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CAP.I
CAP.II
Quando Robinson voltou a si, encontrava-se deitado, o rosto na areia. Uma onda rolou
pelo areal molhado e veio lamber-lhe os ps. Girando sobre si, deixou-se ficar de costas.
Gaivotas negras e brancas volteavam no cu, de novo azul aps a tempestade. Robinson
sentou-se com dificuldade e sentiu uma dor aguda no ombro esquerdo. A praia estava
juncada de peixes mortos, conchas quebradas e algas negras, para ali lanadas pelas
vagas. A ocidente, uma falsia rochosa entrava pelo mar dentro e prolongava-se numa
srie de recifes. A se erguia a silhueta do Virgnia, com os mastros arrancados e os
cordames flutuando ao vento. Robinson levantou-se e deu alguns passos. No estava
ferido, mas o ombro magoado continuava a doer-lhe. Como o sol comeava a queimar,
fez uma espcie de chapu, enrolando algumas das grandes folhas que cresciam junto
praia. Depois, apanhou um ramo, do qual se serviu como bengala, e embrenhou-se na
floresta. Os troncos das rvores cadas formavam, com a mata e as lianas que pendiam
dos ramos mais altos, um emaranhado denso onde era difcil penetrar, e
frequentemente Robinson via-se obrigado a rastejar para poder avanar. No se ouvia o
menor rudo, nem aparecia animal algum. Robinson ficou, portanto, muito admirado
quando viu, a uma centena de passos, a silhueta de um bode selvagem de plo muito
comprido que, imvel, parecia observ-lo. Deitando fora a sua bengala, demasiado leve,
Robinson apanhou um tronco mais grosso, que poderia servir-lhe de cacete. Quando
chegou perto do bode, o animal baixou a cabea e bodejou num tom surdo. Pensando
que ia atac-lo, Robinson ergueu a moca e vibrou com toda a fora uma violenta
pancada entre os chavelhos do bode. O animal caiu de joelhos e, depois, tombou sobre
o flanco.
Aps vrias horas de penosa marcha, Robinson chegou ao sop de um macio de
rochedos amontoados irregularmente. Descobriu a entrada de uma gruta, sombra de
um cedro gigante; s deu, porm, alguns passos dentro dela, porque era demasiado
profunda para poder explor-la nesse dia. Preferiu escalar os rochedos, para abarcar
com os olhos uma vasta extenso. Assim, de p no cume do rochedo mais alto, pde
constatar que o mar rodeava por todos os lados a terra em que se encontrava, onde no
havia vestgios de qualquer habitao. Estava, portanto, numa ilha deserta.
Compreendeu ento a imobilidade do bode que matara. Os animais selvagens que
nunca viram o homem no fogem sua aproximao. Pelo contrrio, observam-no com
curiosidade. Robinson sentia-se acabrunhado de tristeza e fadiga. Andando ao acaso em
torno da base do enorme penhasco, descobriu uma espcie de anans selvagem, que
cortou com o seu canivete e comeu. Depois, deslizou para debaixo de uma pedra e
adormeceu.
CAP.III
Despertado pelos
primeiros raios de sol
nascente, Robinson voltou a
descer para a praia de onde
partira na vspera. Saltava de
rochedo em rochedo, de
tronco em tronco, de declive
em declive e tirava disso um
certo prazer, porque se sentia
fresco e bem-disposto,
depois de uma noite bem
dormida. Em resumo, a sua
situao estava longe de ser
desesperada. certo que
aparentemente aquela ilha
era deserta. Mas no era
melhor do que estar cheia de
canibais? Alm disso, parecia
bastante acolhedora, com a
sua bela praia ao norte, prados muito hmidos e certamente pantanosos a leste, uma
grande floresta a ocidente e, no centro, aquele macio rochoso perfurado por uma gruta
misteriosa, do cimo do qual se desfrutava um panorama magnfico que abarcava todo o
horizonte. Estava nesse ponto das suas reflexes quando deparou com o cadver do
bode, no meio da vereda por onde seguira na vspera. Uma dzia de abutres de pescoo
depenado e bico recurvo disputava j a carcaa entre si. Robinson dispersou-os fazendo
rodopiar o pau por cima da cabea e os imponentes pssaros ergueram-se pesadamente
nos ares, um aps outro, correndo sobre as patas tortas para ganharem balano.
Carregou em seguida aos ombros o que restava do bode e prosseguiu mais lentamente o
seu caminho para a praia. Uma vez a chegado, cortou um pedao de carne com a faca e
p-lo a assar, suspenso de trs paus armados em trip por cima de uma fogueira. A
chama irrequieta reconfortou-o mais do que a carne dura, que conservava o cheiro do
bode. Resolveu manter a fogueira acesa, para economizar o isqueiro de pederneira e,
tambm, para chamar a ateno dos tripulantes de algum navio que passasse por acaso
ao largo da ilha. verdade que bastariam os destroos do Virgnia, que continuava
encalhado no recife, para alertar os marinheiros; tanto mais que poderiam despertar-
lhes a esperana de se apoderarem de ricos despojos.
