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O FIM DO MUNDO COMO O CONHECEMOS: OS XIKRIN DO BACAJA E A BARRAGEM DE BELO MONTE Clarice Cohn’ Agosto de 2012. Quando finalmente busco dar uma versio final deste texto, que ganha tantas revisées quanto so as mudangas nos acontecimentos, os Xikrin recém desocuparam © canteito de obras do Sitio Pimental, onde permanecerarn cam outrasseis etnias Caregiso por quaseum més. Aocupacao.e depois 2 desocupacao perfazem um momento critico de um drama mais longo que parece conter em sitodas as ambiguidades, ansiedades, preocupacdes que vém assolando essa populacio indlgena nos Ultimos anos. Neste texto, apresento algumas das contradigées vivenciadas por eles, que fazem deste um dos acontecimentos mais dramaticos que experimentaram nas tiimas décadas que os obriga a decistes tio plenas de consequéncias quanto foi o momento, ha apenas algumas décadas, em que tiveram de decidir se aceitavam ou no o contato, se ficariam no mato ou sairiam dele para viver em campanhia dos brancos.? 1 "Professora da UFSCar, foi membro dos Estudos de Impacto Ambiental ponente Indigena dos Kikrin a Tera IndigenaTinchera-Bacajs fea Coorcenacio Antrapogica dos Estudos Complementares do Ro 82a 2 Reg]stre-se aqui que todas essas impresses vém de alguém intimamente lignca a esses acontecimentas. Realzando pesquisas desde 1992 com ‘os Kirin, desde 2009 venhe acompanhanda este praceseo,reuninda- ‘re com eles em Altamira, vistando suas aldeias e atuando como rrembro de equipes ou consultora antropolégica ne Estudo de impacto Ambiental Componente Indigena, nos Estudos Complementares 60 Rio {83c3j4 e1na canfecgio do Plano Bisico Ambiental. © em outra ocasiio 283 1, BREVE HISTORICO 0s Xikrin do Bacajé sao atualmente 1.288 pessoas, segundo © Censo do Instituto Brasileiro de Geogratia e Estatistica (BCE) de 2010, que vivem em 8 aldeias construldas as margens dorio Bacajs, na Terra incigena (Tl) Trincheira-Bacajs. Sao um dos dois grupos Kayapé, ou Mebengokré, como se referem a simesmos, que vivem mais 20 norte, falantes de uma lingua jé, convivem hi décadas com outras nove etnias na regio, de linguas Tupi Karib, e com 05 citadinos. Esses poves, historicamente inimigos entre si, tém, ras iltimas décadas, nteragido cada vez mais e se relacionado, em aliangas e mobilizagdes polticas, em situagSes diversas na cidade de Altamira, tais como a convivéncia da Casa do Indio quando permanecem uma temporada na cidade ou em cursos de formacao de Agentes Indigenas de Satide ou no Magistério Indigena, (0 envolvimento dos Xikrin do Bacajé ~ como a eles vou me referir para diferencis-los de seus parentes do Cateté - com os projetos de aproveitamento hidrolégico na regiso teve inicio antes que eu os conhecesse. De fato, muito antes: os velhos tém cito que desde o contato ouvem que vo mexer no rio, € que sempre estiveram preocupados com essa ameaga. Mas foi em 1989, no grande evento contra a barragem de Kararaé em Altamira, que eles primeiro participararn de uma mobilizago publica contra essa ‘acompanhando @ Minisiéve Plblico Federal em vila a duas alge (Quera agradecer 3 rabelie Garmin, que tem me ajudace 3 compresncer lum pouco mais esse contexio e nossa atuacZo nele - e que obviamente ‘io pode serresponsabilaada pela minha alvagao e suas cansequéncias =e Coordenaga0 de Aperteigoamento de Pessoal de Nivel Superior (Capes), que permitiy minha visita a5 atunis cto aldeias da Terra Indigens (1) Trncheirs-Bacajé com 3 pesquisadora Carla feltrame pare levantamento da situacio das escolas e para antrevistas com os Drofessores indigenas em formacia pelo Observatsrio da Educacio Escolar Indigena que coordeno na Universidace Federal de Sao Carlos (UFSCat|.oque me permtiv ests wsda geral que # cendro do texto, 254 ameaga que os acompanha desde semare. Desse evento guardam rmuitas lembrangas, referindo-se sempre & grande danca que 0 finalizou e marcou a paralisagio da barragem a época Em 2008, alguns Xikrin que estavam ma cidade de Altamira acompanharam © evento promovide para debater Belo Monte, no mesmo lacal de 1989, Nesse segundo evento, o que Ihes ficou marcado, porém, foi sua participacio periférica, nao tendo sido oficamente corwidados, no tendo recebido 0 apoia de transporte e acomodacao durante 05 dias do evento e no tendo sido convidados a participar como oradotes. Ficou-Ihes marcado principalmente seu desfecho, em que tum engenheiro, o qual respondia pela Eletronorte, fo ferida por um golpe de facdo, ¢ suas consequéncias, j@ que com isso acabaram sendo figurantes em um evento em sua prépria terra, tendo que legarandios de fora o primeiro piano na discuss ena midiae ainda sendo localmente cuipados por um ato que néo cometeram. Essa participacao marginal ganhou uma guinada exatamente por esta época, quando passaram a fazer parte das populagdes diretamente impactadas pelo empreendimento que entao se licenciava, Aos Xikrin, a noticia @ a percepgio de que esta histéria sua participacio nela estavam mudando veio em 2009, quando a equipe dos Estudos de Impacta Ambientais (EIA) Componente Indigena, eu e Isabelle Vidal Giannini, coordenadora deste Estudo,* 3. Ver Turner (198) para uma andlse desta dane, 4A equipe do Estudo era composta de: Isabell Vidal Giannini (Bislogs f Antrepslogs, Coordenadors), Clarice Cohn (Antropéloga — Melo Secivecanémce, Roberto Giannini (Oceandgrafe Meio iétco}, Osvaldo Henrique Noguera lunior (Gedgrafo ~ Meio Fisico), Marca Vioto Darci Goncalves (EngenheiraCarsdgrafa ~ Meo sce), Celso Murano De icchia (Economists ~ Meio Socioecanémico), Mayra Vidal Giannini (Bisloga — Meio Bitice). Retere-se que naquele momento, e acardo com Terma de Referencia 63 