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Regina Maria Rabello Borges © EDIPUCRS, 2007 1* edigao: 1996 (SE/CECIRS) Capa: AGEXPP/PUCRS Preparacdo de originais. Eurico Saldanha de Lemos Revisdo técnica: Liziane Zanotto Staevie Editoragao: Supernova Editora Impressdo e acabamento:; Grafica Epecé Dados Internacionais de Catalogacao na Publicacao (CIP) B732e Borges, Regina Maria Rabello Em debate : cientificidade e educagdo em ciéncia / Regina Maria Rabello Borges. 2. ed. rev. ampl. — Porto Alegre : EDIPUCRS, 2007. 118 p. ISBN 978-85-7430-690-2 1. Ciéncias - Ensino. 2. Filosofia da Ciéncia. CDD 507 Ficha Catalogrifica elaborada pelo Setor de Tratamento da Informagio da BC-PUCRS. |} ediPUCRS Av. Ipiranga, 6681 — Prédio 33 Caixa Postal 1429 CEP 90619-900 Porto Alegre, RS - BRASIL Fone/Fax: (51) 3320-3523 E-mail: edipucrs@puers.br Proibida a reproducdo total ou parcial desta obra sem a autorizagao expressa da Editora. SUMARIO Introducao £9, 1_Como se relacionam observacées e i jesenvolvil das ciéncias? / 13 1.1 _Instrumento de pes: idéias sobre 2.2 Racionalismo, empirismo e construtivismo / 24 2.3_Empirismo e percepgao / 25 2.4 Construtivismo e experimentagdo / 28 3_Em que consiste 0 conhecimento cientifico? /31 eo Do empirismo indutivista ao positivismo logico /_33 3.2 Debate epistemoldgico entre fildsofos das ciéncias / 36 + Popper — racionalismo critico / 36 +_ Kuhn — ciéncia normal, paradigmas ¢ revolucoes cientificas / 39 + Feyerabend —anarquismo epistemologico / 41 + Debate entre Popper, Kuhn, Feyerabend, 3.3_Externalismo — paradigma social / 49 3.4 denesswandin contribuigdes ao debate epistemologico £5) + Ba ard — racio L ° Fleck ~ coletivos de pensamento e estilos de pensar /_54 + Hanson — observagiio é interp retacao / 56 Material com direitos autorais 3.5 Atualizando o debate / 58 + Maturana ~ realidade, cientificidade e percepgao / 58 + Morin — epistemologia e complexidade / 62 + Laudan — teorias, metodologias e valores /_ 66 + Bunge — racionalidade global e realismo cientifico / 68 3.6 Buscando integragao / 71 4 Transformacées em debate / 73 4.1 Evolucao histérica do conceito de Ciéncia / 73 5 1517 bas istoria das Ciénci 7 4.3 Como as ciéncias tém se desenvolvido ao longo do tempo? / 77 + O desenvolvimento das ciéncias / 77 + Metamorfoses — como compreendé-las? / 79 * Fazendo analogias / 81 5_Educacio cientifica escolar / 85 5.1 _Concepgoes alternativas /_ 85 5.2 Idéias prévias dos alunos e conhecimento cientifico / 89 5.3 Contextualizagao do conhecimento cientifico / 92 5.4 Carter éti heci ientifi 9 5.5 Conhecimento cientifico e pratica de ensino / 96 * Oconhecimento como memorizagao / 96 + Oconhecimento como descoberta / 97 * Oconhecimento como resultado de um método / 98 * Oconhecimento como construgao / 99 5.6 Relagées entre conhecimento e poder / 102 5.7 _O debate epistemologico nas licenciaturas e na educagao continuada de professores em exercicio / 104 Referénci INTRODUGAO Este livro destina-se, essencialmente, a professores de Ciéncias e estudantes de gradua¢io e pés-gradua¢ao em educagiio cientifica ¢ tecnolégica. E um convite a reflexao e a consideragao de diferentes visées sobre a natureza do conhecimento cientifico e o desenvolvimento historico das ciéncias, com reflexos na educagao. Retomo, assim, 0 estudo realizado no Mestrado em Educagao na UFSC (Universidade Federal de Santa Cata- rina), na linha de investigagao Educagao e Ciéncias, com orientagao de Arden Zylbersztajn (BORGES, 1991). A inten¢ao de compartilha-lo com outros professores resultou em livro (BORGES, 1996) com tiragem de 8 mil exem- plares, ha muito esgotada. Recebi diversas solicitagdes para edita-lo uma segunda vez. Decisio tomada, desejei que Passasse, antes, por um processo de revisdo, atualizagado e ampliagao. Trata-se de uma iniciagdo, na qual sao preservadas caracteristicas da edi¢&o anterior: concisfo e consisténcia. E uma sintese que exigiu extensas leituras, sendo enri- quecida por debates e contribui¢gdes de colegas da area. Defendi a dissertagio em 1991. Dessa data até 1995, trabalhei como assessora técnica do Centro de Ciéncias do Rio Grande do Sul (CECIRS, vinculado ao Departamento Pedagogico da Secretaria da Educa¢géo). Envolvi-me sobretudo na forma¢gao continuada de professores de Ciéncias em exercicio, tanto através de discussdes esta- belecidas em grupos de estudo como em cursos de pequena 10 BORGES, Regina Maria Rabello duragao. Acreditando, como Moraes (1991), que a for- magao do professor jamais se completa, continuo essa busca por meio de pesquisas. Menciono, entre elas, a minha tese (BORGES, 1997), que envolveu transigdes nas concepgées sobre cientificidade, educacao cientifica escolar e atuag¢do com professores, ao longo dos trinta anos do CECIRS. Foi uma pesquisa cooperativa, sendo os colegas do Centro co-pesquisadores. Nela buscamos explicitar concepgdes implicitas nas nossas agées, refle- tindo criticamente sobre elas, ao interagir com colegas e com alunos sobre questdes metodolégicas e educacionais. Atualmente trabalho na PUCRS (Pontificia Univer- sidade do Rio Grande do Sul), realizando, entre outras atividades envolvendo pesquisa e ensino, orientagaio de mestrandos em Educa¢ao em Ciéncias e Matematica. Trata- se de um curso de Mestrado que envolve, essencialmente, educagdo continuada de professores, e o debate episte- moldgico relacionado 4 educagio em Ciéncias é funda- mental nesse contexto. Reunimos, no grupo de pesquisa CNPq/PUCRS deno- minado “Relagdes entre a natureza das ciéncias e a edu- cagao em Ciéncias”, muitos dos participantes da pesquisa cooperativa realizada no CECIRS. Entre diversas pesqui- sas que temos desenvolvido, destaco “RelagGes entre a natureza das ciéncias e a educa¢ao em Ciéncias assumidas por docentes que atuam em nivel de pos-graduagao”, que resultou num livro' do qual sou organizadora, contendo capitulos, de autoria dos entrevistados, com idéias de alguns autores