Robinson j pensara em salvar as armas, utenslios e provises que se encontravam
no poro do navio, antes que fossem levadas por outra tempestade. Mas acalentava
sempre a esperana de no ter necessidade disso, porque - pensava ele - no tardaria
que um navio viesse busc-lo. Consagrava, portanto, todos os seus esforos instalao
de sinais na praia e na falsia. Ao lado do fogo sempre aceso no areal, amontoou
enormes quantidades de ramos e sargaos, com os quais contava fazer grandes colunas
de fumo mal uma vela aparecesse no horizonte. Teve depois a ideia de enterrar um
mastro na areia, do cimo do qual pendesse uma vara. Em caso de alerta, Robinson
amarraria um molho de lenha a arder extremidade da vara e f-la-ia subir nos ares,
puxando uma liana amarrada outra ponta da vara. Mais tarde, fez uma descoberta
ainda melhor: no alto da falsia erguia-se uma grande rvore morta, um eucalipto cujo
tronco estava oco. Encheu o tronco com galhos e ervas secas, que, se lhes deitasse fogo,
transformariam toda a rvore numa imensa tocha, visvel a muitos quilmetros de
distncia. Alimentava-se, ao acaso, de mariscos, razes de plantas, cocos, bagas, ovos de
pssaros e de tartaruga. Ao terceiro dia, deitou fora a carcaa do bode, que j cheirava
muito mal. Mas depressa se arrependeu porque os abutres, que se regalaram com ela,
passaram a segui-lo constantemente, espiando-o na esperana de novas ddivas. De vez
em quando, irritado com a sua presena, atirava-lhes pedras e paus. As sinistras aves
afastavam-se ento preguiosamente, mas voltavam logo a seguir.
CAP.IV
Por fim, Robinson cansou-se daquela espera, vigiando um horizonte sempre vazio.
Decidiu comear a construo de um barco com envergadura suficiente para lhe permitir
navegar at s costas do Chile. Para isso, necessitava de ferramentas. Resignou-se,
portanto, embora de m vontade, a visitar os destroos do Virgnia, para de l trazer o
que pudesse ser-lhe til. Atou com lianas uma dzia de toros, construindo uma espcie
de jangada, que embora instvel poderia ser utilizada desde que no houvesse
ondulao forte. Serviu-se de uma vara robusta para deslocar a jangada at aos
primeiros rochedos, pois a a profundidade era pequena pela mar baixa. Depois,
apoiou-se nos rochedos para prosseguir. Deu, assim, duas voltas aos destroos do navio.
A parte visvel do casco estava intacta e devia ter encalhado num recife escondido
debaixo de gua. Se a tripulao tivesse ficado abrigada na entrecoberta, em vez de se
expor no convs varrido pelas vagas, talvez ainda estivessem todos vivos. O convs
estava atravancado de mastros quebrados, vergas e cabos de tal modo emaranhados uns
nos outros que era difcil abrir caminho entre eles. Reinava a mesma desordem nos
pores, mas a gua no penetrara neles e Robinson encontrou caixas cheias de biscoitos
e carne seca, de que comeu o mais que pde, na falta de algo para
beber. certo que havia garrafes de vinho e licores, mas Robinson era abstmio nunca
tendo provado uma bebida alcolica, e estava resolvido a manter essa regra. A grande
surpresa do dia foi a descoberta, na parte traseira do poro, de quarenta barris de
plvora negra, mercadoria de que o capito nunca lhe falara, certamente com receio de
o assustar.
Robinson demorou vrios dias
a transportar na sua jangada e a
levar para terra todos aqueles
explosivos, pois durante metade do
dia a mar alta interrompia a sua
actividade, impedindo-o de
manobrar com a ajuda da vara.
Aproveitava essas alturas para pr
os barris ao abrigo do sol e da
chuva, sob uma cobertura de folhas
de palmeira fixas com pedras.
Trouxe igualmente do navio duas
caixas de biscoitos, um culo, dois
mosquetes de pederneira, uma
pistola de dois canos, dois
machados, uma p, uma enxada,
um martelo, alguma estopa e uma pea de tecido de l vermelha, de fraca qualidade,
que se destinava sem dvida a eventuais trocas com os indgenas. No camarote do
capito encontrou o famoso barril de tabaco, bem fechado e contendo o grande
cachimbo de porcelana, intacto apesar da sua fragilidade. Carregou tambm na jangada
uma grande quantidade de pranchas arrancadas ao convs e s divisrias do navio. Por
fim, encontrou, no camarote do imediato, uma Bblia em bom estado, que embrulhou
num pedao de vela, para a proteger.
Logo no dia seguinte, comeou a construir uma embarcao que baptizou com o
nome de Evaso.
CAP.V
CAP.VI
Nas horas mais quentes do Vero, os javalis e os seus primos da Amrica do Sul, os
pecaris, costumam afundar o corpo em certos pntanos da floresta. Agitam a gua com
as patas at se formar uma lama muito lquida e mergulham depois, ficando apenas com
a cabea de fora, mas ao abrigo do calor e dos mosquitos.
Desencorajado pelo fracasso do Evaso, Robinson tivera a oportunidade de seguir,
um dia, uma manada de pecaris, vendo-os afundarem-se da maneira j descrita nos
lameiros. Estava to triste e cansado que sentira vontade de imitar os animais. Despira-
se e deixara-se escorregar para a lama fresca, mantendo superfcie apenas o nariz, os
olhos e a boca. Passava dias inteiros assim deitado no meio das lentilhas-de-gua, dos
nenfares e dos ovos de r. Os gases que se evolavam da gua estagnada perturbavam-
lhe o esprito. Por vezes, julgava-se ainda no meio da famlia, em York, e ouvia as vozes
da mulher e dos filhos. Ou ento imaginava que era um beb de bero, e via nas rvores
que o vento agitava por cima da sua cabea, pessoas adultas inclinadas para ele.
