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JorgeBarbosa

Filosofia Analítica da
Linguagem de B. Russell
Introdução à Perspectiva de Russell

13 de Agosto 2010
Filosofia Analítica de B. Russell

Introdução

A filosofia contemporânea é partilhada por várias correntes: por um lado, a filosofia analítica de língua inglesa que não se reduz,
como se pensa muitas vezes, ao positivismo lógico, mas que lhe dá origem; por outro lado, uma filosofia continental de língua
alemã e francesa, que se refere a Nietzche, a Heidegger, a Freud. Durante muito tempo, estas duas correntes não foram
verdadeiramente contemporâneas, no sentido em que se mantiveram estranhas uma à outra, em que não eram lidas em conjunto.
Um exemplo desta incompreensão radical pode ser encontrado nas actas de um colóquio sobre a “filosofia analítica”, que reuniu
em 1962, na Abadia de Royaumont filósofos anglo-saxónicos de primeiro plano (Quine, Strawson, Austin, Ryle) e representantes
igualmente distintos da fenomenologia e da filosofia francesa (Merleau-Ponty, Jean Wahl, etc.). Este período de incompreensão
radical que não autorizava que se falasse seriamente de uma filosofia contemporânea, e que nos obrigava a contentar-nos com
uma cronologia muito exterior, com uma simples justaposição, estará porventura a desvanecer-se, em parte, porque a filosofia
analítica evoluiu e descobriu, engenhosamente, uma história para ela própria... Esboçam-se, então, debates que não se
desenvolvem exclusivamente no seio de uma única tradição, numa única língua. Estas trocas têm, naturalmente, a duração e a
qualidade próprias dos debates filosóficos: caracterizam-se sempre por alguns recuos, alguns diferendos, múltiplos mal-
entendidos, mas existem.

Nestas condições, que ponto de partida devemos escolher para apresentar a filosofia contemporânea do séculos XX? Seria
tentador escolher os primeiros trabalhos de Frege e os de Moore, cuja Refutação do Idealismo de 1903 inaugura a filosofia
analítica. Seria igualmente tentador, numa outra perspectiva, tomar como referência a obra de Nietzche, como primeiro exemplo
de desconstrução da metafísica, da “genealogia”. A obra do primeiro, nas margens da filosofia, aproxima-se da matemática, e a
obra do segundo, nas margens também ela, aproxima-se da literatura pelos aforismos, da poesia e do mito pela figura de
Zaratustra. No entanto, se tivermos em conta o que veio a acontecer às doutrinas destes dois pensadores, descobriremos uma
curiosa afinidade. Qual é, então, o ponto comum entre a corrente que parte de Frege, com Russell, Wittgnestein, Carnap, Austin,
Quine, e aquela que parte de Nietzche, com Heidegger, Foucault, Derrida? Apesar das diferenças muito importantes, poderemos
encontrar uma preocupação comum: a crítica da metafísica como “discurso” e, portanto, uma crítica da linguagem.

A filosofia clássica (em três nomes: Descartes, Hume, Kant) tinha colocado a questão do conhecimento, isto é, da relação entre o
pensamento e as coisas, no centro das suas preocupações. Assiste-se com Frege e Nietzche, e também com C-S. Peirce, fundador
do pragmatismo, a uma viragem do texto (Rorty chamou-lhe viragem linguística), que coloca o problema da linguagem, do
significado, do sentido no lugar da questão tradicional do conhecimento. A questão da linguagem nunca esteve ausente da
filosofia, em particular na Grécia antiga, mas adquire uma importância muito particular na filosofia contemporânea.

A crítica da linguagem pode ter duas dimensões. Pode incidir sobre a linguagem como instrumento de conhecimento, nas
ciências, e em procurar definir as suas possibilidades e os seus limites, em mostrar os erros e as ilusões que ela provoca. Sonhar-
se-á, então, com uma linguagem pura, ideal, cujo modelo será procurado na lógica, na física, se não nos contentarmos em
explorar o funcionamento, de si já bem complexo, da linguagem “comum”. No entanto, a linguagem não é só um instrumento de
conhecimento. É também um instrumento de comunicação social e, nesta perspectiva, a crítica da linguagem não incidirá sobre a
linguagem das ciências, mas sobre a degradação da linguagem como signo de uma perversão das relações humanas, como
sintoma de uma relação de dominação e de opressão.
Filosofia Analítica de B. Russell

Surgem então duas grandes tendências:

• A do círculo de Viena que assume a crítica da linguagem como Kulturkritik, como crítica da civilização ou da cultura.

• E, numa perspectiva muito diferente e até contraditória, Nietzche, Adorno e a escola de Fanckfurt, Derrida, Foucault,
Habermas que propõem a crítica da linguagem como instrumento de comunicação e de dominação social.

A questão que se coloca é, então, a de saber como podemos conceber a relação entre estes dois tipos de crítica da linguagem.
Que relação pode haver entre a questão do funcionamento da linguagem na descrição verdadeira do mundo e a do seu papel na
comunicação social? Para responder a esta questão, temos de caminhar com cuidado, passo a passo. Comecemos, então, com a
filosofia analítica da linguagem de Bertrand Russell e a sua lógica.

