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Do fi ime cinografico A anmtropologia Rltmica Claudine de France (org.) [Picsta CATALOGRAFICA ELARORADA TELA BroLsoreca Cenraa 04 UNICANP T Claudine de France | pss9 Do ime etnogriico3 anropologia nica Claudine de France | (org.) -- Campinas, SP : Editora da Unicamp, 2000. 1. cinema, 2. Documentiro. 3. Filme. 4. Antropoogi vital Ltt, j 20.CDD - 791.43 1.8353 391183015 ISBN: _85-268-0510-X = 7785 {nciees para Catilogo Sistemitico: 1.Ginema 191.43 2 Doenentrio 791.4353, 3 Filme 79143015 4 Antopotogiavisual = 778.5 Copyright © by Edtora da Unicamp, 2000 ‘Nenfiuma parte desta publicagZo pode ser gravada, armazenada ‘em sistema cletrdnico, folocopinda, seproduzida por meios mecinicos ‘ou outros quaisquer sem autorizagio prévia do editor. Coordenadorgeral Designer de capa Carlos Roberto Lamari Adailton Clayton Santos Secretiriaexecutiva Acompanhamento gritico Bisabeth Regina Marchetti ‘Bidnilson Trista Assessor de produeio editorial ssessor de informiien Vlademir José de Camargo peers : Carles Leonardo Lamar Supervisora de revisio kata de timed fost ers Ea ee Soper cieriag tals eases 2000 PTS. “taaowal OTE é % i Gidade Universitria ~ Bario Geraldo 4BP= Avia Dine) ROADS TUTE UD) HED Ne” aitorus Univestiss ‘wwweditora.unicamp.br oro SADA Sumario Apresentacio ...... 13 1 Antropologia filmica — Uma génese dificil, mas promissora (Claudine de France) .-....-.1m0u 17 1. Daa experigncia & refQxd0 nex nen a sail 2. Um vasto campo de estudo com fronteiras imprectsAs vo... au 3. Pesquisa basica, tempo e descrig@0 -n..mysosesenen 26 4, 0 suave rigor da descrieao 7 a ast S0 5. E agora... a 35 2 Filmar; uma reconversio do olhar (lean-Marc Rosenfeld) . a 43 3 Ritualismo e cooperagao em uma técnica do corpo ane Guéronnet) 55 1, Procedimento. Bin - a8 2. Os rituais hidicos. 56 3. A COOPCACAO soreness nrterroncccnee 63 4. ComCLUSTO omen 3 a — acne TE 4A pesquisa filmica das aprendizagens (Annie Comolli)... 1, O filme, campo privilegiado da eels 2. 0 método das “amostragens” 3.A andlise de filmes de ficcio..... 4, Algumas caracteristicas fundamentais das aprendizagens . 5. Alguns elementos de mise en scene... co 5 0 comentério nos filmes etnogréficos de Marcel Griaule (Pbitippe Lourdou) .... 1. As etapas da realizagéo... 2. 0 aspecto cénico do coment@trio cco... 3. Da escrita ao oral... = screens 106 4, Do filme de viagem ao filme cori. 7 = vn 108 5. 0 campo verbal. sss LAO 6.0 titulo " seven 112, 7. De Marcel Griaule a Jean Rouch... 14 6.0 comentirio improvisado “na imagem” — Entrevista com Jean ROU nee 125 Nota sobre os autores........ sori ast rel tL Filmografia ger enue nn Endice teMiSSi¥0 nnn Apresentacdo Ha mais de 20 anos, existe, na Universidade de Paris X-Nanterre, uma equipe de pesquisadores cineastas composta de ex-alunos de Jean Rouch. Formados em disciplinas das ciéncias humanas como antropologia, sociologia, psicologia, eles esto reagrupados em um centro de pesquisas, a Formation de Recherches Cinématographiques (FRC).* Constituida por pesquisadores franceses, mas também estrangeiros, essa equipe estabeleceu como objetivo considerar o filme meio e objeto de estudo, encarando assim, de frente, tanto a realizagio de filmes documentérios quanto a reflexio sobre o instrumento de investigagio que 6 a imagem animada, Apesar de algumas pesquisas extrapolarem 0 quadro do filme etnografico, este dltimo esta na base da maior parte das reflexes dos pesquisadores da FRC ¢ constitui aquilo que eles sempre desejaram rea- lizar. Essa € uma das razdes pelas quais a presente compilacio de artigos trata da antropologia filmica, Os diversos textos aqui apresentados oferecem uma visto dos trabalhos levados a cabo pelos pes- guisadores da equipe com experiéncia em filmes etnogrificos e, de maneira mais geral, em métodos, mises en scéne ¢ dreas de investigacao do filme documentério nas ciéncias humanas. Como passar da simples acumulacio de filmes etnogrificos & constituig%o de uma verdadeira dis- ciplina, a antropologia flmica, tal é a questio colocada por Claudine de France no primeiro artigo desta coletinea: “A antropologia filmica: uma génese dificil, mas promissora.” Nao se trata de um hist6rico, mas da exposigdo de algumas tendéncias, muitas das quais, baseadas particularmente na descoberta dos poderes da descrico, fundamentam os trabalhos do grupo de pesquisadores da ERC. 0 leitor no deve, ortanto, surpreender-se que uma certa unidade de visio atravesse todos os artigos da presente compi- Iago. A ordem de apresentagiio dos textos segue aproximadamente a progressio de uma pesquisa filmica, desde os problemas apresentados na fase preliminar & gravaco até as preocupagées, freqiientemente Posteriores 3s filmagens, que dizem respeito 4s relagdes entre a imagem e 0 comentério, passando pelo Gesvelamento do real que a andlise das imagens nos oferece durante a prdpria pesquisa. *Formagio de Pesquisas Ginematogrdficas, (N, oT.) 13 Como a utilizagio da cAmera modifica o olhar do observador sobre o real? Este é, em definitive, o tema subjacente 2 maioria dos textos que se seguem, Tal como Jean-Marc Rosenfeld tenta expor em “Fil- mar: uma reconversio do olhar”, essa modificacfio intervém bastante cedo, como uma iniciag%o prelimi- nar as filmagens pela qual passa o pesquisador que iré utilizar uma cimera pela primeira vez. O texto de ‘J.-M. Rosenfeld deve ser considerado uma simples introdugo a0 problema, uma sensibilizacio dos futuros ineastas para uma perturbago dos habitos sensoriais, com freqiiéncia subestimada, £a.uma transformagao da atencio dada pelos pesquisadores aos pequenos fatos e gestos, dos quais se origina a sociabilidade profunda da vida cotidiana, que nos convida Jane Guéronnet, em “Ritualismo e cooperacdo em uma técnica do corpo”. Jane Guéronnet deixou-nos prematuramente em 1989, no mo- mento em que, inspirando-se em Marcel Mauss, tinha empreendido um vasto estudo filmico das “técni- cas do corpo” na vida cotidiana, em sua propria sociedade. A pesquisa, cujos resultados esto expostos na presente compilagdo, revela a primeira etapa de uma investigacZo que se estendeu, em seguida, para a mise en scéne do corpo nos rituais de boas maneiras. Antes de nos deixar, J. Guéronnet teve oportu- nidade de filmar indmeros documentos que ainda nao foram montados. Questionando seu instrumento de investigacao, ela havia, por outro lado, investido em uma pesquisa te6rica sobre as bases da observa- ‘ao filmica, cuja primeira parte é composta pelo livro Le geste cinématographique. Assim como os de Jane Guéronnet, os trabalhos de Annie Comolli, cujos método e resultados ela expde em “A investigacio fflmica das aprendizagens”, constituem a ilustragdo exemplar de uma maneira, propria aos pesquisadores da FRC, de conceber a utilizaco do filme como motor e fonte constantes de renovacdo da pesquisa, Mas seu texto ilustra também, de forma acabada, esta alianga estreita entre a exploragio filmica do real ea reflexdo sobre a imagem mencionada anteriormente, gracas & qual, desco- brindo 0 real —no caso em pauta os gesios da aprendizagem —, avancamos simultaneamente no conhe- cimento geral dos poderes de seu instrumento de pesquisa. Apesar de os pesquisadores da FRC escolherem livremente seu campo de atuaco, alguns trabalhos inscrevem-se, no entanto, em programas coletivos. Tal é 0 caso do estudo de Philippe Lourdou a respeito da narracio nos filmes etnogréficos, cuja primeira etapa, dedicada ao Marcel Griaule cineasta, é apre- sentada em “A narragio nos filmes etnogréficos de Marcel Griaule”. Essa pesquisa faz parte de um vasto conjunto de trabalhos, levados a cabo por todos os pesquisadores da equipe, em torno do tema central: imagem e comentirio. Mergulhando na “pré-hist6ria” do comentério falado dos filmes etnogréficos fran- ceses, P, Lourdou faz incidir uma luz indireta 20 caminho desde entio percorrido pela maneira de se 14 comentarem as imagens, Sim, porque a utilizacio do filme no transforma somente 0 olhar dirigido ao real; transforma também a maneira como se fala deste iltimo, Um dos grandes inovadores nessa area é Jean Rouch. Por isso, pareceu-nos indispensével fechat a presente coletanea com una entrevista que Jean Rouch concedeu a J. Guéronnet ¢ . Lourdou, na qual expde sua concepgdo sobre o comentirio nos filmes, Talver o leitor venha a senti-se um pouco desorientado em razo do emprego de nogdes pouco habituais. Esse € 0 preco a ser pago, quase sempre, por uma nova disciplina, que “busca seus distinti- 0s”. Trata-se de um conjunto de instrumentos, forjados a0 longo dos anos, cuja maioriater4 apenas ‘uma vida efémera, mas que nos terd permitido comegar a colocar um pouco de ordem na rica prolifera- so do material urdido pelas imagens, bem como na grande complexidade dos niveis de atividade do antrop6logo-cineasta. 