Quando noitinha saa da lama tpida, a cabea andava-lhe roda. J no conseguia
deslocar-se seno com as mos no cho, e comia fosse o que fosse, com o nariz na terra,
como um porco. Deixara de se lavar e uma crosta de terra e lama seca cobria-o dos ps
cabea.
Certo dia, quando estava a roer um tufo de agries, beira de um charco, pareceu-
lhe ouvir msica. Era como que uma sinfonia do cu, com vozes de anjos acompanhadas
por acordes de harpa. Robinson pensou que estava morto e que aquilo que ouvia era a
msica do paraso. Ao levantar os olhos, porm, viu surgir uma vela branca no horizonte,
a leste. Precipitou-se logo para o estaleiro do Evaso, onde as ferramentas estavam
todas espalhadas, e conseguiu encontrar o isqueiro. Correu em seguida para o eucalipto
oco, acendeu um molho de ramos secos e empurrou-o pela abertura existente
no tronco, junto ao solo. Uma coluna de fumo acre comeou a formar-se pouco depois,
mas o lume parecia tardar em pegar.
De resto, para qu? O navio vinha direito ilha. Dentro em pouco lanaria a ncora
perto da praia e dele partiria uma lancha. Rindo como um louco, Robinson corria em
todas as direces, procura de umas calas e de uma camisa, que acabou por
encontrar debaixo do casco do Evaso. Correu depois para a praia, enquanto
esgatanhava o rosto com as unhas, procurando desemaranhar a barba e os cabelos, que
pareciam a mscara de um animal. O navio estava agora muito prximo e Robinson via-o
distintamente, inclinando com graciosidade o velame para as vagas orladas de espuma.
Era um desses galees espanhis que outrora transportavam, atravs do Oceano, o ouro,
a prata e as pedras preciosas do Mxico. medida que se aproximava, Robinson
distinguia no convs uma multido colorida. Parecia estar a desenrolar-se uma festa a
bordo. A msica provinha de uma pequena orquestra e de um coro de crianas vestidas
de branco, agrupadas no castelo da popa. Havia pares a danar com elegncia, em torno
de uma mesa coberta por uma baixela de ouro e cristal. Ningum parecia ver o nufrago,
nem sequer a costa ao longo da qual o navio seguia agora, depois de ter virado de
bordo. Robinson seguia-o correndo na praia. Gritava, agitava os braos, parava para
apanhar seixos, que atirava na direco do navio. Caiu, levantou-se, caiu novamente. O
galeo chegava agora ao fim da praia, onde comeava uma zona de dunas de areia.
Robinson atirou-se gua e nadou com todas as suas foras para o navio, do qual j s
via o casco da popa, ataviado de brocados. Uma rapariguinha estava encostada a uma
das janelas abertas na amurada e sorria-lhe tristemente. Robinson estava certo de
conhecer aquela jovem. Mas, quem seria? Abriu a boca para a chamar. A gua salgada
entrou-lhe pela garganta e os seus olhos j s viam a gua verde e uma pequena raia
que fugia, recuando...
Uma coluna de chamas arrancou-o ao desfalecimento. Que frio ele tinha! L no alto
da falsia, o eucalipto ardia como uma tocha na noite. Robinson dirigiu-se a cambalear
para aquela fonte de luz e calor.
Passou o resto da noite encolhido nas ervas, o rosto voltado para o tronco
incandescente, e aproximando-se dele medida que o calor diminua. Com os primeiros
alvores da madrugada conseguiu, finalmente, identificar a jovem do galeo. Era a sua
prpria irm, Lucy, que morrera vrios anos antes da sua partida. Portanto, aquele
barco, aquele galeo - tipo de navio que, de resto, desaparecera dos mares
havia mais de dois sculos - no existia.
Tratava-se de uma alucinao produzida
pelo seu crebro doente.
Robinson compreendeu finalmente que
os banhos na lama e toda aquela vida de
preguia que levava estavam a enlouquec-
lo. O galeo imaginrio constitua um srio
aviso. Era necessrio recuperar o domnio
de si prprio, trabalhar, tomar o destino
nas mos.
Voltou as costas ao mar, que tanto mal
lhe fizera, fascinando-o desde a sua
chegada ilha, e encaminhou-se para a
floresta e o macio rochoso.
CAP.VII
A vida seguia o seu curso, mas Robinson sentia cada vez maior necessidade de
organizar mais eficazmente o emprego do seu tempo. Ainda receava a perigosa tentao
da lama que talvez o transformasse num animal. muito difcil manter a nossa natureza
humana quando ningum est presente para nos ajudar! Os nicos remdios
que ele conhecia contra esta perniciosa tendncia eram o trabalho, a disciplina e a
explorao de todos os recursos da ilha.
Quando o calendrio j tinha mil dias gravados, decidiu dar leis ilha Speranza.
