Vous êtes sur la page 1sur 4
2ov0s2017 Fazer viver ¢ deixar morrar: as sociedades modernas @ a lipologia de seus poseres attics —— articles Seino SIE Revista Brasileira de Ciéncias Sociais services on Demand On-line version ISSN 1806-9053 Journal Rev, bras. Ci Soe. voL1S no.44 Sao Paulo Oct. 2000 ih; SCELO Analytics http://x-dol.org/10.1590/50102-69092000000300013, {iy Google Scholar HEMS (2016) "Fazer viver e deixar morrer": as Article sociedades modernas e a tipologia de Porguese psn seus poderes @ Portuguese (end) 2) Atite in xml format [B Atile references Michel FOUCAULT. Em defesa da sociedade. Traducéo de Maria Ermantina Galvao. S30 Paulo, Martins Fontes, 1999. 382 paginas. (2) How to cite tis srtite [iby SciELO Analytics eee <@ Curriculum Scien! Marcio Alves Fonseca P Automatic translation Indicators Qual poderia ser 0 objeto de um livro em que so discutidos temas que vBo elated links da critica aos saberes ditos "cientificos" a andlise do modelo de poder representado pela soberania, da abordagem de diferentes formas de escrita Share da historia a discussao do tema da guerra entre grupos e "nacGes", da analise dos mecanismos e estratégias de poder na atualidade & descricdo dos fundamentos do racismo? Talvez seja um livro no de um Unico objeto, mas de muitos. Talvez néo seja exatamente um livro, apesar de ser apresentado como tal, pois trata-se propriamente de um curso de Michel Foucault, ministrado em 1976. Em defesa da sociedade € o primeiro curso do filésofo a ser publicado, dentre os treze que ministrou como professor do Collage de France entre 1970 ¢ 1984, More P Permalink Seguindo a forma de um curso, 0 texto divide-se em 11 aulas (que eram ministradas semanalmente entre os meses de janeiro a marco de cada ano), em que se deve procurar menos pelo rigor na construcéo de uma tese central que pelos movimentos de formulag3o de uma série de problemas e questdes. O que nao significa, de forma alguma, falta de consisténcia teérica, Ao contrério, nas aulas que compdem o curso o autor faz uma anélise aprofundada dos temas jé citados, e de varios outros, fundamentando-se numa vasta bibliografia de referéncia e preocupando-se em estabelecer correlacdes, demonstrar encadeamentos. O leitor nao tera dificuldades em localizar-se quanto 20 problema abordado em cada aula, inclusive em sua continuidade ao desenvolvimento da aula anterior. Neste aspecto, percebe-se a acuidade do senso didatico-pedagégico do "professor" Michel Foucault. Observa-se apenas que o livro deve ser lido atentando-se para o ritmo que Ihe préprio, o ritmo de um curso. E neste sentido, talvez mais do que lido, este trabalho deva ser “ouvido", e suas reflexdes e provocacées recebidas como que no &mbito de uma discussao. © curso foi ministrado entre a publicacdo de Vigiar e punir (1975) e de A vontade de saber (1976). Nos dois livros, 0 que est em jogo ¢ 0 tema do poder em seus mecanismos de intervengo e de constituicdo da subjetividade moderna, E igualmente a discussao acerca de um modelo estratégico para a anilise das relacdes de poder que estd presente no conjunto das aulas de Em defesa da sociedade, Logo no inicio do texto, a referéncia & atividade genealégica como a atividade que faz os saberes locais, descontinuos € ndo-legitimados, atuarem contra os efeitos de poder centralizadores de um discurso cientifico, que requer para si o estatuto de conhecimento verdadeiro, serve para localizar o curso em relacdo ao pensamento do autor. Trata-se de perguntar, em seus mecanismos, seus efeitos e suas relacées, pelos dispositivos de poder que so exercidos nos diferentes dominios da sociedade. Em face das andlises do poder deduzidas da economia, como aquela presente no pensamento politico liberal dos contratualistas do século XVIII, bem como na concep¢ao marxista no século XIX, a possibilidade de uma andlise ndo-econémica do poder recai sobre duas hipsteses: o poder seria pensado em hitp:iwww scislo.briscelo php scriptesci_artexi 0102.69092000000300013 2ov0s2017 Fazer viver ¢ deixar morrar: as sociedades modernas @ a lipologia de seus poseres termos de mecanismos de repressao ou sua rede de inteligibilidade seria o enfrentamento belicoso das forcas. De onde se distinguem dois modelos de anélise do poder: o esquema juridico (fundado na oposico contrato/opressio) ¢ 0 esquema guerra-repressao (fundado na oposicdo luta/submissao). Em relaco a estes dois, modelos, as pesquisas do autor nos anos precedentes teriam se realizado justamente em torno do