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PERTURBADORA

Castanho Lobo

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PERTURBADORA
Motivos de Mulher

Livro de Contos
1. Perturbadora
2. A moça na ampulheta do tempo
3. Motivos de mulher
4. Sobre o amor e seus covardes
5. Lumiar
6. Lareira
7. O gozo
8. Calor: muito calor
9. A maçã e o cheiro dela

Castanho Lobo

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PERTURBADORA

Despi-me lentamente do corpo dela e - por já não ser tarde


demais - vesti minha pele, recém tatuada por suas unhas e seus
dentes.
“Não se demore no banho" ordenou - deitada de bruços - numa
voz sonolenta que escapou atravessando um emaranhado de
cabelos negros misturados a fronha branca.
A água quente do chuveiro soprou no meu ouvido frases sem
sentido: "pra se enlouquecer basta pouco e é o que basta pra se
fazer um louco"; e a voz - vinda dos pingos - se ria de mim, e eu -
pele arrepiada pelo susto - lhe dava inteira razão pelo deboche.
Sendo assim - até os espelhos do quarto tinham plena
consciência da minha pobre condição. Às vezes - quando eu me
olhava de perfil - o espelho da parede que ficava perto da janela se
deformava e eu me via côncavo: assemelhado a uma atração de
circo. Nesses dias aquela imagem me dava à exata noção de eu que
jamais sairia são daquele quarto.
Já de dentro do relógio no teto - que marcava as horas contadas
para traz - de tempo em tempo surgia um cuco vestindo uma capa
vermelha de cigano - olhava em volta - nada dizia - não cantava
como cantam os cucos de relógio - se quedava um tempinho e se
recolhia.
A dama de copas do baralho em que ela - pela manha - havia
lido minha sorte insistia numa coreografia copiada de alguma
naufraga das gôndolas de Veneza - que balançam seus braços em
busca de socorro. "Vem deitar!" - gritaram ao mesmo tempo - cada
um com sua voz de objeto - todos os pertences trancados no quarto:
as cortinas - empurradas por um vento que vinha das velas e dos
incensos - murmuravam -"vêm deitar!" - os abajures - todos os oito -
com suas lâmpadas coloridas piscavam - como num código - "vem
deitar!" - quando tudo calou - ela falou – “vem deitar! "...

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O cuco de capa cigana dessa vez marcou sua hora - encarnando
um lobo e seu coração selvagem que - se bem me lembro - cometeu
assim: "(Não abri mais os olhos - Por prudência me descolei
preguiçosamente da tua pele: primeiro a boca - depois cabelo -
peito - mãos e por fim um incandescente senso de mim mesmo
((enorme e sem descanso))...Não tive paz até que - relutante -
iniciei o oficio de te vestir. Aquelas vozes todas que escapavam
do teu sexo amordacei com o a boca - Cobri teus faróis que me
levaram - naufrago inocente - a bater nas pedras e a morrer no
mar.. E te calcei.. e gritei com teu sorriso: quero minha
lucidez!.....Esse universo paralelo que jogou em mim, como
água atirada, de um balde, me afoga e me resgata..não sou
mais quem nunca fui.)"
Enfim deitei - ela me deu a mão e sussurrou - "acorda!”- quando
abri os olhos todos já haviam ido.

4
A MOÇA NA AMPULHETA DO TEMPO

Uma moça observava - escondida - o senhor do tempo, enquanto


esse cuidava de seus afazeres.
Curiosa - por oficio e forma - num descuido, ela escorregou da
borda da ampulheta e sua natureza feminina ficou presa no relógio
de vidro; contava então vinte e um anos naquela vida.
Teve um preço viver na areia que conta as horas: aprendeu que
não importa em que momento chega o beijo: pois ele vem! - e que
não é preciso fechar os olhos para viajar a esmo e para ver o
simples.
O senhor do tempo estava velho e a moça começou a ajudá-lo na
composição de alguns destinos: ele lhe encomendava primeiros
beijos; encontros inesperados e troca de olhares. Divertia ao senhor
do tempo, o talento que a moça tinha na criação de cenários
comuns pra encontros generosos. Em segredo, porém raramente, o
tempo cortava - como um sensor - passagens que achava
exageradas para uma época nada romântica; a moça não se
ressentia com a intromissão: por ter sempre vinte e um anos vivia
diariamente o ser romântico.
Um dia encontrou - colado no vidro da ampulheta - um bilhete
escrito pelo senhor do tempo: não haverá gentilezas no futuro, ele
dizia. A partir desse dia a moça iniciou seu trabalho na composição
das despedidas, das perdas e dos amores findos. Porém, por obra e
graça de tanto criar dias felizes, ela preenchia os espaços vazios dos
cenários tristes com janelas de esperança. O senhor tempo viu e
nada censurou: estava velho, ia viver para sempre, tratou de pegar
a janela sua e voltou a cuidar dos seus afazeres.