Envergou um traje de cerimnia, ps-se diante de uma escrivaninha que concebera e
construra de modo a poder escrever de p; abriu em seguida um dos mais belos livros,
apagados pela gua, que encontrara no Virgnia, e escreveu:
Artigo 2: Os habitantes da ilha so obrigados a pensar em voz alta. (Com efeito, como
no tinha ningum com quem falar, Robinson receava perder o uso da palavra. J
comeava a sentir, quando queria
falar, a lngua um pouco entaramelada, como se tivesse bebido um pouco de vinho a
mais. A partir desse momento, obrigava-se a falar constantemente com as rvores, as
pedras, as nuvens e tambm,
naturalmente, com as cabras e com Tenn.)
CAP.IX
CAP.X
CAP.XI
Robinson no parava de organizar e civilizar a sua ilha e de dia para dia o trabalho
crescia e maior era o nmero das suas obrigaes. De manh por exemplo, comeava
por se lavar e vestir, depois lia algumas pginas da Bblia, em seguida punha-se em
sentido diante do mastro, no qual iava a bandeira inglesa. A seguir, procedia abertura
da fortaleza. Fazia oscilar a pequena ponte por cima do fosso e abria as sadas tapadas
com rochas. O trabalho da manh comeava com a ordenha das cabras e prosseguia
com a visita tapada artificial para coelhos, que Robinson arranjara numa clareira
arenosa. Ali cultivava nabos silvestres, luzerna e um canteiro de aveia, de maneira a reter
uma famlia de lebres chilenas que, sem isso, viveriam dispersas pela ilha. Eram aquilo
que se chama agutia, lebres com patas compridas, muito grandes e com orelhas
pequenas.
Um pouco mais tarde, ia verificar o nvel dos viveiros de gua doce, onde se
multiplicavam as trutas e as carpas. Ao fim da manh,
comia rapidamente com Tenn, dormia uma pequena sesta e vestia o grande uniforme de
general para desempenhar as obrigaes oficiais da parte da tarde. Devia fazer o
recenseamento das tartarugas
do mar, cada uma das quais tinha o seu nmero de matrcula, inaugurar uma ponte de
lianas audaciosamente lanada por cima de um barranco com cem ps de profundidade,
em plena floresta
tropical, acabar a construo de uma choupana feita de fetos na orla da floresta que
bordejava a baa, e constituiria um excelente posto de observao para vigiar o mar sem
ser visto e, ao mesmo tempo, um retiro de sombra verde e fresca para as horas mais
quentes do dia.
Era frequente Robinson fartar-se de todos estes trabalhos e de tantas obrigaes.
Perguntava a si prprio para que serviria tudo aquilo, e para quem, mas logo se
lembrava dos perigos da ociosidade,
da lama dos pecaris em que se arriscava a cair novamente, se cedesse preguia, e
lanava mos ao trabalho activamente.
CAP.XII
Logo desde os primeiros dias, Robinson servira-se da gruta do centro da ilha para
guardar o que tinha de mais precioso: as colheitas de cereais, as conservas de fruta e
carne, mais ao fundo os bas
com roupas, as ferramentas, as armas, o ouro e, finalmente, na parte mais recuada os
seus barris com plvora negra, que teriam bastado para fazer ir pelos ares toda a ilha.
Desde h muito que no tinha
necessidade de caar com a espingarda, mas dava-lhe satisfao ter toda aduela plvora
ao seu dispor: tranquilizava-o e dava-lhe uma sensao de superioridade.
No entanto, nunca empreendera a explorao do fundo da gruta, e pensava por vezes
nisso com certa curiosidade. Por detrs dos barris de plvora, o tnel continuava por
uma espcie de galeria, a pique,
e resolveu um dia meter-se por ela para ver onde iria ter.
A explorao apresentava uma dificuldade principal, na falta de iluminao. No
possua seno tochas de madeira resinosa, mas avanar para o fundo da gruta com uma
tocha na mo implicava correr o risco de provocar a exploso dos barris, tanto mais que
deviam restar vestgios de plvora no solo. Havia ainda o problema do fumo, que
rapidamente tornaria o ar irrespirvel. Por momentos teve a ideia de abrir uma chamin
de arejamento e iluminao no fundo da gruta, mas a natureza da rocha tornava este
projecto impraticvel. S havia, portanto, uma soluo: aceitar a obscuridade e procurar
habituar-se a ela. Por conseguinte, avanou to longe quanto lhe foi possvel, com uma
proviso de bolos de milho e um pcaro de leite de cabra, e esperou. sua volta reinava
a calma mais absoluta. Sabia que o Sol estava a baixar no horizonte. Ora, a abertura da
gruta estava situada
de tal maneira que, em dado momento, os raios do Sol poente ficavam exactamente no
eixo do tnel. Durante um segundo a gruta ficaria iluminada, mesmo at ao fundo. Foi
isso que realmente se
verificou, com a durao de um relmpago. Mas foi o suficiente para que Robinson
soubesse que o seu primeiro dia terminara. Adormeceu, comeu um bolo, voltou a
dormir, bebeu leite. E, de repente, o relmpago surgiu novamente. Tinham decorrido
vinte e quatro horas mas, para Robinson, tinham sido como um sonho. Comeava a
perder a noo do tempo. As vinte e quatro horas seguintes passaram-se ainda mais
rapidamente, e Robinson j no
sabia se estava a dormir ou continuava acordado.
