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O Acre como caricatura: imagens e imaginações no início do século XX através das

charges

Francisco Bento da Silva


Doutorando em História
Universidade Federal do Paraná - UFPR

1 – Introdução

O final do século XIX e os anos iniciais do século XX foram bastante agitados na


capital da infante República brasileira. A cidade do Rio de Janeiro foi sacudida por revoltas
das mais variadas: de cunho popular, de caráter militar, de opositores políticos civis do
governo e até de monarquistas. Em todos esses momentos, os presidentes estabelecidos
buscaram reprimir e punir os revoltosos com medidas judiciais e políticas. No primeiro caso,
fazia se uso do Código Penal (FARIA, 1913) com punição pelos crimes Contra a constituição
da República e sua forma de governo (artigo 107), cuja pena máxima era o banimento do
país; Sedição e ajuntamento ilícito (artigos 118 a 123), com penas que variavam entre três
meses e quatro anos; e, Conspiração (artigos 115 a 117), com penas entre um e seis anos de
reclusão; Para o segundo caso, fazia-se uso da Constituição Federal. Esta dava aos poderes
legislativo e executivo federais, juntos ou separados, atribuição para que instaurassem o
estado de sítio. Isso significava que o Estado podia usar poderes especiais para suspender as
garantias constitucionais e reprimir com extremo rigor atos de “comoção intestina” (artigo 80)
que pusessem em perigo a ordem estabelecida ou a existência da República.
Decretado o estado de sítio, o presidente poderia desterrar os envolvidos em
distúrbios para outros pontos do território nacional, se brasileiros; os deportá-los, se
estrangeiros. No primeiro caso, tem-se uma punição jurídica para determinados tipos de
crime. No segundo, há uma punição essencialmente política para atos de natureza política,
mas que também poderiam se enquadrar como crimes em alguns dos artigos do Código Penal.
Então, qual seria a diferença entre usar a Constituição Federal e o Código Penal? Decretar
estado de sítio e desterrar os indesejáveis do momento eram medidas muito mais céleres do
que adentrar ao mundo jurídico e suas idiossincrasias. Além do mais, as penas jurídicas eram
de natureza leve e com os recursos possíveis, os condenados logo estavam de volta às ruas da
cidade. Tirar essas pessoas de cena, expulsá-las da capital federal era geralmente uma medida
mais eficaz para o governo, pois além de resolver questões de ordem política podia também
aproveitar para se livrar de problemas de ordem social como aconteceu em fins de 1904 após
ser debelada a chamada Revolta da Vacina (SEVCENKO, 1984; CARVALHO, 2004;
PEREIRA, 2002). Essa revolta teve como estopim a divulgação de um projeto que
regulamentava a lei1 que tornava obrigatória a vacinação antivariólica em massa da população
da cidade do Rio de Janeiro (PEREIRA, op. cit.). Ao ocorrerem os primeiros distúrbios, de
pronto o Governo Federal decretou estado de sítio, sufocou os vários focos de revolta e
prendeu milhares de pessoas. Parte dessas pessoas foi desterrada para o Acre, Território
Federal incorporado formalmente ao Brasil um ano antes e tornado uma espécie de Sibéria
tropical para os indesejados da República na primeira década do século XX. Na época,
diversos jornais e revistas satíricas da capital federal retrataram esses desterros em textos e em
charges. No caso das iconografias, além de remeterem às expulsões elas também trazem um
conjunto de representações e estereótipos acerca do Acre. São essas questões que passarei a
analisar na sequência, a partir da seleção de algumas dessas imagens da época.