A lógica de Russell é basicamente uma proposta realista. No entanto, ao longo do seu longo percurso filosófico, Russell atenuou e
chegou mesmo a negar parcialmente o seu realismo. Verificam-se, com efeito, diferenças claras logo entre os Princípios de
Matemática, obra de 1903, e os Principia Mathematica, de 1910. Na primeira obra, as classes são realidades objectivas, tão reais
como os indivíduos que as compõem; pelo contrário, na segunda, são consideradas como “convenções simbólicas” ou
“linguísticas”, mas não “objectos autênticos”. Na primeira, afirmava que “termo é qualquer entidade que possa ser objecto de
pensamento e que possa encontrar-se numa proposição verdadeira ou falsa”, e que todo o termo tem uma existência, isto é, que
“de algum modo existe”. Nos Principia Mathematica, admite que todo o vocábulo contribui para o significado da locução em que
se encontra, mas que não tem em qualquer caso um significado. Esta atenuação do realismo é acompanhada por uma atribuição
cada vez maior de importância à linguagem e à natureza linguística de muitos termos ou constructos lógicos. Apesar de tudo, a
própria teoria da linguagem de Russell é essencialmente de natureza realista.

Tal como outros filósofos da corrente, genericamente denominada, de filosofia analítica, Russell estava convencido de que a
característica comum que alimenta os problemas filosóficos é o facto de eles consistirem em confusões conceptuais, resultantes
do mau uso da linguagem comum. A solução seria, então, uma clarificação do sentido dos enunciados a serem aplicados à áreas
da ciência, da metafísica, da religião, da ética, da arte, etc.. No geral, os autores que seguem estas tendências entendem que a
filosofia é uma actividade – para uns terapêutica, para outros clarificadora -, cujo objecto é esclarecer o significado dos
enunciados.

Nas palavras de Habermas, com esta corrente analítica, produz-se uma “mudança de paradigma” (como diria Kuhn), ao passar-se
de uma filosofia da consciência (como a cartesiana ou a kantiana) ou de uma epistemologia – onde o que interessa são as relações
entre sujeito e objecto -, para uma filosofia da linguagem, onde o que interessa são as relações entre o enunciado e mundo, isto é,
uma teoria do significado. Uma questão tão clássica como, por exemplo, a que pode formular-se numa teoria do conhecimento
acerca de “o que é conhecer?”, é reformulada e reinterpretada como uma questão sobre o significado: “o que é que se quer dizer
quando se diz que conhecemos algo?”

A actividade clarificadora dos enunciados, característica fundamental do movimento analítico, inicia-se sobretudo com as tarefas
de fundamentação lógica, levadas a cabo por Russell e Whitehead com a publicação da obra conjunta Principia Mathematica
(1910 – 1913), que, na sequência dos estudos iniciais de G. Frege, fundamenta a linguagem rigorosa da lógica, para evitar as
ambiguidades e confusões do uso da linguagem comum.
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O Significado e a Verdade

A teoria da linguagem de Russell encontra-se no texto sobre denotação de 1905, cujos resultados serão posteriormente incluídos
nos Principia Mathematica, e na Filosofia do atomismo lógico de 1918. Nessa teoria se baseia a Investigação sobre o significado e a
verdade. Os fundamentos desta teoria podem ser expressos do seguinte modo, em quatro condições:

1. A linguagem é constituída por proposições;

2. Os elementos constitutivos das proposições, isto é, os símbolos, significam os constituintes dos factos que fazem as
proposições verdadeiras ou falsas; por outras palavras, os factos correspondem a esses constituintes;

3. É preciso ter conhecimento directo dos constituintes dos factos, para que seja possível captar o significado dos símbolos;

4. O conhecimento directo é distinto de indivíduo para indivíduo.

Uma linguagem logicamente perfeita basear-se-ia nos três primeiros fundamentos: nessa linguagem, não haveria mais do que
uma palavra e só uma, para cada objecto simples, e cada coisa que não fosse simples seria expressa por uma combinação de
palavras, cada uma das quais estaria em lugar de um componente simples. Uma linguagem desta natureza seria completamente
analítica e mostraria, à vista desarmada, a estrutura lógica dos factos afirmados ou negados.

Segundo Russell, a linguagem dos Principia Mathematica procurava ser uma linguagem desta natureza, mas onde só havia sintaxe
e nenhum vocabulário. Com a adição do vocabulário, converter-se-ia numa linguagem logicamente perfeita.

No entanto, o quarto dos fundamentos enumerados torna irrealizável este ideal. Como pessoas diferentes têm um diferente
conhecimento directo dos objectos, e se cada palavra não tem mais do que um significado - o correspondente ao objecto
experienciado directamente pela pessoa que fala -, então ninguém teria condições para comunicar com os outros. Ora,
paradoxalmente, segundo Russell, a linguagem só pode exercer a sua função comunicativa graças à sua imperfeição e
ambiguidade; deste modo, a linguagem é tão mais útil à comunicação, quanto mais imperfeita, vaga e equívoca for.

Deste ponto de vista, é absolutamente indispensável, para a linguagem, que existam os objectos que constituem os componentes
dos factos e os significados dos símbolos. Só uma perspectiva realista, como esta, é compatível simultaneamente com uma
linguagem logicamente perfeita e a possibilidade de comunicação entre os humanos. Mas o problema é que, nas proposições da
linguagem, não existem só nomes, símbolos de objectos particulares, mas também verbos, que exprimem relações entre esses
objectos. Assim, para Russell, as relações não são objectos particulares perceptíveis, mas universais. É, então, deste modo, que
Russell admite a existência de universais: parece não ser possível deixar de admitir que as relações são partes da constituição não
linguística do mundo, tal como os objectos particulares. Do mesmo modo, também não é possível explicar as relações
assimétricas, traduzidas por “ou” e por “não”, como pertencendo exclusivamente à linguagem. Pelo contrário, palavras como
“antes” e “sobre”, tal como os nomes próprios, significam algo que corresponde aos objectos da percepção.