esquema guerra-repressao, Uma vez que tal modelo ainda ndo estaria suficientemente elaborado, é seu desenvolvimento que esta em questo no presente curso. Em outros termos, o problema que percorre Em defesa da sociedade é 0 de se saber em que medida a guerra pode servir como principio de andlise das relacées de poder. Para 0 autor, 0 modelo juridico da soberania no esta apto para uma analise da multiplicidade concreta das, relacdes de poder que caracteriza a época moderna. Isto porque este modelo apresenta-se segundo uma triplice primitividade. Ele pressupée a universalidade do sujeito, a unidade do poder o elemento fundador da lei. N3o ha teoria da soberania sem sujeito, unidade do poder e lei, Ora, uma analise das relacdes de poder que esteja liberada deste modelo da soberania implica que a tripla refer€ncia ao sujeito, 3 unidade do poder e a lei seja substituida por uma referéncia ao que o autor entende por "operadores de dominacao". So as relacdes de dominacao que devem ser a via de acesso a uma andlise do poder. E a guerra, o combate, o enfrentamento é que podem valer como matriz para o estudo das técnicas de dominaco. Inversdio, portanto, da proposico de Clausewitz, na medida em que se trata de pensar que a “politica é a guerra continuada por outros meios” Dai a andlise que Foucault fara, nas aulas que compdem a maior parte do curso, de um discurso histérico a que chama de "estranho" e "novo". Discurso que aparece depois do fim das guerras civis ¢ religiosas do século XVI e que estd claramente formulado no inicio das lutas politicas inglesas do século XVII; que esté presente também na Franca, no final do reinado de Luis XIV, em lutas politicas diferentes das que esteve ligado na Inglaterra; que est presente igualmente entre os bidlogos racistas e eugenistas do fim do século XIX, Um discurso histérico-politico das sociedades, muito diferente do discurso filoséfico-juridico que se costumava fazer até entao. Um discurso sobre a guerra entendida como relacao social permanente e como fundamento de todas as relacdes de poder. No seio deste discurso histérico novo, a guerra ndo esté afastada do poder politico. E a ela, ao contrério, que se deve perguntar acerca da estrutura juridica do poder, dos Estados e das sociedades, pois é ela que preside seu ascimento: "o direito, @ paz, as leis nasceram no sangue e na lama das batalhas” (p. 58). Mas o direito, a paze a lel nao representam 0 final dos enfrentamentos a que devem sua origem. A guerra continua a ser o motor das instituigbes e da ordem. ‘Aimportncia deste discurso histérico esté ligada ao fato de tratar-se de um discurso de perspectiva. O sujeito que fala ocupa sempre uma posicdo, est necessariamente de um lado au de outro numa situaco, ndo se constituindo, portanto, num sujeito universal neutro. Dai ser o primeiro discurso na sociedade ocidental, desde a Idade Média, que pode ser chamado rigorosamente de histérico-politico. Nele, a inteligibilidade da histéria se faz segundo um eixo ascendente, uma vez que procura, no entrecruzamento dos corpos, das paixdes e dos acasos, a trama permanente da propria historia e das sociedades. Na base da histéria esta uma irracionalidade fundamental. Por fim, é um discurso que se desenvolve por inteiro na dimenséo histérica. A histéria ndo tem seu sentido dado por uma instancia diferente (superior, transcendente) daquela dos gestos e das relacdes que a compéem. Se 0 discurso hist6rico tradicional desempenha o papel de ligar os homens ao poder por meio da lei, ou seja, de ser um intensificar do poder a partir da representagao da grandeza dos acontecimentos e do caréter ininterrupto do direito soberano que o caracterizam, o discurso histérico desempenhara uma funcgo de contra-historia. Serd 0 discurso das racas, do afrontamento das racas em oposicéo ao discurso da soberania. E neste sentido, ele representa, para o autor, a primeira histéria ndo-romana ou anti-romana que o Ocidente conheceu. Em seu interior, a fung3o da meméria no serd assegurar a manutencdo da lei e a majoracdo do poder soberano, mas trazer a tona algo de negligenciado e mascarado, algo que seria o enfrentamento das forcas, o elemento mesmo constitutivo da histéria, ‘A primeira preocupacao do autor, ao discutir alguns exemplos deste discurso histérico que faz da guerra 0 analisador das relacdes de poder, consiste em colocar de lado aqueles pensadores tradicionalmente vistos como sendo os teéricos da guerra, Foucault refere-se sobretudo a Maquiavel e a