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CORTE NO BRASIL E ABOLIÇÃO DO TRÁFICO NEGREIRO

Mariana Armond Dias Paes


Graduanda em Direito pela UFMG.

Resumo

Por meio de revisão bibliográfica, pretende-se identificar as relações existentes entre a

transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro e os primeiros passos em direção a uma

abolição gradual do tráfico. As negociações entre Portugal e Inglaterra, que precederam a vinda da

corte joanina para o Brasil, desembocaram na assinatura de uma convenção secreta em 1807 e no

Tratado de Amizade e Aliança de 1810. Contudo, os referidos documentos não produziram efeitos

diretos na sociedade brasileira, o que sinaliza para o fato de que a inserção da norma internacional

no ordenamento jurídico pátrio se defrontou com agentes sociais complicadores que devem ser

levados em consideração a fim de se compreender as mudanças ocorridas no estatuto jurídico do

tráfico negreiro.

Palavras-chave: Napoleão, Inglaterra, Corte Portuguesa, norma internacional, tráfico negreiro.

Abstract

By a literature review, the present work intends to identify relations between the transfer of

the Portuguese royal family to Rio de Janeiro and the first measures taken to achieve a gradual

abolition of the slave trade. The negotiations between Portugal and England, which preceded the

travel of the Portuguese royal family to Brazil, led to the signature of a secret convention in 1807

and of a Friendship and Alliance Treat in 1810. However, these documents did not produced direct

effects on the Brazilian society, what demonstrates that the insertion of the international law on the

national legal system faced complicating social agents which must be taken in consideration in

order to understand the changes occurred at the slave trade regulation.

Keywords: Napoleon, England, Portugal, international law, slave trade.


Paradoxalmente, é a partir do tráfico negreiro que se pode entender a escravidão
africana colonial, e não ao contrário.
(NOVAIS, 1986: 105).

Sumário:

Introdução

Este trabalho insere-se no âmbito do projeto de Iniciação Científica “Da

transferência à transformação: o direito brasileiro entre cientificidade, positividade e realidade no

período da corte portuguesa no Brasil (1808-1821)“, financiado pela FAPEMIG e sob orientação da

Prof. Dra. Mônica Sette Lopes.

A Transferência da Corte portuguesa para o Brasil 1

Após derrotar as marinhas espanhola e francesa na batalha de Trafalgar, Napoleão

Bonaparte visava acabar com o poderio inglês. A fim de enfraquecer economicamente a Grã-

Bretanha, assinou, em 1806, o Decreto de Berlim, que implementava o Bloqueio Continental: as

nações européias foram proibidas de efetuar qualquer transação econômica ou comercial com a

Inglaterra.

Portugal, até então neutro, começou a ser pressionado por ambos os lados que lutavam para

obter o controle dos portos. Lisboa, um porto estratégico, era visto por Napoleão como a única

brecha do Sistema Continental. Com a assinatura do Tratado de Tilsit, que previa o fim da dinastia

Bragança, Portugal se viu fortemente pressionado pelos franceses para aderir ao bloqueio. Um

ultimato foi dado ao príncipe regente Dom João, que deveria se decidir até 1º de setembro.

1
Os relatos sobre a conjuntura européia e a transferência da corte portuguesa para o Brasil foram baseados em
MANCHESTER, A. A transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro; WILCKEN, P. Império à deriva; e
SCHULTZ, K. Versalhes tropical.
O Conselho de Estado se reuniu diversas vezes e decidiu que a melhor medida a se tomar

era a transladação da corte portuguesa para o Brasil.2 Os preparativos começaram a ser feitos.

Contudo, tal solução era vista por Dom João como ultima ratio: a fuga só se daria em caso de

iminente invasão pelos franceses.

Entrementes, o representante britânico do Ministério das Relações Exteriores em Portugal,

Lord Strangford, se dirigiu a Mafra a fim de convencer o regente a embarcar para o Brasil com o

auxílio britânico. A Inglaterra via a transferência da corte como uma oportunidade de recuperar, na

América, os mercados consumidores que havia perdido na Europa. Dom João não deu uma posição

definitiva ao emissário, pois tinha consciência que uma fuga com o auxílio britânico colocaria a

coroa portuguesa em situação de dependência em relação aos ingleses.

