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REGINA HORTA DUARTE 6 hy oxen (Mo Clem pyr te eo wots hve viele Bae Me sy men Phe tys fips 7700 fet ea herve Coop? pce Ciba ft Ayo A IMAGEN REBELDE - A TRAJETORIA LIBERTARIA DE AVELINO FOSCOLO "Honnak um pensadon no % ekogii-Lo nem mesmo intenpreta-Lo, mas discutin sua obka, mantendo-c, dessa gonma, vivo, ¢~ denonstrando em ato, que ele desasia-¢ tempo © mandim sua reteviineia,” Connetins Castoriadis (0 Destinos do Téatitarismo} Tese de Mestrado apresentada ao Departa mento de Histéria do Instituto de Filo- sofia e Ciéncias Humanas da Universida~ de Estadual de Campinas. BELO HORIZONTE, 1988 Ao Tom, Thiago, Barbara ¢ Daniok, que a cada dia me ensinam atgo acerca do anon, AGRADECIMENTOS Varias pessoas ajudaram-me na trajetéria que realizei durante a elaboracSo desta Tese de Mestrado. A MICHAEL HALL, agradego a orientagao do tra balho , a compreensSo que demonstrou frente As minhas divi- das e dificuldades na superag3o de obst@culos e 0 auxflio decisivo nos instantes finais. ALCIR LENHARO deu-me constante apoio, estimu lando-me com criticas sinceras e construtivas. A supera - gio de momentos dificeis e de indeterminagio deve-se, em grande parte, 4 sua paciente leitura dos originais. Ao lado de ELIANA REGINA DE FREITAS DUTRA , anos atr§s, descobré o nome de Avelino Féscolo, em rodapés de obras sobre literatura anarquista. Sob a orientagSo des- ta professora, comegamos a colher os primeiros frutos da pesquisa, permanecendo em mim o desefitio de aprofundar as primeiras investigagdes. Ja nesses momentos iniciais, mui- tas pessoas contribuiram inestimavelmente: FLAVIO LUIZETTO, com indicagSes bibliograficas e grande disponibilidade para discussSo e esclarecimentos; EDGAR RODRIGUES, que através da solicitude com que respondia 4s minhas infindaveis car- tas, muito me ensinou sobre a sdlidariedade libertaria. A todos os colegas do mestrado, deixo meu agradecimento pelo companheirismo e a saudade da convivén- cia diaria: DIANA, BETANIA, ANDRE, SILVANA, ISABEL, RUI , EMERSON, IVONE, NINA, ANICLEIDE, JOYA e MIRZA. A DIANA € BETANIA agradego também a leitura dos originais e as valio sas sugestées. Nao poderia deixar de citar o nome do Prof, JOSE DB SETXAS SOBRINHO, exemplo de um historiador que lida com os documentos com sagacidade e imaginagdo, que indicou- me a localizago de importantes fontes. Agradego a NESTOR FOSCOLO, pela disposigio e amabilidade com que sempre rece- beu-me em sua residéncia: as doces lembrangas que guarda do pai muito representaram para meu trabalho. Margareth Rago leu os originais, apresentando criticas que me levaram a a- madurecer varias reflexdes presentes nessa Tese. VERA CHALMERS, ao participar da banca de qualificagio, realizou comentarios fteis e instigantes. Aos funcion&rios do Arquivo Pablico Mineiro, do Museu do Ouro (Sabar4) e do Arquivo Edgard Leuenroth sou grata pelo excelente atendimento e auxilio na localiza~ gio de fontes imprescindfveis ao trabalho. CARMEM — FEROLA revisou pacientemente o texto, A HEBE RUISDIAS FONSECA € ANA ELIZABETH ROCHA, agradego a cuidadosa datilografia. Ao lado destas pessoas com as quais convivi através das atividades relacionadas 4 pesquisa, outras me acompanham hd muito tempo, dando-me amor e segurangas meu pai e minha me, sem os quais nada seria possivel para mim; meus irmos, cuja amizade sempre se faz presente. Mas ha alguém muito especial, a quem gosta~ xia de agradecer os fascinantes contatos: AVELINO FOSCOLO, junto ao qual aprendi sobre mundos que antes desconhecia. Foi ele, sem divida, o meu constante companheiro durante as solitdrias tarefas de pesquisa. t INDICE Introdugdo ...... © Ator .... © Semeador , vuledes ... Apéndices ......4. Refer8ncias Bibliogr&ficas ..... ere ol 07 7 135 185 216 TNTRODUCAD H& alguns anos atras, quando voltei minha a~ tengao para a historiografia sobre as manifestagdes anarquis - tas no Brasil, encontrei o neme de Avelino Féscolo, sempre ci~ tado como um militante isolado mum lugarejo mineiro, a fregue- sia de Taboleiro Grande, atual cidade de Paraopeba. 0 inicio de minhas pesquisas deu-se num mo - mento em que esse anarquista encontrava-se quase totalmente es quecido. 0 acesso a suas obras literarias e aos jornais. pio - neiramente fundados por ele em pleno sertao estimulou-me a pros seguir meus estudos sobre as atividades anarquistas em Minas.A té ent&o, encontrara fortes dificuldades em obter infoxrmagSes referentes &s organizagSes sindicais, pois os indicios da pre- senga,nas mesmas, de militantes libertaérios, eram quase inexis tentes, Nos jornais da época até entao consultados, o siléncio sobre o tema era desanimador. Seguindo, porém, os vestigios dei, xados por Avelino Féscolo, tornou-se-me possivel trilhar um ou tro caminho na recuperag&o de aspectos da pratica libertaria em Minas Gerais. © caréter fragment&rio do objeto estudado nao me pareceu um obstaculo. Afinal, sendo a histéria "uma ciéncia de um tipo muito particular", as estratégias dos historiadores em sous trabalhos de pesquisa, assim como os resultados destes estudos, dizem respeito a "casos particulares, seja referentes a individuos, a grupos sociais ou a sociedades inteiras.