Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
Fernando Amaral1; João Antonio Granzotti2; Paulo Henrique Manso3 & Luisa Sajovic de Conti4
1
Faculdade de Medicina da UNAERP. Médico Assistente do HCFMRP-USP. 2Setor de Cardiologia Pediátrica do Departamento de
Puericultura e Pediatria da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP. 3Médico Assistente do HCFMRP-USP. 4Graduanda da
Faculdade de Medicina - UNAERP.
CORRESPONDENCIA: Dr. Fernando Amaral. Setor de Cardiologia Pediátrica. Departamento de Puericultura e Pediatria.Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto—USP. Campus Universitário 14048-900. Ribeirão Preto - SP. e-mail: ftvamaral@bol.com.br
Amaral F; Granzotti JA; Manso PH & Conti LS. Quando suspeitar de cardiopatia congênita no recém-nascido.
Medicina, Ribeirão Preto, 35: 192-197, abr./jun. 2002.
192
Quando suspeitar de cardiopatia congénita no recém-nascido.
O desdobramento desses três conceitos, certa- 2°) Neonato com sopro e assintomático: bom
mente, permite ampla discussão, em virtude da gran- prognostico?
de variedade de cardiopatias passíveis de serem de- Nem sempre. Essa é uma situação bastante
tectadas no período neonatal. Procuraremos mostrar peculiar, que requer avaliação clínica detalhada e com-
aqui as causas mais freqüentes de cardiopatias, en- preensão precisa da fisiologia cardiovascular neona-
volvidas nesses tópicos, procurando oferecer um as- tal. Pacientes portadores de cardiopatias congênitas
pecto prático ao tema (Tabela II). com hiperfluxo pulmonar (CIV, CIA, PCA e defeito
do septo atrioventricular, entre outras) constituem
1°) Sopro rude significa cardiopatia grave? um grupo importante. No período neonatal, quando os
Não necessariamente. Um exemplo muito co- defeitos são grandes e a resistência vascular pulmo-
mum é a criança nascida com CIV, que classicamen- nar é alta, as crianças costumam ser totalmente as-
te apresenta sopro sistólico rude e é assintomática, sintomáticas. Entretanto, quando a resistência pulmo-
quando o diâmetro do orifício é pequeno5. Outras si- nar diminui, é comum o aparecimento de sintomas pro-
tuações são as estenoses das valvas pulmonar6 e gressivos, do tipo dispnéia e sudorese, podendo evo-
aórtica de grau moderado, que também podem apre- luir para insuficiência cardíaca. Outro exemplo são
193
Amaral F; Granzotti JA; Manso PH & Conti LS
crianças nascidas com coarctação da aorta8 com pista importante para o diagnóstico diferencial é que
canal arterial patente. Quando o canal se fecha es- os pacientes com hipertensão pulmonar transitória
pontaneamente, geralmente no final da 1ª semana ou costumam ter (porém nem sempre) uma 2ª bulha car-
na 2ª semana de vida, os sintomas aparecem, poden- díaca, nitidamente desdobrada nos focos pulmonar e
do ocorrer insuficiência cardíaca grave. Pacientes por- tricúspide, diferente das cardiopatias congênitas,
tadores de estenose aórtica valvar grave podem, cianóticas, complexas, que costumam apresentar 2ª
também, se apresentar totalmente assintomáticos ao bulha única e hiperfonética, como no caso da trans-
nascer e evoluir rapidamente para quadro de insufici- posição dos grandes vasos, a cardiopatia cianótica
ência cardíaca grave, necessitando intervenção tera- mais comum no período neonatal. O diagnóstico clíni-
pêutica invasiva. co, nesses casos, costuma ser difícil, mesmo com a
Nas situações acima citadas, é fundamental o ajuda do ECG e radiografia de tórax, que, entretanto,
estabelecimento de um diagnóstico definitivo, geral- devem ser realizados de rotina. Um aspecto impor-
mente não invasivo, de maneira precoce, que permita tante que deve ser salientado é a necessidade de con-
