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pética da obediéncia' Frédéric Gros Pode parecer estranho, no quadro de um ciclo consagrado violéncia, apresentar uma conferéncia cujo titulo é “A ética da obediéncia”, Escuso- «me de antemao por essa discrepancia e, quase ia dizer, Por essa contra- digéo com o tema geral, uma vez que poderia também ter intitulado esta exposicao de “As raizes nao passionais da violéncia”. ‘Ja que estamos atualmente em pleno periodo de relembrar a Primei- ra Guerra Mundial, comegarei por duas citaces. A primeira é extraida de um livro ja antigo de John Paul Scott que tem por titulo Aggression comeco da Primeira Guerra Mundial [escreve esse psiclogo] um ue austriaco foi assassinado em Saravejo. Alguns dias mais tar- avangam dos quatro cantos da Europa em direcao ao front Teagissem ao destino tragico do arquiduque, mas porque Sabem por que eles combatem? Pela Alsdcia-Lorena [,, } acredita que a Europa esta em guerra por esse pedaco d patria? Eles nao a conhecem. Pegue cem homens di Alguém aind ¢ terra? lia] Pela ‘0 Povo, fale-lhes € incompre Entao por que combatem? [...] O soldado de 1916 nao = rate ate nem pela Alsdcia, nem para arruinar a Alemanha, nem Pela patria, ©, b; : Combate da patria: metade deles rira na sua cara, de estupor por honestidade, por habito e por forca. Combate Porque ni Bs 5 ‘ 0 pode fazer outra coisa, Ou entao continua combatendo porque, depois do primeiro entusiasmo, depois do desinimo do primeiro inverno, » veio [...]a resignagao’. Vocés veem surgir aqui, portanto, a ideia de que as grandes violéncias guerreiras se alimentam de disposi¢Ges passivas, como a docilidade ou o habito, tanto quanto talvez — se nao mais — de energias furiosas e destrui- doras. E convém lembrar a contabilidade macabra feita sobre o século xx, que foi o século dos dois grandes conflitos mundiais. Os historiadores constataram, de maneira atroz, que no século xx as mortes violentas pro- vocadas por esses conflitos, os mais terriveis da historia humana, foramna verdade muito menos numerosas que aquelas perpetradas pelos Estados contra suas proprias populagées. Ou seja, as violéncias policiais, legitima- das por atos administrativos, foram bem mais mortiferas que a loucura das guerras. Nao seria ent3o possivel, com mais razao, reencontrar ¢ss4 mesma obediéncia na raiz das grandes violéncias totalitarias, j4 que ela foi também denunciada como 0 que principalmente arrastOu os ~ : 4 guerra, ainda que evidentemente tenham existido e, poderiamos @°" existam ainda paixGes nacionalistas? seular a violencia Antes de tentar compreender como se ec ae : ae « considerasoes uma ética da obediéncia, gostaria de fazer algunas sentacio. co” que poderao ser titeis para o desenrolar da minha ee que exam efeito, parece-me importante fazer uma distinga0 aor de violéncia instrumental e de violéncia intransi®s gicg aela, uma violéncia que nao contém em si mesma, 4 Louis Mainet, Carnet d'un combattant (11 forier ons ae ( fevereiro 1915-16 de abril de 1917)), Paris: oe : de. justificagao. Tomarei aqui como exemplo a filosofia de Hobbes. Como voces sabem, Hobbes considera que a rela¢do primeira, imediata e natural dos homens entre si éuma relacao de guerra, o que ele chama de guerra de todos contra todos. Na auséncia de uma autoridade politica superior, antes dainstauracao de regras que valessem para todos e cujo respeito devia ser garantido por um aparelho judiciario e policial, os homens viviam num " estado de anarquia caracterizado pela violéncia e a destrutividade mituas. Esse estado de coisas se explica, para Hobbes, fundamentalmente pelo fato de o homem ser movido por trés grandes paixées naturais, que