15 1 Antropologia filmica Uma génese dificil, mas promissora Claudine de France Cans, Universidade de Paris X-Nanterre 1, Da experiéncia a reflexdo Existe, hd quase um século, uma proliferagao de produgdes audiovisuais de carter etnogrifico, no centro da qual se situa aquilo que chamamos de filme etnogréfico propriamente dito, Tanto realizadas para ins de pesquisas antropolégicas intencionais e destinadas a especialistas como concebidas sem finalidade cientifica e destinadas a um piblico indeterminado, essas produgdes diversificadas evoluem ‘numa zona movedica e ambigua que vai da ciéncia 4 arte, do esboco 4 obra acabada, do documentrio & ficco. No entanto todas elas tém em comum o fato de tomarem como ponto de partida a observacao do real, mesmo que, 3s vezes, essa observaciio seja algo provocada e que a maneira como o real é apresen- tado possa, de vez em quando, buscar inspiraco em alguns procedimentos préprios ao filme de fic¢Zo, Fica-se entio tentado a perguntar-se como essa abundincia de filmes de todos os géneros pode conduzir 2 criacio ¢ ao desenvolvimento de uma verdadeira disciplina. E, no entanto, sto realmente a realizacdo © a mistura dessas obras dispares, consideradas em seu conjunto, que fizeram nascer uma disciplina baseada no estudo do homem, com e no filme, e constituiram seu perfodo de “acumulacdo primitiva”, Apesar de ter feito nascer a disciplina, 0 conjunto assim constituido nao era suficiente para construi-la sozinto, No maximo, ele poderia fornecer-Ihe a base empitica, Para que uma disciplina surja progressi- vamente desse conjunto de experiéncias dispares e continue a dele extrair seus recursos, faz-se neces- sério que ela abandone provisoriamente a esfera do implicito e construa explicitamente seu objeto e seus métodos. 0 filme etnografico teve, entéo, que se debrugar sobre si mesmo para dar nascimento a uma Gisciplina que, submetendo-o & reflexio, lance um olhar critico sobre os préprios procedimentos. Eassim que, a partir de um vasto campo de experiéncias proposto pelo filme etnografico e suas produgbes afins, desenvolve-se, hoje, esta nova disciplina que, de minha parte, eu qualificaria de antro- pologia filmica,? de preferéncia a antropologia visual. Tentarei definir, assim, seu objeto: 0 homem tal como ele é apreendido pelo filme, na unidade e na diversidade das maneiras como coloca em cena suas. ages, seus pensamentos e seu meio ambiente, 7 Trata-se do homem como ser social e cultural, considerado no continuum do que deixa ver e ouvir, e que o torna, dessa maneira, acessivel 4 reproducio animada das manifestagdes concretas, vi- suais e sonoras. Em sma, o homem de quem apreendemos aquilo que exprime a partir daquilo que mostra. Tal definigZo levanta uma dificuldade, pois 2 natureza do instrumento privilegiado da disciplina parece participar da definico de seu objeto. Ora, uma disciplina deve poder ser definida unicamente por seu objeto, sob pena de permanecer uma disciplina auxiliar. Essa dificuldade é igualmente prépria & ogo de antropologia visual proposta por Margaret Mead em 1973, pois ela parece qualificar o estudo do homem somente naquilo que ele deixa ver e que pode ser apreendido através dos instrumentos de investigacao nvio-verbais, No que concerne & antropologia filmica, tal dificuldade pode ser parcialmente superada. Com efeito, o estudo do homem pelo filme significa no somente o estudo do homem filmsvel —suscetivel de ser filmado —, mas, igualmente, homem filmado, tal como ele aparece colocado em cena pelo filme. Ora, aquilo que aparece na imagem nio é exatamente igual Aquilo que é apreendido pela observagdo direta. 0 homem filmado, descrito pelo encadeamento de pontos de vista, planos, seqiiéncias filmicas, deve ser de alguma maneira decriptado a luz do que se conhece sobre as leis e opgbes de mise en scone propriamente filmica, mesmo documentéria, Em outras palavras, a originalidade da disciplina est no fato de que ela possui um objeto de duas faces: o homem e a imagem do homem. B na procura daquilo que estabelece a relagio entre essas duas faces que residem tanto a dificuldade de sua busca, de suas ambigdes, quanto seu status de disciplina autGnoma. Em suma, o objeto da disciplina é duplo: seu instrumento, o filme, pode ser também seu objeto. Certamente, é possivel considerar apenas um desses dois aspectos; o homem filmavel, por exem- plo. f dessa maneira que a maioria dos antropélogos-cineastas procede, quando adentra a “antropologia visual”. Eles se contentam em realizar filmes, ao invés de escrever a respeito de um grupo social ou cultural, junto ao qual desenvolvem suas pesquisas. Outros, em contrapartida, consagram uma parte, 3s veres essencial, de seus trabalhos, seja a uma reflexdo sobre as maneiras de colocar em cena os homens por meio da imagem, seja.a experimentarem, eles préprios, novos instrumentos e procedimentos de mise en scone do real.’ Por que dar tanta importincia 4 natureza da relagio que une o meio de observacio ao observado, © instrumento ao seu objeto, a ponto de chegar a considerd-lo como a propria matéria da pesquisa? Porque 2 reprodugio audiovisual das manifestagdes do real introduz, no aparelho de pesquisa do antro- pélogo, uma reviravolta da qual ele nem sempre tem consciéncia, mas que cedo ou tarde 0 conduz a repensar a natureza e o status do observado, as relagdes entre o observador, o observado, a palavra e aescrita no interior da pesquisa antropoldgica 18 Enquanto a observagio do sensiel, sua descrcio e sua andlise, eram diretamenteassumidas pela Unguagem do observador — que dominava sua mise en scéne —, aescrita Ihe serva de vestigio. Guiado or aquilo que alinguagem podia tradusir, a observago direta do real er a nica via de acessy oy sen- Sel. 0 observado apreendido pelo olhare traduaido pela escrta encontrara so, enti, dotado de um Siaius epistemol6gico de referéncia dominante, cuja legtimidade pode ser agora questionaa © imagi- iti verbal, espécie de filtro introduaido entre o olhar eo pensamento, supria as defciéncis da obser- ‘acio direta, preenchendo os ponilhados da meméria, propondo um fio condutor linear, M onde apare- Cia apenas saturago de dados sensves stmultineos, fugazese incontrolveis,E, apesar de se manifestar ‘spenas apés a observacio, a escrita precedia x pesquisa por meio da directo que ela imptimia 20 olhar. A linguagem representava, entio, a garantia metodol6gica da observagdodireta, cujos passos ela viva nos bastidores. Tudo isso sofreu um abalo quando a observagto direta,gragas 10 registro filmico, Ode delsarrasttos sobre um suporte permanente, enquantoresitui auGneia, « animagio dos seres, das coisas, das agdes. A observagio filmica nascia, deixando que, dali em diante, fossem confiadas 4 seria outrastarefas, além daquela de simples transmissor memorial. A escritavi-seentzo relegada a Lm papel a posteriori na pesquisa, Uma das conseqiiéncias importantes dessa reviravolia é que a obser- ‘aso flmica, apesar de nio totalmente liberada da linguagem — longe isso, possui a vantagem, em ‘elagio & observacio direta, de conferisa seu resultado, o observadofilmico, um statue de referéncia Mas, para atingir tal objetivo, é necessario recorrer 4 escrita. Vai-se de encontro, entio, dentro da propria disciplina, a um obstaculo primordial de ordem estrutural, em parte previsfvel, que diz respeito 4 rejeigio da escrita pela maioria dos antropdlogos-cineastas. Jaz aqui uma das maiores dificuldades na constituigio da disciplina. Com efeito, sob muitos aspectos, aprender o gesto e 2 palavra viva do homem através da imagem é uma maneira de reatar com aquilo que constitui a matéria essencial da tradicio oral. Porque nao se limitar a isso e dar as costas, radicalmente, 2 escrita, ficando a antropologia filmica re- duzida, entio, 2 realizagio de filmes etnogrdficos? Tal é2 grande tentacZo de muitos antropdlogos-cine- astas, trinsfugas da escrita. A realizagéo e a apresentagio a outrem de um filme etnografico podem ser consideradas, nessa perspectiva, o desdobramento de um rito cerimonial coletivo de tradicao oral du- rrante o qual, por intermédio das imagens, alguns seres humanos mostram-se, ou mostram seres huma- ‘nos a outros seres humanos. Esse cerimonial de apresentaco coletiva é ocasido de confrontos orais durante 05 quais se descobrem, apreciam, comparam e sancionam as imagens que apenas acabaram de ser objeto de atengio. f grande, entio, a tentago de deixar a esses combates verbais a responsabilidade de teorizar sobre o utensilio de investigaco audiovisual, visto que graves questdes so levantadas du- rante os debates. Infelizmente, sem o apoio da escrita, essas discussdes nao atingirZo jamais 0 estégio de um yerdadeiro exame analitico, indispensével a qualquer pesquisa. SubsistirZo apenas algumas intuigdes 20 esparsas, jogadas na arena de um debate castico, descosido, sempre recomegado. Separado da escrita, 0 ritual oral ndo se beneficia mais da longa acumulacio de trabalhos anteriores nesse campo. Cada nova apresentagao de filme, tributéria do grau de conhecimento que tem da matéria um piblico heterogeneo, aborda apenas questdes espontancamente levantadas Por esse tiltimo, e retoma as coisas em seu ponto de partida, 0 que resulta disso é impressio de que, em nivel te6rico, sempre se est marcando passo, f por isso que os progressos globais da diseiplina serio extremamente lentos enquanto no se efetuar uum valvém organico constante entre os trabalkos flmicos eos trabalhos escritos, ambos enriquecendo- semutuamente ¢ avangando de forma concertada. Caso contrario, filmes e textos continuario a caminhar paralelamente, segundo os préprios ritmos, sem outra coeréncia que nao a obra do acaso, Mas, sem aivida, a morosidade da reflexdo € inevitvel, estrutural, numa disciplina que ambiciona ao mesmo tem. po apreender o sensivel e repensar essa apreensio. 