Funai, oestudo foi feito com dades secundiros, contando apenas com a visita de dez as elas cinco ales existentes no momento ni Tem janeiro-fevererto ce 2008, 255 viajamos por todas as aldeias da TI Trincheira-Bacajs, 9 én0ca quatro, para ouvir e registrar suas impressées sobre a barragem € seus impactos ambientais, levando-lhes os mapas, as figuras e as noticias detalhadas sobre onovo projeto de construcao da UNE Belo Monte, Foi a que perceberam as consequéncias da mudanca no projeto de engenharia, que nao mais inundaria as terras a montante da barrage — 0 enorme impacto com a inundagdo de muitas Terras Indigenas 2 beira do rio Xingu, cue gerou 2 moblizacao internacional e 2 inviabildade politica da obra por décadas - € que se voltava 8 tecnologia do fio d'égua, pela qual o reservatdrio 3 montante é muita menor, © que é compensado pela abertura dos canais de derivagSo que levarn a Sgua 2s turbinas localizadas ra cidade de Belo Monte, ¢, para isso, hd a reducio da vazio 2 rmontante da barragem, na Volta Grande do Xingu, para onde fli o rio Bacajé. Trocando em mitidos, a inundagso das Terras incigenas do rio Xingu é evitada tendo como prego a abertura de novos canals de derivac3o do ro Xingu, efetivados por uma barragem que condena a Volta Grande do Xingu 2 uma quase seca, perene, em centenas de quilémetros, inclusive ma regio em que desSgua o rio Bacaj Desse modo, e repentinamente, entram em cena os Xikrin do Bacajé, os Arara da Volta Grande do Xingu e os Juruna do Paquigamba e do km 17 como os maiores impactados pela construgao de Belo Monte dentre as populacdes incigenas da regiso.* Grande mudanga para eles, que tém que se ver com esta nova e dramstica realdade, e para todos os que lidavamn com este empreendimento, os empreendedores, o Estado, os parceiros destes povos, e tados os movimentos contrérios & barragem, que 5 No.caso dos Xiern eda Terra ndigens Wincheirs~Bacajs (ITB), esta deti- ig30 leva mais tempo, que eles eam ainda consierados indiretamen- te mpactados na confecga0 der EIA em 2008, 256 tiveram que se voltar - ¢ o fizerern com sucesso desigual - a tra regido e lidar com arealidade de outros povos indigenas que ‘nao os que estavam em cena e evidencia nas titimas décadas, Os Xikrin ento tiveram 2 percep¢io do quanto seriam impactados pela barragem. Desde 2009, vém insistindo que 2 vazio reduzida do rio Xingu ir afetar grandemente o rio Bacaja, prevendo sua seca e a morte dos peixes e da caga em pouco tempo. Assim, esses iltimos anos tém sido marcados por um constante e intenso esforgo de compreensio da nova realidade € dos atores e processos nela envolvidos. Para comecar, dever se familiarizar, em pouco tempo, com tados os aspectos que se referem 3 definicio dos impactos e de su2 compensagio € rmitigag3o, dos modos de defini-los, e dos atores, das instncias e das especialidades que o definem. Ou seja, tém que lidar com toda uma série de conhecimentos, técnicas, especialistas € pessoas diversas, com quem devem aprender a se relacionar , a cada caso, dialogar, debater, confrontar, Tém também que lidar com os diversos atores e instancias envolvidas no proceso de licenciamento - o empreendedor (que desde 2009 mudou, tendo sido primeiro a Eletronorte, que por anos manteve um escritério no cais de Altamira, e depois o consércio que ganhou 0 leiSo em 2010), outras inst3ncias da Fundaco Nacional do Indio (Funai) que nao a local, a Funai local (que ac longo desse proceso também passou pelo processo de reestruturaco a partir do Decreto 1 7.056, assinado em dezembro de 2010), 0 Ministério Publico Federal, de Altamira e de Belém (este dltimo é que cuida do caso Belo Monte}, escritérios de consultoria, consultores, etc., assim como 0s diversos atores e organizagbes, movimentos sociais € organizagbes nao governamentais nacionais e internacionais, que se posicionam contrarios ao empreendimento e buscam sua alianca, Assim, precisam, de uma hora para outra, compor um cenatiocomplexoem que varias instancias sejam posicionadas em 257 interesses convergentes ou contitantes, de modo a entenderem quem é responsSvel por oqu8, quem éaliado de quem, e, portanto, 2 quem devem se remeter em cada caso, com quem se relacionar e aliar € a quem, ou a 0 qué, se contrapor. Desafios gigantescos, que envoivern revisbes do conhecimento que tém até entio do mundo, ¢ de sua posigdo neste mundo, Essahistéria recente é marcada por varias situagbes dram3- ticas, Uma delas ocorre em 2010, quando o empreencimento & lelloado. Os Xikrin sio pegos de surpresa. Contaram-me que ha- viam entendido que nada mais ira ocorrer, tendo sido assegu- rados disso por um ilustre visitante, 0 cineasta James Cameron, Quando ocorte o ldo, encontro-me com eles em Altamira, a seu chamado e pedido, para ajudé-los a entender este processo. Leio com eles, durante dias, na Casa do Indio, os documentos emitidos pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaveis ([oama) e pela Funai no processo de licenciamento, © conversamos sabre compensacio e mitigagio € 0 que seriam 05 Planos Basicos Ambientais em seu componente indigena e sua importncia tendo em vista a implantag3o do empreendimento. Em 201 aconteceram os Estudos Complementares do Rio Bacajé (ECRB), ums das condicionantas definidas pelo Parecer n#21 emitido pela Funai. Até ento, 0 rio Bacaja nao hava sido estudado em toda sua extensao, e 0s impactos na Terra Indigena Trincheira~ Bacajé (TITB) e para os Xikrin haviam sido analisados apenas por ddados secundsrios no EIA de 2009 € por uma rdpda viagem para 0 registro das suas percepcées.