se- siama cupidez, a desconfianga e a vaidade. A cupidez é a paixao de querer -apoderar-se dos bens de outrem, a raiva de ver 0 outro proprietario de iquezas que se gostaria de possuir, a vontade irresistivel de aumentar seus s em detrimento dos outros. A desconfianga representa o medo instin- da hostilidade dos outros. Teme-se a priori que o semelhante queira fazer mal. Assim, a violéncia tem na raiz uma irreprimivel descon- jan¢a: antecipa-se uma agressao possivel tomando-se a ofensiva, ataca-se outro por medo de ser atacado. Enfim, a vaidade significa a necessidade Je mostrar ao outro que se é superior a ele. Ora, esse desejo de reconhe- ito obriga a colocar-se a si mesmo em perigo colocando 0 outro em . E desprezando a negatividade da morte que demonstro ao outro a superioridade. Eis ai, com essas trés paixdes (0 desejo de gloria, a an¢a € o amor as riquezas) que Hobbes diz serem naturais e que seau denunciaré como sendo sociais, as trés grandes explicagées das S que atravessaram a hist6ria humana. Quero aqui assinalar que ia nunca é praticada por ela mesma, é simplesmente um meio ‘obter outra coisa: os bens materiais, a seguranca ou a reputacao. A la esta a servico das trés grandes paixdes descritas por Hobbes, como Konrad Lorenz chamam de agressividade tem a ver, me » Com essa violéncia instrumental, pois se trata, aqui também, de exteriores: a sobrevivéncia da espécie, a defesa do territorio, o nto de uma hierarquia dentro de um grupo. a ha um segundo registro passional, relacionado, narei de violéncia intransitiva. Refiro-me a uma vio- | sua propria manifestacao, violéncia uma fonte de satisfacao. E, nesse ‘Aética da obediéncia riade passional: acrueldade, o ddio ea célera, na tra ai C6] da exasperagao frente a uma reali dad era ma : retudo o te! F : . litica OU social — decepcionante, que nao atende jg A que é até mesmo insuportavel e cuja injustica é ie da colera sup6e rancores passados, indignacées oa na intensidade de um instante. Penso que ha na ae ontualidade e talvez até uma reivindicacao de juste xemplo, na violéncia revolucioniria, A ¢ a quadro, ha ou aparece sob: exemplo, PO expectativas, da. A violéncia que se exprimem uma dimensao de p e se verifica, por & na magia de um tra coisa: € 0 desejo sombrio de destruir 0 outro de eliminélo, na medida em que sua existéncia representa uma negacig de minha existéncia. O outro, que é 0 objeto do meu édio, é quem me impede de existir. Odiar é considerar que a propria presenga do outro é um doloroso espinho plantado no centro de minha prépria vida. Na cruel- dade, enfim, aparece a ideia de um gozo obtido, desta vez, do softimento do outro. Penso que a psicandlise, ao fazer a hipétese de uma pulsio de morte no nicleo do psiquismo humano, tornou ainda mais espesso esse mistério, criando algo como uma vontade cega e irredutivel de autodes- como a qui éo que tenta, 6dio aparece mais ou! instante, anular ou reverter 0 tempo, No truigdo no individuo, como se a violéncia se explicasse por uma negativi- dade fundamental que estaria inscrita no mais profundo de nés mesmos. ‘ Com essas duas grandes triades passionais das violéncias instrumental € intransitiva, temos um registro causal relativamente extenso, € as gram des explicagdes filosdficas ou sociopsicolégicas da violéncia vao sempre se referir, finalmente, a totalidade ou a uma parte desse conjunto. Alias, Pra que elas nao sao excludentes, podendo combinar-se entre si. oe ~~ leaded o se pode tomar a decisaio politica de a tise dace ca de territérios ou de riquenas oa 4 ar, 4 defesa de uma integridade territorial que cré am as Seat ~€que essa decisio que vai animar, entre os combatent ti i © c6lera popular, alimentadas