2. Um vasto campo de estudo com fronteiras imprecisas A simplicidade tampouco se faz presente quando se aborda a questo dos dominios da antropolo- sia filmica. Definir 0 objeto dessa disciplina como 0 homem e a imagem do homem deixa entrever uma ‘rea de estudo bastante vasta para 0 pesquisador. Em principio, nenhuma maneira de viver ou de se expressar dos homens, ou de grupos humanos, quaisquer que sejam eles, éindiferente 2 antropologia {lmica, cuja matéria 6 prépria cultura, Ora, sea cultura, em sua concepeao mais ampla, inspirada na definigdo de Taylor, é tudo o que o homem acrescenta ou substitu na natureza, entZo a restitui¢io ani mada através do filme desses acréscimos e substituigées de formas diversficadas, em qualquer lugat que eles se produzam, expressa, mais amplamente, sua unidade e sua diversidade, \ antropologia flmica consagra-se nfo somente ao estudo dos homens nas sociedades de tradigfo oral que se colocam em cena por intermédio do gesto e da palavra, mas igualmente aos homens gas sociedades de cultura escrita nas quais uma grande parte da atividade social manifesta-se por meio do sesto e da palavra, da maneira de agir, coisas fugazes e fluentes suscettveis de serem filmadas. Se a/an- tropologia filmica aborda o homem pelo viés das aparéncias, concedendo um grande cuidado 3 sua res- tituigao, € tanto pelo interesse que elas despertam por si mesmas quanto por aquilo que exprimem ou Glissimulam e que € invisivel por razdes de ordem estrutural (no sensfvel, logo ndo mostravel), ou ci. Cunstancial (seasivel mas nio mostrado). Nao é de estranhar, portanto, o earaterinesgotvel do objeto desta discipfina em compreensio. Ble inclu, com efeto, tudo o que se encontra localizado no eixo que une a mais discreta aparéncia de uma atividade humana, ou de seu produto, aquilo que esse mesmo 21 aspecto exprime, ou dissimula, da sociedade & qual ele se refere. Isso vai das manifestagbes concretas, provisoriamente camufladas na imagem ou colocadas fora de campo, as estruturas, significacdes, valo- res, fungdes, normas e regras que toda aparéncia contém, Mas 0 campo de estudo da antropologia filmica é igualmente vasto em extensdo. Seus objetos so miiltiplos. A Inesgotabilidade e a diversificago de seus objetos tém como efeito estender ao infinito as. fronteiras da disciplina, confundi-la com outras disciplinas das ciéncias humanas em cujo campo ela ‘vem imiscuir-se. Assim, a antropologia filmica dedica-se, 2s vezes, a acontecimentos, ages no mostriveis, que se desdobram no eixo do tempo € que somente a palavra ou a reconstituigdo hist6rica podem evocar. Hist6rias de vida, testemunhos individuais ou coletivos sobre acontecimentos de um passado inacessivel Aimagem direta, que representam fragmentos da unidade de um grupo humano cujo esquecimento é, assim, evitado. Meméria viva, a antropologia filmica toma aqui o lugar da tradi¢do oral, ao assegurar uma transmissio dos valores e dos fatos que, sem ela, desapareceriam com o desaparecimento das élti- ‘mas testemunhas.° Ora, apoiando-se na evocacao verbal e na reconstituicao audiovisual dos fatos e dos ambientes, a pesquisa do antropélogo-cineasta aventura-se ao mesmo tempo no campo do historiador, do jornalista de televisdo e do cineasta de ficco. Compreende-se, nesse caso, que tais trabalhos escapem ‘com mais facilidade das “gavetas” do patrimdnio filmico dos antrop logos e abram caminho no palco dos programas televisivos. Mas, 20 mesmo tempo, fica explicado por que eles tém tendéncia a, com fre- qiiéncia, adotar a mise en scéne dos filmes de ficco ou das reportagens televisivas como modelo. 0 mesmo acontece no vasto dominio do nZio mostravel estrutural, a0 qual o filme tem acesso atra- vés de um desvio de linguagem. Estes so, por exemplo, as representages mentais (mitos, crencas, opinides, sentimentos etc.), os processos sociais ou culturais (progresso, conflitos de poder ou de va- lor etc.). Fazé-los sobressair por intermédio do filme implica, muitas vezes, apelar para uma mise en scéne que, descrevendo ou no uma cronologia de comportamentos, apdie-se sobre uma temdtica abs- trata ou uma problemética cuja imagem vai ilustrar, transversalmente, certos aspectos ou momentos pri- vilegiados de sua representagao material.” Mais uma vez, a pesquisa filmica do antrop6logo aproxima-se sensivelmente daquela do sociélogo. Mais delicados ainda, com respeito as fronteiras da disciplina, sio os casos em que a camera des- vela aspectos de nossa prdpria sociedade, ostensivos ou difusos, que por milltiplas razées empurramos para a periferia de nossas preocupacbes, ou que conservamos reprimidos nos abismos do ndo-dito e do nio-visto. Estou me referindo, aqui, aos grupos humanos, as minorias étnicas ou culturais que toda sociedade, através das convulsGes de seu prdprio desenvolvimento ou o peso de sua cultura dominante, leva 20 desenraizamento, a marginalizagio ou a uma assimilagio demasiadamente brutal. Ao revelar as maneiras de viver e de pensar desses grupos e 20 esforcar-se para situé-los no conjunto da sociedade & 22 ual pertencem, a pesquisa filmica do antropslogo desemboca freqiientemente na exposiciio explicita de Problemas de ordem social. Solicitado pelas pessoas filmadas, o pesquisador sofrerd a tentacio no Someate de ser testemunho de sua situaco, mas de colocar seu filme 4 sua disposigao, como elemento de uta contra o poder dominante. Levada com esse objetivo, sua pesquisa ir se transformar, insensivel- mente, em ato de animacdo ou de intervencao social, Seo campo da antropologiafilmica nos parece vasto hoje, devemos considerar que isso nem seme Pre fol assim. Vasto ele se tornou progressivamente, porque se transformou, por razdes de ordem ins, ‘rumental ou ideol6gica, a0 longo da hisria do filme etnografico. Paradoxalmente, o que contribui para ‘ornar as fronteiras da disciplina imprecisas é também a prova de sua surpreendemte vitalidade. Dessa maneira, segundo o instrumental audiovisual uilizado (instrumento de registro e de dif io), algumas areas ou temas foram privilegiados em detrimento de outros, pelo filme etnografico. No ‘empo do documentétio mudo ou pés-sincronizado, a énfase foi colocada sobre aquilo que era mais diretamente acessivel & observacio visual. 0 campo do filme etnogréfico limitou-se, assim, aquilo que chamaria dea base cldssica da disciplina: a descrigio da aco do homem sobre o meio ambiente (téeni. cas materiais), da qual o filme The bunters, de John Marshall (1956), € um étimo exemplo; os rituais Cotidianos ou cerimoniais de ac2o do homem sobre os deuses (dancas, sacrficios etc.), dos quais so testemunha os filmes de Marcel Griaule (por exemplo, Sous les masques noirs, 1938); as técnicas de acto sobre 0 corpo, ou “téenicas do corpo”,*tal como as filmaram Margaret Mead e Gregory Bateson em Trance and dance in Bali (1936-1938). A expressio verbal, quando ela exist era agambarcada por tum comentirio exterior as pessoas filmadas, cujas palavras eram transcritas ou ento gravadas poste- riormente ao registro das imagens, Os efeitos das restrigdes instrumentais foram reforgados pelo ambiente ideoldgico que reinava durante o periodo do cinema com som pés-sincronizado. Assim, na Franca, o filme pés-sincronizado dos anos 30-40-50 coincidiu com os iltimos estertores da era colonial. Da mesma forma, foi privile- Sala, no que diz respeito aos temas filmados, a exploracao de culturas diferentes daquelas dos antropé- logos-cineastas e que, no que tange 20 comportamento da tradico oral das populagées filmadas, mats se distinguiam da cultura ocidental (daneas, rituais magico-religiosos, técnicas risticas etc). A énfase foi colocada na diferenca em relagio a um mostravel longinquo, pouco acessivel, e, de maneita mais geral, na descoberta de um novo espaco humano. O surgimento dos instrumentos portéteis de gravacio sincronizada do som e da imagem, em 1960 €, mais tarde, o das técnicas videogrificas (1970), alterou profundamente o cendrio do filme etnogré- fico. De maneira geral, essas novas técnicas permitiram aprofundar a pesquisa flmica e conquistar, descobrindo-o, néo mais apenas o espaco, mas também o tempo dos homens. A érea de estudo estenden, 23 se consideravelmente a partir do momento em que se deu a palavra as pessoas filmadas, durante o pré- prio trabalho de campo da pesquisa, e quando se tornou possivel filmar em longos planos-seqiléncias, horas inteiras, numa relativa intimidade. Muitos temas até entZo inexplorados puderam, entio, sé-lo, Foi assim que, & descrigdo unicamente visual das atividades observaveis e mostraveis, veio juntar-se a ex- pressiio verbal direta, pelos préprios interessados, de representagbes mentais nfo mostravels, tais como experiéncia de vida, emogGes, interpretagées, julgamentos. Temas antes reservados a escrita do antropé- logo, tais como o retrato ou 0 auto-retrato, tornaram-se privilégio da palavra dos seres filmados, através do préprio autocomentirio.’ Mesmo os horizontes da descrigo visual do gesto se ampliaram, gracas 4 apresentacdo continuada das técnicas do corpo que acompanham a palavra: mimica, posturas prolonga- das, continuum gestual dos contadores, dos cantores, dos miisicos e, de uma maneira geral, a base material permanente da ret6rica dos homens e das mulheres em todas as circunstincias da vida coti- diana, No entanto, se a base material mostrével, sem a qual nio se pode imaginar o filme, permaneceu, seu peso especifico, sua densidade prépria diminufram, em proveito do exprimido no mostrével veicu- Jado pela palavra, Acontece que o desenvolvimento dessa nova aparelhagem audiovisual coincidiu com o movimento de descolonizacao dos anos 60. No ambito deste tiltimo, os antrop6logos-cineastas cederam parcialmen- te seus instrumentos aqueles que até entio eles tinham filmado, os quais, agora independentes, apossa- am-se, por sua ver, da cAmera, Ao mesmo tempo, os antropdlogos voltaram-se poco a pouco para a prOpria cultura, para fazer dela seu objeto de estudo. Munidos de um instrumento poderoso, capaz de restituir a palavra, 0 gesto € 0 tempo, eles percorreram, em seguida, caminhos os mais diversos. Alguns se dedicaram & mostrar, na qualidade de etno-socidlogos, os problemas levantados pelas mudancas so- Giais. Outros, retomando a tradigao da descrigZo etnogréfica, consagraram-se d intricada trama de fatos € gestos cotidianos e banais da propria sociedade na qual cada um esté continuamente imerso e que, por isso mesmo, passam despercebidos, Esses fats e gestos, cujas regras de organizacao se transmitem pela tradigio oral e pela simples imitagao, esto constantemente presentes e mostréveis, mas sio freqtien- temente esfumados* por serem difusos ou demasiadamente fugazes, Mas, para quem sabe descobri-los, observé-los, descrevé-los, servem de reveladores incontestaveis do funcionamento, das estruturas, dos valores — muitas vezes antagonistas — de uma sociedade. Porque, se o homem est na sociedade, a sociedade esté igualmente no homem, revelando-se a todo instante nos gestos de cada individuo. * De esfumar”,traduco do original estomper, palavrarequisitaa 40 vocabulitio da ate pictural que significa desenhar, sombrear com esfuminho, Yer nota 25 do Capitulo. (N. do.) 24 Qualquer que sejao futuro da antropologiaflmica, sem duvida o seu campo de aplicagio ainda se modificard ao sabor das transformaces de seus instrumentos e da conjuntura cientifica. Mats precisa- mente, as fronteras de seu campo continuario a se deslocar sob efeto das Nutuagdes epistemolégicas, ‘ue tendem a transformar status do sujeto e do objeto de conhecimento, do observador e do obser, ‘ado, da prépria relagzo entre observador e observado. Alguns movimentos jé so perceptiveis, ‘ produszo de filmes etnogréticos ou aparentados, embora enane de pesquisadores ou de cineas- tas cada ver mais numerosos, tende a abandonar o perfodo “herGico” de acumulagao para penetrar em tum periodo de exame crtico ¢ de ordenamento, que abre uma nova era para a dsciplina, Do ponto de vista instrumental, o uso do suporte magnético de registro e de difusio das imagens roprios 8 videografia, desenvolvendo as possibilidades de circulacio, de troca e de consulta individual dos produtos filmicos, permite, por fim, que se considere um estudo comparativo, Progressiva e siste- tnético dos trabalhos acumulados hi quase um século, Asso vém juntarse, atualmente. as possibilida- des quase ilmitadas de conservagao e de reproducio das imagens, gracas As téenicas videoinforméticas a imagem digital. Mas os progressos considerdveis realizados pela {instrumentacio séo acompanhados ¢reforgados por uma evolucio de ordem epistemolégica, que tende ao relaivismo ¢ a um volterse para si mesmos, por parte dos artesios do filme etnogréfico. Os pesquisadores nio s6 se voltaram, em muitos casos, para sua prdpriasociedade, como se debru- Garam igualmente sobre si mesmos, na qualidade de observadores e comentadores da vida dos outros, Submetendo a prépria pesquisa 3 andlise, ainda durante a realizagZo do filme, os antrop6logos-cineastas ‘endem a se interrogar sobre os fundamentos e as modalidades da relaco entre ofilmador ¢ 0 filmado, Eles buscam temperar as posiges universalistas do pesquisador, no que concerne a0 que ele afirmaa fespeito das pessoas filmadas,e situar-se, eles proprios, mais claramente possivel, no interior da re. lucio de observacio. Ao abandonar seu confortvel anonimato,o pesquisadorcineasta revela-se ao espec- tador tanto quanto reveta as pessoas que filma, Ele expe, no mais certezas absolutas, mas um ponto de Vsta argumentado, adquirido ao preco de uma pesquisa cujas incertezas ¢ dificuldades sao aqui e ali apontadas. A todo instante, a seguranca dos resultados € questionada, e por vezes até mesmo avalidade daabordagem. Da mesma forma so apontadas as ilusbes da mise en scene: aquilo que a imagem deli- beradamente ocultou ou acidentalmente nio pode mostrar. Em suma,reativizam-se-as dimensbes cognitivas esugeridas, se fo demonstradas, as condigées nas quais foram obtidas imagens ¢ informagoes verbais, £0 que atestam os filmes de David MacDougall, Jean Rouch, Marc Piault, Eliane de Latour ete, Esse esforgo de transparéncia na relacio de observagaio e de pesquisa obtém-se, na verdade, gracas um deslocamento parcial, na mise en seéne da pesquisa, do ser filmado para o observador: g objeto da pesquisa divide-se entre o filmador eo filmado. £ importante, no entanto, observar — e af reside uma 25 das dificuldades do procedimento —, que o deslocamento do centro de gravidade temdtico opera-se mais por meio da palavra do que da imagem, Com efeito, € geralmente sob a forma de comentarios que constatam ou criticam, efetuados durante a propria filmagem (comentérios imediatos, improvisados) ou, ento, introduzidos durante a montagem (comentario diferido), que as lacunas da imagem se expres- sam, Somente a palavra tem condigées de atenuar os efeitos da ndo-transparéncia metodolégica daquilo que foi filmado. Isso tem como conseqiéncia uma certa tendéncia & saturagio verbal da imagem por parte do filmador, o que pode Levar ao enfraquecimento da densidade das pessoas filmadas. No pior dos casos, estas titimas aparecerio como um pretexto para a expressio pessoal do filmador, Apesar do risco de cair no intimismo que tal procedimento comporta, a partir do qual se poderia considerar o filme etnografico decadente, parece que as tentativas de deslocamento tematico do filmado para ofilmador, quaisquer que sejam as suas formas, expressam uma certa maturidade da disciplina. O tesouro cultural adquirido pela antropologia filmica é, por si s6, suficiente para lhe permitir se quest onar, 20 longo da prépria experiéncia, a respeito das modalidades dessa aquisicio. 3. Pesquisa bdsica, tempo e descrigéio Como toda disciplina, a antropologia filmica possui sua gama de métodos. Mas, se estes so as vezes explicitados, discutidos, no mais das vezes eles permanecem implicitos, até mesmo negados; os antrop6logos-cineastas preferem, neste caso, “demonstrar a existéncia do movimento movendo-se”. As condigdes artesanais de realizacio dos filmes etnograticos, associadas & rejeicio da linguagem escrita, no sio estranhas a essa realidade. Para alguns, a experiéncia do cineasta concerne mais & arte do que a Giéncia, mais aos dotes individuais ou inspiracao do que a regras préprias a uma comunidade cienti- fica, B, no entanto, existem alguns principios que contribuem para formar 0 “nticleo duro” da disciplina, Quanto mais estes so aplicados com rigor, mais a disciplina ganha em especilicidade, porém mais 0 procedimento € ingrato e os produtos — salvo algumas excegdes —, de uma palatabilidade varivel, Em contrapartida, quanto mais esses mesmos princfpios sio aplicados com negligéncia, mais o filme etnografico € assimilavel, mais ele se aproxima dos outros géneros de documentrios (reportage jornalistca, filme sociol6gico, filme de intervencio social ou de animaciio cultural), ou dos outros géneros de cinema (filme de ficgio). A antropologia flmica tende, entao, ase diluir em outras disciplinas vizinhas ow a se distanciar da pesquisa basica. Vou contentar-me em evocar alguns desses principios, que me pareceram formar um bloco solidario, quando se trata de estabelecer como objetivo uma das duas facetas da disciplina: 0 conhecimento do homem através da imagem. 