‘Os Estudos ficaram 3 cargo da Leme Engenharia, epresentante brasileira da Tractebe! Engineering (OF 6 Uma das conclusses do documento era exatemente a necessidade e estudes que acompanhassem a ciclo hidoldgico complete e que Utilzassem dages primarios especialmente coletacos para este fim, {Gemanda também dos Xiktn 258 SUEZ], que havia realizado os Estudos de Impacto Ambiental no rio Xingu, mas nao os de componente indigena, jé que, por alguma azo, houveoentendimentode que estesestudoscomplementares seriam parte dos estudos de impacto chamados “geral’, que js estavam, em etapas anteriores, a cargo deste escrito. Assim, a Tractebel Engineering (GDF SUEZ}, representada no Brasil pela Leme, uma empresa de engenhatia consuitiva sem experiéncia com estudos em Terras indigenas ou com povos indigenas e sem pessoal especializada, se vé com esta incumbéncia, Levado a cabo por estas equipes com o acompanhamento de antropéiogos, 2 quem coordenei, entre novembro de 2011 ¢ abril de 20127 os Estudos foram conduzidos para anise da ictiofauna, da qualidade da dgua, da navegacao e acessibildade, ca hidrologa, do consumo alimentar, ¢ para estudos etnoecolbgicos em cinco aldeias da ITB, fechando com uma apresentacso estas aldeias de seus resultados, em abril de 2012, ( ano de 2011 foi também marcado pelas visitas das equipes do Plano Basico Ambiental (PBA) nas aldeias Xikrin do Bacaja, em que equipes formadas por um membro coordenador do PBA ~ neste cas0, novamente Isabelle Vidal Giannini, que tem grande experiéncia de atuagao junto aos Xikrin - € representantes da Funai e do empreendedor apresentaram a proposta do PBA nas 7 Os anwropélogos que acompanharam as equipes © que tinnam par Incumbénciagorantrque os estudos forsem reaizados de mada te-pear Asetliquetase 20s canhecimantas esaberes des Kirin e garantie aelicscie 2 comunicagio dos procedmentos e resultados das estudos foram Thals Mantovanel, Fernando Fedola Vianna © Ana Blaser. Sua participaca0 onteceu principalmente nas He 2 campanhas, na che e vazante, 4 partir seca, alegando diiculdsdes lgisticas 2 menor nacessdace Ge intermediar a comunicagio e 2 relagzo com os Xikrin 2 determinacda a Funai, que acatave ume solicitacao da Norte Energia fol de que 2 particpagza dos ancropSlogos sera substiculda pela acompanhamento de Servidores 3 Funsi de Altmir, 258) aldeias, Em outubro, duas aldeias receberam também a visita do Procurador da Republica Felicio Pontes, Fai um ana muita cheio, com visitas constantes das equipes do ECRB, das equipes do PBA, @ de demais atores, o que nao contribuiu para que eles pudessem diferenciar as pessoas e os papéis e compor seu cenario. Neste meio tempo, a PBA Componente Indigena, 2 esta altura ji conhecido como Programa Médio Xingu, cujo recebimento pela Funai embasou a autorizacae por este drgio da construcia do empreedimento, nao fol, no entanto, até recentemente, em 02 de agosto de 2012 (oficio 238-2012-PRES-Funail, aprovado para que pudesse ser implementado. Assim, colocou-se em pritica o Plano Emergencial, pelo qual cade aldeiarecebe R$ 30 mil mensais, gastos ‘part de uma lsta de compras preparada pelasiderancas, de infcio com a mediagSo da Funai local, e adquiridas pela Norte Energia S.A. ‘Ao mesmo tempo, ern reunides, a Funai Ines afirmava que 0 PBA era composto de projetos e que havia sido decidido que nao haveria mais 2 pratica de indenizacio financeira para populacées indigenas, prética que eles conheciam bem com a experiéncia de seus parentes Xikrin do Cateté, com um grande fluxo de dinheiro por indenizac3o pelas atividades da Compania Vale do Rio Doce, 0 que esperavam pudesse acontecer com eles taribém. De fato, as equines da Funai local foram incumbidas de realizar reunides nas aldeias para rmodificar a prtica das istas de compras pela execucio de projetos com o valar est pulado para cada aldeia, registrando seus projetos, que iam de construgao de casas e casas de reunives a atividades produtivas, como plantac$o de cacau. Porém, essa transicio nunca péde ser completada, e em dada medi persistiu. Com isso, 2 confusso no cenétio se acirrou brutalmente atica das Istas = qual o papel da Funai e do empreendedor nas compensa rritigagbes? 0 que sio compensacies e mitigagbes? De fato, o que & Paraocaso dos Xikrin do Catetévej2 Gorden (2008), 260 6 “impacto”? Se eles recebern RS 30 mil por aldela por més, par que os representantes da Funai que vér de Brastliainsistem que eles nao receberao dinheiro como indenizacio dos impactos? E, por ultimo, 0 que seria ur projeto?® Em 2012, 05 Xikrin veem-se diante do inicio da construcao, da apresentagao dos Estudos, que no Ihes deixam satisfeitos = especialmente pela sua conclusio, conflitante com suas préprias previsées, de que o rio Bacaji nao tera impactos pela vazio reduzida do Xingu, a no ser pela mudanca no efeito de remanso em alguns quilémetros na sva foz, fora da TITB -, € da demora na implantagao do PBA, Em julho de 2012, decidem pela ocupago de um dos canteiros de obras, no Sitio Pimental, onde se construfa a ensecadeira para a construcso da barragem rio Xingu, Permanecende Id por 21 dias com outras 6 etnias da regiso, tiveram 2 etapas de reuniées com o empreendedor, todas nna cidade de Altamira, porque este se recusou a negociar no canteiro tomado, alegando razbes de seguranca, Na primeira, em uma nica ses5ao, estavam presentes representantes de todas as etnias; na segunda, o erpreendedor se reuniu com cada etnia em separado, desmobilizando assim a inédita reunigo interétnica da resisténcia inigena contra Belo Monte que se dava na canteiro. Os indigenas Id mobilizados exigiam seus direitos e a implantac3o imediata dos programas de compensacao e mitigacao, assim como 0 necessério prepara da regiso para mitigar os impactos ambientais € para dar conta das