pela frustracéo 04 © ressent Htve pornowy = Pelo 6dio contra um inimi 2 mal. inimigo No entanto, “star €, por que nao, com 0 famoso experimento de Stan] Piptience to eacharity (Obediéncia a Autoridade), Figs das mais conhecidas da psicologia Social, é vista pringj seus resultados. Gostaria de apresentéla Pe ei de voces a conhegam), na tentativa sobretudo de oe propria, esclarecé-la A luz das NOGGes ja definidas ¢ irl Sua dinamica pode nos ajudar a compreender o conceito de acidatede oii i ea desenvolver uma ética da responsabilidade ¢ da eine a Stanley Milgram é um Psicdlogo social da ei Yal comegou a trabalhar sob orientagio de Salomon Ash, outro ee célebre que realizou experiéncias, no comec¢o dos anos 1950, ne ° ay formismo social ¢ a influéncia do grupo, Ash chegou a demonstrar a exis. téncia da pressio do grupo sobre o individuo, organizando experimentos NOs quais se apresentavam aos sujeitos folhas em branco em que estavam. desenhadas trés barras verticais de alturas diferentes, para que indicassem quantas dessas barras eram mais altas que uma barra de referéncia situada mais 4 esquerda. O exercicio era de uma simplicidade infantil; bastava saber contar até trés e enunciar o que se via. Ora, Salomon Ash mostra que um sujeito ingénuo, cercado de pessoas que declaram ver duas barras mais altas que a barra de referéncia, quando claramente ha s6 uma, vai contrariar sua evidéncia perceptiva e afirmar que ele também vé duas. tal a pressio do grupo, que ele preferir contradizer sua certeza sensivel mais imediata, mais elementar, para nao correr 0 risco de ser o tinico a ver ou declarar ver o que, no entanto, vé com a maior clareza. Mas por ora __ ainda nao se demonstrou senao uma coisa: a dificuldade que pode haver, _ Para um individuo, de mostrar sua diferenga em relagao ao grupo ainda que nao haja risco nenhum em jogo, como se o simples fato de enunciara no seio do grupo, mesmo composto de pessoas desconhecidas, _ Tepresentasse um perigo. ities ©xperiéncia, uma Imente através de qui (talvez alguns deslocamento: nao colocar em jogo uma simples relacao entre 9 indivig, e uma massa andnima, mas introduzir uma relacao dupla com 9 atte luo outro como um. semelhante ao mesmo tempo direto e individu: alizado,, Um se tratard de fazer sofrer; e um outro como a autoridade que d4 ag eae de infligir sofrimentos ao meu semelhante. Portanto, dois Parametros e introduzidos aqui em relagao 4 experiéncia de Ash sobre o conformismo; io relacdo com a autoridade e a violéncia exercida contra um outro, st Milgram precisava criar um dispositivo de experiéncia bastante so. fisticado e, quase se poderia dizer, diabdlico. Ele planejou entio pedir a individuos, recrutados por meio de pequenos antincios de jornal, para participar de experiéncias cientificas sobre a memoria. Essas experiéncias eram remuneradas com quatro délares por dia, o que representava pou- co mais que o correspondente ao salario minimo. Foram realizadas num prédio da prestigiosa Universidade de Yale. O suposto objetivo do experi- mento era compreender a importancia da puni¢ao na aprendizagem. As condices concretas do experimento eram explicadas, aquele que doravan- te chamaremos de individuo comum, somente no inicio. Tratava-se de dar choques elétricos num aluno que devia tentar memorizar pares de palavras e reconhecé-las. A cada erro, 0 aluno recebia uma descarga elétrica, € a voltagem era cada vez maior se os erros de memorizagao se acumulassem. E preciso entao representar bem as coisas: um individuo comum dis- poe diante de si de uma série de interruptores que vao de 15 a 450 volts, com indicagdes que vao de choque muito leve até perigo. A cada novo erro cometido pelo