2 – O Acre como a Sibéria dos trópicos

A primeira dessas charges (figura 01) que tomo como foco analítico foi publicada
no final de abril de 1904, no Jornal do Brasil. No desenho de Raul Pederneiras, dois homens
com aspectos que procuram apontar para suas condições de eruditos, olham o globo terrestre
de maneira professoral e fazem uma análise de geografia política. Um deles indaga onde seria
a “Sibéria” brasileira e de pronto o outro responde com uma certeza que não deixa margem
para dúvidas: “Que pergunta! No Acre...”. Essa associação por semelhança com a região russa
não era gratuita e carregava um conjunto de preconceitos e estereótipos, que naquele
momento, são explicitados via imprensa. O historiador Mark Bassin em um artigo interessante
e revelador, discute como em fins do XVIII e ao longo do século XIX se construiu a imagem
da Sibéria russa como uma região distante, “vazia”, habitada por bárbaros incultos, descolada
da “nacionalidade e dos valores russos” e local privilegiado de internação forçada dos
inimigos do regime czarista (BASSIN, 1991).
Uma das explicações para essa associação entre o Acre e a Sibéria asiática, se deu
exatamente pela constante utilização daquela região pelo poder imperial russo como
desaguadouro de inimigos políticos e indesejados sociais de São Petersburgo. Aos poucos, a
Sibéria vai se transformando em sinônimo e adjetivo para degredo e desterro e, tal olhar
transcende as fronteiras russas. No Brasil do início do século XX, é atribuído ao Acre aquelas
mesmas características nos olhares de muitas pessoas influentes da República, pois é “através
da analogia que o exótico se torna inteligível, domesticado” (BURKE, 2004, p. 154). Associa-
se ao Acre a ideia de um lugar distante, de difícil acesso, com doenças mortíferas, selva cheia
de perigos, espaço quase vazio, povoado por índios “bárbaros” e lugar considerado sem lei e
sem história. Ou seja, o território havia sido incorporado ao Brasil fazia pouco tempo e a
presença do Estado nacional não tinha ainda dotado o lugar com sua burocracia legal. Além
do mais, era uma terra “sem história” porque não tinha um passado vinculado à pátria
brasileira. Ou em sentido mais restrito, não pertencia de fato à “tradição histórica” da unidade
nacional e ainda não estava “dominada” pelo Homem (CUNHA, 2000). Nos dizeres de um
sociólogo contemporâneo, no Acre “pode se dizer que a maioria da população está fora da lei
e do governo. O poder público e disciplina política é como se não existissem, estão
praticamente abolidos” (OLIVEIRA VIANA, 1946, p. 149).

Figura 01: Jornal do Brasil. Geographia política, ano XIII, nº 334, 29/11/1904, p. 01. Acervo da Fundação
Biblioteca Nacional - FBN.

Essa terra tida como “virginal”, pouco conhecida e povoada, onde abundavam
seringueiras nativas das quais se extraía a cobiçada borracha natural, torna-se aos olhos de
muitos na capital republicana, o endereço privilegiado para receber os desterrados da Revolta
da Vacina, como de fato ocorreu. Um local visto como o mais adequado para internar
forçadamente os indesejados e excluídos da República e da sua capital, que se “modernizava”
e se “civilizava” a partir dos cânones da Belle èpoque (BENCHIMOL 1990; MENEZES,
1996; NEEDELL, 1993). O Acre seria uma espécie de oposto do que era o Rio de Janeiro,
uma espécie de “anti-mundo” da modernidade e da civilização. Essas imagens em oposição
não são simples invenções, são exemplos de como se constroem percepções exageradas,
distorcidas e estereotipadas acerca de determinados lugares e pessoas.

3 – Quem foi para o Acre?

A próxima charge (figura 02) retrata de forma alegórica uma, entre centenas, daquelas
pessoas que foram expulsas para o Acre nos porões de um dos cinco navios fretados pelo
Governo Federal em fins de 19042. Porém, o mais importante para a discussão em tela é a
frase que o desenhista Raul Pederneiras coloca como sendo o comentário, em tom meio
arrependido, do desterrado conduzido displicentemente por um guarda da Força Policial do
Distrito Federal.

Figura 02: Gazeta de Notícias. Para o Acre, nº 331, 26/11/1904, p. 01. Acervo da FBN.
Outra vez, a “fala” de uma das personagens retratadas aponta caminhos para discutir
algumas questões interessantes. A frase “noutra é que não caio... senão quando for senador ou
deputado” indica que ocorreram — ou que poderiam ocorrer — tratamentos diferenciados às
pessoas acusadas de envolvimento naquela revolta. Isso dependeria então da inserção social e
política do indivíduo, o que definiria se ele seria desterrado ou não para o Acre. O lamento
expresso na fala, as mão no bolso indicando certa apatia e aceitação bem como o tipo de
roupa e aspectos físicos, apontam para a representação de um homem comum sendo
conduzido por um policial para embarcar em um navio com destino ao Acre. Essa cena se
repetiu de fato com centenas de pessoas, todas tidas pelo chefe de polícia do Distrito Federal,
Antônio Cardoso de Castro, como criminosos irrecuperáveis, sujeitos pertencentes às
chamadas “classes perigosas”, e que infestavam a cidade causando preocupações constantes
nas autoridades policiais da capital (CASTRO, 1905).
Diante de tal quadro, o Governo Federal utilizou o estado de sítio para desterrar
pessoas que em muitos casos não tiveram envolvimento nenhum com a Revolta da Vacina.
Parte dessas pessoas era de prisioneiros da Casa de Detenção; outras eram aquelas que viviam
pela região central da cidade sobrevivendo de subempregos, biscates e até mesmo de
atividades consideradas ilegais ou que atentavam a moral (jogos de azar, prostituição,
esmolas, golpes); por fim, existem relatos do desterro de operários de algumas fábricas
acusados de envolvimento nas badernas de outubro de 1904 e de outros sujeitos que
efetivamente se envolveram em ações contra as forças policiais, depredação de prédios, obras
públicas e de alguns comércios do centro da cidade. Contudo, o que predominou foi a
generalização de que todos eram criminosos, como se isso fosse motivo suficiente para os
desterros, como expressa a o editorial da revista O Malho a dizer que “valia a pena um estado
de sítio de vez em quando, só para se poder exportar livremente, sem peias, essa onda de lama
que invade as nossas cidades”3.
A tese do governo foi de que essas pessoas marginalizadas foram usadas politicamente
por gente importante e com interesses em desestabilizar o governo. Ou seja, afirmou-se com
ênfase que a revolta contra a vacina era na verdade contra o governo e que as pessoas das
classes subalternas foram manipuladas para reforçar a trama. Vejamos o que diz ainda a
matéria do jornal O Paiz:

Sob o comando de exaltados anonymos, insuflados pelos diretores de


uma revolta que não se justifica (...) dominados por falsas sugestões
geradas em cérebros doentios e transmitidas em cérebros
desequilibrados, onde facilmente se aninharam as mais tolas idéias.
Pobre gente explorada, instrumento inconsciente de um grande mal4.

Outro periódico segue nessa mesma direção explicativa ao publicar uma matéria que
dizia: “o Chefe de Polícia affirma que tantos os malfeitores, como os desordeiros, como o
mulherio, como os ébrios, obedeciam, evidentemente, um ‘plano da maldade’, cumprindo
estrictamente as ordens recebidas”5. Mas quem seriam os cabeças, a vanguarda “ilustrada” a
liderar essa gente “inconsciente” para propósitos do qual não eram portadores e nem
compreenderiam?

Figura 03: O Malho. Boa resolução, anno III, nº 116, 03/12/1904, p. 31. Acervo da FBN.
O governo prendeu políticos, militares, representantes operários e jornalistas
acusando-os de líderes dos distúrbios. Porém, o tratamento dados a eles foi bastante diferente:
nenhum deles foi desterrado para o Acre como punição. Entre eles estavam os deputados
Alfredo Varela e Barbosa Lima, este último também militar; senador e militar Lauro Sodré;
major Gomes e Castro e general Olympio da Silveira; jornalistas Edmundo Bittencourt
(Correio da Manhã) e João Pompílio Dias (Commercio do Brazil); Vicente de Souza,
presidente de um sindicato operário; o monarquista Visconde de Ouro Preto, entre outros.
Foram presos, ouvidos em segredo de justiça, processados de acordo com as normas jurídicas
vigentes e no ano seguinte todos foram anistiados pelo Congresso Nacional e a lei sancionada
pelo presidente Rodrigues Alves6.
Nenhum deles precisou, como tantos outros anônimos, “seguir para o Acre”. Isso seria
uma punição considerada deveras pesada para pessoas importantes e de certa forma influentes
na sociedade carioca de então. Por isso, o desterro coube apenas a determinadas categorias de
múltiplos indesejados sociais. A charge anterior (figura 03) procura retratar, através de
estereótipos sedimentados há bastante tempo, mestiços e negros como sendo a composição
básica dos revoltosos miúdos, malandros que deveriam ser expulsos para o Acre. Isso diz
muito sobre os preconceitos de cor e a associação do negro ou mestiço como sendo
invariavelmente vinculados às chamadas “classes perigosas”. Entre essas chamadas classes
perigosas, estavam os grupos de capoeiras. A atividade era considerada crime (artigo 399) e
os praticantes perseguidos pela polícia. Uma das personagens da charge é claramente
mostrada como sendo um capoerista, através de pretensa identidade uniforme construída
sobre ele. De acordo com as representações da época, ele usa lenço no pescoço, calça sapato
bicolor, porta uma bengala, tem cabeleira volumosa e carapinha, veste paletó-saco com
camiseta justa por baixo, calças folgadas e deveria portar uma navalha que trazia escondida na
cintura (MORAIS FILHO, s.d.). No diálogo, ambos mais uma vez expressam impressões
sobre o Acre a partir das concepções do autor da charge e do veículo de comunicação. Um
comemora não ter sido desterrado, pois considera que o “tal Acre não é brinquedo”. O outro,
pelo contrário, pretende se “apresentá” à polícia e seguir viagem e se juntar aos seus
“companhêros” para experimentarem o “negócio da borracha”. Aí, se reproduz o discurso do
governo, que atestava terem os desterrados embarcados para o Acre para trabalharem como
seringueiros nas selvas ocidentais da Amazônia. Por fim, a parte final do fictício diálogo
expressa a idéia de que esses revoltosos tinham sido arregimentados a soldo pelos líderes
políticos da revolta, como se fossem mercenários.
Para encerrar essa breve exposição, minha idéia foi mostrar que imagens, mesmo
sarcásticas e humorísticas, podem ser utilizadas como evidências históricas. Ou seja, podem
ser indícios importantes para a compreensão de determinados acontecimentos ou concepções
de mundo sedimentadas em determinadas épocas e lugares. No caso do Acre, serviram para
reforçar concepções negativas acerca da sua inserção como território brasileiro e também
sobre a cultura local e os tipos de gente que habitavam um espaço geográfico que até meados
de 1903 pertencia oficialmente a Bolívia. A imagem da Sibéria que se associa às terras
acreanas buscava tornar aquele “deserto ocidental” como local mais indicado para que a
República descartasse aqueles considerados como indesejados sociais.