mudancas socioeconémicas que j8 eram sentidas. De inicio, sustentavam que nao aceitariam apenas a palavra, nem mesmo se em forma de documento, porque de documentos jé haviam visto demais, sem efeito. Por Duvida, alés, para a qual eu contibul, coordenando uma equize de esquisa pelo Projeto apravade no Edital Odservatério da Eaucagao Escolar Inaigena, a qual, desde que foi apresentad 30s Xikrin para © peice de autorzagio, folchamada de “projete 261 fim, acetaram dar voto de confianca pedide pelo empreendedar desde 2 primeira reunizo de julho e salram da ensecadeira, permitindo a continuidade das obras. £ neste momento que nos encontramos agora. Para tentar entender 0 porqué destes passos e as razbes dos Xikrin, vou apontar alguns aspectos que podem nos ajudar a compreender como eles tém construléa o censrio de que falévamos acima, 2 partir do qual tém tomado suas decisbes 2. OS IMPACTOS PREVISTOS, POR ELES E PELOS ESPECIALISTAS Desde 2009, quando pela primeira vez ouvi e registrei os impactos previstos pelos Xikrin do BacajS durante as visitas as aldeias para arealizagaodo Ei clesestao segurosdeque areducao dda vario do ria Xingu seria acompanhada da redugao também da vazio do rio Bacajé, Dizern que as dguas correrso mais répidas, resuitando na seca 20 lango do leita do rio e no empacamento da ‘gua nos trechos mais encachoeirados, onde ela ird esquentar e deixar de ser potével. Assim, os peixes vio morter, € a caca, que 1nio terd agua para beber, emagrecer e definhar. Os mais velhos remetem semare a um mamenta histérico em queisso aconteceu, ¢ lembram-se dos peixes mortos, assim camo dos tracajas que, mortos, se amontoavam. Dizem que atravessavam andando por grandes extensées do rio. Os mais velhos, exasperados com o futuro que antevém, dizem que seusnetos sobreviversa de ratos.e sapos, Unicas cagas que lhes restaro. Os maisnovos, partlhando sua visio e planejando o futuro, pedem rogas de cacau,criagio de gado e tanques de piscicultura, 0 nico modo que prevém de ter Carne, peixe @ recursos para comprar alimentos na floresta que morrers com rio seco. Com a seca de seu rio, eles também terio cortada uma via de acesso a Altamira que conquistaram recentemente, com o fim 262 das guerras e seu gradativo dominio dos rios. Povo de igarapés do mato, 05 Xikrin foram aldeados as margens do rio Xingu e se dedicaram, ao longo destas décadas, a aprender as técnicas de navegacdo em rios e a pesca no leito do rio (j6 que antes se dedicavam exclusivamente & pesca de timbé nos igarapés). Cada ver mais es59 pesca (que no depende tanto de estacdes) e 2 navegagao sio importantes em seu cotidiano, e hoje o rio Bacajs ds acesso a rogas,rotas de cagae coleta, ¢é também o meio pelo qual visitam as demais aldeias e Altamira, onde v3o quando esto doentes ou para receber dinheiro ~ de aposentadoria, salrio ou salério-maternidade ~ e de onde chegam as equipes de sate e educagio € o material necessério para seu trabalho nas aldeiss, Em breves palavras, os Xikrin do Bacajé esto prevendo um futura em que eles nao terdo mais pesca ou caca disponiveis em suas terras, em que o rio ird secar, ¢ em que eles ficardo ilhados, sem pader ir a Altamira usufruir de seus servigos e recursos ou receber de Id servigos e recursos. 0s Xikrin t8m também manifestado sua preocupaga0 com © aumento de doengas e com o maior afluxo de pessoas em suas terras, adeias e na regiso, 0 aumento de zoonoses js conhecem de outras experiéncias semelhantes, como a de Tucurul, Do aumento de pessoas na regido, temem principalmente a invasio da sua 4rea, em especial por meio das margens do rio Bacajé que ficam fora da Tlem seu limite mais 20 norte. Os estudos, desde o EIA € reforcado pelo CRB, apontam para orisco relativo ao aumento demogrstico, as zoonoses, mas ‘nao confirmam a hipstese de reducao da vazi0 do rio Bacajs Por estes estudos hidrogrsticos, apenas 28 quilémetros na foz do rio terSo mudancas no efeito de remanso. Assim, os Xikrin © 0s especialistas esto em contragigo, mas so as conclusées destes que sia levadas em consideragio para 0 processa de licenciamento e implantagao da abra,e para definicao de medidas 263 de mitigagao e compensagiv. € por isso que 0s Xikrn nio esto satisfetos com os resultados dos Estudos ~ nfo s6 por negarem suas conviccdes, embasadas em suas experiéncias no io, como poor ngo hhes terem sido apresentados de mado que pudessem ser compreensiveis, ou que hes permitissem acreditar neles ~ e por isso eles demandaram 2 instalacio de réguas em cada aldeia, para que possam reg(stra, e demonstrar,@ seca que preveem. £ por isso, por fim, que demandam a construgdo de estradas, para que possarm manter ofluxo de pessoas € 0 transporte a Altamira Sua insatisfacio com os resultados dos estudos foi explicitada em manifesto que praduziram e cirularam em agosto de 20°2, logo apés a desocupacso do canteiro de obras. E é frequentemente lembrada quando reclamam que os especalistas, que vém do sul e sé conhecem os rios do papel, nao Ihes ouvem, a eles que moram Id e conhecem oro desde sempre, 3. SER CONTRA, SER A FAVOR, E OS DIREITOS Como decidir ser contra ou 2 favor e lutar pelos direitos? Caso se decidam a ser contra, como combater Belo Monte? Caso se decidam alutar pelos direitos, como fazer e como garanti-las? Essas dividas t€m acompantiado dos Xikrin do Bacajé desde que as noticias sobre a nova versio de Belo Monte comecaram 2 circular pelas aldeias. Como disse, Belo Monte, em sua versio anterior, embora previsse o barramento na mesma regizo, previa apenas a inundacio a montante da barragem, e as mudancas na vide dos Xikrin seriam sentidas mais diretamente apenas quando em transito a Altamira. Embora desde