26 Em primeiro lugar, se considerarmos a antropologia filmica sob o ponto de vista nico da pesquisa busica, 0 que importa, entfo, antes de tudo, € 0 conhecimento, ou se preferimos, a descoberta do objeto bservado. Se existe um destinaivio imediato dessa pesquisa, ele tem como caracteristica confundisse com o proprio pesquisador, uma ver que este dltimo participa da comunidade dos pesquisadores que, anteriormente, & contribufram para a descoberta do objeto, ou que, posteriormente, poderio benef, Gat se das descobertas atuas¢ lear ainvestigagZo mais adiant. Confundindo-se com o pr6prio pesqui- sador, o destinatrio imediato da pesquisa no aparece como tal, e pode até mesmo parecer inestente Xo entanto ele esté presente cada momento, De fato, existe, igual e necessariamente, um destinatirio onginguo, constitdo pelo piblico mais amplo de espectadores, ao qual flme da pesquisa serd apre- Sentado, Mas, na pesquisa basica, esse destinatirio longinguo, apesar de considerado, permanecefacul. tatvo. E nesse sentido que preferimos aitmar que a atvidade de pesquisa encontra swafinalidade espe- cifica em si mesma. Desse ponto de vista, a antropologiafilmica ainda obedece a regra. Uma das conseqtiéncias desse primeiro principio é que, em pesquisa bisica, qualquer realizagio de fle etnogrétic est, por definiio,fadada 3 exploragio, através de observacio diferida, daquilo que Produaiu. As imagens coletadas e montadas (ofilmado) tém, necessariamente, por vocaco ou mesino por nica vocagdo — serem examinadas com vistas ao aprofundamento do conkecimento do real (0 {lmavel). Mas nem por isso podemos concluir que é conveniente deixar a maneia de filmar propender ara uma apreensio exaustiva do real. Longe disso, Qualquer apreensio filmica do real ésubmetida, é bom lembrat, a algumas leis de mise en scone que proibem a priori uma apresentacdo exaustiva des coisas, das quais € possive tirar proveito a cada momento, afim de ressaltar um aspecto do real em detrimento dos outros. Privileglar a pesquisa bésica tem por coroldrio um segundo prinefpio sobre o qual nunca insis- tremos o suficiente: trata-se do tempo, ou mais exatamente, da disponibilidade temporal do antrop6- Togo-cineasta durante as diferentes etapas da enquetefilmica, Longe de serum cagador que opera aqui ali por meio de razis pontuais de imagens, o pesquisador cineastaé, de mais a mals, um acompanhador das pessoas filmadas, por um tempo indeterminado, As vezes, ele tem de se tornar sedentério e, assim Como o lavrador, prepararo terreno, semear, depois esperar pela colheita Pouco importa que o periodo de insercio preparatdrio afilmagem seja longo ou curto. 0 essencial & que o pesquisador esteja pronto para enfrentaro tempo de inserciio que as pessoas filmadas lhe impéem, an invés de impor thes o seu, pois, em matéria de insergio, a pessoa filmada dita sles, Em contrapartida, © pesquisador impde-Ihe alguns sacrificios, perturbando sua toting e levando-a a revelaro ni exp mmido. Mas 0 antropélogo-cineasta deve também saber enfrentar os tempos mortos em sua prdpria aulvidade, que consistem na espera pura (como se sabe, longos anos de espera foram necessavios a Jean 27 Rouch ¢ Germaine Dieterlen, antes da realizaglo de Fetes soixantenaires du Sigud cher les dogon. As pessoas filmadas so sempre os mestres do desencadeamento, quase sempre imprevisivel, de seus ri. tuais. Nesse contexto, elas so os mestres do tempo, A disponibilidade temporal do pesquisador ¢ igualmente necesséria na fase de registro propria- ‘mente dita, quando a cooperacio com as pessoas filmadas “atinge o sen auge”. Poderfamos ir ainda mais longe: essa disponibilidade é ainda mais indispensdvel quando o pesquisador se dedica & descrigdo de atividades materiais aparentemente simples, de carster tecnol6gico, como, por exemplo, uma simples ‘abricagdo artesanal Paradoxalmente, quanto mais o objeto € simples e reduzido sua apatencia con. reta, mas sua apreensio € longa, uma vez que esti submetida 3 rigida lel da microdescrigfo. Ademais, as atividades materiais sio quase sempre repettivas, o que oferece ao antropélogo-cineasta a ocasiao de sperimentar, ele prdprio, os tempos fracos em sua prépriaaividade. Essa experiéncia consist em repetir {nimeras vezes o registro de um mesmo processo, a fim de ressaltar sucessivamente alguns de seus aspecios ¢ de aprofundar conhecimento a seu respeito."Jé evoquei anteriormente uma conquista do tempo pelo antropslogo-cineast, em razdo das transformagdes dos instrumentos audiovisuais. Ora, uma {al conguista concretizase essencialmente quando o filme etnogrifico nao se contenta em oferecer sornente {Imagens dos tempos fortes da atividade humana (estados de crise, dramas conflituosos, climax das cer. Imonias paroxisticas), mas se dedica, igualmente, a restituir os tempos fracos (atos repetitivos andinos) 6 fempos mortos (siléncios, auséncia de atividade aparente) das pessoas filmadas. Em suma, conquistar © tempo consiste também em enfatizar os longos momentos que separam os tempos fortes da vida de um grupo ou de um individuo. Depots da insergdo e do registro comeca o longo jogo de pacincia que implica no vaivém entre a enquete audiovisual estrita ea enguete oral, feita do questionamento das pessoas flmadas a partir do exame das imagens gravadas. 0 tempo, entéo, é no conta mais, dilata-se em direcio ao infinito. 0 Pesquisador pode ser levado a uma exploraco sem fim, uma vez que cada novo questionamento, cada dilogo, suscita eventualmente outras gravagdes, abrindo novas vias de investigagzo, ou eno retardan. do a verificagio de algumas hipoteses. Para que uma pesquisa filmicasejalevada a cabo, convém, entZo, que se estabelea uma relagio de Cooperacio livremente consentida entre ofilmador e o filmado, na qual o tempo é 0 elemento-chave. Apenas 0 tempo pode dara essa relagio a respiragio necessdra a seu desenvolvimento, 20 respeito & Seus ritos, ds suas normas, ds suas regras. Ora, essa disponibilidade temporal aparece, as Vezes, como uma restri¢do dificilmente compativel com as condigBes materiais ou financeiras presentes na realizago de filmes documentérios de carder etnogréfico. Por essa raz, o relizador opta pela solugio mais prética. 28 A disponibilidade temporal pode ser considerada uma atitude metodol6gica do pesquisador. Para que ela se manifeste plenamente, deve ser colocado & sua disposico um conjunto de procedimentos,"* Dentre estes figura a descri¢Zo, terceiro princspio da pesquisa basica em antropologia filmica. Senhora de seu tempo, a descricio das manifestagdes sensiveis, concretas da atvidade humana, priortariamente de natureza ndo-verbal, € essencia! 3 constituigéo de um capital de materiis que no sejam apenas exploraveis pelos lingtistas ou pelos especialistas das ciéncias da informagzo e da comunicacio, mas, cm primeiro lugar, pelos antropélogos. Pois contrariamente 20 que desejava Margaret Mead, 2 antropo. {ogia dita “visual”, vitima das transformagGes de seu instrumento, tornou-se uma disciplina of words. Claro que jf no sfo exatamente os mesmos que falam, uma vez que a palavra dos antrop6logos foi, em Parte, cedida ds pessoas filmadas. Mas a antropologia flmica nem por isso deixou, sob virios aspectos, de ser uma disciplina tagarela. Muitas de suas obras sio parentes dos filmes produzidos, com vistas a ‘um destinatério imediato que coincide com 0 telespectador de televiso, a0 qual convém apresentat os fatos com a ajuda do guia mais seguro e mais direto: a palavra. Argumentos ndo faltam a favor dessa tendéncia. Por exemplo, o fato de o material de base da antro- ologia flmica ser a tradico oral servird ce apoio & conclusio de que se deve dar tanta atencio a des- cricgdo das palavras quanto 2 dos gestos, aos contetidos da expressio verbal quanto as atividades no ‘erbais, uma vea que ambas revelam a cultura especifica de um determinado grupo humano, a maneira de ser de cada individuo. Longe de mim a idéia de banir as palavras do filme etnogrdfico, emane ela das pessoas filmadas ou do pesquisador. Uma tal mutilaglo seria ainda mais absurda no momento em que a isciplina possu,enfim, o instrumento que lhe permite restitur,e depois analsar, tanto tudo aquilo que dia respeito As aparéncias da palavra, & sua propria mise en scéne (vocalidade, mimicas etc.), quanto 0 que se passa entre as palavras (respiracio, siléncios etc.). Parece, no entanto, que a investigacto ganha em riqueza quando existe um equilibrio na dosagem entre a apreensio da palavra ea do gesto, sendo espeitado o seguinte principio elementar: a restituicZo ou 2 uilizacio filmicas da palavra nao sio indi Densdvels cada vez que esta titima ¢ uiizada como meio de evocagZo substitutivo de fatos e gestos, que Podem muito bem ser mostrados pela imagem. A aplicacdo flexivel desse principio permite ao filme cinogrifico nfo ceder & tentagéo das solugdes “tagarelas” ficeis que representam atalhos na pesquisa efetuados em detrimento de uma descrigéo paciente dos fatos. Quanto mais a enquete filmica cede 4 ta- garelice, mais ela tende — outra vez —, a aproximar o filme etnogréfico do filme de reportagem televisiva, Cujas imagens servem de pano de fundo a expressio oral Além da questio da dosagem entre a descrigio do verbal ea do nfo-verbal, permanece em suspense 4 questio mais geral da prépria legtimidade da descricdo em antropologiafilmica. Porque conceder