelos americanos para usos militares. No periodo posterior ao grande conflito, aexpansa0 das empresas multinacionais, que necessitavam cada vez mais da comunicasao para ‘Sua sobrevivéncia, foi um dos principais motores do desenvolvimento tecnolégico. ‘As novas formas de tecnologia atingiram praticamente todos os setores da vida eennémica e social, transformando a informagdo em uma das mais importantes fontes de valor para a economia e provocando significativas mudancas na organi- aco da sociedade. "A centralidade da informagio também é importante para a compreensdo do conceito de sociedade pés-industrial, cunhado para designar o deslocamento da producao do setor industrial para o setor de servigos, bem como 0s novos principios Ge organizacao, baseados na informacao eno conhecimento, que se diferenciam dos utilizados pelo industrialismo classico: “"Mlinha premissa basica é que conhecimento e informacao estdo se tornando os recursos estratégicos ¢ 0s agentes transformadores da sociedade p6s-industrial (...) da mesma maneira que a combinacao de energias, recursos e tecnologia mecanica foram os instrumentos transformadores da sociedade industrial” (BELL, apud KUMAR, 1997, p. 21). Bell mostra que o computador transformou as operagbes da sociedade industrial, sobretudo por sua combinacao com as telecomunicagdes. A combinagao de satélites, televisao, telefone, fibra Gptica e microcomputadores acabou com a distingao entre processamento e distribuigo de informagao, ja que estes dois aspectos passam a dcorrer simultaneamente em tempo real. “A tecnologia do computador é para a ra da informagao 0 que a mecanizacao foi para a Revolugio Industrial”, afirmou Naisbit (apud KUMAR, 2001, p. 21). Ewe Monee nose saen meas Hi muita discordancia entre os analistas quanto a verdadeira extensao dessas trans- formagées. Na andlise de Drucker (1999), de grande influéncia na administracdo, as mudaneas ocorridas nas empresas e na sociedade sao tao significativas que indicam ‘a existéncia de uma nova forma social: a sociedade pés-capitalista. Para Drucker, qa medida em que o conhecimento se torna atividade-chave da economia, muda a estrutura de ocupacdes, com um rapido crescimento do ntimero de trabalhadores em informagio. Muda também o foco dos investimentos empresariais, que passa a se concentrar principalmente em insuimos nao-materiais como softwares, servigos de dados, planejamento, pesquisa e desenvolvimento. A propria estrutura da socie- dade capitalista é atingida por essas mudangas, jé que 0 conhecimento se torna a principal fonte da criagao de riquezas na sociedade, superando a terra, as fabricas, 4s ferramentas ¢ 0 capital como insumo mais importante nos modermos sistemas de producio. A terra eo capital, fatores centrais no capitalismo, tomnam-se secundirios ha sociedade pOs-capitalista, pois poclem ser obtidos com o primeiro. Para Drucker, isto da um novo status aos empregados, que levam consigo o mais importante ative da organizagio: 0 conhecimento. “Qs operadores de méquinas nas fébricas faziam aquilo que Ihes era mandado. A maquina decidia nao s6 0 que fazer, mas também como fazer. O trabalhador do conhecimento pode necessitar de uma maquina, seja ela um computador ou um analisador de ultra-som. Mas nenhum deles Ihe diz. o que fazer, muito 130 Capitulo Treze ‘menos como fazé-lo. Sem 0 conhecimento, que é propriedade do empregado, a maquina é improdutiva” (DRUCKER, 1999, p. 18). As duas principais classes nesta nova era do capitalismo nao so mais capitalistas © operirios, mas trabalhadores do conhecimento—aqueles que sabem alocar conhe- cimento para gerar produtividade — c os trabalhadores de servigo — carentes de ediucago e que existem em todos os paises. Para Drucker, a posigao a dignidade dos que trabalham em ocupagdes de servicos subalternos e domésticos 6 um dos problemas basicos da sociedade pés-capitalista. Ao analisar as transformac6es sociais por esta perspectiva, Drucker confronta principalmente a perspectiva marxista que enxerga a sociedade capitalista como uma sociedade de conflitos, na qual os burgueses, donos das fabricas, exploram 0 proletariado, empobrecendo-o e promovendo uma concentrago cada vez maior da propriedade dos meios de producio. A revolucdo operéria mencionada por Marx deu lugar, segundo Drucker, a revolucdo da produtividade resultante da difuséo do sistema taylorista de produgao nas fabricas, na primeira metade do século XX. A nova forma de organizar o trabalho proposta por Taylor, ao tornar mais produtivos 05 trabalhadores, abriu caminho para o pagamento de melhores salérios, transfor- -mando os trabalhadores em beneficiarios cos frutos da produtividade superior e amenizando os potenciais conilitos entre estes e os capitalistas. ‘O paso seguinte na evolucao do capitalismo foi definido por Drucker como revo- lugdo gerencial, e relaciona-se a aplicacao do conhecimento agora nao a organizacao do trabalho, como fez Taylor, mas ao proprio conhecimento existente, para que sejam produzidos melhores resultados. Em outras palavras, 0 conhecimento esté sendo aplicado a inovagao sistematica. Este 6 0 momento em que o conhecimento se torna © fator de producao mais importante da sociedade, segundo o autor. Por esta perspectiva, na era da revolugao gerencial, transformam-se inteiramente 08 padrdes de producao das organizacées, havendo uma ruptura com 0 modelo taylorista e fordista caracteristico das empresas na primeira metade do século. As estruturas organizacionais rigidamente hierarquizadas dao lugar a um novo modelo de organizacao da producao, fundamentado no conhecimento, na utilizacio de tecnologias avangadas ¢ na flexibilidade das estruturas e das relagées de trabalho. Entretanto, hd autores que afirmam a continuidade do modelo taylorista-fordista ‘como modelo dominante de producio, nao havendo ruptura significativa nos prin pios que fundamentam a organizacao eo funcionamento das empresas, nem mesmo ‘no contetido das relagdes entre empregados e patroes. Nessa perspectiva, existe, 20 contrério, um aumento dos niveis de exploracdo do trabalho humano. Para