aluno em questao — na primeira série de experimentos ess aluno esta invisivel e € quase inaudivel atras de uma diviséria ae apenas ruidos de cadeira no momento de uma voltagem mais ern a individuo comum deve passar ao interruptor seguinte. Um oe ae dor, vestindo um avental cinza, fica atras dele e verifica se a ae sao ativados corretamente. As primeiras hesitacoes do ine © experimentador exige firmemente que ele continue, a do tipo “O experimento exige que vocé continue” ou ee escolha, o experimento deve continuar”. Por outro < * extremamente dor the assegura que, embora os choques sejam de re queniostte dolorosos, nao ocasionarao lesGes duradouras. B em realidade de sessdes de tortura: nenhuma ¢ €o aluno preso a uma cadeira com oO problema que Milgram colobaya €ra 0 seguinte: Primeiro, pessoas aceitariam fazer essa experiéncia, quando tivessem co: ; ey do que ela consistia em infligir choques elétricos a um ae sae nome do progresso cientifico; em segundo lugar, como tials ante em que o aluno cometeria muitos erroseo experimentador nao oe momento algum, paren a experiéncia, a questao era saber em qual nivel de voltagem o individuo comum decidiria abandonar 0 dispositive expe- rimental e desobedecer, e quantos iriam até © fim, sem se deter, Ora, o verdadeiro choque veio do resultado da primeira série de experimentos: ninguém, e esse fato permanecer4 constante, recusou participar da experiéncia. Por outro lado, e sobretudo, 65% yao até o choque maximo e aceitam dar choques elétrico: como extremamente perigosos. Mais uma vez, essa taxa cativa de obediéncia cega nao era Previsivel. Milgram fez uma enquete com psiquiatras apresentando-lhes 0 protocolo do experimento, e esses especialistas da alma humana responderam que seria de esperar que de uma a duas pessoas em mil aceitassem acionar as alavancas com a meng¢ao “atencao: choque perigoso” e enviar descargas de 450 volts a um semelhante. Em vista disso, portanto, o resultado da experiéncia é cinco vezes mais elevado que suas estimativas. Acrescento aqui um esclarecimento: um primeiro encontro ficticio fora previsto entre o individuo comum e o aluno. Assim, 0 sujeito encon- trou sua futura vitima que, na experiéncia de Milgram, é um homem de 47 anos, gordo e simpatico quem se passa por vitima ao longo das expe- riéncias. Um sorteio, também forjado, fora organizado para saber quem ficaria atado a cadeira com um eletrodo no punho e quem estaria con- fortavelmente instalado diante do painel elétrico. O individuo comum, Portanto, podia perfeitamente se identificar com a vitima e imaginar que poueria estar no lugar dela e receber choques elétricos wriglentos, io de Milgram a partir dai é saber em que condicbes 0 indi- aaceitar seu a pronto a desobedecer e 0 que 0 motiva : das pessoas S apontados muito signifi- da vitima, é 0 que impede 0 indivituo ‘a violéncia do seu gesto. Alids, separacao € 0 efeito de desresponsabilizagao que ela produz sig ; santes. Elas colocam, como bem mostrou 0 filésofo Gunther ee varios de seus livros, oproblema de uma certa monstruosidade da Pa em Com efeito, a técnica permite esse corte entre O sujeito que inflige ce. elétricos e sua suposta vitima. Ha como que uma desproporgao Som um lado, a mao que ligeiramente € sem esforco manipula interry » de e, de outro lado, as dores atrozes que poderiam ter sido 0 efeito oa e direto desses gestos- © laboratério, como foi dito, estf simado = universidade de prestigio, © aparelho € visto como uma maquina exper mental muito respeitavel, de tal modo que © movimento da ie, ética, esse impulso de compaixao que Rousseau, por exemplo, descrevey Jongamente, através do qual naturalmente me descentro e sofro com 9 outro, é