A pressão aumentou a passos largos: os embaixadores franceses e espanhóis romperam

relações diplomáticas com Portugal e a esquadra britânica promoveu um bloqueio naval a Lisboa.

Pelo Tratado de Fontainebleu, Espanha e França acordaram uma invasão e divisão do

território português. A despeito das tentativas portuguesas de aplacar o ânimo de Napoleão, as

tropas do General Junot invadiram o país e rumaram em direção à capital.

Em vista do avanço do exército francês, a corte portuguesa decidiu embarcar. Antes de

zarpar, Dom João se reuniu com Strangford a bordo da nau Príncipe Real com o intuito de obter a

confirmação do auxílio britânico para a fuga.

Na manhã de 29 de novembro de 1808, as embarcações que transportavam a família real,

os burocratas lisboetas e parte do aparato estatal português rumaram à colônia deixando para trás

uma metrópole desolada e prestes a ser ocupada pelas tropas napoleônicas.

2
De acordo com MANCHESTER, A. A transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, a despeito dos
acontecimentos turbulentos de 24 a 29 de novembro de 1807, a transferência da corte não foi uma decisão precipitada e
sem qualquer planejamento. Foi uma solução inevitável ante a invasão das tropas napoleônicas. Os pareceres do
Conselho de Estado demonstram que foi uma decisão previamente discutida conscientemente tomada. No mesmo
sentido, ver GRAHAM, R. “Comentário” e SCHULTZ, K. Versalhes tropical.
Os tratados de 1810

A situação de dependência econômica de Portugal em relação à Grã-Bretanha

Em razão dos seus precoces processos de unificação nacional e centralização

administrativa, Portugal e Espanha se consolidaram como potências hegemônicas durante os

séculos XI e meados do século XII. Tal situação possibilitou a conquista de impérios no ultramar.

Contudo, a partir da segunda metade do século XII, esta preponderância entrou em declínio e novas

potências emergiram no continente europeu: França, Inglaterra e, em menor medida, os Países

Baixos. A rivalidade entre as novas potências hegemônicas possibilitou um sistema de alianças que

ajudou na preservação dos países ibéricos e suas colônias.3

Nesse contexto, Portugal procurou, sempre que possível, manter uma posição de

neutralidade ante as disputas de poder européias. Dentro do sistema de alianças, consolidou relações

de apoio com a Inglaterra, com vistas a preservar suas possessões coloniais. Em prol do auxílio

político-militar britânico, várias concessões comerciais foram feitas, dentre as quais se destacam os

Tratados de Methuen, firmados em 1703.4

Tais tratados colocaram os lusitanos em relação de semi-dependência com os britânicos, o

que, aliado à conjuntura da Guerra Peninsular, permitiu que a Inglaterra obtivesse uma concessão

sobre a abolição. Em outubro de 1807, foi assinada uma convenção secreta, estabelecendo que, em

caso de transferência da corte portuguesa para o Brasil, a proteção britânica seria recompensada.

O Tratado de Amizade e Aliança de 1810

Conforme previamente acordado, a Inglaterra prestou auxílio à coroa portuguesa na

ocasião de sua vinda para o Brasil e, no dia 19 de fevereiro de 1810, foi assinado, no Rio de Janeiro,

um Tratado de Amizade e Aliança entre os dois países.

3
NOVAIS, F. A. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808), p. 17-56.
4
NOVAIS, F. A. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808), p. 17-56.
O artigo X do referido tratado enunciava:

Sua Alteza Real O Príncipe Regente de Portugal, estando plenamente convencido da Injustiça, e
má Política do Commercio de Escravos, e da grande desvantagem que nasce da necessidade de
introduzir, e continuamente renovar huma Estranha, e Facticia população para entreter o Trabalho
e Industria nos Seus Domínios do Sul da América, tem resolvido de cooperar com Sua Magestade
Britannica na Causa da Humanidade e Justiça, adoptando os mais efficazes meios para conseguir
em toda a extensão dos Seus Domínios huma gradual abolição do Commercio de Escravos. E
movido por este Principio Sua Alteza Real O Príncipe Regente de Portugal Se obriga a que aos
Seus Vassallos não será permittido continuar o Commercio de Escravos em outra alguma parte da
Costa da África, que não pertença actualmente aos Domínios de Sua Alteza Real, nos quaes este
Commercio foi já discontinuado e abandonado pela Potencias e Estados da Europa, que
antigamente ali commerceavão; reservando comtudo para os Seus Proprios Vassallos o Direito de
comprar e negocear em Escravos nos Domínios Africanos da Corôa de Portugal. Deve porém ficar
distinctamente entendido, que as Estipulações do presente Artigo não serão consideradas como
invalidando, ou affectando de modo algum os Direito da Corôa de Portugal aos Territorios de
Cabinda e Molembo, os quaes Direitos forão em outro tempo disputados pelo Governo de França,
nem como limitando ou restringindo o Commercio de Ajuda, e outros Portos da África (situados
sobre a Costa commummente chamada na Lingua Portugueza a Costa de Mina), e que pertencem,
ou a que tem pertenções a Corôa de Portugal. Estando Sua Alteza Real o Príncipe Regente de
Portugal resolvido a não resignar, nem deixar perder as Suas justas, e legitimas Pertenções aos
mesmos, nem os direitos de Seus Vassallos de negocear com estes Lugares, exactamente pela
mesma maneira que elles até aqui o praticavão.5

Apesar do compromisso assumido no sentido de promover uma abolição gradual do tráfico

negreiro, medidas pouco efetivas foram implementadas nesse sentido.6

As pressões britânicas em prol da abolição efetiva do comércio de escravos continuaram.

Durante o Congresso de Viena de 1815, Portugal assinou uma Convenção que extinguiu o tráfico

negreiro ao norte do Equador mediante indenização financeira.7 Em 28 de julho de 1817, foi

5
Texto extraído de PEREIRA PINTO, A. Apontamentos para o direito internacional ou collecção completa dos
tratados celebrados pelo Brasil com differentes nações estrangeiras: acompanhada de uma noticia histórica, e
documentada sobre as convenções mais importantes, p. 41-42.
6
BETHELL, L. A abolição do comércio brasileiro de escravos, p. 28-30.
7
PEREIRA PINTO, A. Apontamentos para o direito internacional ou collecção completa dos tratados celebrados pelo
Brasil com differentes nações estrangeiras: acompanhada de uma noticia histórica, e documentada sobre as
convenções mais importantes, p. 128-136.
assinada entre Portugal e Grã-Bretanha uma Convenção Adicional ao acordo de 1815, que precisava

os locais em que o tráfico estaria legalizado.8

Eficácia social dos compromissos firmados entre Brasil e Inglaterra

Agentes sociais e inserção da norma internacional no ordenamento jurídico

A despeito da forte pressão diplomática inglesa, a legislação criada para regulamentar os

tratados assinados refletia a relutância do governo em limitar o tráfico e, muitas vezes, era mais

benéfica aos traficantes do que a legislação anterior. 9 As normas internacionais não tinham qualquer

eficácia devido às fortes pressões sociais.10 A grande maioria da população brasileira se beneficiava

com o tráfico de africanos e não via com bons olhos a sua abolição. Dos grandes proprietários aos

professores que ensinavam português aos cativos, muitos apoiavam o comércio ilegal e estavam

direta ou indiretamente envolvidos com ele.

Não é de surpreender, então, que o tráfico negreiro ilegal em larga escala tenha começado tão
rapidamente quanto a secagem da tinta nas leis e tratados que planejavam limitá-lo. Logo após a
ratificação do tratado de 1810, os ingleses já estavam acusando os portugueses de uso ilegal de
navios construídos em países estrangeiros e de carregar escravos na Costa do Ouro, região fora do
controle português e assim legalmente fora dos limites para seus traficantes. Além disso, após os
acordos de 1815 e 1817 os traficantes portugueses e brasileiros continuaram a carregar africanos
em ambos os lados do Equador, suas atividades sendo totalmente sancionadas ao sul daquela linha
por um governo protecionista no Rio de Janeiro, e mais que toleradas ao norte por esse mesmo
governo, apesar de sua ilegalidade.11

Diversas eram as razões para a baixa eficácia social da norma internacional. Ressaltemos

as mais significativas.