compreendermos o sentido desse debate, vamos nos debrucar primero sobre a compreensdo do modelo taylorista-fordista de producdo, identificando suas caracteristicas fundameniais, para entao analisarmos o escopo das transformacées que atingiram esse modelo. Fordismo e Producao em Massa Osistema fordista de produgao tem como caracteristica a produgo em massa através de um sistema verticalizado, no qual a empresa dedica-se a um tipo de produto e domina desde a oferta de matéria-prima até os sistemas de transporte das merca- dorias fabricadas. Neste sistema, a empresa se organiza segundo prineipios buro- craticos: cada individuo ocupa uma posicdo claramente definida na divisio do trabalho e na cadeia vertical de comando. O operério inserido nesta organizacio 6 um especialista, voltado para uma tarefa tinica e dedicado a rotina de trabalho “previamente prescrita nas regras e procedimentos. Hé uma nitida piramide orga- Globalizagdo e Mundo do Trabalho 131 nizacional, com os operdrios na parte inferior e vérios niveis intermediarios de supervisao e geréncia, culminando tal estrutura no presidente da empresa situado no topo da pirdmide. Os empregados, em cada grau, tém atribuigdes especificas, prestando conta de seus trabalhos aos que estao imediatamente acima na hierarquia da corporacao. As decisdes de comando sao tomadas no mais alto nivel gerencial e transmitidas hierarquia abaixo (GOUNET, 1999), ‘A principal vantagem da produgio em massa encontra-se na redugo do custo unitério dos produtos. Esses efeitos podem ser observados na producio automobi- listica. Antes da produgdo em massa, os automéveis eram fabricados artesanalmente para os clientes, resultando em um preco final bastante alto para o consumidor. Os trabalhadores eram altamente qualficados e usavam ferramentas manuais na fabri- cago de cada automével, de acordo com as especificagées do comprador. A partir das inovagdes exploradas por Ford, na organizacio de mesmo nome, o sistema passou a produzir milhares de carros idénticos, padronizados e muito mais baratos. linha de montagem mével foi uma das principais inovacbes das fabricas fordistas: através dela, os carros em montagem eram levados diretamente aos operarios para que executassem suas tarefas especializadas, economizando tempo no processo de producio. Com esta estratégia, Ford conseguiu reduzir a metade 0s custos de fabri- cacéo do automével, tornando-o acessfvel a camadas populares nos Estados Unidos. O consumidor beneficiava-se de precos baixos em prejuizo da variedade. ‘A producio a um baixo custo foi combinada com estratégias de ampliacio do mercado consumidor, através principalmente da melhora do salério dos trabalha: dores. O salario minimo na fabrica de Ford era o dobro do salario médio pago na mesma época, e acompanhado de uma redugao da jornada de trabalho de nove para oito horas didrias. Por outro lado, o sistema fordista de producao tinha um pesado dnus. A espe- Gializagio do trabalhador, junto a utilizagao da tecnologia da linha de montagem, visava desenvolver ao maximo a produtividade do operrio, mas o confinava a uma rotina massacrante. Na esteira rolante, as pecas se deslocam automaticamente e som interrupcao, em direcio ao trabalhador para entao receber uma operagdo determinada, Nessas condic6es, 56 resta a0 operario permanecer fixo em seu posto de trabalho, seguindo um ritmo cadenciado na execucao de sua tarefa, ditado pela propria maquina. Seus movimentos sao mecanizados e desprovidos de praticamente todo contetido mental. Assim Ford descreve as operagdes na linha de montagem dos chassis dos automéveis “0 primeiro grupo de trabalhadores fixa-lhes os quatro suportes dos paralamas. Na décima operacao coloca-se o motor, e assim por diante. Alguns operdrios executam uma ou duas pequenas operacdes; outros fazem muitas. O que coloca uma peca nao a fixa; s6 depois de muitas operacdes é que isso acontece. Quem coloca o parafuso nao coloca a porea, o que pde a porca naoa fixa. Na operagio 34 0 motor recebe a gasolina, depois de previamente lubrificado; na operacio 44 enche-se de gua o radiador, e na 45, a tiltima, 0 carro pronto vai para John R. Street” (FORD, 1925, p. 108). O problema da rotatividade era grandena fébrica fordista. Ford utilizou aelevagio do salario como um recurso para combater esta e outras ameagas ao funcionamento do sistema. O salario de cinco délares por dia, cobigado na época, passow a ser atre~ lado a conformidade, por parte do operério e de sua familia, as “regras de digni dade e civismo”. Somente candidatos com o seguinte perfil estavam aptos a traba- Cov dh ‘3 Ihar na fabrica: homens casados, vivendo com a familia e cuidando dela; solteiros Te maiores de 22 anos, com capacidade de poupanca reconhecida; e mulheres que pr constitufssem o tinico suporte de um parente invélido, Foram criados mecanismos 132. Capitulo Treze de inspecio para averiguar como seus empregados gastavam seu salério e preen- chiam suas horas de lazer. As fungdes administrativas de planejamento e controle extrapolavam a esfera de producao nas fabricas para atingir a vida social dos trabalhadores que trans- corria fora da empresa, pois se tornava necesséria uma mudanga de valores e de atitudes para adaptar melhor o operdrio as necessidades produtivas do sistema de produg3o em massa. 