apresentados neste livro — inclusive alguns com poucas obras em lingua portuguesa, como Fleck, Toulmin e Laudan, abordados, respectivamente, por De- métrio Delizoicov Neto (UFSC), Joao Batista Siqueira Harres (UNIVATES) e Alberto Villani (USP). Ha também um capitulo que escrevi em conjunto com o grupo res- | Editado pela EDIPUCRS (BORGES, 1997) Em Deesre: cientificidade e educacdo em Ciéncias 11 ponsavel pela pesquisa (Adria Stefani, Ana Licia Imhoff, Berenice Alvares Rosito, Lia Barbara Marques Wilges, Luiza Ester Camargo, Ronaldo Mancuso, Roque Moraes, Valderez Marina do Rosario Lima, Vicente Hillebrand), refletindo sobre as repercussdes desse estudo na vida pessoal e profissional de cada um de nds. Para mim, uma das repercussdes foi participar do seminario avangado Teoria do Conhecimento, Teoria da Ciéncia, ministrado por Urbano Zilles, em 2004, para ampliar o embasamento filoséfico. Outra repercussdo foi resgatar o presente livro, que consiste num ponto de partida, por ser uma sintese, implicando a necessidade de aprofundamento. Mas esse aprofundamento pode ser melhor contextualizado a partir do panorama geral que o livro apresenta. A reflexdo critica sobre a nossa pratica a luz de teorias é fundamental, especialmente quando existe abertura a pensamentos diferentes dos nossos. Por isto 0 amplo debate envolvendo questédes relacionadas a natureza do conheci- mento cientifico ¢ importante, contribuindo para questio- narmos e aperfeigoarmos o trabalho que realizamos. O que é ciéncia? Como o conhecimento cientifico se desenvolve? Como podemos relacionar observagdes e teorias, ciéncia e educagao, conhecimento e poder? Estas sao algumas das perguntas retomadas neste livro, que, mesmo ampliado, continua contendo mais desafios do que respostas, na certeza de que nada é definitivo e inques- tionavel. Porto Alegre, 22 de junho de 2007 RMR.B. 1 COMO SE RELACIONAM OBSERVACOES E TEORIAS NO DESENVOLVIMENTO DAS CIENCIAS? Antes de responder a esta questao, convém refletirmos sobre a natureza do conhecimento cientifico. Uma das maneiras de fazé-lo acontece ao nos posicionarmos diante de diferentes idéias. Esta é uma forma de estabelecermos um debate, pois a propria Icitura ja ¢ um processo dialégico, envolvendo quem 1é, quem escreve e os autores mencionados no texto. Podemos concordar com suas idéias ou rejeitd-las, ao refletirmos e (re)construirmos uma concepcao propria. Tenho aprofundado este tema em outros estudos (BORGES, 1997, 2004), mas, aqui, vou retomar esta dis- cussdo enfatizando as perguntas, a busca de respostas. Proponho, ent&o, um exercicio. Vou apresentar um instrumento de pesquisa, que utilizei para identificar idéias sobre a natureza do conhecimento cientifico entre licenciandos em Ciéncias, Quimica, Fisica e Biologia (BORGES, 1991). O exercicio foi inspirado em outro, criado por Zylbersztajn (1986), que foi meu orientador nessa pesquisa. Leia com atengao e avalie! Os textos que compéem o exercicio, designados pelas letras L, P, K, F, B e E, trazem sinteses de algumas visdes sobre as ciéncias. 14 BORGES, Regina Maria Rabello 1.1 Instrumento de pesquisa: idéias sobre a natureza do conhecimento cientifico Este exercicio apresenta pequenos textos com idéias sobre a natureza do conhecimento cientifico. Provavel- mente cada pessoa concordara com alguns e discordara de outros, por ter suas proprias idéias sobre o assunto. Faga este exercicio. Leia os textos um a um. Apés a leitura de cada texto, indique o seu grau de concordancia com 0 mesmo, usando uma escala de 0 a 5: — 5 se houver concordancia plena; — 0 se houver total desacordo; —1 a 4 (graus intermedidrios) para concordancia parcial. Apos avaliar assim cada um dos textos, justifique, por escrito, o grau atribuido. Ao final, se vocé quiser, escreva 0 seu préprio texto, acrescentando idéias ou exemplos. Seguem os textos. Registre seus comentarios sobre cada um deles antes de passar ao seguinte. A formulacao de leis naturais tem sido encarada, desde ha muito, como uma das tarefas mais importantes da ciéncia. O método que a ciéncia utiliza para conhecer os fendmenos que ocorrem no universo é 0 método experimental, que consiste, basicamente, em: a) observacéo dos fenédmenos; b) medida das principais grandezas envolvidas; c) busca de relagGes entre essas grandezas, com o objetivo de descobrir as leis que regem os fendmenos que estaéo sendo pes- quisados. Este processo, que permite chegar a conclusdes gerais a partir de casos particulares, 6 denominado inducdo, e é uma das caracteristicas fundamentais da ciéncia. Ele possibilita atingir um conhecimento seguro, baseado na evidéncia observacional e experimental. Em Desare: cientificidade e educacéo em Ciéncias 15 A ciéncia possui valor, ndo porque a experiéncia de- monstre as idéias cientificas, mas porque fatos experimentais podem falsear proposicdes cientificas. As idéias cientificas nao podem ser provadas por fatos experimentais, mas estes fatos podem mostrar que as proposicées cientificas estao erradas. Esta é a caracteristica de todo o conhecimento cientifico: nunca se pode provar que ele é verdadeiro, mas, as vezes, podemos provar que ele néo é verdadeiro. E possivel provar que uma teoria estabelecida esta errada, mas nunca poderemos provar que ela é correta. Assim, a ciéncia evolui através de refutagdes. A medida que se demonstra que algumas idéias sao falsas, obtém-se uma nova teoria, ou a antiga é aperfeicoada. Normalmente um cientista ndo se preocupa em negar uma teoria, mas sim em comprovar as teorias existentes. Se 0 resultado aparecer depressa, dtimo. Caso contrario lutara com seus instrumentos e suas equacées até que, se possivel, obtenha resultados conformes com a teoria adotada pela comunidade cientifica a que pertence. A comunidade cienti- fica é conservadora. S6 em casos muito especiais uma teoria aceita por longo tempo é abandonada e substituida por outra. As novidades que nao se enquadram nas teorias vigentes tendem a ser rejeitadas pelos cientistas. S6 é considerado como ciéncia aquilo que os cientistas aceitam por consenso. Em principio, o cientista ndéo precisa seguir qualquer norma rigida quanto 4 metodologia da pesquisa. Ou seja, tudo vale. Nao existe regra de pesquisa que nao tenha sido violada alguma vez. Portanto, ndo se pode insistir para que, numa dada situacao, o cientista adote, obrigatoriamente, um certo procedimento metodolégico. No fim das contas, pode ser esta justamente a situagéo em que a regra deve ser alterada. N&o existe nenhuma regra, por mais alicercada que esteja numa teoria do conhecimento, que nao tenha sido violada em uma ocasiao ou outra. Tais violagdes sao necessarias ao progresso. 