aqui impedido e bloqueado. Ha também um segundo elemento, sobre 0 qual insiste ‘Anders, nO dispositivo técnico: é o da especializaci das tarefas. O individuo comum pode se concentrar em sua tarefa, dire} mesmo que pode se deixar fascinar por ess€ pequeno segmento de acio que lhe pedem para efetuar. O que deve fazer individuo comum no ex- perimento de Milgram? Articular corretamente jistas de palavras, verificar conscienciosamente as correspondéncias € acionar um interruptor. Oindi- viduo pode entao sentir-se dominado por uma maq inaria mais importan- tequeeleea qual nao precisa responder. Pode imaginar que ele nao passa de uma peca intercambiavel de um dispositivo que tem sua legitimidade propria. E esse, se quiserem, © segredo da frase que © i The dispara, quando o individuo comum tem duvidas ¢ hesita em passar a uma voltagem superior: “O experimento exige que continue”. “O experimen- to”, mas igualmente “Deus”, “a patria”, “g vaca”, “a historia” ou “as leis do mercado” sao entidades abstratas impessoais, necessidades superiores diante das quais © jndividuo comum sente sua humildade, sua impoténca . _ esuailegitimidade e as quais, portanto, S€ submete, ‘ __eprincipio de sua dignidade o fato de realiza Ihe pedem para fazer. Pode haver ai também outra alavan “ desresponsabilizacao: ler listas de palavras, P € algo que outro teria feito também em meu Iu praticado esse ato monstruo: os botdes nao sou eu, é um sujeito andnimo, __cambiivel. Afinal, a experiénei Re ae a mantém dentro de ei ae auma 8 mnt ‘ epantado com esses primeiy ay mento capazes d eae °S, Milgram vai reso expert apazes de fazer baixa vai primeiro momento, ele faz gemer, depois de dor 0 aluno, que exige que o soltem, « cofrimento, que alega mesmo ‘a agem, © aluno nao responde aber cardiacos, A jndividuo comum que ele considere a auséncia de exige entio do eentio aumente a voltagem apés dez oxgiicticd ah tie como um erro Contudo, nada resolve. Certamente, ao ouvir oul seguida, o siléncio angustiante, © sujeito manifesta sinais de dor e, em ede grande nervosa Fica ansioso, angusti citer eral perimentador para verificar 0 estado de satide de sua viti x a0 ex- nio Ihe aconteceu alguma coisa. Mas, principalmente, naked Para ver se com ele que nao podera ser responsabilizado pelo que nora taxa de obediéncia nao cai de maneira significativa, ainda ane mente diminua, quando se coloca o individuo comum na de sua vitima. A pressdo imposta por uma autoridade ee decididamente muito superior as capacidades de empatia do sujeito. Uma violéncia infligida a outro, a partir do momento em que se considera que se é apenas 0 agente € nao o autor, a partir do momento também em que ela é intermediada por uma aparelhagem técnica e legitimada por uma autoridade superior, rompe facilmente a barreira dos sentimentos de empatia mais elementares. vee pete fi As tnicas variantes do e real : N o individuo comum infligira somente aquelas em que lhe for dada a livre plo, recebendo ordens por telefone, ou entio aquelas nas quais estara na ¢¢ an situacdo, E como se o que paral se 0 confronto de um individuo garantida por todo um aparato B heutra, tranquila, segura, da © Pela legitimidade de sua fonte. Ha mais de meio século, esse experimento tem Suscitado evi mente numerosos comentarios. Foi inclusive Parcialmente rep: te. do em todo 0 mundo, sob diferentes formas. A Ultima grande ta ocorreu na Franga, mas com uma transformagio. importante: onto nio era mais o de um experimento cientifico, mas o de um poe ‘tv intitulado Zéne Xtréme (Zona extrema), no qual um. animador tuia 0 experimentador cientifico e o individuo comum era encora; por um ptblico numeroso e ruidoso a enviar descargas