(...)E © conhecimento do historiador (. ) & indireto e conjectural , baseado em sinais e fragmentos de evidéneia" (Ginsburg, C.1980). Lidar com um estudo de caso ajudou-me a perceber claramente a necessidade de direcionar minha reflexio no sentido de compre- ender como Avelino Féscolo construira um discurso bem especifi co, vivendo num contexto histérico diferenciado e que o levava a indagagSes e reagdes préprias, Afastando-me de preocupagdes tais como explicar as atividades de Avelino Féscolo a partir de uma teoria geral acerca do anarquismo, busquei reconstituir as veredas por ele percorridas em sua trajet6ria libertaria. A partir dai, creio que o trabalho deixou de ser uma discussdo so bre a vida de um militante isolado e esquecido, para focalizar alguns aspectos da histéria de Minas Gerais, nas duas Gltimas @cadas do século XIX e nas duas primeiras do século Xx. Nessa reconstrugao histérica, trés localida~ des foram estudadas em diferentes momentos e sob perspectivas Gistintas: Sabaré, Taboleiro Grande e Belo Horizonte, lugares onde Féscolo habitou e vivenciou situagdes decisivas para sua obra e sua atuagdo como anarguista. Na obra do escritor estuda Go, trés imagens surgiam insistentemente, com importantes sig- nificados a ser explorados: no perfodo em que viveu em Sabara, Féscolo demonstra, através de seus escritos, uma grande obses- sio pelo contraste 1uz/sombra; em Taboleiro Grande, sentindo -— se isolado num cenSrio rural, lida constantemente com a figura do semeador, identificando-se como tal; em Belo Horizonte,fren te ao acirramento dos conflitos sociais na década de 20, & do- minado pela imagem da revolugio como um vule’o fumegante e pres tes a explodir. A partir dessas constatagdes, dividi o traba - ho em trés momentos, privilegiando em cada um deles a refle -— x80 sobre cada localidade por onde Féscolo passara e a repre - sentagao simbélica mais recorrente em diferentes momentos de sua obra. © primeiro capitulo, © Ator, cujo titulo alu de &s atividades teatrais de nosso personagem, remete-nos & cd dade de Sabaré, nas décadas de 1880 e 1890. A partir das lides de Avelino Féscolo e outros rapazes moradores de Sabaré, nas fileiras das campanhas abolicionista e republicana, torna-se clara a diversidade dos projetos envolvidos nessas lutas. Se ¢ xistia, de um lado, uma proposta bem especifica e radical nos discursos anti-escravistas e republicanos de Féscolo e seus a~ migos - falas essas que evidenciam uma crenga absoluta nos be- neficios da ciéncia e do progresso na transformagio da socieda de - outros posicionamentos se esbogam dentro de uma estraté - gia de dominagao e controle social. Os dois eventos - aboligio da escravidao e proclamagao da Repiblica - ocorreram e passa - ram & hist6ria como grandes conquistas, cuja comemoragio foi garantida através de marcos hist6ricos: o 13 de maic e o is de novembro. Entretanto, ambos se efetivaram de acordo com uma parcela das facgdes que ent&o se debatiam. No decorrer desse Processo, como veremos, as esperangas cultivadas pelo grupo a~ qui representado por Avelino Féscolo esvaen-se frente a uma rea lidade sombria. Identificando-se como os porta-vozes das luzes do século, sentem-se frustrados com o predominio da obscurida- de que se impde a cada momento de luta. No segundo capitulo, 0 Semeador, Avelino Féscolo encontrave-seemTaboleiro Grande, onde funda, em 1906, um jornal de propaganda libertaria, As principais indagagdes que conduziram a analise referiram-se ao porqué da adesto de Fiscolo ao anarguismo e As especificidades de suas concepgdes e de sua militancia em Taboleiro Grande: num cenario totalmente ru- ral, 0 discurso de Féscolo 6 repleto de imagens agrérias. Na sua identificagao como propagador de idéias revolucionirias ,ha a apropriagao da parabola crist& do semeador em um discurso li, bertario. A autodenominagao desse escritor como natura lista e a especificidade de suas concepgdes acerca desse esti- lo literério também foram objeto de reflexao. Muitos autores que, como Avelino Féscolo, autoproclamavam-se anarquistas e na turalistas, foram apontados por seus contemporaneos como porta -vozes de modismos importados’e inadequados 4 realidade brasi- leira. Entretanto, a compreens&o de suas id&ias pode ser redi- mensionada a partir do estudo das relagSes sociais em que fo - ram construidas. Dessa forma, norteou-me muito mais a preocupa glo de entender o que levava esse autor a declarar-se natura - lista do que classific&-lo ou nao como tal, a partir do concei to literario de naturalismo. Em Vulcdes,terceiro e Gltimo capitulo, Féscolo assiste, em Belo Horizonte, & onda de agitagdes e greves do final da segunda década de vinte. Euférico com as noticias dos movimentos revolucionarios na Rissia e dos acontecimentos no Rio e Sao Paulo, entusiasma~se com sinais de rebeldia em vA - xias localidades mineiras. Frente a tudo isso, a revolugio a- presenta-se a seus olhos como inevitivel, tal como uma erupgio vulcanica avassaladora. Percebendo as reacdes das elites minei ras, Féscolo considera tais iniciativas como fadadas ao fracas 80. Atrayés do retrato ficcional dos conflitos que atingiam a sociedade mineira da época, o autor busca contribuir para o a~ cirramento desses antagonismos. © decorrer do processo de lutas mostrou a e- ficdcia da atuagdo dessas elites, que procuravam apagar, na me mdria, os rastros de resisténcias que a obra de Avelino Féscolo permite recuperar. No final de sua vida, o isolamentoe 0 esquecimento em que cai sio expressivos do prépric declinio a- narquista no Brasil a partir do final da década de 20. Ate 1944, quando morre, a vida de Féscolo & marcada pela solidio. Focalizando a vida de um escritor, foram uti lizadas largamente suas obras literarias como fontes documen - tais. Gostaria de esclarecer, entretanto, que em nenhum momen- to pretendi realizar an&lises literarias dessas obras - 0 que nfo se enquadraria nos meus objetivos. As referéncias ao con - tefido dos romances e aos seus enredos ocorreram a titulo de in formag&o ao leitor, como fito de facilitar a visio histérica. Além dos romances, recorri a varios tipos de documentos, tais como jornais da época, depoimentos de pessoas que o conheceram e obras de autores que com ele conviveram. 