16 BORGES, Regina Maria Rabello A necessidade de uma experiéncia cientifica é identificada pela teoria antes de ser descoberta pela observacao. Ou seja, a experimentagdo depende de uma elaboracdéo tedrica anterior. Deste modo, o pensamento cientifico é, aa mesmo tempo, racionalista e realista, pois a prova cientifica se afirma tanto no raciocinio como na experiéncia. O cientista deve desconfiar de experiéncias com resultados imediatos e de idéias que parecam evidentes. Ou seja, 0 conhecimento cientifico se estabelece a partir de uma ruptura com o senso comum. E 0 progresso das ciéncias exige ruptura com os conhecimentos anteriores tal como estado estabelecidos, o que implica sua reestruturacao, [ [texto BP Comparando os temas de pesquisa cientifica com os problemas econémicos, técnicos, sociais ou politicos de cada época, fica evidente que o desenvolvimento cientifico é influenciado por eles, Antes da revolucao industrial, a ciéncia nao podia ultrapassar os limites impostos pela Igreja. Depois, submeteu-se aos interesses da burguesia, cujas necessi- dades técnicas e econdmicas determinaram o desenvolvi- mento posterior das teorias cientificas, Atualmente, o papel dessas influéncias externas sobre o desenvolvimento das ciéncias pode ser facilmente constatado, verificando-se em quais pesquisas as agéncias financiadoras investem seus recursos. 1.2 Comentarios sobre 0 exercicio Apés a leitura e a redagio de comentarios pessoais aos textos, vamos caracterizar as concep¢ées neles expressas. TEXTO L — Visio tradicional das ciéncias. Método cientifico empirista-indutivista, que parte de observacdes a formulagdo de teorias. Conhecimento cientifico visto como seguro, por ser baseado em evidéncia observacio- nal e experimental. Idéias defendidas por Francis Bacon (séc. XVII) e retomadas pelo positivismo légico. Em Desire: cientificidade e educacdo em Ciéncias 17 TEXTO P — Visao falseacionista, pela qual nenhuma teoria pode ser considerada como absolutamente certa: é possivel refutar, mas jamais comprovar o conhecimento cientifico. Popper, em 1935, propés esse critério da falsificabilidade das teorias para distinguir entre ciéncia ¢ nao-ciéncia. TEXTo K — Visao contextualista proposta por Kuhn, em 1962. Vé a comunidade cientifica como conservadora e resistente a mudangas, sendo considerado ciéncia apenas 0 que os cientistas aceitam por consenso, nos periodos caracterizados como “‘ciéncia normal”, com adesiéo a um paradigma. TEXTO F — Vis&o anarquista sobre 0 conhecimento, enfatizando a diversidade de métodos nas ciéncias. Ine- xisténcia de regras de pesquisa que nao tenham sido violadas e necessidade de tais violagdes para o progresso. Sintese de idéias de Paul Feyerabend (em 1974), se- melhante a critica anterior de Bachelard (em 1934) a métodos rigidos de procedimento nas ciéncias. TEXTO B — Visio dialética do conhecimento cientifi- co, incluindo razdo e experiéncia, sendo as observacdes influenciadas por teorias prévias. Propde uma reestru- turagdo de conhecimentos a partir de rupturas com o senso comum e conhecimentos anteriores. Essas idéias foram defendidas por Bachelard em 1934 e retomadas, depois, por Kuhn (em 1962) e Feyerabend (em 1969). TEXTO E — Visao externalista das ciéncias. Os textos anteriores abordam quest6es epistemoldgicas (internalis- tas), analisando como o conhecimento é construido no interior das comunidades cientificas. Este, ao contrario, destaca influéncias externas, considerando que fatores sociopoliticos, econdmicos e culturais possam direcionar as investigagGes. 18 BORGES, Regina Maria Rabello Como, neste exercicio, devemos atribuir um grau a cada texto e justificar por escrito, podemos utilizd-lo para analisar nossas concep¢Ges individuais. Os comentarios ao Texto E podem ser vistos em separado. Os comentarios aos outros textos, isoladamente, nfo sio suficientes para caracterizar uma determinada concepcao, tornando-se necessario analisa-los em conjunto. Para fazer esta andlise, é importante refletir sobre a abordagem epistemoldgica do desenvolvimento das ciéncias (internalismo), que pode ser dividida em trés grandes categorias: idealismo, empirismo e construtivismo * Idealismo O conhecimento encontra-se armazenado em nds, necessitando apenas ser descoberto por meio da intros- pecgdo. Esta visio de como chegamos a obter conheci- mentos nao foi contemplada nos textos do instrumento de pesquisa. ¢ Empirismo O conhecimento encontra-se fora de nds, é exterior e deve ser buscado. O empirismo evidencia-se, sobretudo, na visdo tradicional sobre as ciéncias. O empirismo-indutivista baconiano, que ainda hoje é marcante na educagao cientifica, supde que a observacio dos fenémenos e¢ a realizagdo de experimentos precedem a formulag¢ao de teorias. Na visdo indutivista, 0 método cientifico parte da observagao a elaboragio de hipéteses, seguida de experimentos (repetidos diversas vezes pelos pesquisadores) e conclusées, para chegar a teorias e leis. * Construtivismo O conhecimento nao se encontra nem em nds, nem fora de nés, mas é construido, progressivamente, pelas intera- gSes que estabelecemos. As teorias (envolvendo nossos Em Desare: cientificidade e educagdo em Ciéncias 19 conhecimentos, memorias e