Hobbes. Especialmente este ditimo aparece normalmente como aquele que teria colocado a guerra no fundamento das relacées pollticas, Para Foucault, no estado de natureza de Hobbes ndo ha batalhas, hd representacdes. Representacées calculadas, manifestacdes enfaticas de vontade e taticas de intimidagdo entrecruzadas, A guerra de todos contra todos seria uma guerra da igualdade, que se daria na ordem das representacdes, e ndo na ordem do enfrentamento das forcas reais. Ao invés de ser o terico das relacdes entre a guerra e 0 poder politico, Hobbes torna a guerra, como realidade histérica, como manifestagio de forca efetivamente manifesta no conflito, indiferente a génese da soberania, que se forma antes pela vontade daqueles que tém medo. Em oposigo ao pensamento de Hobbes, pode-se entdo fazer referéncia a um discurso diferente, que aparece quase como 0 adversério polémico deste pensamento que exclui a guerra e que ¢ 0 discurso da luta e da guerra civil permanentes. Um discurso que é, no fundo, uma espécie de jogo discursivo, pois se constitui numa certa estratégia tedrica que faz funcionar o saber histérico no interior das lutas politicas. E precisamente uma série de exemplos deste discurso de um "historicismo politico” que sera objeto de anélise de grande parte das aulas que compdem Em defesa da sociedade. O que nelas esté em jogo, portanto, é a andlise de um discurso histérico- politico que expde "a guerra como traco permanente das relacdes sociais, como trama e segredo das instituigdes @ dos sistemas de poder” (p. 132). hitp:iwww scislo.briscelo php scriptesci_artexi 0102.69092000000300013 216 2ov0s2017 Fazer viver ¢ deixar morrar: as sociedades modernas @ a lipologia de seus poseres Assim decorre a abordagem feita pelo autor do discurso histérico da nobreza reacionéria na Franca do final do século XVII. No centro desta abordagem estd a obra de Boulainvilliers sobre as instituigSes politicas francesas, especialmente um de seus escritos, marcado por um forte cunho pedagégico-politico, na medida em que se destina a apresentar ¢ criticar os relatérios sobre um estudo geral da situaco, da economia, das instituigdes e dos costumes da Franca, encomendado por Luis XIV para instruir seu sucessor, o ent&o duque de Borgonha, O saber contido nestes relatérios seria uma espécie de saber do Estado sobre o Estado, uma vez que os encarregados em fornecer e organizar as informacGes neles contidas tinham sido os préprios funcionarios da administracao publica. Em seu texto, Boulainvilliers protesta justamente contra o fato de que o saber dado ao rei seja um saber fabricado pela maquina administrativa e, a partir de tal critica, procura fazer valer as teses favordveis & nobreza contra este tipo de "saber do rel", Trata-se de despertar a meméria dos nobres e do préprio monarca a fim de se reconstituir o "justo saber do rei". Em tal reconstrucao, os dois maiores inimigos a se enfrentar so os discursos representados pelo saber juridico e pelo saber econémico, os saberes do tribunal e da reparticio publica, E 0 saber que deve substituir estes dois é precisamente o saber da histéria, No discurso histérico, 0 sujeito que fala ndo esté em posigéo de exterioridade em relacdo aquilo que narra, mas & 0 personagem central da narraco. O sujeito deste novo discurso histérico fala em primeira pessoa e constitui-se aquilo que o vocabulario da época designa por “nacao", no sentido de uma sociedade, um grupo que tem seus costumes, seus usos ¢ sua regularidade estatutéria. A nobreza seria, assim, "uma nacdo em face de muitas, outras que circulam no Estado e se opéem umas as outras” (p. 161). Com o discurso histérico de Boulainvilliers define-se o principio do caréter relacional do poder (0 poder no é uma propriedade, mas uma relacdo), ¢ a relacdo de forca ¢ 0 jogo de poder tornam-se a substncia mesma da histéria, diferentemente de Maduiavel, para quem a histéria seria um lugar de exemplos, um local em que se encontram modelos taticos para o exercicio do poder. Em Boulainvilliers, a narracéo histérica e o célculo politico s8o uma Unica coisa. Tomar a palavra no dominio da histéria no significa apenas descrever uma relacdo de forca, mas implica alterar, intervir nas relagoes de forca. Para Foucault, com esta nova forma de discurso histérico "temos, pela primeira vez, um continuum histérico-politico" (p. 202). NogBes fundamentais que permitem a0 autor, em um momento da oitava aula do curso (pp. 205-223), realizar o que chama de duas digressies, nas