0 meu propésito era de que esse esforgo desse origem a um traba- Iho - ainda que de aprendiz - inserido numa construgdo da his- téria tal como foi ressaltada por Jacques Le Goff. Nesta, o ri gor da pesquisa documental é essencial, mas s6 assume sua ver- dadeira importancia & medida que &, “mais que um trampolim pa- ra a imaginac&o, o detonador da vis3o". (Le Goff, J. 1977) 0 ATOR "Diante de uma sociedade que o estigna diza, porque nic o compreende, o artista se humitha para apanher o ridleuto dos seus 46 eins @ expi-Lo mais tarde no paleo, obrigan do a humanidade a rin e a astimar dos seus proprios defeitos.” Avetino Foscoto 10 Aton - artigo publica do no jornak A Fotha Sz banense em T8E9T, Aquela noite do final da década de 1880 fica - ria gravada na mem6ria daquele grupo de rapazes, moradores e Sabar&. Avelino, apds longo tempo de auséncia, retornara ~ @ terra natal, reencontrando-se com velhos amigos de infancia , como Luis Cassiano, € com outros mais recentes, como Artur. Tendo tido, em suas andangas, experiéncias com o teatro, Ave- lino langa, entre seus amigos, a idéia da montagem de um gru- po amador. Os rapazes, todos na faixa dos vinte anos, con seguiram oportunidade para se apresentarem no teatro de Saba~ ra, em seguida a um dramalhao levado 4 cena por um grupo 48 bem aceito entre o piblico local. Para garantir o sucesso, op taram por uma comédia que, supunham, "esquentaria” os assis - tentes. E assim, ao término de longos ensaios, anuncia -se “A Morgadinha da Rua das Flores", parédia de um drama que, julgavam eles, devia estar bem vivo na memédria dos assisten- tes e cujo autor era o portugués Pinheiro Chagas. Em meio & grande ansiedade dos atores estrean- tes, Luis Cassiano é o primeiro a entrar em cena. Tudo preca- riamente improvisado, devido 4 falta de dinheiro. dos organiza dores: de materiais removidos do porao do teatro, salvos. 4o lixo, fizeram o santuarii a necessidade de um girassole a dificuldade de encontrar tal flor naquela estagZo levaram-nos a substitui-la por umaspalmas de S30 José. Ingenuamente,acha ram que até essa improvisagao seria motivo de riso. 0 silén - cio da platéia, no entanto, comega a apavora-los. Entra Avelino, que devia ser o mais velho de- les, com cerca de vinte e trés anos na Spoca. Mesmo ele, tido como 0 mais experiente,pelas suas atividades anteriores como ator, nao tem o menor sucesso, Os amigos desesperam-se ainda mais com o fracasso.do empreendedor. Afinal, fora ele quem co megara toda a histéria. No camarim, Avelino se defende: a ig- nor€neia daquele piblico impedira~o de entender o humor da pa rédia. Os rapazes revoltam-se entao contra a platéia: julgam-na mediocre, provinciana, merecedora de deboche. Artur entra no palco e pée-se a ganir para o.piblico (lembrar~se- 4 mais tarde: “nunca lati com maior convicgao e vontade"(1), a velino entra em cena de saias, dangando can-can; Luis Cassia~ no destrdi o santuario; Aurélio, que tinha um papel feminino, tira a peruca postiga e coloca barbas; o ponto atira a caixa Jonge e sai gritando: "V5o & ..., vio As favas." Nao seria aquela a primeira nem a dltima vez que aqueles mogos horrorizariam os moradores de Sabara. Ami - gos inseparaveis, Avelino, Luis Cassiano e Artur apenas come- gavam uma trajetéria de atividades teatrais, jornalisticas, li terarias e politicas, que gerariam polénica. Ant6nio Avelino Féscolo era mineiro de Sabara, (1) LOBO, Artur. Sexrdes' ©’ Lazeres. Bello Horizonte, Imprensa Official, 1906, aT 10 nascido a 14 de novembro de 1864 (2), filho natural de uma costureira, Maria Avelino Féscolo, neta do escritor italiano Ugo Féscolo (1778-1827). Orf%o aos oito anos, @ entregue, jun to com a irm& mais velha, a um tutor. Sentindo-se oprimido e humilhado pelo rigor com gue o tratavam, foge de casa, indo parar na mina de Morro Velho, em Congonhas de Sabara, atual ci dade de Nova Lima(MG), Trabalhava junto com escravos, ganhan- do 0 apelido de "Branquinho", (3) Desde menino, Avelino sente © drama de ser.estigmatizado: filho de uma mulher pobre e sol teira — uma verdadeira tragédia num lugar tradicionalista e catdlico como Sabara em meados do s&éculo XIX; depois submeti- do & condig&o de tutelado na casa de um professor cujos fi - hos estudavam.e tinham mais conforto do que ele, um intruso; na mina, um branco entre negros escravos, que o rejeitavam. 0 apelido marcava sua condigao de homem livre, certamente inve- (2) Sobre Avelino Féscolo, ver: FRIEIRO, E. 0 Romancista Ave lino FGscolo. Belo Horizonte, Imprensa Oficial, 1960 ; MALARD, Leticia. Hoje tem espetaculo - Avelino Fsco- Joe. seu romance. “Bele Hortaatts Horizonte, Editora da UFMG, 198% LOTZETTO, F. Presenga do Anarquismo no Brasil - um es- tudo dos episbdfod Mteraria © educational (IS00-T9707. erario e educaciona Tese dé doutorado apresentada ao Departamento de Histora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciéncias Humanas da Universidade de Sao Paulo; 1984, mimeo, (3) Depoimento de Nestor Féscolo, filho.de Aveline Féscolo. Belo Horizonte, 02-12-1987. a jada, apesar da miséria comum a todos. (4) Um dia, porém, aparece uma nova oportunidade na vida de Avelino. Passa por ali a "Companhia de Quadros Vivos", dirigi. da pelo americano Keller. 