13.3.1 As inovagoes do taylorismo. Além da linha de montagem, outro pilar dessa forma de produgio foi dado pelo taylorismo. Também chamado de organizagio cientifica do trabalho, este sistema surgiu no inicio do século XX, a partir dos estudos de Frederick Taylor, e significou um moyimento de racionalizacio do trabalho que ampliou de maneira significativa a produtividade do trabalho humano. ‘Taylor diagnosticou o problema da baixa produtividade na induistria como efeito da falta de padronizacao na realizacao de tarefas, o que gerava grande desperdicio de recursos. As novas maquinas trazidas pela Revolucio Industrial ampliavam a capacidade de trabalho, mas os trabalhadores nao eram mais produtivos do que antes. Com base na observagio ena experimentacao, realizou um estudo dos tempos emovimentos, por meio do qual identificou o padraio chamado one best way, ou “a ‘maneira certa” de executar cada tarefa: no tempo certo e de acordo com os movi- mentos mais adequados para tornar o trabalhador mais eficiente. No inicio do século, a idéia de Taylor revolucionou as fabricas que, naquele momento, ndo dispunham de planejamento quanto & organizacao do trabalho, pois 0s gerentes limitavam-se a estabelecer metas de producao sem delimitar uma metodologia para alcangé-las. Junto & determinagao de um padrio cientifico de trabalho, Taylor promoveu também outros principios de administracio: a selecio dos “homens de primeira classe”, ou seja, dos mais adequacios para suas respec- tivas tarefas; o treinamento desses homens para que se adaptem & maneira certa de realizar as tarefas; e a concessao de incentives financeiros para os melhores traba- Ihadores. Através destes principios, foi possivel para as fabricas adotar uma forca de trabalho que chegava despreparada para o trabalho industrial, tornando-a alta- mente produtiva em pouco tempo. Axeceita de Taylor para a eficiéncia industrial trouxe implicagdes importantes para a organizacao do trabalho. Na concepcao taylorista da organizacao do trabalho, 0 planejamento (determinacdo da maneira certa de executar as tarefas), a preparacao (selecao ¢ treinamento do trabalhador) e 0 controle (verificagaio do cumprimento da tarefa) sio as atribuigdes da geréncia; enquanto a execugao—e somente a execugio —deve ficar a cargo dos operérios. Portanto, concepcao e planejamento das tarefas, de um lado, e execugao, de outro, tornam-se etapas distintas do processo de trabalho, devendo ser realizadas por diferentes figuras dentro da empresa. Desta maneira, 0 trabalho intelectual de pesquisa, desenvolvimento e criagio foi separado do chao- de-fabrica ¢ atribuido exclusivamente aos gestores. O padrio de relagdes sociais na fabrica foi também alterado. Os prémios por producao acirraram a competicao entre os trabalhadores, havendo também uma quebra do sistema de comunicagio mantido até entao pelos operdrios, que trocavam informages e “ensinamentos” acerca de seu trabalho. A partir do método cientifico proposto por Taylor, as técnicas de execucao das tarefas ficaram sob o dominio dos “cientistas do trabalho” — os administradores que determinavam “a maneira certa” de fazer as coisas (RAGO; MOREIRA, 1988). Isto representou uma mudanga impor tantena estrutura organizacional, uma vez que o conhecimento dos gerentes profis- Globalizaggo e Mundo do Trabalho 133 sionais tornou-se fundamento importante das relagdes de autoridade na fabrica. O modelo fordista-taylorista de produgao dominou as grandes empresas americanas ¢ curopéias durante os trés primeiros quartos do século XX. 13.4 Do Ford ismo a Producao Flexivel Na explicagao das transformacSes que atingiram a organizagao fordista-taylorista, 0s fatores mais freqientemente apontados indicam wm conjunto de transformagbes nas condigies de mercado, nas tecnologias e nos valores referentes ao trabalho e empresa (KOVACS, 2001). ‘Com a abertura de mercados, as condigdes de negécios tornam-se mais insté- vveis, A concorréncia entre as empresas se acirra ¢ a demanda por bens de consumo torna-se mais diversificada, exigindo que as empresas se adaptem mais rapida~ mente as mudangas e respondam as exigéncias diferenciadas dos varios segmentos de mercado. ‘Nos anos 1960, a economia americana dominava o mundo. Cerca de 500 corpo races gigantes produziam metade do produto industrial nos EUA e empregavam 12% da forca de trabalho. Nos anos 1970, 0 mercado saturou-se de bens de consumo ea concorréncia estrangeira pelos mercados americanos aumenton significativa- mente. As empresas procuraram novas maneiras de cortar custos e aumentar 05 Juctos, recorrendo as novas tecnologias de informagao. A produtividade continuava, contudo, aumentando apenas 1% ao ano. ‘Os avancos tecnologicos eram promissores em termos de eficiéncia de custos e de produtividade, mas exigiam novas formas organizacionais e novas competéncias Gos trabalhadores para que fossem aproveitados de maneira eficaz. As estruturas organizacionais tornaram-se antiquadas para acomodar as novas tecnologias. As empresas estavam estruturadas para produzir e distribuir bens e servigos na era do transporte ferrovitio e da comunicagao telefnica e postal, tommando-se incon- gruentes com a velocidade com que passaram a ser processadas as informagoes na exa do computador. ‘Outro fator em mudanea diz respeito As caracteristicas da forca de trabalho, cujo perfil se tornou incompativel com a estrutura da producao em massa. Com ‘9 aumento da escolarizacio, sobretudo nos paises desenvolvidos, os individuos passaram a portar novos valores ¢ aspiragbes, tais como maior autonomia, partici- pacao em decisdes e desenvolvimento pessoal, valores incompativeis com o modelo Higido da organizacio fordista. As mudangas iniciadas a partir dat flexibilizaram tanto a estrutura da produgao quanto as telagdes de trabalho, caracterizando um modelo chamado de especializacao flexivel. 13.4.1 Toyotismo ‘Aascensio econémica do Japao foi um importante sinalizador das mudancas no sistema produtivo. As grandes empresas deste pais fundamentaram seu crescimento em uma nova organizacao do trabalho e em um novo tipo de negociacéo em torno dos ganhos de produtividade, que ficou conhecido como toyotismo. (© toyotismo foi desenvolvido por Taiichi Ono, engenheito da Toyota que, nos anos 1970, promoveu um conjunto de inovagies organizacionais to importantes quanto aquelas trazidas por Ford e Taylor na primeira metade do século XX. Porém, éenquanto o fordismo se desenvolveu em um perfodo econdmico de expansio, sendo por isso adequado ao incremento das quantidades, 0 toyotismo procurou resolver 6 problema da elevagao da produtividade em tum ambiente de negécios no qual as quantidades ndo se elevavam. Quando a demanda no cresce de forma significativa, 134 Capitulo Troze adlvém 0 risco da acumulagao de estoques por falta de compradores, estoques estes que trazem grande custo