Na filosofia de Russell, o conceito de existência aplica-se, então, tanto às coisas físicas, existentes no espaço e no tempo, como a
coisas “intemporais” (para utilizar as suas palavras). No entanto, relativamente ao que devemos entender por existência, neste seu
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significado mais extenso, as explicações de Russell são vagas e equívocas. Só a determinação negativa é muito clara, uma vez que
exclui a existência como possibilidade. Russell chama “possível” à função proposicional que é alguma vez verdadeira como “X é
um homem”; chama “necessária” à que é sempre verdadeira como “se X é homem, X é mortal”; e chama “impossível” à que nunca
é verdadeira (“X é um unicórnio”). Só que, no seu entender, a proposição possível só é possível porque existem casos em que é
verdadeira, isto é, porque corresponde aos factos, e assim a existência é o pressuposto da possibilidade, o que não deixa de ser
incómodo.

Mesmo assim, e apesar de tudo, Russell admite que se possa falar de objectos não existentes e até que se possa falar de objectos
de que não se tem conhecimento directo; ambos os casos contrariam as condições reconhecidas por ele como próprias da
estrutura da linguagem. Para fazer face a estes dois casos, idealizou a teoria da denotação, exposta pela primeira vez num artigo
de 1905 (On denoting). Segundo esta teoria, existem frases que realmente não dizem nada sobre os objectos existentes, mas que
dizem algo sobre os símbolos presentes na frase. Por exemplo, segundo ele, a frase “O autor de Waverley é escocês” não afirma
nada sobre Scott (porque não tem nenhum constituinte que denote Scott), mas deve interpretar-se como se dissesse: “Existe uma
e só uma entidade que escreveu Waverley, e quem escreveu Waverley é escocês”. Uma tradução semelhante da frase denotante
torna possível falar inclusive de coisas inexistentes. Assim, a frase “o actual rei de França é careca” deve traduzir-se: “Há uma
entidade que é actualmente rei de França, e esta entidade é careca”. Esta frase é certamente falsa, mas tem um significado que
pode ser expresso e compreendido. Ora, este ponto de vista elimina a necessidade de admitir objectos ou entidades
correspondentes a todos os símbolos empregues na linguagem.
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A Crítica do Neoempirismo

Russell nunca duvidou de que o ponto de partida do conhecimento fosse a experiência individual, o domínio privado ou
egocêntrico dos dados imediatos; mas tão pouco duvidou de que o conhecimento não se reduzisse a esse domínio. Pelo contrário,
compreende um outro domínio que só pode ser alcançado através da inferência, que se reconhece e exprime de modo totalmente
distinto do primeiro, mas que é constituído por elementos tomados dele.

Sendo um ponto de partida para todo o conhecimento, a experiência não pode ser, na opinião de Russell, um método de
comprovação. Nesta convicção se baseia a crítica de Russell ao Neoempirismo do círculo de Viena. Os neoempiristas, ao afirmar
que o significado de uma proposição é o método da sua comprovação, o princípio de verificação, esquecem as proposições mais
certas, isto é, os juízos de percepção: para estes juízos, não há nenhum método de comprovação, porque eles próprios constituem
a comprovação de todas as restantes proposições empíricas que, de algum modo, possam ser conhecidas. Por outro lado, os
neoempiristas esquecem também, segundo Russell, o facto de que todas as palavras necessárias têm definições ostensivas1, e
que um enunciado pode ser compreendido se for composto por palavras que compreendemos, mesmo que não tenhamos uma
experiência que corresponda ao significado total do próprio enunciado.

Esta crítica confirma que, para Russell, a experiência não é um método de comprovação dos enunciados, mas sim o ponto de
partida de onde nascem o conhecimento e a linguagem. Mas, como ponto de partida, a experiência é imediata e privada. O
Problemas da Filosofia, de 1912, já continha uma exposição completa e ordenada do que Russell entende por estes termos. A
experiência é a esfera do conhecimento directo, de cujos objectos somos directamente conscientes sem mediação de nenhum
processo de inferência ou conhecimento de verdade. Não são as coisas que são objecto de conhecimento directo, mas os dados
sensíveis, os dados da introspecção (isto é: da reflexão, no sentido de Locke) e os dados da memória. Também é provável que
tenhamos, segundo Russell, conhecimento directo de nós próprios, isto é, do nosso eu, já que não se vê como poderíamos
conhecer a verdade da proposição: “Eu tenho conhecimento dos dados sensíveis”, se não tivéssemos um conhecimento imediato
de algo a que chamamos “eu”. Do mesmo modo, Russell admite que temos um conhecimento imediato dos universais (ou seja,
das relações que entram como componentes essenciais de todo o enunciado) e que esse conhecimento é o conceito.