5
MOTIVOS DE MULHER

Talvez ele seja só o que vejo e não haja nada a dar suporte ao
sorriso gentil que sempre me dá quando aparece.
As pessoas - muitas delas - costumam ser assim: uma boa
propaganda para um produto que não nos fará falta. É provável que
ele seja assim; um produto que eu não precise que não seja
fundamental para os meus dias e principalmente minhas noites.
Eu sempre tive essa fantasia de ser abordada - num primeiro de
maio – na porta desse café: um lugar mítico nessa cidade sem
portas na qual vivo. Ser abordada por esse homem (que imagino)
com o rosto escondido pela sombra do letreiro - me pedindo para
sentar - me oferecendo uma taça de vinho branco e respostas para
todas as perguntas - mesmo as que ainda não sei se faria – ou se
existiriam para serem feitas - e me falando de lugares onde eu
poderia caminhar descalça, vestindo os pés que sempre sonhei ter
e, eu me lembraria de tudo o que se pode conversar - e tudo que eu
dissesse fosse de uma ordem interessante e sedutora – fosse
originalmente meu – ineditamente minha composição - e a risada
dele me enchesse de coragem para continuar a falar – falar - falar -
aproveitar até o último segundo da atenção daquele homem com
rosto na sombra - do silencio daquele homem que me ouve e que se
apaixonaria por mim.
Será que a matéria do mundo é sórdida – eu sempre me
pergunto – enquanto enxugo as muitas lágrimas que se acumulam
no meu rosto quando me observo no espelho do banheiro.

6
SOBRE O AMOR E SEUS COVARDES

De repente o vi entre os estranhos que subiam correndo a rua.


Calculei em cinqüenta o numero deles - todos homens - arrumados em
formato de manada: liderava um pequeno de rosto redondo.
Foi ele: gritou o tal, apontando com um porrete, na direção do Amor,
que descia a rua vestido com sua roupa de meio dia; tudo parou.
O pequeno pombo que se alimentava no chão da praça das pipocas
caídas pela distração das crianças quietou. Quietou o vento quente do
meio dia que soprava vindo da direção da matriz; também quietou o
som que faz a água que caía do chafariz; só não quietou o Amor, que
continuou seu passeio rua abaixo indiferente ao repentino silencio.
Não foi surpresa vê-lo metido no meio de tantos homens, a apontar o
Amor com um porrete. Querer matar o Amor a porretadas talvez fosse à
única saída para aquele ser miserável por omissão. Com certeza o
grupo em que vinha metido no meio foi recrutado nos becos onde o
ciúme e a vaidade, sussurram da sombra: “sua mulher tem visita, tem
um suando agora mesmo entre as pernas dela - corno”.

7
LUMIAR

Lumiar estava gelada.


Tínhamos comido lucianas e tomado todo vinho da adega do Paulo Frei
e, no caminho pro chalé, ela ria dos cachorros, dos vagalumes, das
estrelas..dizia em voz alta que todos deviam beber vinho, comer
lucianas e se apaixonar.
Quando finalmente chegamos, ela sentou no banco da pequena
varanda- "Me ama”?”“- perguntou; “Amo” respondi” Então ama” -
provocou tirando o casaco.
Os cinco graus que fazia em Lumiar enrijeceram dois mamilos
castanhos e, na pele de seus braços -que me buscavam - nao existia
mais nada que não estivesse arrepiado.
"Ama" - "Amo" - "Mais, vem, ama mais" - "Mais, assim?, assim?" -
"Assim! me ama assim!"
Lumiar agora fervia a partir daquela varanda.

8
LAREIRA

Graças ao olhar dela ele se tornou possível novamente.