Por fim, resolveu levantar-se e dirigir-se para o fundo da gruta. No levou muito tempo
a encontrar, tacteando, o que procurava: a abertura de uma chamin vertical e muito
estreita. Fez imediatamente
algumas tentativas para por ela escorregar. As paredes da galeria eram lisas como carne,
mas o orifcio era to estreito que metade do seu corpo ficou l preso. Teve ento a ideia
de tirar a roupa toda e de esfregar o corpo com o leite coalhado que restava no fundo do
pcaro. Mergulhou em seguida com a cabea para a frente e, desta vez, escorregou
lentamente mas com regularidade, como uma r pela goela da serpente.
Chegou suavemente a uma espcie de nicho morno, cujo fundo tinha exactamente a
forma do seu corpo agachado. A se instalou, enrolado sobre si prprio, com os joelhos
puxados at ao queixo,
as pernas cruzadas e as mos apoiadas nos ps. Sentia-se to bem assim que adormeceu
logo a seguir. Quando acordou, teve uma enorme surpresa: a obscuridade sua volta
tornara-se branca! Continuava a nada ver, mas passara a estar envolvido pelo branco,
em vez de negrura! E a cavidade onde se encontrava assim acachapado
era to suave, to morna e branca, que no podia deixar de pensar na me, que o
embalava cantarolando. O pai era um homem pequeno e pouco saudvel, mas a me
era uma mulher grande, forte calma, que nunca se zangava e adivinhava sempre a
verdade, bastando-lhe olhar para os filhos.
Um dia em que ela estava no primeiro andar com todos eles, estando o pai ausente,
declarou-se o fogo no armazm do rs-do-cho. A casa era muito velha, e toda de
madeira, e o fogo propagou-se com uma velocidade terrvel. O pequeno vendedor de
tecidos
regressou a toda a pressa e ps-se a lamentar, correndo na rua em todos os sentidos,
enquanto via arder a casa com a mulher e os filhos l dentro. De repente, viu a esposa
sair tranquilamente do meio de
uma torrente de chamas e fumo, com os filhos todos aos ombros, nos braos, s costas,
e agarrados ao avental. Era assim que Robinson a revia, no fundo do seu buraco, como
se fosse uma rvore vergada sob o peso dos seus frutos. Ou ento, lembrava-se da noite
do dia de Reis. Amassava a farinha onde se escondia a fava que designaria o rei da festa
no dia seguinte. A Robinson, parecia-lhe que toda a ilha de Speranza era um imenso bolo
e que ele prprio
era a pequena fava escondida no fundo da crosta.
Compreendeu que tinha de sair do seu buraco se no quisesse l ficar para sempre.
Ergueu-se com dificuldade e iou-se pelo tnel. Quando chegou parte de trs da gruta,
procurou, s apalpadelas,
a roupa, que enrolou como uma bola debaixo do brao, sem perder tempo a vesti-la
novamente. Estava inquieto, porque a obscuridade branca persistia sua volta. Teria
ficado cego? Avanava a cambalear para a sada quando, de repente, a luz do Sol lhe
bateu em cheio no rosto. Era a hora mais quente do dia, aquela em que at os lagartos
procuram a sombra. Robinson, no entanto, tremia de frio e apertava as coxas, ainda
hmidas do leite coalhado, uma de encontro outra. Correu para casa, com a cara
escondida nas mos. Tenn saltitava sua volta, feliz por voltar a v-lo, mas
desconcertado por o ver to n e to fraco.
CAP.XIII
Robinson desceu mais vezes cavidade da gruta, para ali encontrar de novo a paz
maravilhosa da sua infncia. Habituara-se a parar a clepsidra quando o fazia, pois no
havia horas nem maneira de
ocupar o tempo no fundo da gruta. Mas estava perturbado, e perguntava-se se no seria
a preguia que o atraa, tal como outrora o levara a mergulhar no lamaal.
Para pensar noutra coisa, resolveu fazer uma cultura com os sacos de arroz que
conservava desde o primeiro dia. A verdade que sempre recuara perante o desmedido
trabalho que acarreta a preparao de um arrozal. Com efeito, o arroz deve crescer
debaixo de gua, e o nvel desta tem de ser sempre controlado, e por vezes modificado.
Viu-se, portanto, obrigado a deter o curso de um ribeiro em dois locais: um a jusante,
para inundar um prado, e outro a montante, com
uma derivao para poder suspender a chegada da gua e proceder secagem da
pradaria. Mas tambm foi necessrio construir diques e duas comportas, que podiam
estar abertas ou fechadas, conforme se desejasse. E ao cabo de dez meses, se tudo
corresse bem, a colheita e o descasque do arroz exigiriam muitos dias de trabalho
aturado.
Assim, terminado o arrozal, e coberto o arroz semeado com um lenol de gua,
Robinson perguntou mais uma vez a si prprio com que objectivo se sobrecarregava com
tanto esforo. Se no estivesse sozinho, se a mulher e os filhos, ou pelo menos um
companheiro, estivessem com ele, saberia por que razo trabalhava. Mas a solido
tornava o seu esforo intil.
Ento, com as lgrimas nos olhos, voltou a descer ao fundo da gruta...