crengas) precedem obser- vagées, influenciando-as. Nesta perspectiva, a ciéncia é vista como um processo dinamico e sujeito a mudangas. Atualmente, a maioria dos filédsofos das ciéncias, por maiores que sejam as divergéncias entre cles, contesta o empirismo ¢ apresenta em comum uma visdo construtivista do conhecimento, que pode apresentar diversas variagées, como: Racionalismo critico ou hipotético-dedutivismo (POPPER). De certo modo, 0 hipotético-dedutivismo de Popper, que rejeita a inducdo, aproxima-se também do empirismo, pois acredita ser possivel refutar, experimentalmente, teorias cientificas, utilizando critérios légicos e imparciais — ou seja, sem influéncia das idéias do pesquisador. Mas os popperianos, em geral, discordam dessa aproximagado, pois véem a metodologia cientifica partindo de um problema e da elaboragao tedrica para soluciond-lo: da teoria sao deduzidas conseqiiéncias para serem submetidas a testes, visando refuta-la, o que pode levar ao seu aperfeigoamento ou substitui¢do por outra melhor. Contextualismo (KUHN). A ciéncia depende do con- texto em que se desenvolve, conforme o paradigma adotado pela comunidade cientifica. Em periodos de ciéncia nor- mal, ou seja, na vigéncia de um paradigma, a comunidade cientifica é conservadora quanto a teorias, métodos e solugdes aceitaveis, desenvolvendo um conhecimento progressivo e cumulativo. Esse conheci-mento sofre Tupturas durante os periodos de crise ou revolugdes cientificas, quando o antigo paradigma ja nao serve e existem varias teorias emergentes procurando substitui-lo, competindo entre si. Racionalismo aplicado ou racionalismo dialético (BACHELARD). O conhecimento cientifico ¢ estabele- cido tanto pela reflexao como pela experiéncia, mas essa ultima ¢ necessariamente precedida por uma construgao 20 BORGES, Regina Maria Rabello intelectual. Para planejar uma experiéncia, ¢ preciso ter alguma idéia sobre o tema a investigar. Mas a ciéncia exige criatividade, senso critico e, portanto, rejeigao a aceitacado passiva de teorias e interpretagdes. Isso envolve ruptura com 0 senso comum e com conhecimentos anteriores, que sio reestruturados quando uma ciéncia avanga. Pode envolver, inclusive, mudangas na metodologia cientifica. Segundo Bachelard, os métodos, com o tempo, tornam-se maus habitos, que devem ser superados. Anarquismo epistemolégico (FEYERABEND). O conhecimento cientifico é vidvel a partir dos métodos mais diversificados, havendo pluralismo na comunidade cien- tifica. Procedimentos dogmaticos quanto a teorias e¢ mé- todos nfo trazem beneficios 4 humanidade, pois trans- formam a ciéncia em ideologia (conjunto de idéias e teorias voltadas a legitimar ou reproduzir a ordem estabelecida). Os conflitos sao necessdrios, segundo Feyerabend. Sua critica aos procedimentos nas ciéncias assemelha-se a de Bachelard, sendo, porém, mais radical na critica aos métodos, considerando que as emogées, a teimosia e a irracionalidade influem nos rumos das ciéncias. Podemos encontrar diversas variagdes de uma visio construtivista, intercalando aspectos das concep¢Ges ante- riores. Conforme os comentarios escritos e comparando criticas aos textos L (0 conhecimento cientifico parte da observacgado neutra dos fendmenos, utilizando o método experimental) e B (toda a observacao é influenciada pelo que acreditamos e conhecemos), é possivel determinar as categorias ja citadas. Em sintese: — Empiristas: acreditam que a observagao precede a teoria. — Construtivistas: acreditam que as teorias influen- ciam as observagées, ou seja, que nao ha observa¢ao neutra, isenta de teoria. Em Desate: cientificidade e educacdo em Ciéncias 21 — Indefinidos: nao definem claramente uma concepgao ao comentar os textos. Para completar a andlise dos textos L e B, que leva ao estabelecimento dessas categorias basicas, podemos considerar as opinides escritas sobre os seguintes aspectos: — Conhecimento obtido através do método experi- mental (Texto L): é seguro ou nao. — Desenvolvimento das ciéncias (Texto B): é continuo ou apresenta descontinuidades (ruptura com conhe- cimentos anteriores e sua reorganizagao). — Metodologia cientifica (Texto F): rigida, flexivel ou ausente. — Comprovagdo ou falseamento do conhecimento cien- tifico (Texto P): é possivel comprovar teorias, ¢ possivel apenas refutd-las ou nado é possivel com- provar nem refutar, definitivamente, teorias cienti- ficas. — Conservadorismo dos cientistas quanto a teorias aceitas por consenso (Texto K): existe e é valido, nao existe ou existe mas é errado. Em continuidade ao exercicio, os comentarios a cada texto devem ser relidos e comparados, para podermos reconhecer concep¢ées individuais sobre a natureza do conhecimento cientifico. Nao ha problema se, apé6s uma reflexdo mais demorada, essas idéias se modificarem. As idéias contidas no instrumento de pesquisa estao muito resumidas. Para nos posicionarmos com mais segu- ranga, é importante aprofunda-las. Em que consiste, afinal, o conhecimento cientifico? A pergunta acima é o titulo de outro capitulo, que procura respondé-la sob a Gtica de diferentes autores. Antes, porém, no capitulo a seguir, sera realizada uma contextualizagao do debate epistemolégico em termos filoséficos. 2 CONTEXTUALIZANDO O DEBATE Antes que os profissionais ligados as ciéncias naturais passassem a discutir quest6es sobre a natureza das ciéncias, este tema ja fazia parte das discussGes dos fildsofos. Embora os cientistas, mesmo com pouca base em Filoso- fia, tenham condig¢Ges de refletir sobre o sentido do seu trabalho, o acesso a alguns fundamentos filoséficos permite 0 estabelecimento de conexdes que podem tornar mais claras as idéias em conflito. Inicialmente, é importante diferenciar Teoria do Co- nhecimento (Gnosiologia ou Critica) e Teoria da Ciéncia (Epistemologia ou Filosofia da Ciéncia), com 0 auxilio de Zilles (2003, 2005). 