Para além do conhecimento imediato, existe ainda aquilo a que Russell chama conhecimento por descrição2, que é constituído
pelo conhecimento da verdade. Neste caso, o que conhecemos é precisamente uma descrição e também que há um único
objecto ao qual se aplica a descrição, embora o próprio objecto não seja directamente conhecido. Por exemplo, “o computador
que está diante de mim é o objecto físico que causa este e aquele dado sensível”. Esta proposição descreve o computador através

1
São aquelas com as quais se aprende a captar uma palavra sem o emprego de outras, isto é, que possuem uma
referência ao dado imediato a que a palavra se refere.
2
A teoria das descrições – “paradigma” da filosofia analítica, segundo F-P. Ramsey (1903-1930) – levanta
implicitamente o problema epistemológico da natureza e do papel da experiência sensível, e conduz paralelamente
a uma interrogação sobre a natureza das proposições lógicas. Russell abre desta forma caminho ao empirismo
lógico, desenvolvendo uma, ou até várias filosofias pessoais, cujas linhas orientadoras podem ser encontradas na sua
Histoire de mes idées philosophiques. Mas foi Wittgenstein quem forneceu o conceito chave de tautologia para
designar as proposições lógicas, noção sem a qual o Círculo de Viena dificilmente poderia dar força ao seu
positivismo. “Numa tarde - conta Russell - após uma hora ou duas de silêncio de morte, disse-lhe: “Wittgenstein, está
a pensar na lógica ou nos seus pecados? » « Nos dois », respondeu ele, e voltou a cair no silêncio.”
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dos dados sensíveis. Os objectos físicos e as mentes das outras pessoas não são susceptíveis de ser conhecidos directamente, mas
exclusivamente através do conhecimento por descrição. Mas, em qualquer caso, o conhecimento por descrição é, no limite,
redutível ao reconhecimento directo. Por esta razão, Russell conserva como princípio que toda a proposição que possamos
compreender tem de ser composta por constituintes de que tenhamos conhecimento imediato.
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O Atomismo Lógico

O que é o Atomismo Lógico?

“Atomismo lógico” é o nome dado por Russell à sua teoria filosófica, exposta em conferências realizadas em 1918 sob o título
Lições sobre o atomismo lógico, cuja origem atribui às ideias de L. Wittgenstein, seu discípulo, e que este, mais tarde, exporá
também no seu Tractatus Lógico-Philosophicus (1921). Por via disso, é também o nome que se dá à teoria filosófica sobre o mundo
que aparece no Tractatus de Wittgenstein; no entanto, à versão de Wittgenstein do atomismo lógico, dá-se mais apropriadamente
o nome de “teoria pictórica ou figurativa da realidade”.

Segundo esta teoria, o mundo consta de “factos atómicos”, ou simples, que são o referente dos enunciados simples ou
“enunciados atómicos”, de modo que a linguagem vem a ser como que uma pintura do mundo, ao jeito de um mapa que desenha
um terreno ou uma determinada região. O mundo possui, tal como a linguagem, uma estrutura lógica, cujos elementos se
manifestam através da análise lógica. Este isomorfismo entre linguagem e mundo supõe que a cada nome corresponda, como
referente, uma entidade concreta, chamada neste caso dado sensorial, e que a cada predicado, de qualidade ou de relação,
corresponda uma propriedade real, absoluta ou relativa. Com este isomorfismo, Russell pretendia superar as ambiguidades da
linguagem comum ou natural, cujo uso fez com que muitas das proposições da filosofia – sobretudo da metafísica – sejam “sem
sentido”. O atomismo lógico conduz a que consideremos uma linguagem ideal, característica que não é possível encontrar nas
línguas comuns, e que é própria exclusivamente de uma linguagem formalizada. As metáforas devem ser abandonadas.
Curiosamente, o atomismo lógico teve influência marcada no neopositivismo, mas tanto Russell como Wittgenstein acabaram por
abandonar esta teoria.

O Objectivo de Russell

O objectivo de Russell é semelhante ao de Frege, e é análoga também a justificação do seu interesse pelas condições que deve
respeitar a linguagem para alcançar a perfeição lógica. No entanto, Russell elabora as suas reflexões num contexto filosófico mais
rico e consegue, por isso, um grau de elaboração muito mais elevado. Na doutrina de Russell, os pressupostos epistemológicos e
as consequências metafísicas possuem uma riqueza explicativa praticamente ausente em Frege. Como foi dito atrás, a teoria de
Russell é denominada por ele de “atomismo lógico”; alcança a sua maturidade em 1918, ano em que pronuncia as já referidas
conferências sobre “A filosofia do atomismo lógico”.

Nessas conferências, caracteriza o tema central como o tema da gramática filosófica, justificando-se assim: “Creio que
praticamente toda a metafísica tradicional está cheia de erros que se devem à má gramática, e que quase todos os problemas e
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resultados tradicionais da metafísica se devem a não fazer, no quadro do que podemos chamar a gramática filosófica, o tipo de
distinções de que nos temos vindo a ocupar nestas conferências”. Uns anos depois, num resumo da sua teoria, ainda é mais claro:
“Creio que a influência da linguagem na filosofia tem sido profunda e quase não reconhecida. Para que esta influência não nos
afaste do nosso caminho, é necessário que estejamos conscientes dela, e que nos questionemos deliberadamente sobre em que
medida ela é legítima. Neste aspecto, a linguagem extravia-nos pelo seu vocabulário e pela sua sintaxe. Devemos estar em
guarda face a ambas as coisas, para que a nossa lógica não nos conduza a uma falsa metafísica”.

A Linguagem Logicamente Perfeita

No respeito por estas advertências, Russell desenvolveu um tipo de análise da linguagem que aspira a pôr em evidência as suas
imperfeições lógicas, contrapondo-as às qualidades de uma linguagem logicamente perfeita.

Como deve, então, ser uma linguagem logicamente perfeita?