para as empresas. De acordo com Ono, era preciso reduzir a fabrica ao minimo, eliminando o excesso de pessoal e de equipamento. Ao contrério do sistema fordista, que funcionava com base no sistema justin (elevados estoques de materiais e de equipamentos necessérios ao funcionamento quase continuo da Tinha de producao), o toyotismo fundamenta-se no sistema just in time, que objetiva produzir uma gama mais variada de produtos na exata medida em que sao demandados. “Por trds do just in time existe uma organizacao da produgao que funciona ao contrario do fordismo. Sob este, uma empresa produz o maximo possivel, acumulando estoques. Em seguida, vende seus produtos, aproveitando-se da extensao do mercado. Porém este método revela-se ineficaz no caso de estag- nacdo da demanda. O toyotismo permite que se produza apenas aquilo que se demanda. E 0 mesmo prinefpio do supermercado: ali o consumidor apanha nas géndolas 03 produtos que Ihe convém, em seguida a loja volta a suprir as g6ndolas, ¢ assim por diante. O mesmo método é aplicado a produgao auto- mobilistica: 0 cliente compra um carro do tipo A; a revendedora encomenda uum veiculo do mesmo tipo a montadora que o produz; esta emprega as pecas necessarias, que serdo a seguir substitufdas, fornecidas pelas induistrias de autopecas etc. Existe portanto um fluxo da ordem de fabricacao que vai do inicio ao fim da cadeia” (GOUNET, 1999, p. 66). Este modelo de produgio, também conhecido como produgio enxuta, utiliza maquinas sofisticadas e automatizadas e reduz drasticamente a tradicional hierar- quia gerencial, substituida pelas equipes de trabalhadores multiqualificadas. A versatilidade em varias tarefas no processo de producao da a cada trabalhador maior compreensio do proceso de fabricacao global, permitindo a identificagdo de problemas e a apresentacdo de sugestées para seu aperfeicoamento. Para ajudar os trabalhadores a perceberem como seu trabalho se encaixa no proceso de producio global, as empresas japonesas dao aos seus funcionérios acesso as informa: computadorizadas geradas na empresa. Os engenheiros, programadores e operé- rios interagem face a face, compartilhando idéias e tomando decisées conjuntas. Hi um aproveitamento da capacidade mental e da experiéncia pritica de todos os envolvidos no processo de produgio. A produgao se dé em grande quantidade, porém variada. A idéia da “producao enxuta” descreve bem este sistema que consome menos recursos quando comparado 4 producao em massa: metade do esforco humano, do espaco e do estoque. A propria fabrica ¢ 0 laboratério de pesquisa, onde a combi- nacdo das experiéncias de todos é utilizada para fazer os ajustes na producao. A ‘engenharia cooperativa, como se tornou conhecida, baseia-se no conceito de que todos os envolvidos em projeto, producao, distribuicao, marketing e vendas de um novo produto devem participar de seu desenvolvimento, para assegurar que as necessidades especificas de cada departamento sejam levadas em consideracao e que as dificuldades potenciais sejam identificadas antes do inicio da producao. Oconceito de aperfeicoamento continuo, ou kaizen, é 0 elemento-chave do método toyotista. Ao contrario do modelo americano, no qual as inovagées sao lentas e espo- radicas, 0 sistema de produgao japonés incentiva mudangas e aperfeicoamentos constantes como parte das operagdes diarias. As equipes de trabalho na fabrica tém mais liberdade sobre o processo de produgao: se uma maquina quebra ou a linha de montagem reduz 0 ritmo, os préprios trabalhadores consertam 0 equipamento e desobstruem os gargalos do processo, sem que sejam necessérias as notificacdes aos supervisores e as convocagbes de técnicos para consertar 0 equipamento, proce- Globalizagio ¢ Mundo do Trabalho 138 dimentos tfpicos do modelo fordista. A produgao japonesa é just in time, ou sem. cestoques, baseada em rigoroso controle da qualidade que visa evitar problemas potenciais antes que provoquem paralisacao maior no processo de producao. Os computadores permitem que se possa negociar direta ¢ instantaneamente com forne- cedores, assegurando estoques just in time. Nenhum posto de trabalho possui estoque para mais do que uma hora de produgao. A organizacio social do toyotismo apoiou-se no emprego vitalicio e na remu- neracdo por antiguidade, ou tempo de servigo. O primeiro vincula 0 operdrio empresa e o segtindo Ihe permite subir na hierarquia. O operério se envolve na producio conforme a direcao Ihe exige ¢, em contrapartida, recebe uma formago que lhe permite ascender na empresa. Gracas a qualificacao fornecida pela empresa, cle pode galgar escaldes e atingir postos melhores. Trata-se de um sistema no qual o operario recebe vantagens conforme seu maior engajamento em favor da empresa. ‘A partir do toyotismo foi possivel atender a uma demanda de mercado diversifi- cada e promover maior participagao dos trabalhadores na gestao da produgao. Seus métodos de producao permitem respostas mais répidas ds mudancas do mercado, pois atribuem maior poder e responsabilidade as equipes de trabalhadores na producao. O resultado é uma estrutura organizacional que tira melhor proveito do potencial dos recursos tanto humanos quanto tecnoldgicos. Teme eo nserver iral Outro aspecto da estrutura fordista que sofre mudanga é a cadeia vertical de producto, Uma ver. que a producao deve ser feita segundo o gosto dos clientes, adaptada as necessidades especificas, mutdveis e diversificadas do mercado, a estrutura da cadeia produtiva deve ganhar em flexibilidade de modo que o sistema seja mais dgil em sua capacidade de responder a essas novas oportunidades. [As grandes empresas, em disputa por mercados globais, fracionam suas cadeias produtivas, de modo que as varias etapas de producao dos bens nao s40 mais executadas por uma tinica empresa. Na producio flexivel, ha a fragmentacao € a dispersdo do processo de producdo por varias empresas que podem estar loca- lizadas em qualquer ponto do mundo onde as condigdes sejam mais adequadas —sobretudo em termos de custos — para o desenvolvimento de cada uma das etapas