prever a possível evolução clínica da criança. firmação diagnóstica rápida nos pacientes cianóticos,
independentemente do quadro clínico. Crianças por-
3°) Neonato sem sopro: existe cardiopatia? tadoras de cardiopatia cianótica canal-dependente,
É possível. Infelizmente, esse ainda é um moti- (circulação pulmonar depende da persistência do ca-
vo freqüente para se excluir cardiopatia grave num nal arterial para sua perfusão), podem estar aparente-
RN. Dependendo do mecanismo fisiopatológico en- mente bem pela presença de uma PCA, que tende a
volvido, sobretudo nas cardiopatias complexas, o so- se fechar espontaneamente e de maneira rápida. Como
pro pode estar ausente e a suspeita de cardiopatia exemplos, temos a atresia da valva pulmonar, a
deverá ser baseada na presença de outros dados clí- tetralogia de Fallot de má anatomia e a atresia
nicos. Algumas entidades podem se apresentar sem da valva tricúspide como as mais freqüentes. Nes-
sopro ou, às vezes, com sopro discreto, não devida- ses casos, é importante a disponibilidade de prosta-
mente valorizado pelo clínico. Citamos, como exem- glandina E a ser administrada endovenosamente para
plos, a coarctação da aorta (palpe os pulsos femorais a manutenção da patência do canal arterial, procuran-
e avalie a pressão arterial para o diagnóstico), a trans- do estabilizar hemodinamicamente a criança10,11. (Ta-
posição dos grandes vasos (a 2ª bulha está quase sem- bela III).
pre bastante hiperfonética e pode ajudar no diagnósti-
co), a tetralogia de Fallot grave (observe a cianose,
analise a 2ª bulha e lembre-se que na T. Fallot grave,
o sopro pode ser discreto ou mesmo ausente) além do
ventrículo único e das atresias pulmonar e
tricúspide. Os dados semiológicos, associados ao
ECG e radiografia simples do tórax permitem que, na
maioria dos casos, chegue-se a um diagnóstico, pelo
menos, aproximado da doença, que usualmente será
confirmada pelo ecocardiograma.
2.2 Cianose
Procurando ser prudentes, acreditamos que a 2.3 Taquipnéia
presença de cardiopatia deva sempre ser suspeitada O RN com quadro de taquipnéia/dispnéia apre-
no RN cianótico, independente do quadro clínico e, senta urna situação que deve ser avaliada de maneira
principalmente, se essa cianose não melhorar rapi- bastante cuidadosa, em virtude da possibilidade de
damente com a inalação de 02. Obviamente, é impor- cardiopatia. Inicialmente, é importante afastar a pre-
tante afastar a possibilidade de obstrução das vias sença de um quadro de taquipnéia transitória, entida-
aéreas, feita com segurança pelo neonatologista, as- de freqüente na prática diária. Uma informação parti-
sim como a presença de hipertensão pulmonar transi- cularmente útil, nesses casos, é que a maioria dos pa-
tória do RN , esta última bastante freqüente e facil- cientes com taquipnéia secundária a uma cardiopatia
mente confundível com cardiopatia cianótica. Uma costuma apresentar alterações semiológicas específi-
194
Quando suspeitar de cardiopatia congénita no recém-nascido.
195
Amaral F; Granzotti JA; Manso PH & Conti LS
196
Quando suspeitar de cardiopatia congénita no recém-nascido.
Amaral F Granzotti JA, Manso PH & Conti LS. When congenital heart disease should be suspected in the
newborn. Medicina, Ribeirão Preto, 35:192-197, apr./june 2002.
ABSTRACT: Review article about the main clinical features of congenital heart disease pre-
senting in the newborn period. Based on clinical data such as heart murmur, cyanosis, breath-
lessness and arrhythmia, the most frequently associated clinical findings are discussed as well
as the entities most likely to be related to them. Informations on diagnosis and therapy are also
briefly provided.
