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Anotações:
Resumo:
Este artigo pretende trabalhar com os aspectos jurídicos
brasileiros mais gerais sobre a formação, o ordenamento e o de-
senvolvimento do chamado Terceiro Setor, discutindo a forma-
ção das entidades sem fins lucrativos; os títulos, certificados, qua-
lificações e possibilidades de acordos com o Poder Público; os
recursos, benefícios fiscais, contribuições sociais e doações e as
principais questões trabalhistas.
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O Terceiro Setor em Perspectiva
Anotações: Introdução
O presente artigo pretende expor, de maneira simples, os
aspectos mais gerais sobre a formação, o ordenamento e o desen-
volvimento das entidades do chamado Terceiro Setor (expressão
que vem do termo inglês Third Sector, sendo também empregados
outros nomes, como Independent ou Non-Profit, Voluntary e Public
Cherity) nos seus aspectos jurídicos.
Discutir o Terceiro Setor e suas relações com o mundo ju-
rídico não é uma tarefa inédita – vários autores, com as mais vari-
adas abordagens, já escreveram sobre como esse setor é regulado
juridicamente no Brasil, como foi o caso da recente iniciativa da
OAB de São Paulo ao compor a Cartilha Terceiro Setor, entre ou-
tros. De todo modo, existem aspectos particulares que desejamos
evidenciar em nossa discussão.
A legislação brasileira sobre o tema é relativamente recente
e já passou por várias alterações no seu curto espaço de tempo,
classificando e definindo quais entidades merecem ser enquadra-
das como sem fins lucrativos de interesse público ou, usando o
termo mais atual, sem fins econômicos.
Existe uma infinidade de entidades sem fins lucrativos, sen-
do que grande parte delas procura suprir os espaços onde o Esta-
do e o mercado não podem (ou se interessam em) agir de maneira
satisfatória. De acordo com Paulo Modesto,
O Estado não deve nem tem condições de monopolizar a prestação
direta, executiva, dos serviços públicos e dos serviços de assistência social ou
de interesse coletivo. Estes podem ser geridos ou executados por outros sujei-
tos, públicos ou privados, inclusive públicos não-estatais, como associações
ou consórcios de usuários, fundações e organizações não-governamentais sem
fins lucrativos, sempre sob a fiscalização e supervisão imediata do Estado.
Poderão ainda ser operados em regime de co-gestão, mediante a formação de
consórcios intergovernamentais ou entre o poder público e pessoas jurídicas
privadas. (1998, p. 28)
Este artigo irá trabalhar, essencialmente, com algumas mo-
dalidades de entidades sem fins lucrativos ou econômicos, pois al-
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Discussões sobre o Ordenamento Jurídico do Terceiro Setor na Legislação Brasileira
gumas entidades que também podem ser classificadas dessa manei- Anotações:
ra dentro do conceito de Organização Social Tripartite (como sin-
dicatos, partidos políticos, etc.) têm legislação específica.1
O maior problema da jurisdição sobre o Terceiro Setor é
uma questão comum a toda estrutura jurídica brasileira: seu cará-
ter excessivamente burocrático, que procura, representando os
setores governamental e mercantil, controlar ou instrumentalizar
as mais variadas expressões da sociedade, em particular as relaci-
onadas com o setor associativo. Em outras palavras, o Estado (de
onde oriunda o ordenamento jurídico básico de uma sociedade) é
usado para satisfazer os interesses dos setores governamental e
mercantil, muitas vezes em detrimento do setor associativo, ou
simplesmente para dominá-lo.
Assim sendo, encontramos, no decorrer da história e da
legislação atual, leis confusas com procedimentos jurídicos
exageradamente complicados ou mesmo inconstitucionais.
A prática da elite para dominar a sociedade brasileira pela
legislação não é novidade. A estrutura jurídica portuguesa, herda-
da pelo Brasil, sempre foi excessivamente burocrática e procurou
dominar quaisquer forças sociais que pudessem trazer mudanças,
em particular contra as regalias do grupo, denominado pelo juris-
ta Raymundo Farao, como estamento burocrático, grupo esse que
vive justamente às custas do Estado. (FAORO, 2000)
Assim, as tentativas de controle e/ou instrumentalização
de atividades associativas foram orquestradas pelo setor governa-
mental, com as mais variadas intenções, inúmeras vezes na histó-
ria brasileira. Um desses momentos ocorreu na década de 20 do
1
A definição de Terceiro Setor do Núcleo de Estudos e Serviços do Terceiro Setor
(NESTS) da FAAT trabalha com a idéia da existência de uma Organização Social
Tripartite, formada pelos setores governamental - que procura dirigir o Estado e as
políticas públicas, mercantil - que cuida da produção econômica como um todo, e
associativo - que consiste em organizações e grupos para as mais variadas funções
sociais, quase sempre no “espaço” que os outros dois setores não conseguem (não
podem ou não querem) atuar. Nesse caso, essas entidades estariam ligadas ao setor
associativo – Terceiro Setor, portanto.