8
PEREIRA PINTO, A. Apontamentos para o direito internacional ou collecção completa dos tratados celebrados pelo
Brasil com differentes nações estrangeiras: acompanhada de uma noticia histórica, e documentada sobre as
convenções mais importantes, p. 155-193.
9
CONRAD, R. E. Tumbeiros, p. 66-89.
10
NELSON, um intelectual britânico que residia no Brasil, afirmou que os tratados internacionais firmados com a
Inglaterra eram uma ficção diplomática. NELSON, T. “Remarks on the slavery and slave trade of the Brazils” apud
CONRAD, R. E. Tumbeiros, p. 118.
11
CONRAD, R. E. Tumbeiros, p. 73.
Durante a expansão ultramarina, a Europa vivia um intenso processo de acumulação

primitiva de capital. Todo o processo colonizador foi estruturado sobre a base de um capitalismo

mercantil. Nesse contexto, o tráfico negreiro era mais um setor do comércio colonial que

possibilitava a acumulação capitalista metropolitana.12

Mas na “preferência” pelo africano revela-se, cremos, mais uma vez, a engrenagem do sistema
mercantilista de colonização; esta se processa, repitamo-lo tantas vezes quantas necessário, num
sistema de relações tendentes a promover a acumulação primitiva na metrópole; ora, o tráfico
negreiro, isto é, o abastecimento das colônias com escravos, abria um novo e importante setor do
comércio colonial, enquanto o apresamento dos indígenas era um negócio interno da colônia.
Assim, os ganhos comerciais resultantes da preação dos aborígenes mantinham-se na colônia, com
os colonos empenhados nesse “gênero de vida”; a acumulação gerada no comércio de africanos,
entretanto, fluía para a metrópole, realizavam-se os mercadores metropolitanos, engajados no
abastecimento dessa “mercadoria”.13

No Brasil, a população escrava já existente estava presente em todos os ramos da

economia. Entretanto, sua constante manutenção pelo tráfico era essencial devido às altas taxas de

mortalidade e baixos índices de reprodução. O baixo crescimento da população escrava se deu em

razão de vários fatores: maior número de homens do que de mulheres; o mau tratamento dispensado

às crianças, devido ao seu baixo valor de mercado; condições de vida insalubres, que provocavam

um elevado número de mortes; fugas; formas violentas de resistência que levavam à morte um

grande número de cativos.14

Além da função mantenedora, o tráfico desempenhava importante papel em períodos de

expansão econômica e aumento da demanda por mão-de-obra, o que ocorreu no primeiro quartel do

século XIX. Nesse período, as exportações brasileiras ganhavam novo fôlego em razão do declínio

da produção ocorrido nas ilhas caribenhas e da modernização na zona cafeeira resultante da

transferência da corte para o Brasil.15

12
NOVAIS, F. A. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808), p. 92-106.
13
NOVAIS, F. A. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808), p. 105.
14
BETHELL, L. A abolição do comércio brasileiro de escravos, p. 24-25 e CONRAD, R. E. Tumbeiros, p. 15-33.
15
BETHELL, L. A abolição do comércio brasileiro de escravos, p. 25 e CONRAD, R. E. Tumbeiros, p. 66-89.
BETHELL afirma, ainda, que as relações raciais, em especial a concepção dos negros

como seres inferiores e que alcançariam a salvação pela escravidão, tiveram papel fundamental na

preservação do tráfico.16

Outra razão apontada por Conrad para a continuação e o aumento do comércio negreiro

após dos acordos internacionais firmados foi o medo de um fim eminente do tráfico. A ilegalidade

contribuiu para a piora das condições de vida nos tumbeiros17. Com medo de serem descobertos, os

traficantes escondiam os cativos e aumentavam a carga dos navios para além de sua capacidade.18