desse processo de producio. Por meio de franquias, processos de terceirizacio ¢ de subcontratagio, as grandes empresas abrem espaco para pequenas ¢ médias empresas que, ao se associarem aos sistemas flexiveis destas corporagées, assumem novos papéis, porém mantendo-se subordinadas as decisdes estratégicas das megaempresas. Os segmentos do processo de producao que utilizam trabalho de baixa qualificacio para tarefas padronizadas tém sido deslocados para paises nos quais este fator 6 abundante e barato, em geral paises do Terceiro Mundo, Jé os segmentos que envolvem deciséo estratégica, além de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, permanecem nos paises desen- volvidos. Outro aspecto da flexibilidade deste novo modelo de producio diz respeito ao perfil da mao-de-obra requisitada pelas empresas. O sistema exige que os trabalhadores sejam polivalentes, ou capazes de se adaptar a diversas funcoes, pois a posigio de cada empregado na cadeia de produgo nao € mais fixa, e as mudancas de cargos e de fungdes podem ocorrer em tempo muito curto. sistema produtivo precisa funcionar de maneira mais agil, para permitir as inovagdes necessarias e atender as exigentes demandas de mercado. Somente um sistema composto de trabalhadores que compreendem a logica do fancio- 136 Capitulo Treze namento da produgao, e que podem intervir nele de maneira mais auténoma e reflexiva, pode funcionar dentro dessas caracteristicas. Por esta razao, a natureza do trabalho 6 também modificada nesse processo, tendendo a tornar-se cada vez menos bracal e mais intelectual. Ahierarquia gerencial extensa e burocratica, tipica da fabrica fordista, cede lugar a uma nova forma de distribuigao de poderes e responsabilidades, na qual os traba- Ihadores participam da anélise e da correcdo das instrugdes de trabalho, dimensies antes sob controle exclusivo dos gerentes. Por todas essas caracteristicas, 0 distintas do paradigma taylorista-fordista, o novo modelo de producao é classificado por ‘uma corrente de estudiosos como pés-fordista (KUMAR, 2001). Se no paradigma taylorista-fordista a inovagao e o desenvolvimento das capaci- dades criativas humanas nao eram requeridos, no paradigma pés-fordista, assentado em novas tecnologias de produgio e informacio, o conhecimento, a criatividade ea capacidade do trabalhador de tomar decisdes em sua esfera de atividades tornam-se cruciais para o funcionamento do sistema, exigindo desse trabalhador mais instragio € aperfeicoamento continuo para sua insergao no processo produtivo. 13.5 Problemas Sociais do Pés-fordismo ‘Tomando como modelo a produgao enxuta no Japao, as grandes empresas comegaram a introduzir suas proprias modificagdes na estrutura organizacional. Sob o titulo amplo de reengenharia, as organizac6es promoveram ampla gama de mudangas, achatando suas tradicionais piramides organizacionais e delegando certos niveis de responsabilidade pela tomada de decisio as equipes de trabalh Uma das conseqiiéncias mais polémicas desse proceso é a climinagao de postos de trabalho. Parte significativa do trabalho néo-qualificado e semiqualificado desa- parece coma introducao de novas tecnologias. Certas posicées da hierarquia corpo- rativa também sao ameacadas de extincdo, sobretudo as posicées de geréncia média, em favor da reorganizacio dos funciondrios em equipes de trabalho auténomas ¢ multifuncionais, deixando para trés os demorados tramites burocraticos requeridos pelos varios niveis de autoridade hierarquica. As novas estruturas organizacionais tem representado para as empresas ganhos de produtividade, mas significam, por outro lado, que a economia global pode produzir cada vez mais empregando um percentual cada vez menor da forca de trabalho. Em torno das consequiéncias desta nova realidade, abre-se um debate: estamos diante de sinais de uma era na qual os seres humanos estarao liberados de uma vida de trabalho arduo e burocratico, ou, ao contrario, estamos prestes a ingressar em um futuro sombrio de desemprego em massa e pobreza generalizada, abrindo caminho para uma grave crise na sociedade? A possibilidade de vivermos em um mundo sem trabalho nos desafia a repensar os modos de organizacao da vida em sociedade. Pea eect cenusies No século XX, 0 avancos tecnolégicos e as conquistas sindicais pareciam anunciar ‘um tempo em que as pessoas estariam trabalhando menos, produzindo mais e dispondo de mais tempo para o lazer. Para muitos pensadores, a nova “sociedade da informacao” nao representa apenas um novo modo de producao, como também, um novo estilo de vida. Stonier (apud KUMAR, 2001) destaca a capacidade das novas tecnologias de disseminar informacio por toda a sociedade, o que tenderia a tornar as pessoas mais, atentas e culltas. Diz Stonier que, em uma sociedade em que a informacdo é ampla- Globalizagio e Mundo do Trabalho 137 mente acessfvel, é impossivel a sobrevivencia de uma ditadura, jf que 0s fluxos de informacéo nao podem mais ser controlados a partir de um tinico centro, Ja Masuda (1982) descreve a sociedade de informagao do século XI como uma “computopia”: uma sociedade isenta de poder centralizado, e que tem como micleo comunidades voluntérias nas quais a automacao liberta quase inteiramente os homens da neces- sidade de trabalhar. De Masi (1999) também destaca o potencial libertador contido na constante inovagao tecnolégica, mas ressalta a necessidade de preparacao da sociedade para lidar com uma nova realidade: suprir a humanidade dos bens e servigos de que ela precisa, com um uso minimo de trabalho humano. Sera entao necessario criar novos principios para a divisdo social do trabalho ¢ principalmente para a distri- buigio de riquezas, tendo em vista que um niimero cada vez menor de pessoas estaré envolvido na produgao dos bens que necessita consumir. O autor aponta anecessidade de uma profunda mudanga politica e cultural na sociedade, para evitar que 0 futuro paradisiaco prometido pelos avancos tecnoldgicos se torne um pesadelo social, no qual a populacao, até mesmo nos paises avangados, termine dividida em dois pélos: de um