o contato esta cidade tenha sido a principal referéncia 20s Xikrin para bens e servigos, vale lembrar que até cerca de uma década atréseste transito era muito inconstante e infrequente, os aréprios servigos (Funai, Secretaria de Satide e Secretaria de Educac3o) fazendo mais frequentemente Uso da pista de pouso da aldeia do Bacajé para atender a populac3o 264 da Tl E importante lembrar também, e sempre vale repetir, rnestes dltimos anos os Xikrin véin fazendo um uso cada vez mais intenso do rio tanta para o transporte de pessoas e bens como para as atividades pradutivas e de sustento, Assim, a noticia de que 0 barramento prevé a seca ~ ou a vario redurida ~ da Volta Grande do Xingu, em um momento (um paradoxo, uma ironia histérica) em que cles ganhavam cada vez mais autonomia de transporte e produtiva por meio de seu novo dominio do rio, caiu © problema ¢ que ela veio acompanhada de uma desinfor- macio generalizada, que nenhum dos atores envalvidos, sejam do estado, do empreendimento, ou das varias instancias com que lidam, inclusive pesquisadores (inclusive eu), foi capaz de sancr. As visitas com explicagSes e consultas eram rarlssimas durante muito tempo ~ como disse, foi em 2003, quando visitamos as al- 3s para ouvir suas percepcées sobre o empreendimento e seus impactos, que muitos tiveram pela primeira vez a noticia da mu- danga na engenharia de Belo Monte e dos impactos, ou seja, da vazao reduzida do Xingu -, e sendo assim eles nao tinhem como acessar informacbes, Porém, quando houve um aquecimenta do processo eas visitas ficaram mais frequentes, a coisa parece nao ter methorado ou, mais precisamente, parecem ter piorado con- sideravelmente, As informacdes foram ficando cade vez menos conexas e mais desencontradas. As equipes do Plano Bésico Am- biental (PBA) Componente Indigena e dos Estudos Complenen- tares do Rio Bacajé passaram a fazer visitas mais frequentes as aldeias. Em 201, 3 equipes viajaram 4 vezes cada uma (vazante, seca, enchente, cheia) para arealizacao dos Estudos (navegacia e acessibilidade, qualidade da dgua, ictiofauna, consumo alimentar € etnoecologia, totalizando 12 visitas a S aldeias, que se soma ram as 2 visitas da equipe do PBA - acompanhados de diversos servidores da Funai e representantes do empreendedor ~ a todas 265 as aldeias, edo Procurador da Repiiblica Dr. Felicio Pontes a 2 aldeias da TL Acrescente-se a isso a reestrutura¢io da Funai, que levou novas equipes 2 regio em uma configuragio para eles desconhecida, Deixando de ser uma Administrag3o Regional para ser ume Coordenagio local, servidores foram afastados ou se aposentaram, e novos faram contratados vie concurso, vindo de fora e até entao desconhecidos pelos indigenas da regio. Ao mesmo tempo, o plano de fortalecimento institucional da Funai, acordado com o empreendedor,levou 3 contratagao por este de funcianatios que trabalram em uma outra casa, alugada pela Norte Energia, © separada da sede histérica da Funai, e que trabalham em equipes dedicadas 2 rotas” ~ e aos citadinos e 20s incios isolados. Assim, quando a Funai aparecia nas aldeias, ca podia virrepresentada pelos novos funcianétios concursados da sede, pela equipe contratada pelo empreendedar em nome do fortalecimento institucional da Funai, ou por representantes da Funai de Brasflia, Como 201 foi 10 Eu mesma estive em Altamira diversas vezes, acompanhel reunides, colaborei com a supervisio antropolégica das Estudes Complementares, acompane’ os Kinin 2 reuriges com as ques de PBR, fi uma Viagem 4 dis 28 oltoaldeas, em juho-agasto de 201), e acampante a visita Ge algumas destas equipes, assim como pesquisadaresligados a projeto e pesquisa que coordena. Assi, devo admitir que minha presenca em romentos, companhias e contestos (So civersos, e apesar de todas os meus esforgos de explicacze da stuacto, tentando mesmo elabarar urn quadho ue diferenciasse todas 2s instincias envalvidas no processo e licenciamento e implantacéo da obra, nao deve ter contrbuldo pare {que eles pudessem construir um quacro mais claro da situagio.. E53 cificuléade em decicir por que pasicio tomar, er que momentos os Aacampanhar, © @ual @ nossa papel come antropblogos que se dedicam ‘se relacionam com os indigenas por décadas, ou mals precisamente 29 longo da vida, puce dscutirmais detidamente em Cohn (2010), 1 Este éomodo como o atencimento pelos servigos pdblicos Funa}, sade, ‘educagao)t8m sida organizados na egito,sendo 35 rtas denis pelos ios: ots do ri, de Xingu, da Vlta Grande do Xingu edo Bacajs 266 rmarcado tarnisém pela saida do novo coordenador local, responsével pela reestruturacSo, @ pela definiggo de quer assumira o posto, 2 situagao foi-se complicando cada vez mais e sempre muito diferente da situagdo em que os poucos funcionérios era conhecidos permaneciam nos mesmos cargos e fungées por anos. Engajados e rriltantes, com boa formagao e conpetentes, os novos funcionérios tem tido, porém, grande dificldade em fazer reconhecer seu papel = eonovo papel atribuldo ao drgao ~ aos Xikrin, em particular, eem vérias outras situacbes.” Nesse contexto, 2 figura mais reconhecivel 2 eles cram os representantes da Norte Energia Sociedade Andnima, que atuavarn na compra dos bens, que os recebiam em seus escitéios e escreviam, reglstravam, punham no papel suas demandas, prometendo resolver as reclamaces que tinham Assim, os Xikrin se viram perdidos entre uma enormidade de diferentes atores, que nao conseguiam reconhecer em suas vinculagdes institucionais e em seu posicionamento frente a0 empreendimento. Neste contexto em que as fungées do estado € do empreendedor estavam absolutamente borradas em geral, € também no que diz respeito aos povos