O medo da extinção do tráfico também levou a um aumento das importações. Apesar da

alta dos preços decorrente da ilegalidade, houve um incremento na demanda: os altos preços do café

permitiram que os fazendeiros pudessem arcar com os custos mais altos da importação de

escravos.19

É importante frisar que a ajuda das autoridades foi essencial para a continuidade do tráfico

negreiro. Os altos funcionários públicos estavam, muitas vezes, envolvidos diretamente no

comércio de escravos. Os que tentavam impedir as práticas ilegais eram, na maioria das vezes,

destituídos de seus cargos.20

Os traficantes de escravos gozavam de grande prestígio social. Eram vistos pela sociedade

como prestadores de um serviço essencial ao Brasil e à sua economia agrícola.21

16
BETHELL, L. A abolição do comércio brasileiro de escravos, p. 26-27.
17
Tumbeiro, nome derivado de tumba (sepultura), era a embarcação construída para transportar escravos da África para
o Brasil. Este nome foi dado em razão do grande número de mortes que ocorria nestes navios. Ver MOURA, C.
Dicionário da escravidão negra no Brasil, p. 404.
18
CONRAD, R. E. Tumbeiros, p. 66-89.
19
CONRAD, R. E. Tumbeiros, p. 66-89.
20
CONRAD, R. E. Tumbeiros, p. 119-138.
21
CONRAD, R. E. Tumbeiros, p. 119-138 e RODRIGUES, J. O infame comércio, p. 127-142.
COSTA afirma que a dificuldade em abolir o comércio de escravos se deu, principalmente,

em razão do ideal presente na população brasileira de que a única alternativa para o problema da

mão-de-obra era a escravidão. As pressões internacionais suscitaram uma enorme oposição social.

Eram vistas como uma atitude de má-fé do governo inglês: a Inglaterra, que também se beneficiava

com o tráfico, queria a sua abolição com o intuito de impedir o desenvolvimento das economias

americanas.22

Ingleses e americanos também estavam envolvidos no tráfico ilegal de africanos e

possuíam fortes interesses contra sua abolição. Antes de 1807, ano em que a Inglaterra lançou sua

cruzada contra o tráfico de escravos, o comércio triangular se dava da seguinte maneira: os produtos

manufaturados ingleses (coast goods) eram trocados por escravos na costa da África; os cativos

eram levados até as colônias caribenhas, onde eram trocados por produtos tropicais que abasteciam

a Grã-Bretanha. No caso do Brasil, o comércio ocorria de maneira diferente, pois os produtos

tropicais aqui produzidos eram trocados por escravos no continente africano. Após 1807, os

comerciantes ingleses se viram impedidos de negociar diretamente com a costa africana. Os coast

good eram enviados, então, para o Brasil e daqui eram levados, em embarcações norte-americanas,

à África, onde eram adquiridos escravos.23

Desenrolar da questão da abolição do tráfico de africanos para o Brasil

GRADEN afirma que foram as pressões internas, e não as externas, que tiveram papel

decisivo na abolição do tráfico negrereiro.24

22
COSTA, E. V. da. A abolição, p. 23-31.
23
CONRAD, R. E. Tumbeiros, p. 139-170.
24
GRADEN, D. T. “Uma lei… até de segurança pública”. Nesse sentido, RODRIGUES, J. O infame comércio.
A partir da primeira metade do século XIX, especialmente após a Revolta dos Malês de

183525, a segurança pública passou a ser ameaçada por rebeliões escravas. A resistência negra

ameaçava a coesão social tão prezada pela elite branca.26

Além das revoltas escravas, a população livre passou a temer as epidemias devastadoras

que assolaram a colônia neste período. A ocorrência de surtos de doenças em diversas cidades se

deu em razão das más condições de higiene dos tumbeiros e dos armazéns onde os escravos eram

guardados.27

A resistência negra e a proliferação de doenças contagiosas são algumas das causas

internas que levaram à extinção do tráfico negreiro.28

Considerações finais

Sem dúvida, o tratado de 1810 não produziu efeitos diretos na sociedade brasileira, o que

sinaliza para o fato de que a inserção da norma internacional no ordenamento jurídico pátrio se

defrontou com agentes sociais complicadores que devem ser levados em consideração a fim de

compreender as mudanças ocorridas no estatuto jurídico do tráfico negreiro. A norma internacional

passou a ter eficácia social somente após intensas mudanças internas.