lado, trabalhadores hiperocupados até o limite de seu total desgaste, consumindo quase todo 0 seu tempo de vida em seus oficios; e, de outro, os desempregados totalmente excluidos do mundo da produgao e da sociedade. O chamado desemprego estrutural, resultante da diminuicao constante dos postos de trabalho na economia, tem sido apontado como um dos mais espinhosos problemas da era da globalizacao. Keynes (1986) cunhou, no inicio do século XX, Oo conceito de desemprego tecnolégico para descrever a situagao na qual a desco- berta de meios de empregar a tecnologia para economizar mao-de-obra 6 muito mais veloz do que a descoberta de novos usos para a mao-de-obra descartada nesse proceso, Como conseqiténcia disto, a quantidade de postos de trabalho destruidos pela tecnologia é maior do que a quantidade de postos criados. Rifkin (1995) procura demonstrar a aplicabilidade da tese de Keynes, estudando a hipétese de que a introdugao de sofisticadas tecnologias, associadas a ganhos de produtividade, torna a economia global capaz de produzir cada vez mais bens ¢ servigos empregando um percentual cada vez menor da forca de trabalho. De acordo com o autor, o fenémeno do desemprego que, no inicio do século XXL, atinge cerca de 1/5 da populagao mundial, deve ser atribuido, principalmente, aos avancos tecnolégicos que substituem o trabalho humano por méquinas. Os avangos tecnol6gicos continuamente incorporados pelas empresas tém prove- cado 0 deslocamento da mao-de-obra desde o inicio do século XX, quando 0 setor industrial absorveu parte dos milhdes de trabalhadores agricolas que perderam seus meios de trabalho com a mecanizacao da agricultura. J& entre as décadas de 1950 e 1980, o setor de servicos cresceu rapidamente, alocando operarios demi- tidos da indiistria em funcao da automaco. Mas, ao final do século XX, nenhum, setor cresceu de modo significativo para absorver os milhdes de demitidos do setor terciario, Os postos de trabalho criados neste processo, além de nao corresponderem & demanda de emprego, exigem um perfil de qualificacto que ¢ dificil de ser alcancado porboa parte dos trabalhadores do mundo. Os empregos gerados tendem a absorver principalmente a chamada “elite do conhecimento”, composta por profissionais das areas de ciéncia, administracdo, engenharia, consultoria, marketing, média, entre outros profissionais cujos niveis de qualificacio e de formacéo educacional sio elevados. A lacuna entre o nivel educacional e profissional dos que precisam de emprego e as qualificacdes exigidas pelos novos postos de trabalho torna-se um, problema social. Como alternativa a este quadro, Rifkin (1995) aponta a reducao 138 Capitulo Treze da jomada de trabalho e 0s investimentos no terceiro setor, estratégias que acredita serem capazes de fomentar a geracdo de empregos. O debate sobre os efeitos da tecnologia no processo de trabalho, entretanto, néo esta concuido. Efeitos positivos da tecnologia sobre o desenvolvimento econémico so apontados para contrabalancar o debate. De acordo com Pastore (1998), novas tecnologias podem reduzir 0 preco dos bens, criar novos produtos e tornar neces- sirios novos trabalhadores, gerando dessa forma novos postos de trabalho. Esses efeitos positives, contudo, $6 se fariam sentir em ambientes caracterizados pelo bom nivel educacional da forca de trabalho e por leis trabalhistas flexiveis que esti- mulem as atividades econémicas. Argumentos como estes baseiam-se em estudos que verificam as diferencas entre os niveis de emprego dos paises que utilizam intensamente novas tecnologias, apontando uma clara vantagem para os paises em. que estas caracteristicas esto presentes. ieee accurate ences tenis Estudos que analisam os efeitos sociais do modelo de prociuggio flexivel tem apon- tado a existéncia de uma ”“ precarizagio” das relagdes de trabalho, construindo um. cenario em que as empresas encontram muita facilidade para estabelecer contratos de trabalho temporérios ou de tempo parcial, com poucos beneficios sociais garan- tidos. ‘Comas possibilidades abertas pelas novas tecnologias de informacio e de comu- nicac&o, nao apenas a comercializacdo de produtos ultrapassa as fronteiras nacio- nais (sistema ja utilizado pelas empresas multinacionais), como também o proprio proceso produtivo, quese fragmenta por diversos paises. Segundo esse modelo, utili- zado pelas empresas chamadas transnacionais, as etapas operacionais do processo produtivo sao deslocadas para as regides de baixo salario do mundo, enquanto as fungdes de natureza estratégica permanecem nas metrSpoles dos paises avancados (OHNSON, 1997). Desta forma, o projeto de criagao de um produto é definido em ‘um pais, as pecas que o compéem sao fabricadas em outro, a montagem é realizada em um terceiro pais e o produto final 6 vendido em um outro mercado. ‘As empresas transnacionais tendem a transferir etapas produtivas para paises ‘em que 6 mais frégila fiscalizacao ambiental e mais baixo onivel de politizagao dos trabalhadores, obtendo assim uma redugdo de incémodas pressbes politicas e sociais. © aumento da pressao sindical nas economias desenvolvidas, como Alemanha ¢ Franea, foi um dos fatores deter minantes para o deslocamento de parte das ativi- dades das empresas que operavam nesses paises para regiSes mais pobres, nas quais 05 movimentos sindicais encontram-se menos articulados. Este novo modelo de negécios, com grande potencial de flexibilidade, também permite as empresas deslocar o peso de encargos sociais trabalhistas para outras empresas terceirizadas ou subcontratadas. Para isso valem-se das mais variadas formas de contrato de trabalho. Como observa Dupas (1999, p. 78): “Ao contrario das multinacionais — que tendiam a reproduzir as relagdes de trabalho observadas nas matrizes —, as transnacionais, além de fabricarem dife- rentes partes do produto em diferentes paises, o fazem sob contratos de trabalho variados. Onde lhes é conveniente, usam mao-ce-obra familiar e pagam por peca; outras vezes, contratam nos moldes convencionais de trabalho — com estabilidade, beneficios e garantias. Em