Algumas faces ainda não conhecidas surgiam no espelho do quarto
buscando serem escolhidas; como uma roupa que se procura no
armário para o dia de domingo.
Uma dessas faces - um astrólogo - cujo sonho era o de pintar
estrelas pelo corpo dela para lhe descobrir o futuro; argumentava
aflito, que um novo prazer (a ser inaugurado) tornaria tudo sem a
mesma cor de tudo; esse sujeito que lia estrelas fazia promessas: como
a dela poder dormir sem se incendiar.
(Passeios pela loucura que existe entre um piscar de olhos são
sempre armadilhas perigosas). Ela sempre o convencia de que não
havia nada de errado no cotidiano e que sempre havia um adeus a ser
dito horas depois de um bom dia.
- Não se perca de mim meu amor! - ela sussurrava com carinho, como
quem empresta barbantes que garantem o caminho de volta aos que
mergulham em cavernas.
Quando o astrólogo das estrelas pintadas no corpo dela finalmente
partiu, quem chegou silencioso foi um lobo; aquele farejou todos os
cômodos porem não tocou em nada. Cobriu o espelho com uma grossa
manta de carneiro, como que para nenhum outro perfil de lá pudesse
sair, e se deitou entre os livros próximos a boca da lareira acesa.
- Você também me ama? - ela quis saber - por que o astrólogo foi
embora? - ela quis saber - onde estão as estrelas pintadas? - ela quis
saber - você veio pra ficar? - ela quis saber.
O lobo e seu olhar natural permaneceram quietos até que ela
desistisse de tantas perguntas e percebesse o silencio amarelo que se
formava em toda parte; então, ela se deitou - nua - entre os livros a
lareira e o lobo, e seu corpo ganhou novos desenhos e o prazer,
finalmente inaugurado, a fez esquecer o astrólogo.

9
O GOZO

Os ruídos do quarto já não faziam o menor sentido; ela -


envergonhada - amordaçava a cama com um lençol de linho cru para
que essa parasse de rir: “Mas isso acontece boba. Às vezes as mulheres
sonham e acordam... molhadas". "cala a boca cama maluca, não foi
nada disso!" - Gritava cada vez mais inquieta.
“Tanto é, sua boba, que o travesseiro continua ai, entre suas pernas,
suas mãos ainda acariciam suas coxas e esse aroma de pêssego, só
pode vir de você" - Provocou a cama com sua voz de quem é confidente
diária dos sonhos da moça.

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CALOR: MUITO CALOR

Faz um calor imperdoável pra qualquer corpo que tenha juízo.


Você - irritada - não quer conversar, não quer mais ouvir, me
manda calar e aumenta o rádio a todo volume; um cara com a minha
voz que não é a minha voz canta cantigas de cama acompanhado por
um “backing vocal" formado por lençóis de seda.
E assim, teu corpo foi tomando conhecimento do meu: se a gota da
chuva fria fala-se meu bem, diria, ao cair na terra quente: ME
EVAPORA!!!!.
Assim são os corpos que se descobrem: sensitivos intuindo pele
arrepiando; nuca, braço, barriga, pernas; coxas coladas gemendo -
mostra!, Deixa vai!!, Mostra vai!, Mostra!! - dito cada vez mais rouco,
cada vez mais louco o teu corpo toma conhecimento do meu.
Você desliga o rádio e ironiza meu desconcerto.
Eu ainda perco a cabeça com você, penso!..

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A MAÇÃ E O CHEIRO DELA

Combinei um encontro com o dono do tempo. Um amigo meu que


vive do lado de lá das coisas foi o portador do bilhete pedindo uma
audiência. Ficou marcada – a tal audiência - pro intervalo entre o
último segundo de um dia e o primeiro do outro: o dono do tempo
gosta dessas situações limite. Cheguei descalço - eles não deixam a
gente usar chinelo lá – e fui expondo meu caso, mas ele me mandou
sentar; ofereceu um suco de luz e um cigarrinho que não aceitei: eu
não fumava mais daquilo.
Pois bem, o dono do tempo pediu pra eu anotar numa caixinha de
areia usando um palito comprido tudo que eu tinha dizer; escrevi o
seguinte:
“Se a maçã cheira a maçã e ao mesmo tempo cheira a ela eu amo a
macieira e, não entendo como pode a fruta ser fruta e ser ela. Se eu
como a maçã; me escorre pela boca o sumo dela que me inunda o peito e
depois tenho no peito o molhado da maçã e o molhado dela. Minha boca,
depois de tudo, é parte da maçã que tem o cheiro e o gosto dela; minha
boca então não é mais minha boca, minha boca pertence a maçã que
pertence ao corpo dela"
O dono do tempo leu, mandou outro ler e, virando pruma lua cheia
que acabava de chegar de nascer, sussurrou: “Feito!".
Ele me despediu da audiência; o segundo do dia seguinte chegou ao
relógio e eu voltei.
Ela estava lá: um pequeno sol de inicio de setembro.

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