0 espetaculo consistia em represen tar situagdes sugeridas por pinturas célebres. Crianga « que era, Avelino deve ter-se sentido maravilhado. Num dos quadros, Keller vestia-se como Cristo, era amarrado numa cruz e repro- auzia os aidlogos da Paixio, com expressdes de martirio. Numa outra cena, um ilusionista estendia uma pequena tabua que ia de uma mesa até a altura de seu queixo. Na mesa havia uma cai, xa. Esta, ao ser aberta, deixava fugir um rato que, subindo a t&@bua, era engolido pelo ilusionista, que estalava a lingua apds 0 feito. (5) Essas passagens de grupos mambembes pelo inte- rior de Minas n&o eram incomuns naquela época. Pelo contr4rig, na segunda metade do século XIX, havia uma grande movimenta - go de artistas e grupos cénicos em cidades mineiras como Ou- ro Preto, Juiz de Fora, Sabara e outras, Viajavam heroicamen- (4) Anos mais tarde, no final da década de 30, Avelino Fosco- lo escrevera o romance’ Morro Velho, onde relatara a vida dos mineiros, a exploragao s0frida, a inseguranga no dia- a-dia do trabalho. Entretanto, essa obra permaneceu inédi ta e desconhecida, Como foi escrita na época da 2a. guer~ ra, Foscolo nao desejou edita-la, j4 que era um romance que criticava a Inglaterra, proprietaria da mina de Morro Velho no periodo em que se desenrola a histéria. Além dis so, Féscolo era descendente de italianos e temia ser mal interpretado pelos leitores. Depoimento de Nestor Féscolo. Belo Horizonte, 02.12.1987. Ver também FRIEIRO, E. op.cit: - 53,54. (5) BErxAS SOBRINHO, José. 0 Teatro em Sabaré da Polénia & Re piblica. Belo. Horizonte ,Bditora Bernardo Alvares, 1961,p. 120. 12 te, em lombos de burros, com grande dificuldade de locomogao entre uma cidade e outra. Além de companhias teatrais que se limitavam a circular no interior do Estado, varias companhias do Rio de Janeiro, e algumas de cardter internacional realizavam tem poradas em Minas. A segunda metade do século XIX assiste 4 construgSo de indmeros teatros, o que mostra a frequéncia des, sas apresentagdes: cidades como Campanha, Sd0 Joao Del Rei , Juiz de Fora, Paracatu e varias outras iriam ter novas casas de espetdculos, em ediffcios construidos especialmente para essa finalidade. (6) Além dessas companhias teatrais, eram comuns também os espetAculos de marionetes e circo de cavalinhos.Es ses tipos de montagem dispensavam a existéncia de teatros e, por isso, chegavam aos povoados, atingindo as populagées in terioranas, isoladas dos centros mais urbanizados. A presen- ga dessas companhias devia ser motivo de forte expectativa e grande movimentagS0, proporcionando 4s pessoas ocasiao de deleitar-se com “nfmeros de saltimbancos, funimbulos, magi -— cos e outros artistas de picadeiro, ao lado das touradas e cavalhadas presentes nos programas festivos". (7) : séculos XVIII (6) AVILLA, Afonso. 0 teatro em Minas Gerai: e XIX, Revista Barroco, 9: 71, 1977 (7) Idem, ibiden, p. 79. 13 A passagem do grupo de Keller pelas proximida des da mina de Morro Velho, em meados da década de setenta , deve ter agitado a vida dos que ali habitavam e trabalhavam. Para Avelino, entao, foi decisiva. Fascinado pelas apresentagdes,cansado do dia- a-dia na mina, sem perspectivas de melhoria, o menino aproxi ma-se dos artistas. B aceito pelos membros da companhia, par te com eles, convive com pessoas de varias nacionalidades e acaba aprendendo outras linguas. Pode agora dedicar-se as lei turas de que tanto gostava, mas que nunca pudera fazer (ape- nas iia escondido, na casa do tutor, os livros dos filhos deste,,Gostava da Biblia! sua mie dera-lhe uma formagao for~ temente religiosa, e, como lembrara com ironia anos mais tar- de, "ser santo foi uma veleidade gue tivera em crianga".(8) Lia também Alexandre Dumas Pai, Jules Verne e Victor Hugo. Com a companhia, percorre o interior de Minas, algumas cidades de outros Estedos e da América do Sul. Anos mais tarde, abandona Keller e estuda em Ouro Preto @ no Rio, sobrevivendo com o gue ganhava trabalhando no comércio, Nao abandona o teatro; logo depois integra-se na Cia. de Anténio Fernal, um portugués que percorria as cidades mineiras com sucesso. Avelino gostava da vida de ator, talvez pelo seu ca (8) FOSCOLO, A. Coisas d’arte. A Folha Sabarense. Sabara,2 12-1891, ano VIT, n@ 25, p, 1. la rater de marginalidade, identificando assim aspectos de sua vida com-a profissao. Escreve a Anténio Fernal, poucos anos depois, fazendo consideragées sobre o carater ingrato do tea tro: pouco depois dos aplausos, vem o esquecimento. 