Desta vez ficou l dentro tanto tempo que por pouco no enfraqueceu demasiado
para poder subir de novo, e podendo ter morrido no fundo do seu buraco. Procurou,
portanto, uma maneira de arranjar
coragem para viver como um homem e levar por diante todo aquele trabalho que tanto
o aborrecia.
Lembrou-se de que o pai o mandava ler os Almanaques de Benjamin Franklin,
filsofo, sbio e homem de Estado americano daquele tempo. Nesses almanaques,
Benjamin Franklin d preceitos
morais que justificam os homens que trabalham e ganham dinheiro. Robinson pensou
que se inscrevesse esses preceitos por toda a ilha,
de maneira a t-los sempre debaixo dos olhos, no voltaria a desencorajar-se e cederia
com menos frequncia preguia. Por exemplo, cortou tantas rodelas quantas as
necessrias para desenhar na
areia das dunas as letras que formavam a seguinte frase:
A pobreza priva o homem de toda a virtude; difcil um saco vazio manter-se de p.
Na parede da gruta incrustara pequenas pedras que constituam um mosaico onde se
lia:
Se o segundo vcio consiste em mentir, o primeiro endividar-se, pois a mentira
monta a cavalo na dvida.
Pequenos cavacos de pinho envoltos em estopa estavam dispostos num leito de
pedras, prontos a serem inflamados, e permitiriam ler o seguinte:
<<Se os malandros conhecessem todas as vantagens da virtude, tornar-se-iam
virtuosos por malandrice.>>
Havia, enfim, uma mxima mais comprida que as outras com cento e quarenta e duas
letras - e Robinson lembrara-se de tosquiar cada letra no dorso de uma cabra, de tal
maneira que, se por
acaso as cabras, deslocando-se, pusessem as cento e quarenta e duas letras na devida
ordem, fazendo aparecer a mxima cujo teor era
o seguinte:<<Aquele que mata uma bcora aniquila todas as bcoras a que ela podia ter
dado origem at milsima gerao. Quem desperdia uma nica moeda de cinco
xelins, assassina montes de moedas de ouro.>>
Robinson ia dar incio a esta tarefa quando, de repente, teve um estremecimento de
surpresa e medo: uma fina coluna de fumo branco
erguia-se no cu azul! Vinha do mesmo local que da primeira vez, mas as inscries que
ele espalhara pela ilha no iriam agora permitir que os ndios o descobrissem? Enquanto
corria para a sua
fortaleza seguido de Tenn, amaldioava a ideia que tivera.
Deu-se
ainda um incidente um tanto ridculo que lhe pareceu
ser um mau
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sinal: atemorizado por esta inesperada correria, um
dos bodes mais
mansos atacou-o brutalmente, de cabeça
baixa. Robinson evitou-o
justa, mas Tenn rolou sobre si prprio, a ganir,
projectado como
uma bola para um maciço de fetos.
Logo que Robinson se fechou com Tenn na
fortaleza, depois
de colocar os blocos de rocha nos seus lugares e de
retirar a ponte,
começou a interrogar-se sobre se a sua
conduta seria razovel. Com
efeito, se os ndios tivessem dado pela sua
presença e resolvido tomar
a fortaleza de assalto, não s teriam a
vantagem do nmero, como
beneficiariam do efeito da surpresa. Em
contrapartida, se não se
preocupassem com ele, completamente absortos nos
seus ritos assassinos,
que alvio para Robinson!; quis tirar as coisas a
limpo. Sempre
seguido de Tenn, que coxeava, pegou numa das
espingardas, pôs
a pistola cintura e caminhou sob as rvores em
direcção praia.
Viu-se forçado, no entanto, a voltar atrs por
se ter esquecido do
culo, do qual poderia ter necessidade.
Desta vez, eram trs as pirogas alinhadas
paralelamente na areia.
O crculo de homens volta da fogueira era, alis,
maior que da
primeira vez e, examinando-os com o culo,
Robinson ficou com a
impressão de que não se tratava do
mesmo grupo. J tinham cortado
um infeliz aos bocados, machadada, e dois
guerreiros regressavam
da fogueira, para a qual haviam atirado com os
restos. Foi
nessa altura que se deu um acontecimento
extraordinrio, certamente
inesperado neste gnero de cerimnias. A feiticeira,
que estava agachada
no chão, levantou-se repentinamente, correu
direita a um dos
homens e estendeu para ele o seu braço
abrindo muito a boca, da
qual saa um jorro de maldições, que
Robinson adivinhava sem poder
ouvi-las. Haveria, portanto, uma segunda vtima
nesse dia! Visivelmente,
os homens hesitavam. Finalmente um deles, de
machado na
mão, dirigiu-se para o indigitado culpado, que
dois outros j haviam
levantado e atirado ao chão. O machado
desceu uma primeira vez
e a tanga de couro voou pelos ares. Um segundo
golpe ia ser desferido
no corpo nu quando o infeliz deu um salto e fugiu, a
correr,
em direcção floresta. No culo de
Robinson, parecia dar saltos
sem sair do mesmo lugar, perseguido por dois
ndios. Na realidade,
corria direito a Robinson com uma rapidez
extraordinria. Não era
mais alto do que eles mas muito mais esguio, e
verdadeiramente feito
para a corrida. A pele parecia mais escura, e
assemelhava-se antes
a um negro. Talvez fosse isso que levara a feiticeira
a indic-lo como
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Robinson e o ndio passaram a noite atrs das
ameias da fortaleza
com o ouvido atento a todos os rudos nocturnos da
floresta.