elétricas a = participante do jogo que uivava de dor. E 0 resultado foi assustador we ultrapassou os 80% de obediéncia incondicional, como se a autoridade midiAtica fosse inclusive superior a autoridade cientifica, como S€.0 jogo televisionado fosse ainda mais coercitivo. Ora, o problema que se coloca é primeiro compreender se, Por sey experimento, Milgram nao oferecia precisamente um exutério aquelas paixdes de destruicdo de que falamos acima. Sera que Milgram nao evs finalmente as paixGes sadicas uma possibilidade de se exprimirem? No entanto, em relacao as fontes tradicionais da violéncia que repertoriamos no inicio, o experimento parece claramente introduzir uma dimensio nova. Com efeito, parece dificil explicar a aceitacao de dar descargas elé- tricas muito fortes invocando a crueldade, a cdlera ou o édio, uma vez que, quando 0 sujeito esta sozinho, ele se limita as descargas mais fracas e se detém aos primeiros protestos da vitima. Julgo impossfvel, também, considerar que estariam em a¢o aqui as paixdes descritas por Hobbes: a cupidez (mesmo para ganhar quatro dolares), o desejo de gloria ou a desconfianca. Deve haver, portanto, outro registro de explicacao, pertur- bador, que mostre uma forma particular de monstruosidade: a sindrome como se, mais da crianga ajuizada que obedece cegamente as ordens, je, mai Subst. da Universidade de Yale, enviar descargas de doloroses. um compatriota simpatico 450 volts, extremamente O problema, entao, é sabi ¢ ilustra 0 conceito Pancdatnan SSeahiiice, ee SE ietse proceso: Seria’ possivel ete por portamento atroz de Eichmann, houvesse um Gereieia ond natureza, um mesmo tipo de submissao a autoridade? Siiecasaah : penso que se possa estabelecer uma estrita continuidade entre mac destos empregados de New Haven. Seria ao mesmo tempo inj e e escandaloso. Eichmann era um auténtico crimi i ae Sa ; ibe emiTnitiOSO' a/Gee OE luvidou disso. Jamais pensou em escusar 0 eecendo que afinal havia apenas se mostrado um sciencioso, exemplar e terrivelmente eficiente. Mas 0 que € que a maquina de morte da barbérie nazista foi ainda ze terrivel porque foi praticada por funcionarios zelosos e nao cruéis. Essa possibilidade de articular uma submissao cega € violéncias igndbeis constitui talvez o sinal de identidade mais i moderna. Quando se pergunta a um individuo que terriveis a outro por que ele fez isso, talvez cause mais ‘em vez de um diabélico “porque sinto prazer”, ouvi-lo yoz neutra e quase indiferente: “Bem, simplesmente por- fazer”. E como se, para além da selvageria cadtica semos a inumanidade fria dos automatismos inte- - como se, apés a inumanidade do bestial, fizéssemos do maquinico. propor aqui a hipdtese do que chamariamos as a das Luzes: a afirmagao de uma razao de nos emancipar dos obscurantismos, dos pre- sais vis e das puls6es mais animais. No entanto, um processo de educacao que passa pela obe- obediéncia foi desde tar que essa valorizacao da ‘ crist4o que assimila © pecado original a primeira modernidade, portanto, afirma 4s leis da cidade e pelo controle das pode ter acesso a uma humanidade plena vista entio como 4 manifestacao de uma A tica da obediéncia a animalidade rebelde que convém absolutamente domar. De: é sempre manifestat uma certa selvageria inumaney No quadro mn t dernidade, a obediéncia é humanizante © a des Ma os é uma animalidade rebelde. a ‘A segunda modernidade, nao mais a das Luzes, mas a da Revol |, apresenta outra figura da razo. Nao mais a razio fee valor de justica e de tolerancia, mas a racionalj Sti adaptagao dos meios aos fins, 0 cAlculo, a busca uadro dessa segunda modernidade que se ted assistir a esta mudanga: a obediéncia adquire uma forma inumana, cue