0 ator tem de acostumar-se 4 idéia de que ser& um desconhecido,apés breves momentos de sucesso; "o seu nome envolto na gléria de artista permanece no esquecimento como o - esquimd descuidoso que a avalanche de gelo oculta para sempre nas plagas no Nor te." (9).0 artista é “um incompreendido, diante de uma socie dade que o estigmatiza". Humilhado, percebe o ridiculo das pessoas € o expée mais tarde no palco, "obrigando a humani- @ade a rir e a lastimar dos seus préprios defeitos." (10) Teatro e vida, ficg3o e realidade, apresentam-se, para o ini cdante Avelino Féscolo, como aspectos iniissocidveis, desde en tho. Em 1886, a companhia de Fernal encontra-se em Oliveira (MG) e Féscolo escreve a sua primeira pega, a opere ta Os Estrangeivos, cujo texto € hoje totalmente desconheci- é0,(11) Fernal £ixa-se em Oliveira e Avelino retorna a Saba r&, onde se reencontra com os amigos de infncia, dois dos quais lhe serZo especialmente queridos e importantes. (9) FOSCOLO, A. © Ator. A Folha Sabarense. Sabar4, 17 11-1889, ano VY, n? 23, p. 2. - (10) Idem, ibidem. (11) POSCOLO, A.Ao Senhor AntSnio Rodrigues Fernal. A Folha Sa barense. Sabara, 09-10-1887, ano III, nO 19, p. 3. A o- peréta Os Estrangeiros permaneceu inédita. N&o consegui mos localizar os originais. as Um deles 6 Luis Cassiano Martins Pereira Ji~ nior (1868-1903), rapaz mulato e de origem humilde, gue supor tava em Sabar& todo o estigma advindo de ser um homem de cor — ainda que livre — numa sociedade que convivia coma es cravidio no seu dia-a-dia. Como Féscolo lembrar& mais tarde , tinha, a todo momento, de "esmagar aos pés estultos prejuizos de raga e parvos preconceitos sociais". Apesar de ser “um po- bre lutador sem bafejo de fortuna” (12), Luis Cassiano resol- ve dedicar-se ao estudo, esperando vencer as dificuldades com as quais se defrontava a todo momento: frequenta alguns cur- sos, chegando a ser aprovado para a Escola de Minas de _ Ouro Preto e dedica-se A leitura. £ num curso preparatério para a Escola de Mi- has que conhece Artur Lobo. 0 curso era ministrado em Sabard, para onde a fam{lia de Artur mudara~se em 1882. (13) Ele era mineiro, nascido em 1869 num lugarejo chamado Coragio de Je- sus, no norte do Estado, Ainda crianga, muda-se para Uberaba. Apesar de n3o ser de uma familia rica, encontrou facilidade pa ra frequentar escolas: iniciou seus estudos em Uberaba, e aos doze anos estuda em colégios no Rio de Janeiro. Mudando-se no vamente, desta vez para Sabard, freqilenta um curso preparaté- rio para a Escola de Minas, onde & aprovado em 1884, juntamen te com Luis Cassiano. Ambos, porém, freqilentam pouco o curso em Ouro Preto. Entregam-se a estudos autodiddticos, enveredam (12) FOSCOLO, A. Homenagem a Lufs Cassiano Martins Pereira Tanior. In:Polyantéia. 1904, p. 9,10. (13) Sobre Artur Lobo ver: SEIXAS SOBRINHO, J.Artur Lobo,baia no? Suplenento literdrio do Minas Gerais. 13-12-1969, ano IV, ne 172. ~~ 16 para leituras sobre ciéncias, estudam o francés e 1éem avida mente toda a literatura que lhes chega ds mdos. Fscolo chega de Oliveira e os trés tornam-se muito amigos. Tinham muito em comum, principalmente Avelino e Luis, que eram pobres e marginalizados péla sociedade saba rense: © primeiro por ser filho natural, o outro por ser mu- lato. Os rapazes apegavam-se ao estudo como finico meio possi vel de obter uma situagio mais favoravel do que aquela que o nascimento Ihes legara. Sabara, naquela época, era uma cidade de im ~ portfncia no cenério mineiro e ali havia uma — movimentaglo constante de pessoas. A navegagao no Rio das Velhas agitava a cidade, que servia de porto e era sede de varias companhias que exploravam o transporte fluvial da regiao. 0 porto de sa bard era um centro de trocas e comércio. Como vimos, a cida- de possuia um teatro que, na segunda metade do século XIX, a trafa atores do Rio e Sio Paulo. A proximidade da Escola de Minas de Ouro Preto estimulava a fundag&o de cursos prepara- térios, escolas, etc. Havia ainda a Escola Normal de Sabara, que atrafa as mogas de famflias mais abastadas de todo o Es- tado. (14) Vivendo nesse meio, n’o era muito diffcil, pa xa os trés amigos, ter acesso a varios tipos de leitura, 0 (14) PATRICIO, J.A. Geragio d'O Contemporaneo. Estado de Mi- nas. Belo Rorizonte, 24.12.1944, ano xVIT, n° 5.591 , p.2 Vv que era facilitado, ainda mais, pelo estudo autodidatico do francés. Mas, de tudo que hes chegava 3s mios, prefe ~ riam justamente as obras que tinham um carater contestatério, rebelde. Admiravam Guerra Junqgueiro, autor portugués odiado pela Igreja pelos ataques violentos gue dirigia ao cleroe & moral catdlica. Em Sabar&, onde a presenga do clero era mar - cante, os versos atrevidos daquele escritor adguiriam um sig- nificado especial e uma cor local, aos olhos dagueles jovens leitores: as irmandades presentes na cidade tinham uma tradi- gGo secular e em cada canto da cidade a Igreja marcava’ sua forte influéncia, edificando tempos imponentes e suntuosos. Outro autor preferido era Fea de Queirés, que causava escdndalo com 0 Primo Basilio e 0 Crime do Padre Ama~ xo, livros igualmente condenados pela Tgreja e tidos como imo rais, indignos de serem lidos por "pessoas de bem". Dos fran- ceses, liam nfo apenas os romances, mas também os escritos so bre literatura e politica de autoria de Victor Hugoe Smile Zola, ambos republicanos, apesar de profundas divergéncias. A obra de Auguste Comte, e as . considéragdes desse franc&s sobre a evolugao da humanidade correspondiam as expectativas daqueles rapazes. Eles se colocavam contra a es- cravidio com que deparavam em cada esquina da cidade e contra a falta de canais institucionais de participagio numa socieda de monarquica. Ao mesmo tempo que enfrentavam tais situagées, liam a teoria de Comte., que dividia a histéria em trés fases: 18 teolégica, metafisica e positiva. 