De duas em duas horas, Robinson mandava Tenn em
missão de reconhecimento,
com o encargo de ladrar se encontrasse alguma
presença
humana. Voltava sempre sem ter dado o alerta. O
ndio, que amarrara
na cintura umas velhas calças de marinheiro
que Robinson o
obrigara a enfiar, estava abatido, sem energia, como
que atordoado
por causa da sua horrvel aventura, bem como pela
espantosa construção
para a qual fora trazido. Não tocara no bolo de
trigo que
Robinson lhe dera e mascava constantemente favas
selvagens, cuja
provenincia Robinson ignorava completamente. Um
pouco antes do
nascer do dia adormeceu em cima de um monte de
folhas secas, apertando
contra si o cão, tambm adormecido.
Robinson conhecia o
hbito de certos ndios do Chile de utilizarem um
animal domstico
como cobertor vivo, para se protegerem do frio da
noite. Surpreendeu-o,
no entanto, a pacincia de Tenn, de natureza
habitualmente
bastante arisca.
Teriam os ndios esperado pelo dia para atacar?
Robinson, armado
com a pistola, as duas espingardas e tantas balas e
plvora
quanto podia transportar, deslizou para fora da
muralha e dirigiu-se
beira-mar, fazendo um grande desvio pelas dunas.
A praia estava deserta. As trs pirogas e os seus
ocupantes
haviam desaparecido. O cadver do ndio morto na
vspera com um
tiro de espingarda fora levado. Não restava
senão o crculo negro
da fogueira mgica, onde os ossos se misturavam
com ramos calcinados.
Robinson pousou na areia as suas armas e
munições com
uma sensação de enorme alvio Em
seguida, sacudiu-o um grande
ataque de riso, meio nervoso e meio louco, que
nunca mais acabava.
CAP.XXI
CAP.XXII
CAP.XXIV
CAP.XXV
- Não.
- Sou Robinson Crusoe, da cidade York, em
Inglaterra, amo
e senhor do selvagem Sexta-Feira!
- E então eu, quem sou? - perguntou
Robinson, estupefacto.
- Adivinha!
Robinson conhecia Sexta-Feira demasiado bem
para não compreender
por meias palavras o que ele pretendia. I.evantou-se
e desapareceu
na floresta.
Se Sexta-Feira era Robinson, o Robinson de
antigamente, amo
do escravo Sexta-Feira, Robinson não tinha
mais que tornar-se Sexta-Feira
o antigo escravo Sexta-Feira. Na realidade, j
não tinha a sua
barba quadrada, nem o cabelo cortado rente de
antes da explosão,
e parecia-se de tal maneira com Sexta-Feira que
não precisava de fazer
muito para desempenhar o seu papel. Contentou-se
em esfregar o
rosto e o corpo com suco de nozes para ficar mais
escuro, e atar
volta da cintura a tanga de couro dos
araucânios, que Sexta-Feira
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trazia no dia em que desembarcou na ilha.
Apresentou-se depois a
Sexta-Feira e disse-lhe:
- Aqui estou, sou Sexta-Feira!
Sexta-Feira esforçou-se então por
construir frases imensas no
seu melhor ingls, e Robinson respondia-lhe com as
poucas palavras
de araucânio que aprendera no tempo em que
Sexta-Feira não
dizia uma s palavra de ingls.
- Salvei-te dos teus congneres, que queriam
sacrificar-te s
potncias malficas, disse Sexta-Feira.
E Robinson ajoelhou-se, baixando a cabeça
at ao solo e murmurando
agradecimentos confusos. Por fim, pegando no p de
Sexta-Feira,
pousou-o na nuca.
Divertiram-se muitas vezes com este jogo. Era
sempre Sexta-Feira
quem dava o sinal. Quando aparecia com o seu
guarda-sol e a barba
postiça, Robinson sabia que tinha na sua
frente Robinson, e que ele
prprio devia desempenhar o papel de Sexta-Feira.
Nunca representavam,
de resto, cenas inventadas, mas apenas episdios da
sua vida
passada, quando Sexta-Feira era um escravo
amedrontado e Robinson
um amo severo. Representavam a cena dos cactos
vestidos, a do
arrozal posto a seco, a do cachimbo fumado s
escondidas ao p
da reserva de plvora. Mas nenhuma agradava tanto
a Sexta-Feira
corno a do princpio, quando fugira dos
araucânios que o queriam
sacrificar e fora salvo por Robinson.
Este tinha percebido que essa cena fazia bem a
Sexta-Feira porque
lhe fazia esquecer a m recordação que
conservava da sua vida
de escravo. Mas tambm a ele lhe fazia bem,
Robinson, porque nutria
ainda alguns remorsos por ter sido um amo severo
para Sexta-Feira.
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espinhos e azevinhos na base do rochedo, que lhe
dilaceravam profundamente
a carne.