2.1 Teoria do Conhecimento e Teoria da Ciéncia A principal diferen¢a entre Teoria do Conhecimento e Teoria da Ciéncia é que a primeira é bem mais abrangente, envolvendo nfo sé a natureza do conhecimento cientifico, mas de todo o conhecimento humano. Ainda assim, existem quest6es comuns a ambas. Como poderia a Filosofia da Ciéncia deixar de questionar as representagdes que fazemos da realidade, diante de rupturas tedricas e resultados experimentais surpreendentes que deixaram pesquisadores, como Heisenberg, aténitos e sem palavras para descrever, por exemplo, fenémenos Em Dessre: cientificidade e educagdo em Ciéncias 23 constatados no estudo de particulas subatémicas? Além disso, como nao indagar quanto a seguran¢a e objetividade de observagées cientificas, quando as neurociéncias nos fazem compreender a complexidade da percepcao e de diversos processos neurobiologicos que integram raziio, sentimentos e emogdes? (MATURANA, 1997, 2002; DAMASIO, 2003). A Teoria do Conhecimento ¢ anterior 4 Teoria da Ciéncia e de certo modo a contém, pois trata do conhe- cimento humano como um todo e apresenta questdes profundas quanto a possibilidade ¢ a esséncia do co- nhecimento, que em geral as ciéncias naturais apenas pressupdem. Tais questdes sao anteriores aos problemas cientificos. Portanto, foi preconceituosa a rejeigao dos positivistas légicos do Circulo de Viena a reflexdes filoséficas, desconsiderando os problemas filosoficos por nao serem verificaveis pelos sentidos. Alias, isto logo esbarrou no préprio desenvolvimento do conhecimento cientifico, pois muitos termos da Fisica, desde 0 século XX, nao se vinculam aos sentidos diretamente. A Teoria da Ciéncia — ou Filosofia da Ciéncia — expandiu-se e modificou-se a partir do século passado: apés 0 empirismo extremado do Circulo de Viena, nos anos 20, a década de 30 trouxe 0 racionalismo critico de Popper eo racionalismo aplicado de Bachelard, além da teoria de Fleck sobre a “‘génese e o desenvolvimento de um fato cientifico”. Dessa forma, sem menciond-lo e provavel- mente sem conhecé-lo, retomaram o racionalismo de Kant (1974), para quem “sé conhecemos a priori das coisas 0 que nés mesmos colocamos nelas.” A partir de criticas ao positivismo realizadas por fildsofos das ciéncias, a epistemologia ja nado pode ser reduzida a légica aplicada, como 0 positivismo légico prescreveu no século passado. Hanson (anos 50), Kuhn (anos 60), Lakatos, Toulmin e Feyerabend (anos 70) e autores contemporaneos, como Laudan, Maturana, Morin 24 BORGES, Regina Maria Rabello e Mario Bunge, com argumentos embasados simultanea- mente na ldgica, no desenvolvimento hist6rico das ciéncias naturais e em fatores psicolégicos e socioldgicos inerentes a comunidades cientificas, possibilitam um amplo debate epistemolégico e pedagédgico. Nesse debate, ha conver- géncia entre reflexdes realizadas por pessoas com forma- ¢4o filoséfica e com formagao cientifica, sobretudo pela considera¢do de questées antes descartadas pelos cientistas como irrelevantes. E importante, também, considerar alternativas de res- postas a questéo sobre como conhecemos. 2.2 Racionalismo, empirismo e construtivismo Racionalismo e empirismo sao tentativas de com- preender e explicar como acontece o processo de conhecer, a partir das relagdes estabelecidas entre 0 sujeito epis- témico e 0 objeto do seu conhecimento. Essa ¢ uma discussdo muito antiga, que remonta a Platao e Aristételes. Conforme o racionalismo, 0 conhe- cimento origina-se na razio, enquanto o empirismo considera que 0 conhecimento tem origem na experiéncia sensorial. Isto de modo mais radical, pois tanto racio- nalistas como empiristas podem admitir outras fontes de conhecimento, além da que consideram como predo- minante. Mesmo considerando interessante a argumenta¢aio de defensores de uma ou outra dessas teorias, a polémica esta em parte superada, desde que, no século XX, foi proposta uma terccira alternativa, ultrapassando-as: o conhecimento nao pre-existe em nds, nem se encontra fora de nds, mas é construido pela interagdo do sujeito cognoscente com 0 objeto do conhecer. Por caminhos diferentes, sem comunicar-se, dois grandes pesquisadores (Piaget e Vygotsky) chegaram a esta conclusio, na mesma época (anos 30). Suas teorias e as de outros pesquisadores com aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 28 BORGES, Regina Maria Rabello aulas de Ciéncias. Apenas considero a epistemologia dos professores que a utilizam, como eu mesma ja o fiz, de uma forma um tanto ingénua, por pressupor que 0 experimento seja suficiente para apropriagAo do conhecimento cien- tifico. Como trabalhar a experimentagfo, numa concep- ¢do construtivista a respeito dos processos de ensinar ¢ aprender? 2.4 Construtivismo e experimentagao Uma das formas para trabalhar a experimentagao numa perspectiva construtivista, segundo Silveira (1991), cor- responde a realizagio de experimentos dedutivo-racio- nalistas ou hipotético-dedutivistas, nos quais 0 ponto de partida consiste numa construcgao tedrica que precede observacées. Isto corresponde as idéias de Popper, pelas quais as teorias so conjeturas imaginadas para solucionar um problema. De uma teoria sao deduzidas conseqiiéncias que possam ser testadas, ndo para comprovar a teoria, mas visando sua refutacdo. Sob esta perspectiva, néo ha observacao neutra e objetiva da realidade: tudo esta carregado de teoria. Admito que tal visio seja compativel com o cons- trutivismo, pois considera que a teoria, para ser cientifica, pressup6e a confronta¢ao com a realidade. Assim como na visio de Bachelard, ha um racionalismo aplicado. Ha interagdo teoria-pratica. Alias, afirmar que a teoria precede e influencia as observacdes nao contempla, apenas, teorias cientificas, mas também as teorias implicitas do senso comum. Somos continuamente influenciados por teorias, mesmo sem ter consciéncia disto. Esta perspectiva é propria do construtivismo, mas nela nao se enquadra apenas o hipotético-dedutivismo. Existem alternativas mais préxi- mas do