quais vai definir em que sentido pode-se entender seu trabalho como um tipo de historicismo e, num segundo Conjunto de observacies, discorrer sobre os mecanismos de disciplinarizagéo dos saberes colocados em funcionamento no século XVIII, possibilitando-o diferenciar os eixos em que se situam uma “histéria das ciéncias* € uma "genealogia dos saberes”, Em relacdo ao saber histérico, estes dois eixos seriam expressos, respectivamente, por um saber efetivamente disciplinarizado sob a forma da disciplina histérica e por uma consciéncia histérica polimorfa, combatente, que seria a outra face da consciéncia politica. (© mesmo tipo de discurso histérico, formado em torno da reagdo nobilidria do comeco do século XVIII, sera reutilizado no interior de um projeto revoluciondrio burgués e também serd, em certa medida, apropriado ou controlado pelo poder monarquico. © que demonstra tratar-se de um discurso que circula entre as personagens das quais relata a histéria. Discurso, portanto, de perspectiva, que pode ir da direita para a esquerda e estar presente nas lutas de diferentes grupos politicos, na medida em que seu sujeito sempre uma "nago" que fala de dentro da histéria e que se toma por objeto da prépria narracdo. Assim, o autor passa a estudar como o discurso histérico se generaliza como tatica discursiva, tornando-se utilizével em diversas lutas politicas. Entretanto, 0 elemento da guerra, funcionando como rede de inteligibilidade da histéria, sera paradoxalmente "imunizado" no momento da Revolugdo, no interior do préprio discurso histérico. Foucault fala em um "emburguesamento" deste discurso, que consiste no deslocamento do papel da guerra em seu interior: de constitutivo da histéria para protetor e conservador da sociedade, de “condicdo de existéncia da sociedade e das relacées politicas" para "condico de sua sobrevivéncia em suas relaces politicas" (p. 258). A descricao deste deslocamento no interior do discurso histérico dé-se com a andlise da reelaboracdo politica da nogo de “naco", realizada pelo pensamento burgués, a partir das dificuldades da burguesia em utilizar este discurso como arma nas lutas politicas. O exemplo desta transformagdo da idéia de nagao discutido no texto é a obra de Sieyés sobre © Terceiro Estado. Em Sieyés, a nago seré definida pela sobreposicdo de dois conjuntos de condicdes. Para haver uma nacdo & necessério que exista uma lei comum (Estado juridico) e a conjugacao de trabalhos (agricultura, artesanato, comércio etc.) e funcoes (exército, [greja, administragdo etc.). Estas condi¢des estariam presentes no Terceiro Estado e somente este seré @ nagio. A idéia de nacdo 6, entao, reclaborada em fungao de uma referéncia essencial ao Estado. Este discurso politico seré a matriz de um discurso histérico que, para 0 autor, se reaproxima do Estado e, desta forma, deixa de ter uma funco antiestatal. A partir desta nova forma do discurso histérico, a idéia de guerra que nele aparece é a de uma guerra interna travada "em defesa da sociedade" contra os perigos que nascem em seu préprio corpo. Todas as batalhas dio lugar a uma Unica, aquela que a nacdo (Estado) realiza continuamente em seu préprio interior em nome da sociedade. A "guerra das racas" dard ento lugar a algo muito diferente, o racismo. Este é 0 quadro a partir do qual péde se constituir, na época moderna, uma biopolitica. Em seus dominios no esta mais em jogo um direito de vida e de morte sobre os individuos, caracterizador da teoria classica da soberania e que se traduzia, concretamente, pelo poder do soberano em "fazer morrer e deixar viver". Com a tomada da "vida" como objeto de agenciamento do poder, a época moderna opde ao velho direito de vida e morte da soberania um outro direito ou, antes, um poder de "fazer viver e deixar morrer" No plano, no de uma teoria politica, mas dos mecanismos e das técnicas de poder, jd se vé aparecer uma tecnologia disciplinar dos corpos nos séculos XVII e XVIII. Trata-se af de um mecanismo de poder centrado no corpo individual, em sua distribuigao, sua andlise, seu exercicio, sua conexdo a outros corpos. A partir da hitp:iwww scislo.briscelo php scriptesci_artexi 0102.69092000000300013 a4 2ov0s2017 Fazer viver ¢ deixar morrar: as sociedades modernas @ a lipologia de seus poseres segunda metade do século XVIII configura-se uma tecnologia que nao exclui a disciplinar mas que se aplica a uma superficie diferente, aquela da multiplicidade dos homens como seres vivos, multiplicidade portadora de fenémenos