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O Terceiro Setor em Perspectiva
4. Títulos e certificados
Foram criados vários instrumentos para a classificação des-
sas entidades associativas, como os títulos e certificados.
As entidades podem escolher qual instrumento de qualifi-
cação que desejam, mas, em vários casos, é necessário optar por
um deles. Alguns são pré-requisitos para outros e nem todos são
cumulativos, sendo necessário, portanto, a assessoria de um advo-
gado para esclarecimentos.
Os benefícios da obtenção dos títulos são: (a) diferenciar as
entidades que os possuem para que essas possam inserir-se num
regime jurídico específico, (b) mostrar que a entidade tem respal-
do legal e, portanto, detém credibilidade, (c) facilitar a captação
de investimentos privados e financiamentos, (d) facilitar acesso a
benefícios fiscais, (e) possibilitar acesso a recursos públicos e (f)
possibilitar a utilização de incentivos fiscais pelos doadores. (OAB,
2005, p. 12)
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O Terceiro Setor em Perspectiva
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Discussões sobre o Ordenamento Jurídico do Terceiro Setor na Legislação Brasileira
Impostos Federais
Imposto Modalidade
Renda (IR) Imunidade
Territorial Rural (ITR) Imunidade
Produtos Industrializados (IPI) Isenção
Importação (II) Isenção ou Redução
Exportação (IE) Alíquota Zero
Operações de Crédito, Câmbio e Seguro (IOC) Isenção
Operações Financeiras (IOF) Isenção
Impostos Estaduais
Imposto Modalidade
Circulação de Mercadorias (ICMS) Isenção (conforme normas estaduais)
Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) Imunidade
Transmissão de Bens Causa Mortis e Doação Imunidade
(ITCMD)
Impostos Municipais
Imposto Modalidade
Propriedade Territorial Urbana (IPTU) Imunidade
Serviços (ISS) Imunidade
Transmissão de Bens Imóveis por Atos Imunidade
Invervivos (ITBI)
Doação Modalidade
Fundos de Direitos da Criança e do 6% do valor do Imposto de Renda da Pessoa
Adolescente Física e 1% do valor do Imposto de Renda da
Pessoa Jurídica
Operações de Caráter Cultural e Artístico (Lei Pessoa Física: deduzir 80% do montante
Rouanet) investido em caso de doação e 60% em caso de
patrocínio, sendo que o porcentual do
abatimento é de até 6% do Imposto de Renda;
Pessoa Jurídica: deduzir 40% em doação e 30%
em patrocínio, sendo que o porcentual de
abatimento é de até 4% do Imposto de Renda;
Destinadas à Atividade Audiovisual Pessoa Física, 6%; Pessoa Jurídica, 3% (não
podendo ultrapassar, tanto em um quanto em
outro, o valor de R$ 3.000.000,00)
Entidades Civis que Prestam Serviços Gratuitos Pessoa Jurídica – 2% do lucro operacional
(Utilidade Pública e OSCIPS)
Instituições de Ensino e Pesquisa (criadas por Limite: 1,5% do lucro operacional
lei federal)
Lei Mendonça – Lei de Incentivo à Cultura da Dedução de 70% do valor investido no projeto
Cidade de São Paulo até o limite de 20% do total devido de ISS e
IPTU
7. Relações trabalhistas
Relações de trabalho consistem, basicamente, nas mesmas
normas estipuladas pela CLT em entidades com fins lucrativos. É
preciso entregar ao Ministério Público o formulário da Relação
Anual de Informações Sociais (RAIS), em janeiro, mesmo que a
entidade não tenha empregado algum – a RAIS é negativa.
O trabalho voluntariado é fundamental para as entidades
sem fins lucrativos. De acordo com a Organização das Nações
Unidas, voluntariado é qualquer pessoa que, movida por interesse
pessoal e espírito cívico, dedique parte de seu tempo, sem remu-
neração de qualquer espécie, a atividades de bem-estar social ou
auxílios diversos para o mesmo fim. (COELHO, 2000, 69) Muitas
entidades sem fins lucrativos utilizam grande número de voluntá-
rios para a execução de seus fins sociais.
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O Terceiro Setor em Perspectiva
Conclusões
Tentamos, no decorrer deste artigo, explicar as relações
básicas das formas jurídicas brasileiras em relação ao Terceiro Setor.
Embora a legislação já tenha sido alterada para simplificar as rela-
ções desse setor, como foi o caso da criação das OSCIPs, o uni-
verso jurídico brasileiro ainda é bastante confuso. Eduardo Szazi
comenta:
200
Discussões sobre o Ordenamento Jurídico do Terceiro Setor na Legislação Brasileira
3
Extraído de: Folha de S. Paulo. São Paulo, 25/11/2005, p. A 27.
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Discussões sobre o Ordenamento Jurídico do Terceiro Setor na Legislação Brasileira
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