lhe tanta importincia? Existem vérias respostas possiveis, e vou tentar adiantar duas. 29 Em primeiro lugar, ao conceder 2 descricdo um lugar privilegiado, exclusivo mesmo, a antropolo- gia filmica ndo se contenta em imitar ou prolongar a etnografia clissica. Ela constitu o pleno desenvol- vimento, até entio retardado, desta titima, porque the fornece, enfim, o instrumento que merecia. Com © recuo ques experiéncia da imagem animada permite, a etnografia clissica, baseada no apelo 2 obser- vacio direta, & enquete oral ¢ escrita associadas, aparece como um simples precursor da antropologia filmica. Sem querer cair no finalismo,* os modos de descrigZo escrita que ela suscitou podem ser con- siderados balbucios, comparados as possibilidades descritivas oferecidas pelo filme etnogrifico. Ade- ‘mais, as lacunas da descrigo filmica podem ser preenchidas pela escrita, constantemente disponivel. Apenas a hierarquia entre os diversos meios de expresso utilizados é perturbada, ou seja, a antropolo- sia filmica fornece pela primeira vez os meios para o pleno desenvolvimento de uma descri¢ao cujas possibilidades apenas comecam a ser exploradas, gracas 3 imagem. Em segundo lugar, evitar a priori a descrigio significa excluir, desde os primeiros momentos da investigacio, a possibilidade de tirar proveito de algumas das potencialidades da imagem animada. Com isso, o pesquisador priva-se de uma exploraco minuciosa do real e a matéria de seu exame redua-se a sugestéesfilmicas de acontecimentos. Além disso, recusar a descricao leva ao confinamento da imagem na funcio de ilustracao de um tema geralmente veiculado por meio da linguagem. Ora, quanto mais as imagens sfo relegadas, jd a partir da gravacio, 4 funcio de simples ilustragio, menos clas se tornam aptas a outras funces. A fungdo de ilustragio, exclusiva, esgota de uma s6 ver suas potencialidades de quaisquer outras funcbes possiveis. Em contrapartida, imagens descritivas, salvo excecio, podem ser, or sua vez, utilizadas para fins ilustrativos, segundo o ditado Qué peut le plus, peut fe moins [Quem pode o maior, pode o menor]. Nesse sentido, 2 descri¢ao é mais que legftima, ela ¢ inevitavel. E muitos cineastas que acreditam poder dela escapar pagam um preco alto, seja porque descrevem sem saber, seja porque, privando-se de descrever, realizam, sem saber, algo diferente de um filme etnogrifico, 4, O suave rigor da descrigao 0 que entender exatamente por descricio? Lendo o que precede, serfamos levados a acreditar que ela consiste em nao deixar nada na sombra e atacar somente os detalhes das agdes e das coisas. Nao é *Deacordo com 0.Vovo diciondrio Aunétio da lingua portuguesa, “sistema filos6tico segundo o qual tudo tem um fn determina do". (N. do) 30 nada disso. A descrico possui seus rigores, as vezes disswasivos, mas ela nio 6 desprovida de flexibi- lidade, Ademais, ela é sempre, com maior ou menor intensidade, associada & narracio. De uma maneira geral, deserever consiste em dar-se o tempo de observar e de mostrar. 0 tempo deve poder ser suficientemente esbanjado, para que aquilo que a imagem mostra va além de simples amostras de gestos, acdes, acontecimentos sem continuidade, e ofereca uma apresentacdo continuada dias manifestagoes sensiveis referentes 2 um tema por elas englobado, excedendo-o sempre um pouco. Isso significa que uma descrigio filmica possui uma amplitude, no tempo e no espaco, que tende a res- tituir, se possivel, toda a densidade do real, dar-lhe corpo, com — mais uma vez — seus tempos fortes, seus tempos fracos, mas também seus tempos mortos, até a pura espera silenciosa dos seres filmados. No entanto toda descricao filmica, mesmo a mais detalhada, sendo, repetimos, uma mise en scene, ndo é nada mais que uma transposico realista das coisas submetidas em primeiro lugar as leis cenogrificas de exclusio e de saturagio tal como elas se impdem no cinema documentirio. Se, conforme prega a lei de exclusio,* mostrar uma coisa significa esconder uma outra, simultaneamente, e se, con- forme estabelece a lei de saturacdo," mostrar uma coisa significa mostrar uma outra, simultaneamente, entio nenhuma descrigéo, por mais fiel que seja, € exaustiva ou totalmente controlada no que se refere A preciso. A todo momento, o antropélogo-cineasta deve efetuar um compromisso sutil entre as duas tendéncias opostas da descrigo. Uma o forga necessariamente a saturar sua imagem com elementos aparentemente exteriores a seu propésito (preocupacio com a riqueza), a outra.a eliminar desta mesma imagem os elementos aparentemente nao essenciais (preocupacio com a precisio), Tal compromisso traduz-se em escolhas de mise en scéne (enquadramentos, Angulos, duracao dos platos etc.) que pouca importincia tém se so mais ou menos subjetivos, ou mais ou menos conscientes. 0 essencial é que 0 Pesquisador saiba que toda preciso na descri¢Zo € inevitavelmente acompanhada de uma margem de impreciséo, da qual ele pode tirar proveito no plano cognitivo. Mostrar com precisio exige o olhar paciente do tecndlogo, quando este se dedica a0 exame das aparéncias da atividade humana, preocupado em explorar a maneira como os acontecimentos, as acbes, 05 gestos ¢ os minimos objetos desenvolvem-se no espaco e no tempo, em relacdo uns com os outros. A exploracio minuciosa do real as vezes significa que se penetre profundamente na descricio continuada, nio importando quio ingrata ela seja. E por isso que, neste caso, torna-se necessdrio que o pesquisador seja também o operador da cdmera, responsfvel pela escolha de todos os momentos como o escritor & responsdvel pelo seu texto." Isso vale nZio somente para o estudo das agdes materiais consideradas em simesmas (t€cnicas de fabricagio, técnicas do corpo etc.), mas igualmente para descobrir, assim como jd observei anteriormente, as manifestacdes mais efémeras e mais discretas da sociabilidade de um gru- po humano, a partir dos gestos rituais, os mais banais da vida cotidiana, 31 Mas, 20 mesmo tempo que mostramos, deve ser aceito o fato de que uma parte das coisas (agées, objetos, acontecimentos) escapa inevitavelmente a esta descricdo precisa, porque camuflada, esfumada ou exclufda da cena filmica. Esta parte, na qual se reconhece a margem de impreciséo de qualquer des- crigdo, s6 pode ser sugerida pela imagem, cujo espaco ela, ao mesmo tempo, satura e prolonga muito além do quadro. Ora, a presenca da margem de imprecisao é a fonte da expresso do ambiente das agées dos seres filmados, dimensiio essencial do real. Em outras palavras, a expresstio desta dimensio indefintvel do real que € 0 ambiente encontra seu lugar no seio de qualquer descrico fflmica, através do cuidado que o pesquisador cineasta concede a constituigdo de uma relacio entre aquilo que ele mostra, de manei- ra continuada, e aquilo que ele sugere, jogando com o registro visual (ambiente visual) ou 0 registro sonoro (ambiente sonoro). No entanto, se 0 apelo aos procedimentos de sugestao é, no cinema antropoldgico, um complemen- ‘o indispensdvel da continuidade descritiva, nem sempre ¢ facil, para o antropdlogo-cineasta, dosar pre- iso e sugestio em proveito da continuidade descritiva. £ por isso que, com bastante freqiiéncia, a su- gestdo do “artista” prevalece sobre a preciso do “tecnélogo”. Daf resultam filmes ditos de ambiente em que predominam fragmentos descritivos sem continuidade, interligados mais por aquilo que adivinha- ‘mos do que por aquilo que realmente vemos. Mesmo comportando uma certa margem de imprecisio, a descrigao filmica continuada no é ne- cessariamente microdescritiva, isto 6, apegada ao detalhe de cada aco. Ela pode ser igualmente ma- crodescritiva, isto €, apegada a conjuntos de ages ou de fatos. 0 espirito da descrigdo permanece en- quanto muda a sua escala. Tudo isso jé € conhecido, mas, em contrapartida, nem sempre fica determina- do aquilo que contribui para distinguir suas respectivas mises en scene. Qualquer descri¢ao, quer se interesse pelo conjunto ou pelo detalhe, escolhe um fio condutor longitudinal ou transversal (fabricagio de um objeto, erdnica de um determinado dia, retrato de uma vida, cerimOnia, formas comparadas de exercicio do poder etc.). Esse fio condutor possui um valor narrativo, por mais fraco que ele seja. De acordo coma escolha do fio condutor, se constréi uma descri- io cujas unidades de base temiéticas, no espago e no tempo, terdio dimensdes varsveis, eda qual decorrem mises en scene bastante diferentes, As formas de apresentagio microdescritivas que podemos encontrar nos filmes tecnol6gicos dedi- cados a atividades de fabricacio riisticas, por exemplo, constituem apenas um dentre tantos outros casos de descricio. Eu mesma vivi varias vezes essa experiéncia (La charpaigne, Laveuses). Nesse tipo de pesquisa filmica, a unidade tematica de base da descrigo tem como referéncia espacial 0 gesto humano individual, por exemplo o trabalho da mio em oposigo ao do conjunto do corpo. Essa referéncia espa- cial é simultaneamente associada a uma referéncia temporal cuja unidade de base é constitufda por uma 32 