outros paises preferem ainda utilizar mao-de-obra em tempo parcial, com contratos mais precdrios ou terceirizando parte de suas atividades; ao fa7é-lo, transferem para terceiros a responsabili- dade da contratacao e das relagGes com os trabalhadores que, de outra forma, estariam sob sua ordem e responsabilidade.” Globalizagio e Mundo do Trabalho 139 ‘Como conseqiiéneia desse proceso, configura-se uma divisio na forga de trabalho entre, de um lado, um micleo de trabalhadores com empregos permanentes, quali- ficados e bem pagos e, de outro, uma periferia de empregados temporarios, pouco especializados e sem nenhuma seguranca no emprego, existindo, ainda, uma grande parcela de pessoas atreladas as ocupacdes informais, ocasionais ou saz0- nais (KOVACS, 2001). ‘Outra conseqiiéncia que se reflete no mercado de trabalho é a permanéncia da segmentacdo por sexo, raca e idade. Segundo Dupas (1999), hé uma nitida divisio sexual do trabalho na nova economia: onde é maior a exploragao do trabalho manual, concentram-se as mulheres; onde ha presenca de tecnologia avancada, predominam, os homens, Quando nao sio as mulheres a ocupar a base desta piramide, so os negros, e quando nao sao os negros, sao os imigrantes, desenvolvendo-se desse modo uma cadeia de estratificacao social extremamente desigual. Ha também o fenémeno da exclusio dos jovens que, quando se formam, tém espaco reduzido no mercado de trabalho, além das pessoas que, apés ficarem desempregadas aos 40 anos, enfrentam muitas dificuldades para se recolocar no mercado. ‘A situacao de desamparo social é agravada pelo fato de que o Estado reduz sua fungao social de atender as demandas coletivas por educacao, satide, entre outras necessidades sociais. Nesse quadro, estaria emergindo um novo paradigma de emprego — flexivel, precirio, desprovido de estabilidade e de garantias sociais —, descaracterizando 0 trabalho como categoria central da sociedade, fazendo-o reduzir seu papel de provedor de renda, identidade e integra¢ao social dos individuos. Na rede de empresas que constituem os sistema de produgio flexivel, estaria bem marcada a divisio entre as empresas centrais, que concentram as fung6es estra~ tégicas, e as empresas periféricas ou subcontratadas, que se ocupam das ctapas operacionais. Nas empresas centrais, consolidam-se 0s principios pés-fordistas de organizagio, predominando 0 “trabalhador do conhecimento’’: qualificado, bem. remunerado, exercendo suas fungSes com grande autonomia e criatividade e desfru- tando de perspectivas quanto ao desenvolvimento profissional. Ja nas empresas subcontratadas, as fungdes de controle e direcao estao reduzidas a um pequeno nicleo, predominando trabalhos rotineiros, pouco qualificados e de baixa remu- neracdo, com niveis de autonomia e de criatividade nao muito diferentes daqueles encontrados no sistema taylorista. Vistos dessa perspectiva, os novos modelos de producao ainda guardam marcas, firmes dos padroes fordistas-tayloristas, s6 que deslocados do interior da organizagao para a esfera das relacdes entre as empresas que compdem as redes de producao, Criando uma divisio entre empresas que concebem e empresas que executam. ees De acordo com Kovacs (2001), a expansao de empregos precarizados compromete a propria necessidade da empresa de se apoiar em recursos humanos motivados e integrados aos objetivos da organizacio. Embora o fator humano esteja sendo destacado como fator de competitividade nas organizagdes, as empresas, sob a pressio de mercados altamente competitivos, optam por praticas de flexibilizacio do trabalho, que criam bareiras para a construgio de um sentimento de pertenei- mento a organizacdo e de envolvimento com os objetivos da empresa. Diante de contratos de trabalho instaveis e precérios, criando um ambiente de incertezas quanto ao emprego, as relagdes ce confianca e de compromisso a longo prazo entre empregadores e empregados ficam comprometidas. Em tais contextos, as, empresas encontram dificuldades para motivar e garantir o desempenho constante 140. Capitulo Treze de seus colaboradores, criando-se um dilema: como um funcionério que se sente totalmente inseguro em relagdo ao seu emprego pode ser mobilizado para “vestir acamisa da empresa”? Nesse contexto, o empenho dos trabalhadores na realizacéo de suas tarefas pode ser visto mais como resultante da pressio pela “empregabili- dade” do que da satisfacao com as condigdes de trabalho. Problemas quanto & rotatividade de funcionarios, além do predominio do prin- cipio de produzir mais com menos pessoas, podem resultar na perda de conheci- mentos tacitos obtidos pelos funcionarios ao longo de anos de experiéncia profis- sional, reduzindo a capacidade dos trabalhadores de desenvolverem suas compe- t€ncias, ja que ndo permanecem muito tempo na mesma tarefa, tampouco na mesma empresa. Os trabalhadores que permanecem nas organizacées apés processos de reestruturagdo ou de reengenharia, que resultam em cortes significativos no quadro de funciondrios, tém de dar conta das novas responsabilidades e desenvolver 0 chamado perfil multifuncional para responder as mais variadas necessidades da ‘empresa, antes divididas entre um numero maior de empregados. Mais uma ve7 a pressio para se manterem empregadas obriga as pessoas a se ajustarem a esta nova realidade. Para estes problemas que afetam as sociedades na era global, muitas vezes tém se apresentacio solugdes de cunho individualista. E muito marcante no ambiente empresa- Hala idéia de que cada trabalhador deve se tomar “empresario” desua propria carreira, investindo permanentemente em sua qualificagio, adotando cada vez mais atitudes proativas e responsabilizando-se totalmente por sua propria empregabilidade. 