Sexta-Feira viu-se forçado a ficar na cama
de rede durante vrios
dias. Robinson fazia-lhe aplicações de
musgo hmido e Anda lambia-lhe
os ferimentos. Falava constantemente de Andoar,
que queria
encontrar de novo para obter a desforra, mas como
era um adversrio
leal, não cessava de fazer elogios ao rei dos
bodes. Andoar,
segundo ele, podia ser pressentido a cem metros de
distância, para
o que bastava o seu terrvel cheiro, Andoar nunca
fugia quando
algum se aproximava dele. Andoar não o
atacara depois da sua
queda do rochedo e não tentara feri-lo de
morte, como teria feito
qualquer outro bode...
Sexta-Feira estava muito fraco. Passava todo o
tempo deitado,
excepto quando apanhava ervas e ia buscar gua
para Anda. Uma
noite, esgotado, caiu num sono profundo. Quando na
manhã seguinte
acordou, muito tarde, Anda desaparecera.
- Ests a ver - disse ele a Robinson - ela quis ir-se
embora
e foi.
Mas Robinson, que não era tolo, riu-lhe na
cara. Então Sexta-Feira
jurou a si prprio que voltaria a encontrar Andoar,
lhe enfiaria
o colar de lianas no pescoço e recuperaria
Anda.
Quando ficou curado, Robinson tentou impedi-lo de
procurar
novamente o rei dos bodes para o desafiar. Em
primeiro lugar, havia
o cheiro que Sexta-Feira trazia agarrado pele,
depois de lutar com
bodes. Alm disso, a brincadeira era realmente
perigosa, como ficara
provado com a sua queda do rochedo e os
ferimentos que lhe provocara.
Tudo o que Robinson pudesse dizer, no entanto, de
nada servia.
Sexta-Feira queria a desforra, e aceitava
alegremente todos os
riscos. Partiu de novo certa manhã at aos
rochedos, procura do
seu adversrio.
IVão necessitou de muito tempo para o
descobrir. A silhueta do
grande macho destacava-se no meio de um grande
ajuntamento de
cabras e cabritos, que fugiram em desordem quando
Sexta-Feira se
aproximou. S uma pequena cabra branca continuou
fielmente junto
do rei, e Sexta-Feira não pôde deixar de
reconhecer Anda. De resto,
ela não pastava. Era Andoar que o fazia para
ela: arrancava um tufo
de ervas e apresentava-o a Anda. A cabrinha pegava
nelas com os
dentes e abanava vrias vezes a cabeça,
como que a dizer obrigado.
Sexta-Feira sentiu-se mordido pelo cime.
CAP.XXXVI
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Robinson começou a percorrer toda a
ilha,chamando por Sexta-Feira.Correu
de uma praia a outra,das falsias s dunas,das
florestas aos pântanos,do monte de pedras aos
prados,cada vez
mais desesperado,tropeçando e gritando,cada
vez mais convencido
de que Sexta-Feira o trara e abandonara.Mas
porqu? porqu?
Lembrou-se então da admiração
de Sexta-Feira pelo belo barco
6ranco,e de como saltava,muito feliz,rindo,de uma
verga para
0utra,muito acima das ondas.Era isso: Sexta-Feira
fora seduzido
por aquele novo brinquedo,mais maravilhoso do que
todos os que
ele prprio construra na ilha.
Pobre Sexta-Feira! Robinson lembrava-se,com
efeito,dos horrveis
pormenores que Joseph,o imediato,lhe contara
acerca do trfico
de negros entre África e as
plantações de algodão da
Amrica.
0ingnuo ndio estava j com certeza no fundo do
porão do Whitebird,agrilhoado
s correntes dos escravos...
Robinson sentia-se esmagado pela dor.Continuava as
buscas,
mas s encontrava recordações que lhe
feriam ainda mais o coração:
a harpa elica e o papagaio,despedaçados
pelos homens da
escuna.De repente,sentiu uma coisa dura debaixo
dos ps.Era a `
coleira de Tenn,roda pela humidade.Robinson
encostou então a
cabeça ao tronco de um eucalipto e chorou
todas as lgrimas que
tinha no corpo.
Quando ergueu a cabeça viu,a alguns metros
de distância,uma
meia dzia de abutres que o observavam com os
seus pequenos olhos
vermelhos e cruis.Robinson queria morrer e os
abutres tinham-no _
adivinhado.Apesar de tudo,porm,não queria
que o seu corpo fosse despedaçado por
aquelas aves necrfagas. Lembrou-se então
do fundo da gruta,onde passara horas tão
boas.A explosão tapara,
com certeza,a entrada da grande caverna,mas
sentia-se tão diminudo,fraco
e desgraçado que estava certo de encontrar
uma passa- _
gem,uma fenda entre dois blocos.Desceria
então ao fundo da
cavidade,suave e morno,agachar-se-ia,com a
cabeça apoiada nos
joelhos,os ps cruzados,e esqueceria tudo,dormiria
para sempre,
ao abrigo dos abutres e dos outros animais.
_ _ _
Encaminhou-se,portanto,a passos curtos,para o
amontoado
de rochas que se erguia no local da gruta.Depois de
muito procurar
encontrou,com efeito,uma abertura estreita,como
uma passa9em
para gatos,mas sentia-se a tal ponto mirrado pelo
desgosto que
tinha a certeza de poder passar.Meteu a
cabeça,para tentar ver se
a passagem conduzia realmente ao fundo da
gruta.Nesse momento,
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fim