Tal fato demonstra a baixa coercibilidade da norma internacional, o que se evidencia,

inclusive, atualmente. O tráfico só é abolido quando mudanças no âmbito interno ocorrem. A norma

25
Sobre a Revolta dos Malês, ver REIS, J. J. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835. A
Revolta dos Malês ocorreu na Bahia em 1835. Nessa época, a região era profundamente marcada por desigualdades
étnico-raciais e passava por uma crise econômica e política. Reis afirma que, nesse contexto, o levante tinha um caráter
eminentemente político, uma vez que objetivava provocar mudanças sociais favoráveis aos africanos. O movimento foi
caracterizado por forte identidade étnica entre os participantes: sendo a grande maioria da nação nagô e professante da
religião islâmica. Contudo, a revolta fracassou, devido a denúncias e à união dos brancos em torno do interesse na
manutenção da ordem escravocrata. Após a represália dos rebeldes, houve um aumento no controle dos escravos e o
objetivo de intimidar rebeldes em potencial foi atingido.
26
GRADEN, D. T. “Uma lei… até de segurança pública”.
27
GRADEN, D. T. “Uma lei… até de segurança pública”.
28
GRADEN, D. T. “Uma lei… até de segurança pública”.
internacional passa a ter eficácia e aplicabilidade quando a conjuntura interna lhe é favorável. Ela

por si só não é capaz de promover mudanças sociais profundas.

Verifica-se, ainda assim, que a transferência da Corte, com auxílio britânico, desencadeou

a assinatura de um tratado que, a despeito de sua eficácia restrita, seria o primeiro compromisso

português de abolir o tráfico negreiro. Vários outros documentos foram firmados durante a estadia

de D. João VI no Brasil e a questão da abolição estendeu-se ao período imperial. No entanto, as

alterações jurídicas realizadas no período joanino e especialmente o tratado de 1810, foram de

extrema importância, pois marcaram as posturas político-jurídicas que Portugal e Inglaterra

assumiriam ao longo das décadas vindouras no que concernia ao tráfico de escravos.

Referências bibliográficas

Fontes primárias publicadas

PEREIRA PINTO, Antônio. Apontamentos para o direito internacional ou collecção completa dos

tratados celebrados pelo Brasil com differentes nações estrangeiras: acompanhada de uma

noticia histórica, e documentada sobre as convenções mais importantes. Rio de Janeiro: F.

L. Pinto & C.a – Livreiros Editores, 1864. 511p. Tomo I.

Fontes secundárias

BETHELL, Leslie. A abolição do comércio brasileiro de escravos: a Grã-Bretanha, o Brasil e a

questão do comércio de escravos, 1807-1869. Tradução de Luís A. P. Souto Maior.

Brasília: Senado Federal, 2002. 478p. (Coleção Biblioteca Básica Brasileira).

CONRAD, Robert Edgar. Tumbeiros: o tráfico de escravos para o Brasil. Tradução: Elvira

Serapicos. São Paulo: Brasiliense, 1985. 224p.

COSTA, Emília Viotti da. A abolição. 8ª ed. São Paulo: Editora Unesp, 2008. 144p.
GRADEN, Dale T. “Uma lei… até de segurança pública: resistência escrava, tensões sociais e o fim

do tráfico internacional de escravos para o Brasil (1835-1856)”. Estudos afro-asiáticos,

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GRAHAM, Richard. “Comentário”. In: KEITH, Henry H. e EDWARDS, S. F. (organizadores).

Conflito e continuidade na sociedade brasileira. Tradução: José Laurênio de Melo. Rio de

Janeiro: Civilização Brasileira, 1970. 351p. 79 vol. (Coleção Retratos do Brasil).

MANCHESTER, Alan K. “A transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro”. In: KEITH,

Henry H. e EDWARDS, S. F. (organizadores). Conflito e continuidade na sociedade

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MOURA, Clóvis. Dicionário da escravidão negra no Brasil. São Paulo: Edusp, 2004. 438p.

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RODRIGUES, Jaime. O infame comércio: propostas e experiências no final do tráfico de africanos

para o Brasil (1800-1850). 1ª reimpressão. Campinas: Editora Unicamp, 2005. 240p.

SCHULTZ, Kirsten. Versalhes tropical: império, monarquia e a corte real portuguesa no Rio de

Janeiro, 1808-1821. Tradução: Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,

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Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004. 326p.

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