0 estado teolégico seria uma fase primitiva da humanidade, a monarguia, sua expressao politica, ¢ 0 estado positivo seria a etapa final e perfeita, onde a ciéncia imperaria e substituiria as superstigdes e a imaginagao, sendo a Repfiblica sua expresso politica. (15) Pertencendo a uma sociedade profundamente ca- télica, monarquista e escravocrata, e tentando rebelar-se om tra isso, liam com avidez essas obras. Elas colocavam m questo instituigdes presentes na sociedade mineira e aponta vam para a Repiiblica como a grande solucSo, como a oportuni~ dade para findar a escravidio, combater a moral catélica,mubs tituindo-a pelo saber cientifico, neutro e, portanto, verda- deiro. Repiiblica, ciéncia e progresso tornam-se palavras-cha ve no vocabulario daqueles rapazes. Imbuidos de leituras de autores diversos, misturando as idéias naturalistas de Zola, Flaubert ¢ Ega de Queirés com o romantismo e os escritos po- lfticos de Victor Hugo; influenciados pelo positivismo de Comte e pelo anticlericalismo de Guerra Junqueiro, lendo tu- do através das lentes proporcionadas pela sociedade em que viviam, aqueles rapazes acabaram formando um centro de dis - cussao, de polémica, de que outros também participam. Conver sam na porta do teatro, nos bares, na noite boémia, nas far- (15) COMTE, A. Curso de Filosofia Positiva. Colegao Os Pensa dores, sao Paulo, Abril, 1983. 1g ras de estudantes. (16} A partir de 1887, aquelas discussdes sao le- vadas a pablico através da participagao de Féscolo, Luis Cas siano e Artur, na Folha Sabarense, jornal local dirigido pe- lo professor Anténio de Paula Pertence Jinior, fundado em 1g84. (17) £ na Folha Sabarense que Avelino estreia na imprensa. Continuava trabalhando no teatro, realizando monta gens de sua opereta Os Estrangeixos, com desfechos menos agi tados do que na primeira experiéncia em Sabara. Os amigos, a pesar do fracasso inicial, acompanhan-no nessas montagens.Ha via uma admiragao geral por Féscolo: ele encarnava, de cer- ta forma, o ideal do homem que tinha partido do nadae ia , pouco a pouco, conguistando com esforgo a posigao de intelec tual. Em setembro de 1887, os amigos organizam uma homena ~ gem ao autor, ao fim de uma apresentacao. Entregam-1he £19. res e recitam-lhe uma poesia, composta, a varias méos, por (16) As informagdes acerca das leituras de Avelino Féscolo , imis Cassiano e Artur Lobo foram obtidas através de De~ poimento de Nestor Féscolo, Belo Horizonte, 02.12.87. Ver também: SEIXAS SOBRINHO, J. Artur Lobo, baiano? Su~ lemento _Literarig do Minas Gerais. 13-12~1969, ano IV, n@ 172; 0 ESCANDALO, O Coftemporaneo. Sabara, 02-07-1893 ano IV, n9 26, p. 1. (17) Na homenagem que prestou a Luis Cassiano, no primeiro a niversério de sua morte, Avelino Féscolo afirma: "Reme~ moro as nossas primeiras lutas de imprensa na Polha -es sa oficina de progresso gue o excelente Paula Pertence mantenha com um amor inexcedivel", FOSCOLO, A.* Int Polyantéia, 1904, p, 9 e 10. 20 Artur, Luis Cassiano, o professor Pertence Jiinior (editor da Folha Sabarense), Lopes de Azeredo (redator da Folha) e ou- tros. Entre os versos, um & esclarecedor a respeito da con - cepcio do teatro como elemento did&tico, ligado 4 difusdo de id@ias. Nesse verso, Avelino & elogiado por seu desempenho na arte “cujo fim & educar (..,.) luzes Gando ao humano entendinen~ to") (18), Paralelamente a cssas encenagdes, Avelino pas sa a colaborar semanalmente na Folha. 0 entusiasmo pela im- prensa talvez tenha sido despertado pelas atividades que 0 portugués Antonio Fernal, o velho amigo dos tempos de teatro ambulante, iniciara em Oliveira. Fernal fundara naquela cida de, em 1887, a Gazeta de Oliveira, que contava, como colabo- radores, com gente famosa e importante nas polémicas da épo- ca: José do Patrocinio, Abilio Barreto e até mesmo Eca de Queirés, a quem Fernal conhecera no torrao natal. (19) Fésco lo envolve-se com as questées abolicionistas que agitavam as discussSes na &poca. Sua prépria vida achava-se muito rela - cionada a essas questdes: convivera, na infancia, com 0 tra~ balho escravo. Agora, j4 adulto, convivia com os - problemas que Luis Cassiano enfrentava. Avelino via naquela sociedade a negagio — do progresso humano. Para ele, o século XIX assemelhava-se a um (18) TEATRO. A Folha Sabarense. Sabar4, 02-10+1887, ano III, ng 18, p. 2. (19) FONSECA, Luis Gonzaga. Histéria de Oliveira. Belo Hori- zonte, Centenfrio-Bernardo Alves, 1961, p. 61. 21 mergulhador que "desce ao oceano da ciéncia para extrair as forgas motrizes que impelem o carro do progresso."(20) Con - traitando, porém, a evolugSo geral, estava a sociedade mo - nargquista descuidada com a instrucao e com a ciéncia, precon ceituosa ‘quando 4 mulher e o trabalho manual, apoiada no tra balho escravo. Dentro de um século de luz, as sombras teima- vam em ndo se esvair. Era necessério que “os filhos da civi- lizagio ..., de um século de luz" se empenhassem em combater tais instituigdes. Féscolo acreditava em suas armas, afirman do: "temos a imprensa para reproduzir o pensamento, a inteli géncia para defendermo-nos." (21) £ pela pena e pela palavra que Féscolo tenta combater. Fm seu conto A Suicida (22), 0 jogo de luzes e som bras est4 novamente presente. Uma mulher negra e anénima en- contra-se 4 beira do rio, sendo seu jihico console. Uma cangdo melancolica que a fazia recordar-se dos tempos de liberdade. Sua voz @ eclipsada por uma ban- @a de misica que tocava o himo imperial, comemorando uma da~ ta patriética e, ironicamente, dando vivas 4 liberdade. A es crava langa-se ao rio. O momento & o do crepiisculo. Assim co mo as luzes do século n3o brilhavam naguela "na¢&o escrava", (20) FOSCOLO, A, A Instrugo Piblica no Brasil. A Folha Saba rense.” Sabara, 07-08-1887, ano III, n° 10, p. 2@ 3. (21) POSCOLO, A. A_Mulher. A Folha Sabarense. Sabar§, 16-10- 1887, ano IIIs? 20, p. le 2. (22) FOSCOLO, A. A Suicida. A Folha Sabarense. Sabar&, 23-10- 1887, ano III, n? 21, p. 2¢@ 3. 