• A primeira condição para que uma linguagem seja logicamente perfeita é uma condição semântica: que as palavras de
cada proposição correspondam uma por uma aos componentes do facto correspondente. Exceptuam-se palavras como
“ou”, “não”, “se... então”, que têm uma função diferente, isto é, carecendo de conexão directa à realidade, são palavras
que exprimem modos de compor frases, e que podem traduzir-se em marcadores de funções lógicas. Deste modo,
Russell reforça a sua crença no princípio de isomorfismo semântico: “numa linguagem logicamente perfeita, haverá uma
única palavra para cada objecto simples, e tudo o que não seja simples será expresso por uma combinação de
palavras...”

• Deve ainda ter a vantagem de mostrar, à vista desarmada, a estrutura lógica dos factos que afirma ou nega.

Segundo Russell, é deste tipo que pretende ser a linguagem do Principia Mathematica, com a única diferença de que, neste caso, a
linguagem possui sintaxe, mas carece de vocabulário: esta seria a linguagem logicamente perfeita, se à sintaxe acrescentássemos
um vocabulário. Mas, entendamo-nos: o Principia Mathematica, como qualquer cálculo lógico, tem o seu vocabulário, isto é, o
conjunto de signos com os quais se compõem as fórmulas para aplicação das suas regras; o que Russell quer dizer é que uma
linguagem logicamente perfeita poderia ser uma linguagem que, possuindo um vocabulário não de signos lógicos, mas de
palavras, como as da linguagem natural, tivesse uma sintaxe, regras de estruturação e composição de enunciados, como as do
cálculo lógico. As linguagens naturais, as línguas humanas, não correspondem a esta necessidade de perfeição lógica. Do ponto
de vista filosófico, para Russell, isto é uma desgraça, mas do ponto de vista dos efeitos práticos de comunicação é uma vantagem.
Ao contrário de uma linguagem logicamente perfeita, a linguagem comum caracteriza-se pela ambiguidade das suas palavras,
sendo que quando alguém usa uma palavra isso não significa que queira dizer a mesma coisa que outra pessoa diria. À primeira
vista, esta falta de rigor poderia ser uma inconveniência, mas não o é na realidade; pelo contrário, o grave seria que todos os
falantes significassem, com as suas palavras, as mesmas coisas, pois a comunicação seria impossível, porque “o significado que
cada um dá às suas palavras tem de depender da natureza dos objectos com os quais está familiarizado, e uma vez que as
diferentes pessoas estão familiarizadas com diferentes objectos, não poderão falar entre si, a menos que atribuam às suas
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palavras significados muito diferentes”. Assim, - e o exemplo é de Russell – quem já passeou por Picadilly, e está, por
conseguinte, familiarizado com esta rua de Londres, atribui ao termo Picadilly um significado muito distinto do que lhe dará uma
pessoas que nunca lá tenha estado. Se insistíssemos numa linguagem sem ambiguidade, não poderíamos falar de coisas que
conhecemos com quem não as conhecesse.
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O Significado como Conhecimento Directo ou Familiar

Resumindo, podemos dizer que, para Russell:

1. O significado depende do conhecimento por familiaridade ou conhecimento directo, que Russell contrapõe, por vezes,
ao conhecimento por descrição;

2. O conhecimento directo exclui a mediação de processos de inferência ou de conhecimento de verdades;

3. Os dados sensíveis constituem a aparência de um objecto material (cor, forma, etc.) e são um exemplo de algo que se
conhece directamente por familiaridade;

4. O conhecimento do objecto como tal, pelo contrário, é um conhecimento descritivo: pressupõe não só os meu dados
sensíveis actuais, mas também a recordação de outros, associada ao conhecimento de certas verdades físicas;

5. Os objectos não são conhecidos directamente, portanto.

O que conhecemos directamente, então, são os dados sensíveis que os objectos produzem em nós: os objectos são simplesmente
construções lógicas que fazemos com base nos nossos dados sensíveis. O fundamento do nosso conhecimento encontra-se, por
conseguinte, no conhecimento directo, na familiaridade. Mas esta familiaridade não se limita aos dados sensíveis: Russell amplia o
conhecimento directo:

• Às recordações, com o que a memória passa também, juntamente com os sentidos, a ser uma via para o conhecimento;

• Aos estados psicológicos de cada um, que são objecto de auto consciência, embora levante algumas dúvidas sobre a
consciência do “eu”;

Do conhecimento directo, ficam explicitamente excluídos por Russell os objectos físicos, na medida em que são distintos dos
dados sensíveis que produzem, e os estados psicológicos alheios. Daquilo que conhecemos, tudo quanto não seja conhecido por
familiaridade é conhecido por descrição, sendo que este princípio se aplica tanto a fenómenos particulares como aos conceitos
universais. O conhecimento por descrição tem, pois, a importante função de nos permitir ultrapassar os limites da nossa
experiência pessoal, mas o conhecimento por familiaridade é a base de todo o conhecimento, e a ele é redutível o conhecimento
descritivo. Com esta clarificação, Russell passa de um realista (admite os universais em si) a um “descritivista” (os universais são
descrições).
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A Teoria Referencialista

A importância da teoria referencialista nas declarações de Russell é muito evidente: os significados das palavras são os objectos
de que temos conhecimento directo. Se se trata de um objecto físico, como o designado pelo nome Picadilly, o seu significado
consistirá nos dados sensíveis passados e nas restantes vivências e sentimentos que esse lugar tenha produzido. Se
considerarmos os objectos como integrantes de um facto, poderemos, então, afirmar, com Russell, “que os componentes do facto
que faz uma proposição verdadeira ou falsa, são os significados dos símbolos que temos de entender para poder entender a
proposição”.