indigenas, os Xikrin, assim como ruitas das liderancas indigenas da regio, se viram sem saber a quem recorrer, recanhecendo afinal, e mais facilmente, os diversos funciondrios da Norte Energia contratados para realizar 12 Sea reestruturacio da Funai seus impactos cals certamente merecem ‘uma anilise e uma refleraa, ela especialmente dramatica em uma regiao ‘come s de Altamira, com dversar populacdes de cantata mult recente, com uma histriatutear especialmente forte, em cue os cheles de postos eram extremamente presentes nas aldeias @ exerciam Tuncbas {coma a compra das mercadorias com o recurso das aposentadorias dos velhos @ seu transporte para 2 alde'a, por exemple, av 2 comunieag30 com a cidade, Esta € uma longa histéria que nae cabe aqui, mas quero apontar a0 menos a dimensie da mudanca aos olhos dos Xk. Guero ‘também registrars competéncia eo engajamento da nova equipe, que de ‘ato busca por em pratca,nestas concigdes adversas, uma nova rela, rmenes tutelr, dos povosindigenas da regiao com a estado, 267 suas compras e os receber com suas dermandas como seus novos interlocutores neste mundo to modificado. Afinal, os programas do PBA se constitulam em nada mais nada menos do que aquilo que sempre reivindicaram 20 estado, tal coma boas escolas, bam atendimento. sade, agoioa suas atividadesprodutivas. Eramaque esperavam receber do Estado e nunca receberam. S30, tamaém, ‘as mesmas atividades e os mesmos servicos que conseguiram, em outros momentos e por diversas vezes, por meio de aliancas com outros atores, considerados pelo estado camo ilegals, mas que, @ seu ver, cumpriam com sua palavra ~ por exempio, 0s madeireras, que ja haviam, em outros momentos, mandado profissionais de satide (com, claro, consequéncias draméticas) as aldeias ou apoiado a construgdo de {péssimos) prédios escolares. Se as fungies de estado e de empresas privadas, legalizadas ou ni, sempre foram confusasa seus alhos;" se, em meio 20 fogo cruzado de acusagGes e contra-acusag6es de representantes do estado e da legalidade e pessoas com quem lidavam diretamente as quais atuavam na legalidade, mas cumpririam suas promessas (mesmo que 05 explorando, claramente), sempre tiveram que decidir em quem confiar e como lidar, esta situaco sé ver, efetivamente, 2 agravar um problema preexistente Nessa confusio de atores, instancias, insituigdes, posigBes, interesses, recebiam informagées de todos os lados. & tinham que decidir ern quem acreditar, com quem negociar, de quem cdemandar, com quem se confrontar. tinham que decidir se iriam contra Belo Monte ou se aceitariam sua construgao em nome das compensagaes que poderia trazer. Nunca se teve clareza au consenso sobre se se deveria ser contra ou a favor de Belo Monte nas aldeias Xikrin. Primeiro, porque nunca se teve real dimensio do empreendimento e de 13 Fisher (2000) 32 uma ima anise destesprocessos. 268 seus impactos:* Segunda, porque nunca puderam ter uma boa dimensio sobre quais seria ou como seriam as compensagées. Para uma populacoque sempre se sentiu esquecida, abandonada, 2 possibilidade de ver melhoras nos servigos e apoio a atividades produtivas parecia uma chance tnica, Além disso, comojélembrei, 2 expectativa de ver um grande afluxo de dinheiro e mercadorias em nome da indenizacio pelos danos, que conheciam ha décadas 2 parti da experincia dos Xikrin do Cateté (GORDON, 2006), os fazia prever um futuro de grande conforto e afluéncia. Assim, os elementos que pociarn arrolar para tomar a decisio eram eles mesmos confusos, incompletos, incongruentes. Assim, caso resolvessem ser contra - 0 que fizeram por diversas vezes, em alguns casos somente partes de aldeias, em outros aldeias interas, e toda Tle para toda a populagao Xikrin do Bacajé quando ocuparam o canteiro de obras para paralizé-la* 1M Lembrodedois eventos que estemunheie queme deixarampartcusrmente Cente d cficuldace de mostrar 208 Xivin- mesma conhecend Tucurul- 4 dimensio da batragem de seus mpactes, Em um dele, um engenera aptesentava 2 obra edzia que ea podeia raze oportundades de trabaho, tal como recolne as pexes martos pela seca do rio barrado, © que, pars minha surpresa, eles [os pouces que parecer ter entendida o portugués pido etérico em que sso ea dito) acharam uma aividade que poderiam assum; eum Segundo, em que moximentos Sacas contri 3 batragem aptesentavam imagens de ovtras barragens e de suas consequancias, nas Gis, em duae eu és imagens, puderam ver uma enormicace ce pees ‘rors, © se ncgnatars Do's momentos, em que sles foram mestradas, fu seja, magens fotogrdficas, na mesma. mila, mas por diferentes "Rares, momentos que parecer nao ter sido conectados © gerado un posicianamentamaisconereto dos Xkrin, coma seri laramente 3 ntengio. 15 O processo de lcenciamento foi acompanhado de um grande facciona- lismo, Uma aldeia na década de 1980, duas na de 1980, eram quatro em 2008, cinca em 2010, e sia cto tualmente Alem csso, a comumcags0, por rid, ¢ especialmente deficiente,e a comunicagio em 3, em ums opulacao assim fracionada, ¢ dicultads pela diiculdade em se estabe- lecer autoridades porta-vaves. A situagao, enfim, nao era favorsvel 30 festabelecimenta de consensos 269 -,tinham que decidir como combater o empreendimento, Duas questées se colocam: como € com quem. 0 como de desdobra em duas op¢des - se em mobilzacdes pacificas, como foi 2 que conheceram em Altamira em 1989, a qual muitos sonhavam em poder repetir; ou em confrontos bélicos. 