préprios & vida, como o nascimento, a doenga, a produsao, os acidentes, os efeitos do meio, a morte, Com a biopolitica ha o aparecimento da populacao, deste corpo multiplo, como foco principal das estratégias de poder. Os fenémenos tomados em consideracao sao os fendmenos coletivos, que se tornam pertinentes para uma massa e em face dos quais se trata de estabelecer mecanismos reguladores, a fim de fixar, em meio a seu campo aleatério, uma certa média ou equilibrio, ‘A aula final (pp. 285-315) de Em defesa da sociedade constitul-se numa importante explicagdo das especificidades e da maneira pela qual se articulam as duas tecnologias de poder que se sobrepdem nas sociedades modernas: a tecnologia do adestramento disciplinar e a tecnologia seguracional-reguladora, as disciplinas e 0 biopader. Sao dois conjuntos de mecanismos que, ao invés de se excluirem, ajustam-se, acomodam-se um sobre o outro. Como exemplos de dominios em que pode ser percebida claramente esta acomodacao, Foucault discute a forma da cidade operéria, tal como se d4 no século XIX, e o dominio representado pela sexualidade no mesmo periodo. Partindo de tais andlises, mostra que o elemento que circula entre uma tecnologia do corpo e uma tecnologia da populagao é a norma. "A norma o que pode tanto se aplicar a um corpo que se quer disciplinar quanto a uma populac&o que se quer regulamentar." (p. 302). Ela permite, ao mesmo tempo, controlar a disciplina dos corpos e os acontecimentos aleatérios de uma populacao. Estamos, para Foucault, na era do biopoder. Nela, o poder toma a vida como tema, o que significa que seus mecanismos cobrem a superficie que vai do orgnico 20 biolégico, do corpo & populacao. Nas sociedades da normalizagio (disciplinar e reguladora), que tém na vida seu objeto de poder mais importante, © velho “direito de matar” assume uma forma bastante curiosa, A forma de se exercer 0 poder de matar em um sistema politico centrado no biopoder & o racismo. Pelo racismo, introduz-se no dominio continuo da vida o corte entre aquele que deve viver e aquele que deve morrer. Com o racismo, o tema da guerra das racas é inteiramente substituido pela idéia de que "a morte do outro, a morte da raca ruim, da raga inferior (ou do degenerado, ou do anormal), & 0 que vai deixar a vida em geral mais sadia; mais sadia e mais pura.” (p. 305). A guerra assume, entdo, uma nova forma, Ela consistird ndo somente em destruir o adversdrio politico, mas especialmente em destruir a raga inferior. Ela consistiré ainda num meio de regenerar a propria raca, na medida em que a morte de muitos desta raca a purificaria. E a sociedade nazista aparece, assim, como 0 exemplo histérico mais surpreendente de um tipo de sociedade em que o poder de matar atravessa todo o corpo social. Para Foucault, no houve sociedade mais disciplinar e mals seguracional que aquela projetada pelos nazistas. Dai 0 Estado nazista conjugar, ao mesmo tempo, ainda que aparentemente de forma paradoxal, uma espécie de generalizacao dos procedimentos de uma biopolitica e do direito soberano de matar. ‘A expresso que serve de titulo para 0 curso de 1976 néo significa, como uma leitura desavisada poderia dar a entender, uma espécie de divisa, uma palavra de ordem, dada em nome de uma sociedade como a nossa, que precisaria ser defendida, Em defesa da sociedade é antes uma expressao (ou um livro) que denuncia os mecanismos de uma biopolitica no interior da qual o discurso que reclama a protecio da sociedade e da vida representa, ao mesmo tempo, a forma mais explicita de falar de seus procedimentos (em nome da sociedade exercita-se o poder de vida e de morte) ¢ a forma mais discreta de ocultar seus resultados (afinal, em tudo isto trata-se de "defender a sociedade"). Uma vez mais, o pensamento de Michel Foucault nos apresenta instrumentas teéricos importantes, em certa medida novos, para um olhar critico sobre nosso presente, sobre as sociedades que formamos, 0 que parece podermos encontrar neste livro, que inaugura uma série de trabalhos ainda inéditos e que, certamente, muito tém a dizer. MARCIO ALVES FONSECA é professor do Departamento de Filosofi da PUC-SP. [CEE a1 the contents of ths journal, except where otherwise noted, 'sicensed under 2 Creative Commons Attribution Av. Prof. Luciano Gualberto, 315 - sala 116 (05508-900 So Paulo SP Brazil Tel.: +55 11 3091-4664 Fox: +55 11 3091-5043 Anat hitp:iwww scislo.briscelo php scriptesci_artexi 0102.69092000000300013 44

Vous aimerez peut-être aussi