completa operago material, ou seja, por cada etapa da transformagiio do objeto trabalhado & qual con- corre um conjunto de gestos (por exemplo, a montagem, depois a tecedura de uma cesta). Em que consiste, nesse caso, a continuidade descritiva? Consiste na restituico aproximada do encadeamento dos gestos € das operagses, sem pré-julgamentos dos momentos-chave (tempos fortes), e na apreensdo quase perma nente daquilo que chamei, em outra ocasido, de “p6lo operat6rio” da ago material (espaco privilegiado)..” Inversamente, as formas de apresentagio macrodescritivas que encontramos em filmes como Dead birds, Netsilik, Yo live with herds, Sigui etc., esto fundamentadas em vastas unidades tematicas de base, cuja refer8ncia espacial é, por exemplo, a atividade de um grupo (guerreiro, religioso, econdmi- 0), considerado em seu conjunto. A essa referencia espacial est associada uma referéncia temporal tal como um ciclo sazonal de trabalhos cotidianos, ou ainda, uma etapa mais ou menos longa na cadeia de ritos cerimoniais do grupo. A continuidade descritiva desses vastos conjuntos nao consiste mais numa restituigo aproximada do encadeamento preciso dos gestos, de quaisquer operages, nem numa delimi- taco quase permanente do pélo operat6rio da ago material. Ela consiste mais precisamente na apreen- io espacial das principais zonas de interagio entre os membros do grupo e numa selecio das opera- Gbes-chave, até mesmo de certos momentos ou gestos-chave dessas operacdes. A restituigo aproximada dos encadeamentos de fatos concerne preferencialmente a grandes fases temporais da vida do grupo: alternncia dos tempos fortes e dos tempos mortos da atividade (trabalho/tepouso), ritmos nictémeros ou sazonais, variagbes no percurso ou ocupacio dos espagos etc, De uma maneira geral, a macrodescri¢o ‘tinge ainda mais seus objetivos quando seu autor aceita esbanjar um pouco do tempo que ganhou na TestituigZo das agbes, preocupando-se em explorar, além do ato eficaz, aspectos que contribuem para criar a respirago cultural de um grupo: grandes variagGes ritmicas e presenca do tecido ecolégico na vida dos seres filmados. Micro e macrodescri¢2o levantam, tanto uma quanto outra, dificuldades que Ihes so préprias. Entregue unicamente as suas pr6prias especificidades, a microdescrigao deixa insatisfeitos muitos an- tropélogos-cineastas preocupados em oferecer, em um Ginico filme, aquilo que Karl Heider chamoua twholistic approach de um grupo, de uma etnia, de um problema qualquer."* No que me concerne, uma longa experiéncia com esse modo de apresentagio me convenceu de que ele possui as qualidades e os efeitos opostos, mas complementares, da macrodescricAo. A microdescri¢do goza, no nivel da expres- Slo, de uma grande aaéonomia interna, ou intrafimica Isso significa que ainteligibilidade das aparéncias dde que ela trata é quase imediata, pelo simples exame das imagens, sem a ajuda de um comentario interno a0 filme. Apreendendo antes de tudo os seres e 0s fatos através de suas manifestagbes sensiveis, ela constitui aquilo que ha de mais especificamente cinematogrético em toda enquete filmica. Em contra- partida, est4 sujeita a uma dependéncia externa, ou extrafilmica, com relacio aos outros modos de 33 expresso, no que diz respeito & conexo daquilo que ela mostra com o conjunto das outras atividades mostraveis dos agentes da ago filmada, ou com o sistema de valores, normas, fungles, significagées do tipo no mostrével do grupo a0 qual pertencem os seres filmados. Por isso, éfreqiiente a necessidade de ser completada, seja através de outras microdescricdes, seja através de um comentirio sob a forma de informacoes verbais externas a0 filme, essencialmente escritas (placas, artigos, livros etc.). Estas tlti- mas colocam notadamente em evidéncia, por meio da anilise fina e aprofundada das ambigiiidades, as motivagdes ocultas das minimas manifestacdes filmadas que um comentécio oral ou escrito, interno a0 filme, no poderia esgotar sem sobrecarregar consideravelmente a apresentaciio das imagens.” Jéa macrodescricao é mais sedutora a primeira vista, pois goza de uma maior autonomia exter- ‘na, ou extrafilmica, no plano da expressio. Um vasto afresco etnocinematogrético pode ser intligivel 20 espectador sem a ajuda de um comentario externo ao filme, sob forma de texto, Mas essa relativa inde- pendéncia externa é compensada por uma dependéncia interna, ow intrafflmica, das imagens em rela- io aum comentario préprio ao filme, geralmente oral, quer o seu autor seja o préprio realizador ou uma das pessoas filmadas, Qualquer que seja a continuidade da macrodeserigfo, ela deixa inaparentes demasiadas porgGes de atividades para se sustentar sem 0 apoio de elementos de ligacio ¢ de explicagio imediatamente trazidos pela linguagem. Isso quer dizer que a macrodescri¢io é menos especificamente cinematografica que a microdescrigdo. Ela é, por natureza, multimedistica. Evidentemente, existem exce- ‘Ges. No entanto, quanto mais a macrodescrigdo procura evitar o comentario intrafilmico, mais ela tende ‘ase submeter as normas da microdescrigdo ou a reduzir seu campo de inteligibilidade. No limite, torna- se uma pura expressio ritmo-pictural, agindo através de uma sucesso de quadros animados que resti- tem os grandes ritmos da vida, como fez, por exemplo, 0 filme de ficco de Ermanino Olmi, L'Albero degli zoccoli (4 drvore dos tamancos] (1978). Tolerando importantes margens de imprecisio, que se tornam mais acessiveis pelo necessario apelo 4 linguagem* a descrigdo filmica, como vemos, nio é uma forma de investigacZo tio austera quanto parece. 0 que vem atenuar ainda mais sua austeridade ¢ o fato de, mesmo estritamente conduzida, ela ser sempre acompanhada de uma forma audiovisual nfo-verbal de narra¢0. Coexistindo em todo filme documentério, descrigo e narragdo filmicas esto permanentemente disputando a.apresentacio do real sem jamais uma poder eliminar a outra. Resulta ento que aquilo que parece as vezes ser pura descriga0 6 apenas a manifestacio de uma dominante descritiva. A mesma coisa acontece com a narracio. Ora, foi essa dominante descritiva, e a nada além disso, que a presente exposigio se dedicou. Grosso modo, o elemento narrativo apéia-se essencialmente naquilo que, na apresentacio, situa- se no eixo do tempo. Dessa maneira, ele exprime aquilo que mais diretamente tem relagio com 0 desen- rolar da ado dos seres filmados, com a dinimica temporal do fio condutor, Jé a descrigao tende a 34 espacializar a apresentacZo, atardando-se no desdobramento da base material, sensivel, da aco em seu ambiente. & por isso que um filme de dominante descritiva pode dar ao espectador a impressio de arras- ar a apresentagio da ago recheando-a de acessérios aparentemente initeis. A narracio prende-se, antes de mais nada, 20 homem, por isso ela tende a situar tudo no nivel de sua agéo. Em termos de conheci- mento, ela é antropocéntrica, até mesmo antropomérfica. Mas ela adula a sensibilidade do espectador. Ja 4 descricao se interessa pela natureza em seu conjunto, por isso tende a revolver todas as partes que a compéem, dentre as quais encontra-se o homem. Podemos ver nisso a expressio de um fisiocentrismo que ampliaa perspectiva, mas ao prego de uma certa desumanizagi Quando o antropélogo-cineasta privilegia a narracio (dominante narrativa), procurando dar a seu filme a dirego de uma est6ria 4 qual vém se juntar, aqui e ali, algumas descrigSes, ele o torna mais airaente aos olhios do espectador, cuja curiosidade é a todo instante estimulada. Fle outorga uma orien- ‘agdo e uma justificagdo imediatas as descrigdes e, assim, apenas perpetua uma tradicio da solicitagio diretiva veiculada pela linguagem. Nesse sentido, escolhe a soluo mais confortavel para o espectador, Por ser amenos desconcertante. Em contrapartida, quando, privilegiando a descricao, detém-se no peso do sensivel, esté escolhendo uma via certamente mais duvidosa, porém mais nova, cuja descoberta im- plica que uma certa confianca seja concedida & curiosidade espontinea do espectador, bem como sua capacidade de transformar o préprio olhat, ‘Mas, sem que seja necessério fugir a qualquer prego dos rigores da disciplina, existe uma infini- dade de dosagens possiveis entre descricio ¢ narragdo, que permitiram, até agora, aos antropélogos- cineastas, respeitar 05 princ{pios de uma descri¢o continuada em seus filmes, 20 mesmo tempo em que atraem e conservam, por intermédio de uma trama narrativa, ainda que branda, a atencdo de um vasto pliblico, E a0 feliz equilfbrio entre essas duas tendéncias da apresentacao que devemos, em parte, 0 sucesso dos grandes filmes etnogréficos, 5. B agora. Encruzilhada de saberes especializados, as vezes mal integrados uns aos outros, a antropologia ‘flmica aparece, no final das contas, como ta disciplina ambigua, gencrosa, mas um pouco desordenada, cuja génese ¢ diffe! porque a embarcacio estd demasiadamente carregada, Contribuem para sobrecarre. gar seu movimento: a amplitude do campo estudado ¢ o controle imperfeito de um instrumento novo, ele mesmo