0 com quem se desdobra fem mais opsdes - se sozinhos, apenas os Xikrin; se contando com a alianca dos demais povos indigenas da regiso; se contando com 0 apoio de movimentos sociais locais ou as ONGS locais, nacionais ou internacionais, que prometiam trazer indigenas de utras regides, como os Kayapé de Raoni € os povos do Parque Indigena do Xingu. As perguntas eram tantas, as aldeias en tal nidimeto, as posigées tao divergentes, que as liderancas se viam com pouca margem de ranobra. 0 que sabiam era que nao confiavam mais nem no apoio dos povos indigenas de outras regides,* nem no apoio das ONGs, que de seu ponto de vista 1n3o os apoiavam na concretizago de seus préprios planos estratégias, impondo-Ihes outros modos de organizar, agendas € pautas, Assim, oscilando entre agir sozinhos ou com os demais povos da regigo, acabaram por se alar a estes na manifestacao pacifica da ocupacso do canteira de obras. Porém, esta revela outra contradiczo ~ porque, para muitos, essa ocupagao tinha como motivagae a garantia dos direitos; para outros, esta deveria ser a manifestacio final para por fim a qualquer possiblidade de continuidade das obras, Linda reuniso de povos 15 Primeito,localmente, seviram com 3 acusa¢dode voléncia a engenheira ‘em mobiiaagao para a gual nem haviam side corvidadas; depois, mais Fecentemente, com 35 acusagdes de que indigenas haviam depredado ‘© escrtério da Norte Energia. Assim, queriam poder manter 0 controle de sua mobiizagio, e nc confiavam estas possiblidades. Quanta mais fs movimentos se apronimavam com este proposta, que, ebviamente, fengrossaria 2. mobiizagao e the daria mais cobertura midtica, que efetivamente pouco tiveram em sua mobilzagao mais local, menos confiavam em seu apoio 270 historicamente inimigos - quer esteve presente jamais esquecers a danga conjunta dos velhos Xikrin € Parakand, dancanda ora imiisicas Xikrin, ora musicas Parakana -, ela sofria deste mesmo imal como conciiarinteresses dvergentes de povos inimigos? Outra questo, que devers ser mais bem analisada, se coloca atualmente na regigo, © estava presente na ocupacio de modo dramstico: coma conciiar as Iégicas de negociaca0 e as avaliacées de aliangas e inimizade de povos que mantém fortemente suas préprias légicas, como so os Xikrin, € povos indigenas que, se dizendo, alids, melhores entendedores da situago, compreendem melhor © portugués e a ldgica do estado e do processo de licenciamento? A descanfianga miitua — uns seriam indios demais, no sentido de ndo entender a situagao, outros Indias de menos, porque efetivamente nao entenderiam as logicasindigenas ~ no os ajudou a concilar interesses e estratéglas. A ocupacio facimente ruria por dentro, e 2 atuacao tanto da Norte Energia quanto do Consércio Construtor de Belo Monte, acirrando os desentendimentos em constantes visitas de seus funcionérios & ocupacao, levou mais faciimente a ssa ruina, culminando na aceitaczo da negociacao em separado com o empreendedar. Enfim: cansados de ver a obra avancando rapidamente e ja sofrendo graves consequéncias nas aldeias e Terras Incigenas sem verem os projetos que Ihes foram prometides iniciarem, em manifestagao contra o fato de que no haviam sido ouvidos consuitades, indignados com 2 demora em se aprovar o PBA tanto quanto com o fato de que no se sentiam devidamente parte de seu planejamento, reuniram-se no canteiro paralisando a5 obras para exigir 0 inicio imediato das compensacbes e das ‘obras nas aldeias e 2 submissio do PBA 8 sua aprovac3o, Durante algum tempo, diziam que no acreditariam apenas em palavras, nem mesmo em documentos, afnal a haviam visto documentos demais sem que seus direitos fossem respeitados. Desde 2 am primeira reuniso, ouviam 0 pedido de um “voto de confianga", que no 56 nao aceitavam como diziam que nao seria apenas um acordo no papel e uma promessa que os fariam desocupara obra, mas apenas 0 inicio das obras de melhoria nas aldetas. fm uma segunda reunigo, acataram o pedido de um voto de confianga do presidente da Norte Energia e desocuparam os canteiros, na esperanca de que enfim seus direitos ~ a compensacao e 2 rmitigago dos impactos ~ fossem respeitados. 4. AS RAZGES DAS DUVIDAS. 0s Xikrin sio reconhecidamente um povo guerreiro. Por muito tempo, suas relagdes com os demais povos incigenas da reg’io e com os seringueiros que com eles civiiam aqueles rmatos eram puerreiras. A guerra era para eles no um mado de conquistar terras ou bens, nem de escravizar, como no 0 sia as guerras indigenas (FAUSTO, 1999); tinham grande produtividade io s6 na aquisic3o de bens como de cantos, pessoas, sementes ~ de bens materiaise imsterais. De fato, era a guerra seu grande mecanismo de vigor de seu modo de vida. Porém, 0 contato determinau o fim das guerras. Assim, desde meados do século XX, 05 Xikrin delxaram ce fazer a guerra, depositaram suas armas, deixarar de perambular pela mata onde vinham construinde diversas aldeias, e escolneram viver em paz ao lado dos brancos ~ na aldeia que para eles estes construlram, a alual aldela do BacajS, em uma antiga lacalidade de seringueiros chamada Flor ddo Caucho ~ @ com os demaisindigenas da regiso.” Se por anos pensei este momento, que nio testemunhel € sobre © qual s6 ouvi falar por eles," como um armisticio, 1 Para esta histria @ andlses Fisher (2000) e Cohn (2006) 18 Registeiecomente lgumas estas hstdrias em Cohn (2008), suas rovbes © consequencias, veja-se 2m. acompanhando 0 drama trazido por Belo Monte, passei a pensar se no se deveria qualificar mais propriamente estes momentos como de rendi¢ao. Cam isso, claro, nao quero negar © protagonismo indigens, o fato de que eles so sujeitos de sua prépria histéria, etc, Estou pensando mais propriamente em uma rendi¢So em guerra, como nas guerras internacionais, que tém por efeito 2 perda da autonomia deciséria de uma nacéo a outra, que 2 ocupa. Os Xikrin certamente nao tinham, na époce em que