22 a propria natureza recusava sua caridade Aquela cena, “reco- Ihendo-se nas trevas, enviando “um Gltimo Ssculo ao sol que se mergulhava no horizonte incendido.” (23) A polémica em torno da escravidio agitava to- da a cidade, que convivia com o trabalho escravo nas minas desde os Zureos tempos, quando a regido possuia importantes jazidas facilmente exploraveis. Paralelamente as discussdes colocadas na imprensa (além de Féscolo, varios outros escre- viam sobre o tema, destacando-se Luis Cassiano), o teatro foi outro veicvlo utilizado para a propaganda abolicionista. Em janeiro de 1888, por exemplo, estreia o drama A Vingan- ga do Escravo , permanecendo em cartaz durante muito tempo,a pesar do desagrado das companhias de mineragao. Finda a apre sentagio, as conversas corriam animadas na calgada em fren- te ao teatro, onde varias quitandeiras vendiam pratos com arroz, carne assada, farofa, bolos e bebidas, Os espectado - res mais requintados frequentavam o "Grande Restaurante do Teatro”, que servia bebidas finas, queijos do reino, frutas em conserva ¢ presuntos. (24) Os rapazes da Folha, que certamente nao ‘ti- nham recursos para ir ao restaurante, freqtientavam as barra- quinhas, travando discussdes que acabariam transformadas em artigos para 0 niimero do jornal da semana. Féscolo atribuia (23) Idem, ibidem. (24) SEIXAS SOBRINHO, J. op. cit. p. 127 e 192. © desprezo do trabalho manual, pela maioria das pessoas, 4 existéncia da escravidio. Esperava que os imigrantes valori- zassem © trabalho, num momento "onde o homem-coisa vai desa- parecendo da nossa patria, onde tantos males tem causado, © gue ha de ser substituido pelo estrangeiro e pelos nossos lords". (25) Féscolo criticava o car&ter improdutivo dos la- tiftndios mineiros, defendia a subdivisdo das terras entre 0s novos homens que:irian chegar. Outro ponto enfatizddo em seus artigos era o ensino. Essa sera uma questao importantissima em seus escri- tos durante toda a sua vida, talvez por ter sido a instrugao © que lhe acenara com a espectativa de tempos melhores, logo que saira da mina e comegara a trabalhar com Keller. Fascina do pelo discurso cientificista de Comte, deparando com a rea lidade mineira, em que predominava 0 analfabetismo, e 0 aces 80 ao saber era limitadissimo, Féscolo sonhava com “séculos futuros (...) em que a ciéncia, a verGadeira religiao, esten @era a mao ao comércio e 4 indastria." (26) Talvez ele estivesse conversando com um de seus amigos sobre tais questdes pelas ruas de Sabaré, quan- do viu pela primeira vez uma jovem estudante interna no Colé, gio Normal de Sabara. Chamava-se Maria Gongalves Ribeiro, e nao nascera ali. Viera de Taboleiro Grande, povoado mineiro no muito distante, para fregilentar o Curso Normal em Sabar&. Os dois se apaixonam, Féscolo escreve-lhe poemas de amor que publica na Folha, assinando um pseudénimo composto das letras (25) POSCOIO, A,0, 0 trabalho Fisico. A yolha Sabarense, Sabara. 21-08: - 1887, ano.TIT ne 12, p. Le 2. -_ (26) POSCOLO, A.A, instrugo piblica no Brasil. A Folha Sabarense. Sabara. 07-08-1887, ano IIT, ne 10, p. 2€ 3. 24 de seu nome misturadas ao dela, revelando-lhe 0 segredo para que ela pudesse reconhecer as mensagens do namorado. (27) Mas certamente, as conversas dos dois nao se limitavam 4s confis- sdes amorosas, pois Maria acaba se envolvendo também nas ques tSes acerca da escravidio. Escreve ao pai, boticirio de Tabo- leiro, que possuia alguns escravos dom&sticos, pedindo a 1i- bertago destes . Avelino devia admirar muito a moga: agdes co mo essa correspondiam 4s suas idéias sobre a necessidade do a- cesso da mulher ao estudo e da participacdo feminina nas dis- cussdes politicas, cientificas, literarias, etc. Faz publicar, na Folha, a carta da moga, a titulo de exemplo. (28) A defesa da ampliagao dos direitos da mulher,e quiparando-os aos do homem, & uma outra constante na obra de Féscolo. Talvez o fato de ser filho de mae solteira o tenha despertado para a fragilidade da mulher, frente a uma socieda de gue exigia sempre que ela fosse tutelada por um pai, irmao ou marido. Provavelmente, fora a discriminagSo sofrida por sua mae que o tornara sensivel ao problema feminino. As lem - (27) 0 pseudénimo era Magafe, que misturava o nome dos dois na morados N= Maria A = Anténio Gongalves Avelino FOscolo E = Expletivo SEIXAS SOBRINHO, J. Avelino Féscolo, mimeo. A pesquisa de Seixas Sobrinho sobre A. Foscolo foi motivada pela soli- citagao do diretor do Arquivo Piblico de Minas Gerais,Dr, Joao Gomes Teixeira, que por sua vez recebera o pedido de informes sobre o anargquista mineiro pelo Centro Interna- cional de Pesquisas sobre o Anarquismo, de_Genebra. (28) TABOLEIRO GRANDE. A.Folha Sabarense. Sabard, 22-04-1888 , ano TIlne47,p.4. 