objeto de estudo; a rejeigdo da escrita e a necessidade de ajustar, se nao na pratica, sempre na ‘eoria, a questo dos status respectivos da linguagem e da imagem, no seio de um tipo de pesquisa div 35 ida entre a preocupagio de fazer algo novo usando coisas antigas (como integrar e repensat a lingua- gem no contexto da apreensao audiovisual?) e fazer algo antigo usando coisas novas (como integrar a apreensio audiovisual no contexto de uma pesquisa clissica estruturada pela linguagem?). A isso vem juntar-se a preocupacio em agradar, freqiientemente incompativel com as exigéncias de uma pesquisa em ‘grande parte fundamentada na paciente descricao individual dos fatos sensiveis, Atrds dessa aparente desordem, contudo, e em grande parte gracas a ela, desenvolvem-se todas as condigdes de uma disciplina do sensivel, ditia mesmo da disciplina do sensfvel por exceléncia, porque profundamente arraigada ao terreno e a mais bem aparelhada para uma descricio das maneiras de ser do homem, 2 altura do olhar humano. E, se este caminho, considerado por muitos como ingrato demais, ficou abandonado, devemos ver nisso uma razo a mais para segui-lo, pois, l4 onde o terreno esti livre, ndo se deve temer ir cultiva-lo, sem preocupar-se com o beneficio imediato. Da mesma forma, é fecunda a perturbadora novidade do instrumento. Fomentando aprendizado € transformagao das atitudes metodolégicas, ela suscita ao mesmo tempo interrogacées ¢ experimentagdes ousadas que, em certos ‘momentos, colocaram a enquete filmica dos etnélogos na ponta da pesquisa em ciéncias humanas, ‘Muitas vias restam a ser exploradas pela descricdo, a experimentagio ea reflexiio, quer se trate das reas ou dos métodos. Mas, desde j4, as conquistas longamente acumuladas sobre bases descritivas comecam a ser objeto de exames cada vex mais aprofundados. 0 material oferecido pelos filmes etnograficos nao € objeto de anilises sistemiticas apenas para os préprios pesquisadores antrop6logos que 0s elaboraram. Ele ajuda igualmente especialistas de hist6ria contempordnea, socidlogos, psicdlo- gos a verificarem hipéteses ou construir novas. Isso quer dizer que a antropologia filmica produz traba- hos que oferecem uma base comum & prépria investigacZo ¢ de pesquisadores que pertencam a outras disciplinas. A paciente deseri¢do dos fatos nao é estranha a esse papel de centro nervoso que o filme etnogréfico representa, nas ciéncias humanas, Hoje, a medida que continuam a filmar os seres humanos e a experimentar seus instrumentos, os antropélogos-cineastas devem afrontar novas tarefas que solicitam, mais uma vez, os servicos de sua paciéucia e de sua imaginagao. Eles devem, de fato, elevar-se 2 altura de sua maneira de apreender os seres filmados, sua maneira, ainda balbuciante, de confrontar e analisar as imagens dos seres filmados, Mas, nisso também, convém apressar-se lentamente. Notas GL Glaudine de France, Cinéma et anthropologie, 1982, Ed em portugués: Cinema e antropologia (Maccus Freie trad.) Came pinas: Edtore da Usicav, 1998. Margaret Mead, "Visual anropology na discipline of words” in Paul Hocking (d.) Principles of visual anthropology, 1975 Por exemplo,o aprimoramento e uilizagi de téencas lees de gravagio sincronizada da imagem e do som por Jean Rouch, «quando da realizagio de Ghronique d'un été, 1960; as experiéncis de novas formas de comentario testadas por Jean Rouch (Goi wn Notr, 1958; Chronique dun ét, 1960; Tourou et bit, 1971; Promenade insprde, 1988 ec.) ou David MacDougall (comentiios-dilogos em Lorang's ca, 1977). CE Xavier de France, léments de scénagraphie du cinéma, 1982. [A nogao de “cenogratia” estéinserida naquilo que o autor chama de “eenogeafia eral” (scénograpbie générale), use, a“discplina que estuda maneira que os seresvivos vilizam para presenta, se apresentar e dese prestar§ apresenagi”,(N. do). ] André Leri-Gourkan, Le geste et la parole, 1964-1965. Dois exemplos: Sassalé,deJean-Pirte Olivier de Satdan. Niger, 1970; Les chemins dela soe, de Marc Paul, Cévennes, 1987. CL Les temps du pouvoir, de Blane de Latour. Niger, 1988 Marcel Mauss, “Les techniques du corps, in Sociologe et antbropolig, 1934 (4 ed, 1968) “Anlocomentirio”, nogdo defnida por Annie Comolli em “La parole retrouvée ou !autocommentare et ses mises enscéne”, Xoana, 3. ois longos meses de explicagbes ede esbogs ftogrtics, comentados a pedido do artesio, me foram necessirios ates dele ‘mar o primeiro plano de La charpaigne (1969), filme que dediquei 3 simples fabricagio de uma cesta de vime em um vlarejo da Borgonha, E.Claudine de France, “O método dos esbogos”, in Ginema.., op. em, “O método..", in op. cit. Tata-se do método da observagio GL Xavier de France, “Méthodologie des procédés, methodologie ds atitudes", Cinéma, ytbes et Rites Contemporains, 10. Gt Xavier de France, Zléments de seénograpbie du cinéma, Capitulo 7, CE Claudine de France, ‘La loi d'encombrement et sa coordination avec d'autres lis dela présentationcinématographique”, n Le film documentaire: contraintes et options de mise en scéne. Sobre esta questio, cf, Jane Guéronnet, Le geste cinématograpbique, 1987. Anogio de “polo operatério” designa o espago de interacHo imediata entre a parte do corpo do agente ou do instrument engajado na. agi ¢ 0 objeto sobre o qual se exerce esta aco, Cf. Cinema... op. cit, Capitulo 1 CL. ftbnograpbic fm, 1976. Eo que ilustra o artigo de Jone Guéronnet, no presente volume, Sobrea necessidade de um comentiro, mesmo que seja mimo, cf Claudine de France, tions", in Byes across the water, 1989. Conimentary: some preliminary defini- 37 Bibliografia Conout, Annie, “La parole retrouvée ou l'autocommentaire et ses mises en scdne", Yoana, n°3 Frc, Claudine de. Ginéma et anthropologie. Paris: Maison des Sciences de ‘Homme, 1982 (2# ed 1989). Bd. em portugués, Cinema e antropologia (Mircius Freire trad.). Campinas: Editora da Usicwne, 1998, 4 Joi d’encombrement et sa coordination avec d'autres lois de la présentation cinémato- graphique”, in Le film documentaire: contraintes et options de mise en scene. Nanterre: + Université de Paris X, 1982, pp. 5-26. —— “Commentary: some preliminary definitions", in Byes across the water, Amsterda: Het Spinhuis, Pp. 18-32, 1989, Fruvce, Xavier de, Eléments de scénographie du cinéma. Nanterre: Université de Paris X, colegio Cinéma et Sciences Humaines, 1982 (2 ed. 1989). —— “Méthodologie des procédés, méthodologie des atitudes”, Cinéma, Rites et Mythes Contempo- rains, 1 10, Ecole Pratique des Hautes Etudes, 1989, pp. 51-53. Gutzowser, Jane. Le geste cinématograpbique, Nanterre: Université de Paris X, 1987, colegZo Cinéma et Sciences Humaines. Heer, Karl. Ethnographic film. Austin: University of Texas Press, 1976. Lexor-Gounts, André: Le geste ot la parole — Technique et langage. Paris: Albin Michel, 1964, vol 1 -Legeste et la parole — La mémoire et les rythmes. Paris: lbin Michel, 1965, vol. 2 ‘Mavss, Marcel. “Les techniques du corps”, in Sociologie et antbropologie, 4+ ed. Presses Universitaires de France, 1968, pp. 365-386. 39 Mrap, Margaret. “Visual anthropology in a discipline of words”, in Hockings, Paul (org.), Principles of visual anthropology. The Hague-Paris, Mouton, pp. 3-10. 40 Filmografia Bankai, Asen. Netsilik eskimos: at the winter sea ice camp, 16 mm, colorido, 136 min. Paris: Office National du Film du Canada, 1965, Bartsoy, Gregory e Mrsp, Margaret. Trance and dance in Bali, preto-e-branco,1936-1938 Dusrens, Germaine e Rove, Jean, Petes sotxantenaires du Sigui. Meudon: Coxs-Audiovisuel, 1967-1973, France, Claudine de, La charpaigne, 16 mm, Preto-e-branco, 30 min. Meudon: Cyrs-Audiovisuel, 1969. — Zaveuses, 16 mm, colorido, 30 min. Meudon: Cyks-Audiovisuel, 1970. Gsroxer, Robert. Dead birds, 16 mm, colorido, 83 min. Paris: Comité du Film Ethnographique, 1963. Gawuue, Marcel, Sous les masques noirs, 16 mm, preto-e-branco, 13 min. Paris: Comité du Film Ethnographique, 1938, Latour, Eliane de. Les temps du pouvoir, 16 mm, colorido, 52 min, Meudon: Caws-Audiovisuel, 1988, MacDovost, David. To live with herds, 16 mm, preto-e-branco, 68 min. Rice University, 1970, MacDovcau., David. Lorang’s way, 16 mm, colorido, 52 min, 1976. Marsuct, John. The bunters, 16 mm, colorido, 73 min, Paris: Comité du Film Ethnographique, 1956. Meso, Margaret. Ver Barssox, Gregory. Monin, Edgar e Rovck, Jean. Chronique d'un été, 16 sm, preto-e-branco, 90 min. Paris: Comité du Film Ethnographique, 1961. Cuvee oF Siena, Jean-Pierre, Sassalé, 16 mm, colorido, 65 min. Meudon: Coas-Audiovisuel, 1970. 41 Otm, Ermanno. LArbero degli zoccoti (A drvore dos tamancos], 35 mm, colorido, 190 min, 1978, Pru, Marc. Les chemins de la soie, 16 mm, colorido, 52 min. Meudon: Csts-Audiovisuel, 1987, Rocca, Jean. of un noir, 16 mm, colorido, 90 min, Meudon: Coxs-Audiovisuel, 1958, ———- Tourou et bitti, 16 mm, colorido, 10 min, Meudon; Cyns-Audiovisuel, 1969. —— Promenade inspiré, 16 mm, colorido, 40 min, Paris: Comité du Film Ethnographique, 1987, Ver também Dicterut, Germaine Moris, Edgar, 42

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