que costuma ser feito em sala de aula. O método aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 32 BORGES, Regina Maria Rabello va-se apenas de uma investigagao intelectual, separando mente e mateéria e acreditando na possibilidade de descrigao objetiva do mundo material, sem referéncia ao observador humano. Galileu desenvolveu a concep¢ao heliocéntrica de Copérnico, desestabilizando a idéia entao vigente de que a Terra era o centro do universo. Supondo também a existéncia de uma ordem matematica no mundo, testou-a de diversos modos, inclusive com “experiéncias em pensamento”. Com isso reuniu a observagao, a razio e a experiéncia para interpretar os fenémenos fisicos. Francis Bacon, por sua vez, defendendo a idéia de que os fenémenos fisicos precisam ser estudados sem a interferéncia do observador, prop6s um método empirista- indutivista, que vai do particular ao geral, considerando a experimentacao como o tinico caminho valido para estudar a natureza. Esse método teve grande influéncia e ainda permanece, principalmente na educagao cientifica escolar, sendo, muitas vezes, considerado como “‘o” método cientifico. Permanecem em discussio muitas idéias sobre a natureza do conhecimento cientifico. As maiores diver- géncias encontram-se entre a concep¢ao positivista e outras que a contrariam. Acreditando que o debate entre essas idéias possa contribuir para a conscientizagao e a critica das nossas préprias concep¢ées, elas serao aqui desen- volvidas, incluindo autores classicos da filosofia e Historia das Ciéncias, tanto os de meados do século XX como outros mais recentes. Inicialmente, em “Do empirismo indutivista ao positi- vismo légico”, ¢ apresentada a concepg¢ao mais tradicional sobre a natureza do conhecimento cientifico, predominante na educagao em Ciéncias. A seguir, em “Debate epistemolégico entre fildsofos das ciéncias”, sAo apresentadas idéias de autores classicos, considerados como filésofos-cientistas: Popper, Kuhn, aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 36 BORGES, Regina Maria Rabello @ objetivo (intersubjetivamente controlavel); @ valido (isto é, confiavel, porque submetido a controle); metédico (com procedimentos definidos); @ preciso (com formulagao clara da linguagem); @ perfectivel, progressivo e cumulativo; @ desinteressado e impessoal; @ uitil e necessario, pela aplicagao dos seus resultados; capaz de combinar raciocinio e experiéncia; @ hipotético, em busca de leis e teorias; @ explicativo e prospectivo, pois sua capacidade de explicar os fatos permite também sua antecipagiio ou predigao. Na filosofia positivista a observagao é importante, mas é preciso abstrair e racionalizar a fim de poder prever. Ha, entao, uma elaboragao do senso comum, através dos conhecidos passos do método experimental: observagao dos fatos, formulagio de hipdteses, experimentagao e estabelecimento de leis. Entretanto, essa concep¢ao tem sido muito criticada por apresentar uma visao idealizada e a-hist6rica do conhecimento cientifico. 3.2 Debate epistemolégico entre filésofos das ciéncias A Filosofia das Ciéncias despertou a atengao de cientistas e educadores a partir dos anos 60, quando o debate sintetizado no livro A critica e o desenvolvimento do conhecimento (LAKATOS e MUSGRAVE, 1979) chegou ao dominio publico. Seraéo aqui apresentadas algumas idéias dos envolvidos. ¢ Popper —racionalismo critico Karl Raimund Popper (1902-1994) foi um filésofo da ciéncia austriaco naturalizado britaénico.? Tendo fre- 2 Informagao obtida em Wikipedia, enciclopédia livre. Disponivel em: . Acessada em: jul, 2007 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 40 BORGES, Regina Maria Rabello modo seriam inimaginaveis. E preciso considerar tam- bém que assim os cientistas preservam a base da sua vida profissional, por saberem o que e onde procurar, “pois a natureza é demasiado complexa para ser explorada por aca- so, mesmo de maneira aproximada.” (KUHN, 1974, p.72). O objetivo de Kuhn é desmistificar visdes classicas sobre as ciéncias. Assim como Alexandre Koyré ¢ outros autores, critica a analise de conhecimentos histéricos a partir do presente. E preciso julgar a ciéncia de uma época de acordo com o contexto da época, e nao a partir dos conhecimentos atuais (como propde Bachelard). O conhe- cimento cientifico, assim como a linguagem, é com- partilhado por um grupo ou entdo nao é nada. S6 pode ser entendido a partir dos grupos que o criam e utilizam. Para Kuhn, as antigas concep¢6es sobre a natureza nao sio menos cientificas do que as atuais e a ciéncia nao se desenvolve por acumulagao. “Teorias obsoletas nao sao acientificas em principio, simplesmente porque foram descartadas.” (KUHN, 1978, p. 21). E, entre teorias em conflito, é dificil estabelecer algoritmos que possibilitem a op¢do por uma delas, porque as teorias podem ser incomensuraveis. Essa incomensurabilidade deve-se a diferenca dos paradigmas em que se apdiam, pois cada uma delas esta ligada a uma determinada concepg¢aio de mundo. Segundo Zylbersztajn (1991), incomensurabilidade, para Kuhn, significa que os paradigmas rivais mostram 0 mundo através de lentes conceituais diversas, fazendo com que os defensores dessas teorias se expressem com linguagens diferentes, numa comunicac¢do incompleta e parcial. Mas, apesar de nao haver predominio de critérios légicos padronizados durante as revolug6es cientificas, nas fases de ciéncia normal prevalece 0 consenso entre cientistas que compartilham um paradigma. E, mesmo nos periodos revolucionarios, ha um conjunto de valores em comum que os cientistas utilizam nos debates, preva- lecendo, entdo, a racionalidade. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 44 BORGES, Regina Maria Rabello das ciéncias e do seu desenvolvimento histérico, apro- fundando-as depois. Para Kuhn (1979), a origem da sua diferenga em relagao a Popper e seus seguidores é a seguinte: eles sup6em, como Os positivistas, que seja possivel resolver o problema da escolha de teorias por técnicas semanticamente neutras. Por esta suposigao, alguma medida comparativa de sua verdade/falsidade daria a base para a escolha racional. Realmente, Popper estabelece também, como diferen¢ga fundamental entre ambos, a légica. Acredita ser possivel 0 confronto de teorias concorrentes, pois “a meta é descobrir teorias que, 4 luz da discussao critica, cheguem mais perto da verdade”. (POPPER, 1979, p. 71). O falseacionismo proposto por Popper para caracterizar as ciéncias é aceito por Lakatos, que o interpreta como um “falseacionismo sofisticado”: ele afirma que teorias nao sao falseadas por experimentos, mas por outras teorias, em programas de pesquisa (LAKATOS, 1979b). Em cada programa de pesquisa, ha um “nucleo rigido” constituido por idéias basicas a preservar, envolvido por um “cinturao protetor” de idéias mais flexiveis, adaptaveis e mutaveis diante de criticas. Os programas de pesquisa mais pro- missores tendem a permanecer e evoluem, enquanto outros, incapazes de oferecer solugées satisfatérias aos problemas que investigam, tornam-se degenerados ¢ tendem a desa- parecer. Popper contesta a “ciéncia normal” de Kuhn e vé a ciéncia como um permanente processo revolucionario, buscando sempre, pelo falseamento, a troca de teorias por outras melhores. Para Kuhn, isto sé ocorre excepcional- mente nas ciéncias maduras, embora seja a regra nas proto- ciéncias (por exemplo, a quimica e a eletricidade do século XVIII e as ciéncias sociais hoje). E o que caracteriza a ciéncia é, precisamente, o que ele chama de ciéncia normal. Kuhn, tal como Feyerabend, cita o trabalho de N. R. Hanson quanto a alteragdes de percepcao e suas conse- aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 48 BORGES, Regina Maria Rabello compartilhados e compromissos com o grupo — “o termo paradigma seria totalmente apropriado”. (KUHN, 1978, p. 231). O debate epistemolégico referido até aqui nao teve a participagao de importantes filésofos das ciéncias daquela época, como o professor francés Gaston Bachelard e o médico polonés Liidwik Fleck, restringindo-se aos anglo- saxOnicos. Entretanto, Fleck foi mencionado por Kuhn (1978) como sendo importante ao seu trabalho, sem explicitar em que aspectos, e por isso foi ignorada até recentemente a dimensAo dessa influéncia na sua teorizagao sobre paradigmas. Os participantes do Simpoésio aprofundaram suas idéias. Feyerabend, em 1974, expés seu anarquismo epistemo- légico no livro Contra 0 Método (FEYERABEND, 1985). Lakatos, que trouxe importantes contribuigdes 4 filosofia da matematica e a historia das ciéncias, ampliou sua teoria dos programas de pesquisa cientifica em History of Science and Its Rational Reconstruction (Histéria da Ciéncia e sua Reconstrugao Racional), além de publicar diversas outras obras (LAKATOS, 1998). Kuhn acres- centou um posfacio ao seu livro, esclarecendo o que entendia por paradigma. O debate epistemoldgico estendeu-se aos prdéprios cientistas, que, de modo geral, tendem a desconsi- derar questées filoséficas. Por que essa mudanga? Tal- vez OS argumentos embasados em questédes histéricas tenham tornado a discussdo mais significativa e desafia- dora para eles, possibilitando ultrapassar alguns precon- ceitos. Mas esse debate nao abrange apenas questOes epis- temologicas e historicas inter-relacionadas. E pos- sivel enfatizar, até em excesso, os processos histéricos e sociais de produg¢ao das teorias cientificas. Isto é feito na abordagem externalista do desenvolvimento das cién- clas. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 52 BORGES, Regina Maria Rabello que nao se fragmenta a realidade, nem se isola uma qualidade como a condutibilidade térmica, pois é preciso buscar a correlagdo com a estrutura (DAGOGNET, 1965). Segundo Bachelard (1986), a evolucgdo das ciéncias é dificultada por obstaculos epistemoldgicos, entre os quais © senso comum, os dados perceptiveis, os resultados experimentais ¢ a prépria metodologia aceita como valida, assim como todos os conhecimentos acumulados. Para conseguir supera-los, sdo necessarios atos epistemoldgicos: tuptura com os conhecimentos anteriores, seguida por sua reestrutura¢ao. Sua tese principal é a descontinuidade evidenciada na Historia das Ciéncias. A ciéncia nao acumula inovagoes. Ela as sistematiza e coordena. E 0 cientista nado descobre nada, apenas sistematiza melhor. O essencial nao é acu- mular fatos e documentos, mas reconstruir 0 saber, através de atos epistemolégicos que reorganizam e transformam a evolugao de uma determinada area das ciéncias. Por isso 0 maior obstaculo a formagio do espirito cientifico ¢é colocar a experiéncia antes e acima da critica. Para Bachelard, 0 imediato deve ceder ao construido, em qualquer cir- cunstancia. Cientista e poeta, Bachelard critica a filosofia por suas reflexSes e pensamentos desligados da matéria, pois a Quimica surpreende mais do que a poesia, quando se pensa nos progressos cientificos e na mecanica quantica. O conhecimento do todo é essencial. Mas nao é imutavel: as retificagdes e as extensdes nos impulsionam a buscar continuamente. E “é no momento que um conceito muda de sentido que cle tem mais sentido... Com a relatividade, o espirito cientifico constitui-se juiz do seu passado espiritual.” (BACHELARD, 1986, p. 42). A retificagao dos conceitos, realizada pela teoria da relatividade, ilumina as nogGes anteriores e mostra a evolucio do pensamento. Tudo isso tem valor pedagégico: a epistemologia de Bachelard é, também, uma pedagogia. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 60 BORGES, Regina Maria Rabello constréi seu proprio mundo, de acordo com sua propria estrutura, na interagado com o meio ambiente. Ao mesmo tempo, interage com outros sistemas vivos, comuni- cando-se e coordenando ages reciprocas, conectando esses mundos criados em forma de uma rede que re- gula e organiza a si mesma — ou seja, uma rede auto- poiética. A teoria da autopoiese, desenvolvida por Maturana e Varela (1995), considera que um sistema autopoictico passa por continuas mudangas de estrutura, mas preserva seu padrao de organizagao semelhante a uma teia. Essas mu- dangas estruturais podem ser tanto de auto-renovagdo ciclica (reposigao de células e formagio de tecidos ¢ érgaos, mantendo a identidade ou padrao de organizacao) como de “acoplamento estrutural” (respostas a influéncias ambientais com mudangas de estrutura, envolvendo adapta- gdes, aprendizagem e desenvolvimento continuos). A interagdo do organismo com seu meio ambiente é uma interagdo cognitiva, em que a inteligéncia transparece na riqueza e flexibilidade do acoplamento estrutural de cada organismo. Portanto, nossas atividades mentais, emocio- nais e biolégicas encontram-se integradas. Essa é uma afirmagao essencial na obra de Maturana (1997a). Por meio de uma argumentagao bioldgica, e nao filoséfica, sociolégica ou psicolégica, ele esclarece que interagdes recorrentes levam a constituigado de sistemas sociais entre os humanos, como caracteristica inerente a espécie, da mesma forma como se originam outros sistemas sociais entre os seres vivos. Pela teorizagéo de Maturana (1997c), toda a objetividade ao nosso alcance, enquanto humanos, ¢ sempre uma “objetividade entre parénteses”, pois, ao interagir na linguagem, estabelecemos um critério de aceitabilidade “que determina as reformulagdes da praxis do viver” (p. 252). E 0 uso recursivo de “coeréncias operacionais que constituem aquela praxis de viver que gera suas reformulagées explicativas” (p. 253), estabele- aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 64 BORGES, Regina Maria Rabello Sendo a cientificidade “a parte emersa de um iceberg profundo de niao-cientificidade” (MORIN, s/d, p. 18), ha um paradoxo: 0 mundo que a ciéncia quer conhecer, mesmo sendo um mundo objetivo, nao pode ser percebido sem a presenga de um observador. Entdo, a objetividade que o pesquisador busca é produzida e reconstruida conforme a organiza¢io e dinamica da comunidade cientifica 4 qual pertence, pois “as teorias nao sao objetivas, sao subjetivas- objetivas: tratam dados objetivos mas sio construgées.” (Idem, p. 17). Assim como Maturana (1997, 2002), Morin (1999) aceita a idéia de organizagao viva, que substituiu a de matéria viva, e relaciona vida e cogni¢ao, considerando os processos vitais pelos quais “o ser vivo é um ser auto-eco- organizador”. Destacando que o nosso cérebro é formado a partir da ectoderme, conclui que “nosso conhecimento esta ligado 4 nossa relagdo ativa com o mundo exterior e que o vinculo primeiro e fundamental do conhecimento cere- bral € o da agao.” (MORIN, 1999, p. 22). Assim, “O cére- bro esta aberto para o mundo exterior e o homem tem uma abertura infinita sobre o infinito do mundo.” (Idem, p. 25). Relacionando, continuamente, subjetividade e objeti- vidade, por ser a objetividade intersubjetivamente cons- truida, Morin considera tanto a contribuig&o pessoal do pesquisador como seu ambiente cultural, que é uma construg¢ao hist6rica. Isso caracterizaria um “determinismo situacional”, ligado tanto a normas e pensamentos con- formistas como a inovagées e revolugdes no conhecimento. Isto acontece considerando o simples e 0 complexo, na “dialégica ordem-desordem-organizagao” que caracteriza a complexidade. Mas, “na alta complexidade, a desordem torna-se liberdade e a ordem é muito mais regulagao do que imposic¢ao.” (MORIN, s/d, p.107). Recomendando estudar a organizagdo de diferentes sistemas de idéias, destaca a necessidade de um esforgo no sentido de compreender teorias e visdes do mundo aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Em DeBute: cientificidade e educagdo em Ciéncias 91 esta € a principal fungao do professor como mediador. Para isso, na escola, 0 professor pode criar uma situagao desafiadora, que permita evidenciar as idéias dos alunos. Depois, de preferéncia em trabalhos de grupo, pode provocar o confronto e o debate de diversas representagées, resultando em idéias cada vez mais elaboradas. E preciso reestruturar, as vezes, algumas idéias prévias para compreender um conceito. Por exemplo, Gagliari (1998) comenta que os alunos, apés as aulas sobre repro- dugao, tendem a representar o feto ligado por um tubo a boca, aos pulmGes, aos seios ou aos intestinos da mae. Por que, se foi visto que o corddo umbilical é atravessado por vasos sanguineos, ligando-se a placenta? Essas representagées diferentes do contetido trabalhado em aula adquirem sentido diante dos conhecimentos anteriores das criangas: a necessidade de alimentagao e respiragado. As criangas que ligam o feto a boca e aos intestinos da mae procuram explicar como ele se alimenta, enquanto outras imaginam que, se o feto esta numa bolsa com agua, deve ligar-se por um tubo ao ar exterior. Deste modo, tais idéias sao coerentes e é importante que isto seja reconhecido. Neste exemplo, 0 que impede os alunos de entenderem como o feto obtém alimento e oxigénio? Parece faltar um conceito estrutural: 0 de transporte, pelo qual o oxigénio e o alimento sfo distribuidos pela corrente sanguinea a todo o organismo. A construgao de tal conceito possibilita compreender por que o feto deve estar ligado ao sistema circulatorio da mae, bem como a fungdo da placenta e do cordio umbilical, além de aumentar a compreensao sobre a circulagdo (cora¢do, artérias, veias, controle da pressao arterial...), sua relag¢ao com o sistema respiratorio e o urinario, a digestao e a interligagdo entre diversos 6rgaos no funcionamento do ser vivo. Com- preendendo como funciona este sistema de transporte, torna-se mais facil integrar conhecimentos dispersos num todo coerente. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. consideragao de diferentes MCC rh SA Cientifico e o COMO cn 8, a es gs ISBN 978-85-7430-690-2 . 788574"306902

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