1
A minuta da regulamentação foi publicada no jornal A Notícia no dia 09 de novembro. No dia seguinte, outros
jornais também publicaram o mesmo texto e no fim da tarde, já ocorriam os primeiros protestos no centro da
cidade contra a obrigatoriedade da vacina. Cf.: PEREIRA, L. A. M. op. cit.
2
Atualmente estou finalizando minha tese de doutoramento em que discuto mais detalhadamente os desterros
para o Acre após o fim das revoltas da vacina (1904) e da chibata (1910). O título do trabalho é: Acre, a pátria
dos proscritos: prisões e desterros para as regiões do Acre em 1904 e 1910.
3
O MALHO. Caftens fichados pela polícia, ano II, nº 116, 03/12/1904, p. 15. Acervo da FBN.
4
O PAIZ. Porto Arthur, ano XXI, nº 7.345, 17/11/1904, p. 02. Acervo da FBN.
5
O ESTADO DE SÃO PAULO. O relatório, ano XXX, nº 9.524, 30/12/1904, p. 01. Acervo da FBN.
6
Ver: JORNAL DO COMMERCIO. [Coluna Gazetilhas], ano 85, nº 246, 04/09/1905, p. 02. Acervo da FBN.

4- Referências

BASSIN, Mark. Inventing Siberia: visions of the Russian East in the Early Nineteenth
Century. American Historical Review, vol. 96, nº 03, pp. 763-794, june, 1991.

BENCHIMOL, J. L. Pereira Passos: um Haussmann tropical. A renovação urbana na cidade


do Rio de Janeiro no início do século XX. Coleção Biblioteca Carioca. Rio de Janeiro:
Secretária Municipal de Cultura, 1990.

CARVALHO, J. M. Os bestializados da República: o Rio de Janeiro e a República que não


foi. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

CASTRO, A. A. C. Relatório do Chefe de Polícia do Distrito Federal (1905). Anexo G. In


BRAZIL. Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Relatório apresentado ao presidente dos
Estados Unidos do Brazil pelo ministro Dr. J. J. Seabra. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
março de 1905. Disponível em <http.crl.edu/edu/bsd/bsd/u1888/contents.html>, acesso em 20
dez. 2008.

BURKE, P. Testemunha ocular: história e imagem. Tradução de Vera Maria Xavier dos
Santos. Bauru: EDUSC, 2004.

CUNHA, E. Um paraíso perdido: reunião de ensaios amazônicos. Brasília: Senado Federal,


2000.

FARIA, A. B. Annotações theorico-práticas ao Código Penal do Brazil. Volumes I e II, 02ª


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MENEZES, L. M. Os indesejáveis: desclassificados da modernidade – protesto, crime e
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MORAIS FILHO, J. A. M. Festas e tradições populares do Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro,


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NEEDELL, J. Belle époque tropical: sociedade e cultura de elite no Rio de Janeiro. São
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OLIVEIRA VIANA, F. Pequenos estudos de psychologia social. 03ª edição, Rio de Janeiro:
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PEREIRA, L. A. M. As barricadas da saúde: vacina e protesto popular no Rio de Janeiro da


primeira República. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2002.

SEVCENKO, N. A revolta da vacina: mentes insanas em corpos rebeldes. São Paulo:


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