13.6 Barreiras para um Mercado Global de Trabalho Segundo Castells (1999), a existéncia de uma economia global néo garante por si 86 um mercado de trabalho e uma forca de trabalho globais. Embora o capital flua com liberdade nos circuitos eletronicos das redes financeiras do mundo, o trabalho encontra-se delimitado por fronteiras econdmicas, politicas ¢ culturais. Hé de fato um mercado global para uma pequena parte da forca de trabalho composta por profissionais altamente especializados, que atuam em areas avancadas das ativi- dades empresariais, como pesquisa e desenvolvimento, engenharia ¢ administracio estratégica. Porém a maioria esmagadora da forca de trabalho, tanto dos paises desenvolvidos quanto dos paises em desenvolvimento, permanece presa 4 nacio. ‘Uma parte significativa dos trabalhadores do mundo ainda trabalha em areas rurais. Portanto, & parte os profissionais especializados na geracéo do conhecimento, nio ha um mercado de trabalho global e unificado. O mais correto, segundo 0 autor, seria falar em uma interdependéncia global da forca de trabalho, jé que o comércio internacional e os efeitos da concorréncia global ‘8m poderoso impacto sobre o emprego e as condicdes de trabalho de cada pais. Uma parte da forca de trabalho, embora nao se desloque, também se encontra inteprada as redes mundiais através de empresas subcontratadas pelas transnacionais. Talvez nao se possa falar de uma ‘globalizacao’ capaz de integrar todas as socie- dades e garantir o actimulo de riquezas e a melhora geral das condicées de vida para todas as nacées que ingressam neste processo. O problema da insergio de trabalhadores sem instrugao e sem qualificagao tornou-se critico em um mercado de trabalho competitive e restrito, no qual a exclusao social tende a ser uma conse- giténcia drastica e um dos mais desafiadores problemas sociais desta era. A“valorizacao do capital humano”, apontada por muitos especialistas como uma das principais conseqiiéncias de uma era na qual as pessoas ¢ 0 conhecimento que elas produzem se tornam diferenciais competitives das empresas, nao fica imune a todas essas desigualdades sociais. Globalizagioe Mundo do Trabalho 141 Nao restam dtividas de que, desde 0 advento da Revolugéo Industrial, a nova classe de trabalhadores surgida obteve importantes conquistas sociais. Masa questo que parece perturbar os debatedores das questdes sociais é: a partir de que momento as perdas decorrentes da desvalorizacdo do trabalho superam essas conquistas? Caso para Reflexao A Nike em seu Contexto Social Durante a década de 1990, a Nike, uma das maiores corporagdes globais do ramo de mate- riais esportivos, sofreu uma enxurrada de criticas por conta de sua relacio com fébricas terceirizadas e subcontratadas que empregavam mao-de-obra infantil. ‘Amidia ocidental, naquele perfodo, divulgou amplamente acusacées, vindas de sindi- catos, movimentos antiglobalizacao e organizagSes ndo-governamentais, de que algumas dessas fabricas, além da exploracdo do trabalho de crianeas ¢ de mulheres, praticavam salatios extremamente baixos, jornadas desumanas de trabalho, além de castigos fisicos para empregados que descumpriam regulamentos de trabalho. As condigoes dos empre- gados das fabricas localizadas em paises pobres, como Bangladesh, Indonésia, Paquistao e Camboja, entre outros, foram descritas como piores do que as dos operarios na primeira fase da Revolucao Industrial. Por conta dessas dentincias, a empresa sofreu com a queda de ‘suas ages na Bolsa e processos judiciais que the custaram mais de 1 milhao de délares. 'A\Nike respondeu as criticas com uma série de mudangas em seus cddigos de condutae com uma nova posttira em relacéo a responsabilidade social corporativa, tentando dlesas- sociar a imagem da empresa dos terriveis abusos cometidos contra os trabalhadores. A empresa assinot o “Pacto Global” (assumindo compromissos com a protecio ambiental ©. promocao de direitos humanos e trabalhisias) ¢ estabeleceu que criangas menores de 16 anos nao poderiam trabalhar nas fabricas contratadas, montando uma equipe mundial ‘para fiscalizar as condic@es de trabalho nessas empresas. Entretanto, a Nike estava envolvida em apenas uma parte das condigdes gerais de pobreza e de exploracdo sofriddas por esses trabalhadores em seus paises. A maior parte ‘da mao-de-obra infantil nessas economias ¢ empregada em tarefas pesadas em fazendas, ‘em trabathos domésticos ou em sistemas produtivos locais. Nessas condigdes, 0 trabalho nas fabricas contratadas da Nike significava para aquela populagao pobre uma alterna- tiva a condigées ainda piores de existéncia. ‘A grande leva de mulheres jovens empregadas nessas fabricas explica-se, 6 claro, pelos salarios baixos que recebem e por sua atitude disciplinada, o que as torna candidatas bem adequadas para o trabalho operario. Por outro lado, por meio de seus empregos, essas mulheres acabam ganhando uma oportunidade de escapar das relagées familiares tradi- cionais e machistas que imperam nessas culturas. ‘Alguns efeitos nao previstos das atitudes tomadas pela Nike para defender sua imagem smostram quanto é complexa a situagao social que envolve a empresa. A exigéncia de que as empresas contratadas paguem 0 estudo de criancas trabalhadoras nao foi suficiente para manté-las em um sistema de ensino ruim e extremamente carente de recursos. Além disso, 0 sistema de fiscalizagao das fabricas mostrou-se insuficiente, tendo em vista a grande quantidade de terceirizadas e subcontratadas que compiem a complexa rede de empresas formada em torno da grande corporagio (LITVIN, 2003). Nesse contexto bastante dificil de ser controlado, mesmo tendo em vista o poder de ‘uma empresa como a Nike, os escdndalos se repetiram. Em 2001, empregados de uma fabrica contratada localizada no México acusaram a empresa de pressionar e demitir lideres trabalhistas. 142. Capitulo Treze Chamar a atencdo para 0s contextos sociais mais amplos em que atuam as empresas 1nio significa defender que as grandes corporacdes nao devam ter responsabilidade para com os empregados das fabricas terceirizadas, ou que néo devam tentar coibir a pratica de abusos trabalhistas, mas admitir que, sozinhas, as empresas nao serdo capazes de jesolver todas as questdes sociais que as afetam. A responsabilidade social empresarial é apenas parte de uma complexa rede de iniciativas necess: sociais tao graves, jas para combater problemas

Vous aimerez peut-être aussi