Temos, então, que uma linguagem logicamente perfeita, do ponto de vista do seu vocabulário:

• É uma linguagem, cujos termos não podem ter qualquer ambiguidade, significam sempre o mesmo, a saber,
determinadas características dos factos, dos quais o sujeito possui conhecimento directo;

• É uma linguagem privada, na medida em que o conhecimento directo é próprio e particular de cada um.

Já do ponto de vista da sintaxe o Principia Mathematica estabelece um desafio fundamental que não pode deixar de ser assumido
por qualquer linguagem que se queira perfeita:

• A “extensionalidade”, isto é, que todos os seus enunciados complexos possam decompor-se em enunciados simples, de
tal modo que a verdade ou falsidade daqueles seja uma função da verdade ou falsidade destes últimos, como acontece
em qualquer cálculo lógico estandardizado.

Isto implica que uma linguagem perfeita seja constituída por enunciados que possam ser verdadeiros ou falsos, o que significa
que só é candidata à perfeição lógica aquela porção da linguagem que utilizamos para declarar os factos, para falar do que
acontece, isto é, aquela porção de linguagem que empregamos no discurso declarativo. Esta limitação corresponde ao mesmo
tipo de redução que já tinha sido feita por Frege.

No que diz respeito a Russell, podemos dizer, seguindo a sua terminologia, que se trata de uma linguagem composta por
proposições, já que uma proposição –segundo Russell – é um enunciado no modo indicativo, um enunciado que afirma algo; a
proposição é, portanto, o veículo da verdade e da falsidade.
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Os Factos Atómicos

Os enunciados complexos da nossa linguagem perfeita são, então, compostos por enunciados simples unidos por palavras que,
como “e”, “ou”, “se... então”, etc., representam os modos de composição funcional com valor de verdade. Que forma tomarão os
enunciados simples? Estes enunciados, que Russell denomina “proposições atómicas”, descrevem o tipo mais simples de factos,
aquilo a que, seguindo a mesma analogia, chama “factos atómicos”. Daí o nome de “atomismo lógico” dado à sua teoria: trata-se
de chegar aos últimos elementos que a análise lógica da linguagem possa encontrar na linguagem; uma vez que a linguagem,
naqueles aspectos que são relevantes para a filosofia, e de acordo com o princípio do isomorfismo, corresponde estruturalmente
aos factos, pelo mesmo processo chegaremos aos últimos elementos da realidade. Neste sentido, a análise de Russell vai da
lógica para a metafísica, através da linguagem.

Para Russell, os factos mais simples que possam ser imaginados, os factos atómicos, são os que consistem na posse de uma
qualidade por uma coisa particular, por exemplo, o facto descrito pela proposição “Isto é branco”. Neste caso, temos algo, aquilo
a que se refere o termo “isto”, e a cor que lhe atribuímos. Uma proposição como esta, desde logo, é muito diferente de uma
proposição como “Esta camisa é branca”. Neste caso, ao considerar algo como “camisa”, estamos a atribuir-lhe certas
propriedades, algumas muito complexas, que sem dúvida nos levam para além dos meros dados sensíveis que temos, no
imediato, do objecto em questão. O termo “camisa” encerra uma complexidade que o exclui da candidatura a uma proposição
atómica. Por essa razão, e para evitar juízos prévios sobre o dito objecto, devemos limitar-nos a utilizar um pronome
demonstrativo “isto”.

É suposto também que uma qualidade como a cor é o tipo mais simples de qualidades e, por conseguinte, não é analisável ou
decomponível. Há, no entanto, que ter em conta que o relevante aqui é a cor enquanto dado sensível, enquanto percebida, e não
como realidade física, susceptível de ser estudada cientificamente. Por isso, a definição da cor em termos de um determinado
comprimento de onda, é irrelevante para a análise de Russell. Trata-se, não de uma análise física, mas lógica, embora o conceito
de lógica aqui seja tomado num sentido com uma amplitude peculiar, pois nele está presente um pressuposto básico: o princípio
de familiaridade. Isto significa que os termos das proposições atómicas possuem significado, na medida em que designam
objectos de conhecimento directo.

O tipo mais simples de facto consiste, então, na posse de uma qualidade simples por uma entidade particular. Factos ligeiramente
mais complexos são os que consistem em relações diádicas, como o que é descrito numa proposição do tipo “Isto está junto
daquilo”. O tipo seguinte será o das relações triádicas – “Isto está entre aquilo e aquilo”. E assim sucessivamente. Todos estes
factos são atómicos, segundo Russell, e formam uma hierarquia de complexidade.
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Os Nomes Próprios