truosa, mecanica. O século xx produziu monstros de obediéncia ou cri -hmann na Alemanha, Duch no Camboj he minosos de escritério: Bicl nos sistemas de terror, que a humanidade de um indiyi procede do Industrial géncia de universal, fria das maquinas, a eficicia maxima. & no q somente entao, duo se manifesta pela desobediéncia. Vou comecar a apresentar aqui elementos de conclusio, lendo citacdo de Tacito que, como sabem, descreveu em seus Anais os horrores cometidos pelos imperadores romanos, particularmente Nero ¢ Tibério, Isso permitiré ao mesmo tempo ultrapassar o quadro da modes técnica e perguntar se o problema nao é simplesmente a dissociacao entre responsabilidade e obediéncia. Essa dissociacao é por certo acentuada pela técnica, mas no fundo todo regime despético a mantém. Tacito escreve entio, a propésito de certo numero de ignominias praticadas: “alguns quiseram; um pequeno nimero fez; todos deixaram que fosse feito”. O que essa frase concisa e terrivel de Tacito descreve éa oar aes nal pela qual um punhado de dirigentes pouco escrupulosos, dispondo do poder, encontrario sempre executantes déceis € cegos para por em pratica, na indiferenca geral, politicas criminosas ou, de modo mais sim- ples ainda, socialmente injustas. y O desafio ético seria fazer valer no nucleo da estrutura de comando para si mesmo, De fato, uma verdadeira ética da obediéncia é aquela seguinte: “Nao esquecas nunca que, mesmo quando obedeces, é a ti mesmo que ordenas obedecer”. Esse Paradigma de uma obediéncia vo- Juntéria, responsabilizadora, que afirma a indissociabilidade do autor e do agente, esta no centro da ética politica Srega e ha expressées claras dela em Socrates ou em Aristoteles. A ética politica grega afirma claramente a diferenca entre um homem livre e um escravo como a de dois regimes de obediéncia. O escravo executa, obedece pela simples razao de que lhe deram uma ordem. J4 o homem livre obedece porque decidiu obedecer, porque ordenou a si mesmo obedecer. Ou seja, no fundamento de sua obediéncia ha uma decisao livre e responsdvel. O problema, portanto, mais uma vez, nao é a oposi¢ao entre obedecer e desobedecer, mas entre obediéncia passiva, automatica, e obediéncia ativa e livre. Ora, o que Milgram e Arendt procuram descrever e denunciar é pre- cisamente a separacao da responsabilidade e da obediéncia. No nucleo da docilidade administrativa, no centro da submissao maquinica, haveria este enunciado: “Nao sou responsavel, j4 que apenas obedego”. E o que Milgram chama o estado de agente, € 0 que Arendt chama a auséncia de pen- Samento ou ainda a estupidez. A estupidez de Eichmann, denunciada por Arendt, nao é exatamente uma falta de inteligéncia, nao é uma burrice. Ba capacidade de fazer coisas sem pensar nelas, de calcular as cotas de individuos que se deve fazer entrar em vagdes sem pensar que se trata enviar inocentes para morrer em condi igndbil, como se nao houvesse a menor diferenca entre seres mercadorias inertes, pois o que importa é sempre um calculo des. A estupidez é a capacidade de se refugiar por tras da tomé-la como desculpa, e de pensar que ser consciencioso fa de ter uma consciéncia. Ora, a estupidez é culpavel. :1 por sua estupidez, no sentido em que aceita, por obediéncia politica uma convém nao esquecer que que diria mais ou menos Ra AOI: es atrozes, em nome de uma crueldade bestial e do 6dio visceral nado tem exatamente o Mesrn, 2 SAY, smo politico que a do conformismo zeloso. Sim, Eichmann era um CUste, : ny é . : ‘ons mas sua monstruosidade foi também a de uma modernidade que fe € Org, ni lida Para nds, hoje, no momento em que vivemos cercados de Maquinas pensar e decidir em nosso lugar, trata-se de lembrar sempre queo a primeiro da democracia é construir, potendey € supor um sujeito Politic, cuja obediéncia é precisamente responsavel. 