3- AMARAL FTV GRANZOTTI JA & NUNES MA. Sopro cardíaco 13- SALICE P; SEGANTINI A& LOCATI E. The prognosis of prema-
na criança. Experiência de um ambulatório especializado ture atrial beats in infancy: a prospective study of 6900
Rev Paul Pediatr 13 39-41, 1995. infants (abstract). Circulation 68: 395, 1983. Suppl 3
4 - CHATELAIN P; OBERHANSLI l & FRIEDLI B. Physiological 14- JONES RWA; SHARP C; RABB LR; LAMBERT BR & CHAM
pulmonary branch stenos is in newborns: 2D- BERLAIN DA. 1028 neonatal electrocardiograms. Arch Dis
echocardiographic and Doppler characteristics and follow Child 54: 427-431, 1979.
up. Eur J Pediatr 152: 559-563, 1993.
15 - MICHAELS M & ENGLE MA. Congenital complete heart block:
5- GRAHAM Jr TP & GUTGESSEL HP. Ventricular septal de- an international study of the natural history. Cardiovasc Clin
fects. In: MOSS AJ & ADAMS EH, eds. Heart disease in 4: 85-101, 1972.
infants, children and adolescents, including the fetus and
young adult, 5 ed, Williams & Wilkins, Baltimore, v. 1, p. 724- 16- BERSTEIN AD; CAMN AJ; FLETCHER R; GOLD RD; RICKARDS
746, 1995. AF, SMYTH NPD; SPIELMAN SR & SUTTON R. The
NASPIBPEG generic pacemaker code for antibrady arrhyth-
6- ROCCHINI AP & EMMANOUILIDES GC. Pulmonary stenosis. mia and adaptative-rate pacing and antitachycardia devices.
In: MOSS AJ & ADAMS EH, eds. Heart disease in infants, Pacing Clin Electrophysiol 10: 794-799, 1987.
children and adolescents, including the fetus and young
adult, 5 ed, Williams & Wilkins, Baltimore, v. II, p. 930-962, 17- FISH F & BENSON Jr DW. Disorder of cardiac rhythm and
1995. conduction. In: MOSS AJ & ADAMS FH, eds. Heart dis ease
in infants, children and adolescents, including the fetus and
7 - FRIEDMAN WF. Aortic stenosis. In: MOSS AJ & ADAMS EH, young adult, 5 ed, Williams & Wilkins, Baltimore, v. II, p. 1555-
eds. Heart disease in infants, children and adolescents, 1603, 1995.
including the fetus and young adult, 5 ed, Williams & Wilkins,
Baltimore, v. II, p. 1087-1111, 1995. 18- TILL JA & SI-IINEBOURNE EA. Supraventricular tachycardia
diagnosis and management. Arch Dis Child 66: 647-652,
8 - BEEKMAN RH. Coarctation of the aorta. In: MOSS AJ & 1991.
ADAMS EH, eds. Heart disease in infants, children and ado-
lescents, including the fetus and young adult, 5 ed, Williams 19- SILVA MAP. Reconhecimento das malformações cardíacas
& Wilkins, Baltimore, v. II, p. 1111-1133, 1995. (cianose, insuficiência cardíaca, sopros e arritmias). In:
9- GRAVES ED; REDMOND CR & ARENSMAN RM. Persistent SANTANA MVT, ed. Cardiopatias congênitas no recém- nascido.
pulmonary hypertension in the neonate. Chest 93: 638-641, Diagnóstico e tratamento, Atheneu, São Paulo, p. 89-101,
1988. 2000.
10- STEVENSON DK & BENITZ WE. A practical approach to diag- Recebido para publicação em 13/03/2002
nosis and immediate care of the cyanotic neonate. Clin
Aprovado para publicação em 28/06/2002
Pediatr 26: 325-331, 1987.
197