2s brangas que dela lhe ficaram eram doces, e ele sempre Ihe de- dicava poemas melancdlicos. (29) Tendo-a perdido, teme agora perder esta outra mulher a que se afeigoara. B no ano de 1888 que Maria retorna, ri a Taboleiro Grande, concluido.o Curso Normal. Avelino toma uma importante decis&o: acompanh&-la. Entende-se com o encar~ regado de levar a moga até 4 casa paterna e vai com eles. La chegando, por intermédio da futura sogra, consegue convercer o pai de Maria, Manoel Pinto Ribeiro, a .aceit&-lo como genro, apesar da sua pobreza: em Sabara, morava num quarto “onde a mobilia combinava.com o desleixo do prédio. “(30) Fica -combi- nado que trabalharia como empregado. do sogro, boticario do po voado. Em maio, formaliza-se 0 noivado e o casamento @ reali- zado.antes do fim daquele ano. N&o perde, entretanto, contato com os amigos. de Sabara. No.mesmo més de seu noivado, comemora a extingdo ficial da escravidio, escrevendo um poema 4 liberdade e um ar tigo onde deixa transparecer sua crenga numa nova fase,em que "um povo ergue-se vitorioso no progresso" e "uma nagio espeda ga o ferro de vetustas hierarquias." (31) As sombras parecem abandonar finalmente o Pais. Avelino comemora, sem questionar, a Lei Aurea, cuja artificialidade criticara mais tarde.Mas na quele momento, o sentimento geral era de cuforia, de vitéria. (29) FOSCOLO, A. Sempre Bla! A Folha Sabarense Sabar&, 04-04 ~ 1887, ano ITI,n? 14, p. 3. (30) FOSCOLO, A. Uma Ladra. A Folha Sabarense Sabari, 01-11- 1891, ano VII, ng 18, p. le Z No mesmo niimero do jornal, Luis Cassiano também saida a "nova era", afirmando a importéncia da imprensa na campanha aboli - cionista, destacando a figura de José.do Patrocinio, “o in- trépido batalhador da redengao dos cativos.” (32) Bo invés de significar um afastamento de Aveli no em relag&o aos amigos de Sabar, a distancia causou, pelo contrario, um apego ainda maior a eles, suas viagens Aquela cidade sao muito fregtientes. Apesar da companhia da mulher , Féscolo sente~se isolado em Taboleiro Grande. Em artigos que publica na Folha com o titulo de Cenas Contemporaneas, expres ga todo © tédio que sentia no lugarejo. Via com aborrecimento as reunides sociais, em que, logo apéds os elogios mituos, as pessoas se dispersavam falando mal umas das outras, os grupi- nhos de homens buscando sempre conduzir a conversa no sentido de provar a inferioridade das mulheres, Avelino se irrita: “oh! muito! muito superiores eles sdo!" (33) Féscolo observa com uma iyonia aguda e mordaz os acontecimentos que agitavam Taboleiro Grande: ridiculariza va as cerimnias de casamento, os batizados, etc. Rejeita mui, tas das pessoas do circulo de amigos do sogro, eriticando fa- (32) PEREIRA JONIOR, Luis Cassiano. M.. Nova Era. A Folha Saba- rense. Sabara, 27-05-1688 ano YiIne5, p. 3. (33) POSCOLO, A, Cenas Contempordneas. A Folha Sabarense. Sa- bard, 24-11-1889, ano V, no 24, pia2— SSS wien LIOTECK CENTRAL 27 milias enriquecidas "A custa do suor do preto",respeitadas pe a honradez quando, na verdade, conseguiram o gue tinham " 4 forga do labor do pobre, da lagrima do misero, da nudez do fraco despido pelo forte." (34) Avelino entrara em conflito com a familia Mas- carenhas, poderosa em toda a regido. Os Mascarenhas eram pro- prietarios de uma imensa fazenda localizada em Taboleiro Gran de, a fazenda Sao Sebastiao. Até a Abolicao, possufam mais de cento e cinguenta escravos. Em 1872, trés membros daguela fa- milia - Anténio Candido, Bernardo e Caetano Mascarenhas - ti- nham fundado a Fabrica do Cedro, a dois quilémetros de -Tabo - leiro Grande. 0 sucesso .da iniciativa leva-os a ampliar o em- preendimento: fundaram a Fabrica da Cachoeira, em 1874, na re, giao da Cachoeira dos Macacos, e a Fabrica de Sao Vicente, no povoado do mesmo nome, em 1892, Todas eram voltadas para a produgaéo de tecidos e situavam-se na regido central de Minas Gerais. (35) (34) POSCOLO, A. 0 Batizado. A Folha Sabarense. Sabaré, 12-01 -1890, ano V, n? 31, p. 2. (35) Sobre a familia Mascarenhas e a fundagio das fabricas de tecelagem ver: GIROLETTI, D.A, A Modernizacao Capitalis- ta em Minas Gerais ~ a formagSo de operariado industrial @ de una nova cosmovisio. Tese de doutoramento apresenta da ao programa de pos-graduagao em Antropologia Social do Museu.Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1987, mimeo, p, 142 a 182, ainda sobre a Fabrica do Cedro, consultar: MAS CARENHAS, G. Centenario da Fabrica do Cedre: _histr: go (1872-1972), Belo Horizonte, Edigao Particular, 1972; DUARTE, R. Povoado do Cedro: Um Palco, Muitas Histo- vias. In: - Revista do Departamento de Histéria. Belo Ho xizonte,' 1 (2): 102-120, junho 1986. 28 Os Mascarenhas formavam uma familia riquissima e poderosa. O carater industrioso de suas atividades deveria ter despertado a admiragao de Avelino, t@o esperangoso no ca- rater progressista e renovador da indiistria. Mas, desde a sua chegada, comegam os conflitos conseglientes de divergéncias po liticas. Sabendo da participagao do rapaz nas campanhas aboli- cioniste e republicana, o Bardo de Sete Lagoas, Anténio Candi do Mascarenhas, resolve desafia-lo desde 0 inicio, -mandando uns vidros sujos 4 farmacia, com a ordem de serem lavados. A- velino sequer recebe os Widuos. (36) Ao mesmo tempo, escreve para a Folha, partici- pando ativamente da campanha republicana, acirrada pelo gosto @e vitdria que a abolig&o oficial da escravidio trouxera aos vapazes do jornal. © Barfo de Sete Lagoas, nos primeiros me- ses de 1889, ameaga-o e exige que deixe de publicar artigos de conteiido republicano. Sem obter resultados, Anténio Candi- do exonera a mulher de Féscolo, que ocupava o cargo de profes sora. Féscolo responde ao Bardo: "Vira a Repiblica, nao tenha Givida, (. ) A Repiiblica nao tarda e minha mulher sera nomea da novamente." (37) (36) Depoimento de Nestor Féscolo. Belo Horizonte, 02-12-1987. (37) FRIBIRO, E, No Centenario de Avelino Féscolo. Estado de Minas. Belo Horizonte, 8-11-1964, ano XXXVII, n? 10.575.

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