tomaram essa decisio, a dimenso dos acontecimentos futuros ~ acreditavam, acho, poder viver com os brancos sem se tornar tum deles e podendo cantar com a pacificagso de um mundo que havia se tornado por demais violento, No entanto, no padendo fazer guerra, os Xikrin parecem nao ter mals mecanismos de confranta, © caso Belo Monte nos mostra isso, quando estes guerreiros que nao podem mais verter sangue nao mais sabem Como exercer sua autonomia € negociar em pé de igualdade com tum estado que nao he quer ouvir. Mais do que isso, 0 Plano Emergencial teve um efeito que provavelmente n3o era previsto, mas que certamente se revelou muito favorével 20 empreendedor. Recebendo os bens relativos 8 lista de compras mensais, os Xikrin passaram a se sentir em débito, ou como parte de uma relagio de recipracidade pela qual no poderiam se levantar contra o empreendimento. Para eles, esta 56 teria sido uma possibilidade se eles nunca tivessem aceitado os bens desta lista. Sua visio & a mais classicamente rmaussiana: se receberam os bens, é porque o aceitaram, estando assim em débito em uma relagao de recipracidade. Era, de fato, uma questio de honra, e de palavra - ou de honrar a palavra, Assim, crticavam os demais indigenas que se manifestavam contrarios 8 obra e recabiam os bens, fazendo mesmo extensas listas. Para eles, era como uma incongruéncia, e uma falta de ética. 273 5. AHISTORIA QUE SE CRIA Hoje, 0 PBA est aprovado, e 0s programas deverio ser iniciados; a equipe da Funai local se estabilizou e & reconhecida apreciada pelos Xikrin; 0 “voto de confianga"” foi dado a0 empreendedor, € esperam 0 cumprimento das promessas de melhorias nas aldeias; a obra retomou seu ritmo. Porém, abatalha Indo est ganha, Nao s6 porque no se t8m garantias ainda de que 05 impactos serdo efetivamente mitigados e compensados, mas porque 2s dividas @ as incertezas permanecem com os Xikrin, que temem pelo futuro e sofrem no presente com a percepcio de que se tem de reinventar para enfrentar desafios dessa dimensio, Anda esté por se ver quem est com a razo ~ os especia~ listas em hidrologia ou os especialstas Xikrin, que, como dizem, conhecem este rio desde que nasceram e seus fluxos, sua vida, sua dinarica, do que necessita para correr saudével e pacifica- mente, Assim também, ainda estamos acompanhando os Xikrin neste novo momento, em que experimentam novas aliancas € novos modos de lutar. Termino com uma conversa que foi um de meus muitos aprendizados com os Xikrin. Er2 2010, o lel'So acabara de ocorrer. Um yelho me disse que n3o poderia lutar contra Belo Monte porque iria morrer. Condoida, expliquei-Ihe que hoje er dia vivlamos em tum estado de dreito, que ninguérn mais corria risco de morte por 19 Como vires folesta a expressiotllzada pelo entio presidente da Norte Energia Sociedade Andnima, que ped que os inaigenas acredtasser em 5a palara de que 25 condcionantes seriam cumpridas para se retiatem do cantero de obras, permitindo assim que 3 construcio da barragem fosse retomads. Os Xlkrin me diam que nia sairiam do canteira com ‘mais um documento ou papel, nes quais nfo acreditavam mais. Mas 2 palavra dada vale outra coisa, muito mais para os Xkrin... Pera que rnais uma vez, como sabemas, esta palsura n30 seré (came ji no estd sends) compra 274 se levantar contra um projeta do governo, imaginando que ele se remetia aos tempos e riscos da ditadura militar que jé havia planejado projetos de apraveitamento hidrico na regio. Nao, me disse, Nao era este seu medo. Ele jd estava cansado de lutar. Jd vinha lutando fazia 30 anos, jé tinh adquirido cabelos brancos, € nunca se deixava de ameagé-los com Ines retirar seu rio. Assim, se fosse para continuar lutando, teria que ir até o fim. E assim, quando o primeiro trabalhador fincasse a primeira picareta para fazer a barragem, ele se veria na obrigacdo de matd-lo. € af iia morrer, af sim iria ser morto. Questio de honra. Questo de palavea Que aprendamos logo 2 ouvir os povos indigenas da regiso, a respeitar seus direitos - 0 que Ihes devemos desde que 05 retiramos do mato com a promessa de uma vida mais segura e pacifica -, e que aprendamos a criar, com eles, novos mecanismos de dislogo e negociacao, respeitosa e lcita, Porque este € um povo guerreiro que nao desistiu de lutar, tentando, todo custo, espeitar 0 acordo que fizeram conosco, de no verter mais sangue, na expectativa de que cumpramos 2 nossa parte respeitd-los em sua autonomia € no modo como querem criar seus fos em suas terras, com 0 rio cortenda e thes dando agua boa para banhar, beber e pescar. 275 REFERENCIAS COHN, Clarice. Os Mebengokré e seus Outros:Relacbes de Diferenca no Brasil Central Tese (Doutorade em Aneropologia}-Departamenta de Antropologia, Universidade de Sie Paulo, Sie Paulo, 2605, Belo Monte processos de lcenciamenta ambiental: as percepcoes fe 25 atuagdes dos Xlkrin e dor seus antrapslogas. Revista de Antropotogia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, aa Carles, v.2, m2, jul-dee, 2010. p 224-251 Disponivel em: Acesso fem: 28 nov. 2012, FAUSTO, CARLOS. Da inimizade: forma e simbelisme da guetraindigen n NOVAES, Adauto (Org). A Outra margem do Ocidente. S30 Pavle: Companhia das Letras, 1988, FISHER, WILLIAM H. Rain Forest Exchanges: Industry and Community on an Amazonian Frontier. Washington: Smithsonian Institution Press, 2000. CORDON, Cesar Economia Seivagem: Ritual © Mercadoria entre os Indios ilcin-Mebengokre. S30 Paulo: UNESP-ISA-NuT, 2006. TURNER, Terence, Baridjumoko em Altamira. In: CENTRO ECUMENICO DE DOCUMENTACAO E INFORWACAO. Povos Inaiyenas no Brasil 1987/88/89/0. Sie Paulo: CED, 1991, 276

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