O que, numa proposição, corresponde a uma propriedade é o predicado. O que exprime uma relação costuma ser um verbo, ou,
por vezes, uma frase inteira. O que corresponde a um particular é o sujeito que tem de ser um nome próprio, porque a única
forma de falar de um particular é nomeá-lo; para o descrever, já temos de mencionar as suas propriedades e as suas relações,
recorrendo aos termos correspondentes. E, uma vez que as palavras obtêm o seu significado dos objectos com que estamos
familiarizados, só podemos nomear o que seja objecto de conhecimento directo, e na justa medida em que o seja. A primeira
consequência desta estranha doutrina é que os nomes próprios de particulares, tal como aparecem numa proposição atómica, são
muito distintos do que, no discurso comum, chamamos “nomes próprios”. Palavras como “Sócrates”, “Vénus”, “Lisboa” são
usadas para nos referirmos aos seus objectos correspondentes, quando estes não estão presentes; com efeito, a sua utilidade
baseia-se nisso mesmo, pois quem esteja diante de Sócrates ou se encontre em Lisboa provavelmente não necessitaria de
recorrer a esses nomes. Ora, de acordo com a doutrina de Russell, assim sendo, não temos conhecimento directo de Sócrates e,
por conseguinte, não podemos nomeá-lo. Pela mesma razão, quem nunca tenha estado em Lisboa tão pouco poderá atribuir
significado a este termo, e muito menos poderá atribui-lo a Vénus quem nunca tenha contemplado este planeta. Estas palavras, na
realidade, não são nomes próprios, isto é, não são nomes próprios do ponto de vista da lógica. O que é que são, então? Segundo
Russell tratam-se de descrições encobertas e abreviadas. “Sócrates” é uma abreviatura para qualquer descrição correcta que
possamos dar ao seu objecto correspondente, por exemplo, “filósofo grego que foi condenado a beber cicuta”, ou “o mestre de
Platão”, ou qualquer outra. Tal como “Lisboa” abrevia, entre outras, a descrição “capital de Portugal”, e Vénus equivale, por
exemplo, a “estrela da manhã”. Na medida em que estas descrições se referem aos seus objectos, descrevendo algumas das suas
propriedades, resulta óbvio que esses objectos não são particulares, porque não são simples. Temos, então, que nem os nomes
próprios da linguagem comum são nomes próprios no sentido lógico, nem aquilo a que se referem é particular. Por isso, Russell
afirma: “Falando em sentido restrito, só os particulares podem ser nomeados”.

Já Stuart Mill tinha dito que os nomes próprios da linguagem comum denotam, mas carecem de conotação. Russell acrescenta,
precisamente por isso, que esses nomes não são, logicamente, nomes próprios, uma vez que, sendo possível substituí-los por
alguma descrição, não se limitam a nomear.

Em que consiste, então, um nome próprio em sentido lógico? Segundo Russell, as únicas palavras que usamos na nossa língua
natural que correspondem a um nome próprio são palavras como “isto”, “isso”, “aquilo”, na medida em que podem ser usadas
como nome de um particular de que se tenha conhecimento directo no momento. Assim, se dissermos “Isto é branco”, chamando
“isto” àquilo que vemos, estamos a empregar o demonstrativo como nome próprio, em sentido lógico, de um suposto particular
que tem a brancura como sua propriedade. Com efeito, os pronomes demonstrativos não nos dizem nada a respeito dos objectos
a que, por meio deles, nos referimos; limitam-se a assinalá-los, e isso é prova de que são verdadeiros nomes próprios e de que os
objectos que denotam são simples, particulares. Daqui resulta uma curiosa propriedade posta em evidência por Russell, a saber,
que o significado dos nomes logicamente próprios está em permanente mudança, consoante se alterem as nossas percepções do
mundo, os nossos dados sensíveis. Por outro lado, o seu significado será diferente para o falante e para o ouvinte, na justa medida
em que os dados sensíveis que cada um tem do mesmo objecto são distintos.
Filosofia Analítica de B. Russell

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A “Ontologia” de Russell

Contra o monismo hegeliano que Russell criticou insistentemente, a ontologia imposta pela sua análise da linguagem consiste, em
primeiro lugar, num pluralismo de factos simples ou atómicos, que se resolve num pluralismo de objectos simples ou particulares,
independentes logicamente entre si e subsistentes por si mesmos, com um tipo de subsistência idêntica à da substância,
conforme o próprio Russell confessa. Por seu turno, os objectos da vida quotidiana são todos complexos e, por isso, não se lhes
pode atribuir um nome próprio lógico.

Temos, então, os elementos mais simples a que chega a análise de Russell: os particulares, as suas propriedades e as suas
relações. Estes elementos representam-se nos enunciados do seguinte modo:

• Os particulares são representados pelos nomes logicamente próprios;

• As propriedades e as relações são representadas por diferentes tipos de adjectivos, verbos e advérbios.

Como cada elemento do enunciado deve corresponder a um elemento do facto, temos de concluir que nos exemplos,
apresentados atrás e escolhidos de entre os apresentados pelo próprio Russell, há algo a mais: a cópula “é”, uma vez que a ela
nada corresponde que seja um facto. Os exemplos de proposições atómicas deverão, assim, ser ainda menos idiomáticos do que
os que até aqui foram apresentados. Em rigor, essas proposições deverão tomar a forma de “Isto branco”, “Isto junto aquilo”, etc..
Com efeito não existe num cálculo lógico nada que represente o “é”: Px, Rxy, etc., só contêm termos de indivíduos (x, y) e termos
de predicado (P, R).

Mas será que todas as proposições de uma linguagem perfeita podem ser reduzidas a proposições atómicas?
Filosofia Analítica de B. Russell

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Os Factos a as Proposições

As proposições atómicas combinam-se entre si através da composição funcional com valor de verdade que é estabelecida no
Principia Mathematica e que se encontra em qualquer livro de lógica. Estas formas de composição representam-se, de forma
aproximada, na linguagem comum através de palavras como “e”, “ou”, “não”, “se... então”, etc.. Às proposições complexas,
assim formadas, Russell chama-lhes, prosseguindo a mesma analogia, “proposições moleculares”.