0 Responsabilizar o sujeito politico é lembrar-lhe que ele nunca pode se manter completamente isento do sistema do qual Patticipa € dag 16. Incias sociais e econdmicas que esse sistema produz. Cabe lembrar aqui a enorme provoca¢ao que representou, na literatura Politica, 9 texto de La Boétie sobre a servidao voluntaria. La Boétie opera o que poderiamos chamar de uma revolucdo copernicana na ordem da politica, Copérnico demonstrou que nao é 0 Sol que gira ao redor da Terra, mas o inverso, Kant, na Critica da razéo pura, afirma que é preciso aceitar uma Tevolugig semelhante em epistemologia: 0 ponto fixo nao é um objeto de conheci- mento que um sujeito se esforcaria por analisar, mas um sujeito armado de suas categorias que desdobra em torno dele fendmenos a conhecer Podemos dizer que La Boétie, por sua vez, causou uma revolugio coper. nicana na politica ao dizer mais ou menos 0 seguinte: nao € o poder que cria a obediéncia, é a obediéncia que engendra o poder. Penso que deveriamos voltar agora, mais precisamente, ao problema da violéncia e das paixGes violentas. No fundo, apés ter distinguido num primeiro momento a violéncia instrumental, que se alimenta das paixdes do medo, da vaidade e da cupidez, e a violéncia intransitiva, « i menta da célera, do édio e da crueldade, o que ponto de apoio os experimentos de Milgram, fi violéncia que poderiamos chamar lidade, obediéncia e D sstematicamente a separacio da obediéncia © da responsap autoridade legitima. O fi semelhante estava ali, sc forte, mais insistente que jmediato, 0 mais natural, pugnancia a fazer sofrer © sentim: pe Mais bea aoa Seralmente aceito como o © mai; ; te: 's humano: a compaixio, a piedade, a ; um seme limite do experi: methante. Ao mesmo tempo, parec a Speameptpitie Milgram'é que.o dispositive reac, VO técnico simples Sibco wpa tesposta grrada © aperto um botio) faz aparece obediéncia automitica, passiva, indiferente, Mas o titulo do cic. Tuma feréncias proposto por Adauto Novaes me faz Pensar que a lo de con- me adiantado muito ao afirmar que falaria das raizes nao oe eu tenha Iéncia. Creio que a verdadeira critica que se poderia fazer aan ee quanto a Arendt é a de no terem levado em conta uma ligdo que fee ° fipcleo do texto oe ea Boétie de que lhes falei, uma de suas Provocacées mais ardentes: : paixao de obedecer. De fato, sera evidente que, ao falar de obediéncia, deixamos 0 registro do passional? Freud certamente também se aproximou dessa paixao em seu texto sobre a psicologia das massas e aidentificacao com 0 lider. Penso que se pode efetivamente falar de uma paixao de obedecer — e aqui me afasto das conclusdes do texto de Freud -, uma paixao que se alimentaria do medo da responsabilidade. Amo tanto mais a obediéncia quanto mais tenho medo da liberdade. E estou mais disposto a fazer violéncia a outro na medida em que, ao obedecer, efetuo itro de mim a separacdo entre o corpo e a alma: nao sou eu quem de- ‘© que meus bracos executam, nao sou 0 autor, mas apenas O agente cucao passivo. A diferenca da alma e do corpo nao é somente um 4 netafisico, é também uma desculpa politica. 0 quero dizer que, ao evocar a obediéncia esta noite com afinal uma paixdo, mas uma paixdo que nos torna menos , das violéncias do que camplices delas. E essa cum- mente numa visio falseada da obediéncia, que nos do nao comprometimento € nas delicias da que nos repetiria E o obedeces a outro, ndo esquegas jamais gue é a ti mesmo que ordenas obedecer i z a para o sujeito politico.

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