É característico de uma linguagem perfeita que respeite o “princípio de extensionalidade”, isto é: que todas as suas proposições
complexas ou moleculares possam decompor-se em outras simples ou atómicas, de tal forma que a verdade ou falsidades
daquelas seja função das verdade ou falsidade destas últimas. Daí que as proposições moleculares, sendo meros compostos de
proposições atómicas, não tenham correlato na realidade. Não há, nem é necessário que haja, factos moleculares, porque toda a
proposição molecular se decompõe em proposições atómicas e bastam os factos atómicos para conectar a proposição molecular
ao mundo. Um facto é, simplesmente, aquilo que torna uma proposição verdadeira ou falsa. Mas uma proposição molecular não é
verdadeira ou falsa por si mesma, isto é, em virtude da sua relação com o mundo, mas em função de que sejam verdadeiras ou
falsas as proposições atómicas que a compõem. Por conseguinte, a única verdade que depende dos factos é a das proposições
atómicas, e para declarar verdadeiras ou falsas as proposições atómicas bastam-nos os factos atómicos.

Se postulássemos a existência de factos moleculares, seríamos forçados a admitir que haveria na realidade, como parte de tais
factos, elementos que correspondessem aos modos de combinação: a conjunção, a disjunção, o condicional, etc.. Se, retomando
de novo um exemplo muito simples de proposições atómicas, afirmarmos “Isto (é) branco” e aquilo (é) preto”, a nossa afirmação
seria verdadeira, de acordo com a interpretação da conjunção de qualquer cálculo lógico, só se ambas as proposições o forem. E,
para isso, bastam-nos os respectivos factos atómicos: que o designado por “isto” seja, efectivamente, branco, e o designado por
“aquilo” seja preto. Não precisamos de postular um facto complexo, em que, para além de algo branco e de algo preto, haja
também um estranho elemento que corresponda à função “e”. Se todas as proposições complexas forem moleculares, e, por isso,
redutíveis a proposições atómicas, a questão estará encerrada. Em última instância, só teríamos proposições atómicas na nossa
linguagem perfeita, e factos atómicos no mundo.
Filosofia Analítica de B. Russell

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Proposições Complexas não Convertíveis em Proposições Simples

O problema é que Russell encontra proposições complexas, cuja redução a proposições simples é muito problemática. O
primeiro caso é o das proposições negativas que são verdadeiras. O exemplo sugerido por Russell é o seguinte:

1. “Sócrates não está vivo”

Esta proposição supõe uma proposição simples que seria:

2. “Sócrates está vivo”

à qual é acrescentada uma complexidade lógica: a negação. Sendo A verdadeira, B será falsa. Então, a questão é a seguinte: Que
facto é que torna a proposição B falsa? Se não conseguimos indicar nenhum facto positivo responsável pela falsidade de B, então
só teremos a solução de aceitar que o facto procurado é o mesmo que torna A verdadeira. Seguindo este caminho, teríamos de
admitir que, para além dos factos atómicos que já conhecemos, ainda há factos negativos.

Russell não encontrou forma de evitar esta consequência. Não se sentia confortável com ela e, mais do que defender
convictamente que há factos negativos, preferiu admitir a sua possibilidade. Em qualquer caso, repugnava-lhe menos aceitar
factos negativos do que aceitar uma explicação, segundo a qual a uma proposição negativa np equivaleria uma proposição q
verdadeira e incompatível com p. (no exemplo, a proposição q seria: “Sócrates (está) morto”)

O segundo tipo de proposições complexas que, para Russell, não podem ser reduzidas a proposições simples são as proposições
que exprimem atitudes proposicionais, isto é, que exprimem certos fenómenos mentais que implicam uma proposição, por
exemplo, as proposições que exprimem crenças, desejos, compreensão, etc.: “Creio que hoje é terça-feira”, “Desejo ficar
sozinho”, “compreendo o teorema de Pitágoras”, por exemplo.

É óbvio que estas proposições complexas não podem ser decompostas em proposições simples. Podemos distinguir nelas duas
partes: a parte que expressa a atitude em questão (creio que, desejo, compreendo), e a parte que exprime o conteúdo da atitude.
Assim sendo, a proposição complexa não é função das suas partes: a proposição “Creio que hoje é terça-feira” é verdadeira se
for isso aquilo em que verdadeiramente acredito, seja hoje terça-feira ou outro qualquer dia da semana. A minha crença não é
menos crença, nem menos verdadeira se estiver enganado.

Segundo Russell, estas proposições correspondem a uma classe particular de factos, dentro da qual podemos distinguir factos de
crença, factos de desejo, factos de compreensão, etc., embora todos os exemplos que ele dá se refiram a processos mentais. Uma
possibilidade de solução para reduzir factos mentais a factos atómicos seria analisar os verbos proposicionais em processos de
comportamento. Mas a melhor razão dada por Russell baseia-se no facto de não ser possível utilizar nomes próprios, se
prescindirmos da consciência: a referência a “isto” ou “aquilo”, nos exemplos anteriores, deriva, pura e exclusivamente, da
intenção referencial do sujeito.

Em Resumo:

A argumentação de Russell relaciona linguagem e concepção da realidade de um modo muito típico do atomismo lógico:
Filosofia Analítica de B. Russell

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• Por um lado, toda a proposição é empiricamente verdadeira ou falsa em função de um facto

• Por outro lado, toda a proposição que não possa decompor-se numa função de verdade a partir de outras mais simples,
corresponde a um tipo particular de facto. Assim, Russell teve de aceitar um mundo composto, não só de factos atómicos,
mas também de factos negativos, de factos gerais, de factos de existência e de diferentes classes de factos de atitudes
proposicionais (crenças, desejos, etc.)

De qualquer modo, a sua teoria da lógica e a sua análise da linguagem condicionaram a concepção de Russell sobre o mundo.

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