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JOAO CABRAL DE MELO NETO OBRA COMPLETA Edicao organizada por Marly de Oliveira com assisténcia do autor in RIO DE JANEIRO, EDITORA NOVA AGUILAR S.A., 2003 Prosa / Critica LITERARIA 74 | ' i | | A GERACAO DE 45* Apesar de existir hd alguns anos a querela que acompanhou o nascimento e o batismo da chamada geracao de 1945 € apesar de os poetas dessa geracio se mostrarem quase tao interessados em explicar-se quanto em criar, a ver- dade é que o denominador comum do grupo ainda nao foi estabelecido com a desejada precisao. Vamos, por enquanto, deixar de lado as tentativas de balango e caracte- rizagao que tém partido dos membros da geracdo, mais capazes de pensa- mento critico. Essas tentativas de explicagao, feitas de dentro para fora, se » podem ser de utilidade para definir a atitude de tal ou qual poeta, quando aplicada ao grupo padece de um defeito essencial: ela é incapaz de mostrar , uma visto de conjunto dessa poesia nova e tende facilmente a incom- preensao. Pois a capacidade polémica de muitos desses poetas novos, e seu gosto pelos bate-bocas da vida literdria nao se exercem apenas nos casos de legitima defesa. Exercem-se também em grande parte internamente, isto é, como uma luta de familia, com as incompreensées e violéncias préprias das lutas de familia. Por isso me parece mais instrutivo tentar a caracterizacao desse grupo de autores a partir da atitude critica que se formou em relagao a ela pelos escritores de geracOes anteriores. De certa maneira, algumas das afirma- gGes que constituem essa atitude critica geral parecem definitivamente de- positadas. Devo dizer que nem todas essas afirmagoes sdo justas e que a facilidade com que foram aceitas nao me parece o resultado da visio certei- ta desses criticos. As opinides que os autores mais antigos tém dos poetas da geracao de 1945 sao também igualmente polémicas, embora menos vio- lentamente polémicas: elas se beneficiam da falta de entusiasmo excessivo que ver com os anos, com os anos da idade civil e com os anos de vida ativa na republica literdria. Prefiro partir do que pensam e dizem sobre os jovens poetas, os poetas mais antigos, porque eles sio capazes de fornecer sobre as novas tendéncias i } } *Quatro artigos publicados no Didrio Carioca, 1952. 742 JoAo Capra DE MELO Nero / Opra COMPLETA uma visdo de conjunto, muito mais titil, embora incompreensiva, do que a dos elementos mais licidos entre esses mesmos jovens poetas. A primeira atitude que se nota em relacao a nova poesia é a de conside- rar sua contribuicéo como de importancia limitada pelo fato de nao se ha- ver voltado violentamente contra a poesia que a precedeu, criando uma nova dire¢ao estética para a Literatura Brasileira. A essa atitude os poetas mais jovens tém procurado responder com a afirmagcao de que existe um espirito comum a sua geracao (embora nunca tenham chegado a um acor- do ao dizer 0 que é esse espirito) radicalmente diverso do que caracterizou a geracao anterior e, apesar de nao ter havido revolta em profundidade (em- bora escaramucas de superficie), absolutamente contrério a tudo 0 que foi realizado pelos poetas que o precederam imediatamente. Creio ver um equivoco nesses dois pontos de vista. Ambos parecem partir da idéia de que é a revolta e a negacao pelo avesso de tudo 0 que se estava fazendo ou pensando, que caracteriza um novo movimento literario. De certa maneira, em muitas literaturas, e na nossa principal- mente, essa tem sido a lei que prevalece. Nao, por exemplo, na Literatura Inglésa. Lembro-me, a esse respeito de um pequeno discurso de Stephen Spender, falando exatamente na sabedoria da poesia inglesa, que nao pa- rece jamais interessar-se em levar as ultimas conseqiiéncias. praticas as idéias estéticas de um momento determinado. A seu ver, essa capacidade para 0 compromise era o que a distinguia melhor da de outros paises, da francesa, por exemplo. No caso da Literatura Brasileira, se é verdade que prevalecem as refor- mas radicais, elas tem acontecido mais no 4ambito de movimentos literdrios do que de geragoes literdrias, A poesia de um Castro Alves, em relacao a de um Gongalves Dias nao é a de negacao radical, mas de superacao, dentro do mesmo espirito romantico. Uma geracao pode continuar outra. A poesia dos poetas brasileiros que, nascidos no principio do século, estrearam por volta de 1930, quando a face mais agudamente destruidora dos modernistas de 1922 estava superada, nao foi dirigida contra as idéias da Semana de Arte Moderna. Ao contrario — partiram deles, dos pontos de partida que eles haviam fixado no meio de seu combate. E nao me consta que alguém, em nome da necessidade de renovagao pela revolta, houvesse exigido desses poetas de 1930, 0 retorno ao que existia antes de 1922. O que esses poetas fizeram foi tirar 0 maximo de partido possivel das conquistas do modernismo. Aproveitando 0 terreno desentulhado, pude- ram iniciar logo seu trabalho de criacao positiva. O fato de nao terem parti- cipado na primeira fila do combate dava-lhes uma vantagem inicial: um recuo, um ponto de vista de meia-isengao, suficiente para que pudessem distinguir o que naquela luta era episddico, truque, deformacao exigida pela Prosa / CrittCa LIveRARIA 743 propria luta. Em muitos casos, os autores dessa geragdo de 1930 iniciaram sua criac4o positiva antes mesmo dos responsdveis pelas operagoes de lim- peza. Estes, em geral, tardaram ainda a se ver livres das deformagées e sé mais tarde, aproveitando-se muitas vezes das conclusdes dos companheiros mais jovens, puderam iniciar sua obra pessoal. Nao é preciso lembrar que alguns deles sé foram capazes de realizar bem a primeira fase polémica, a poesia da Semana de Arte Moderna. A atitude dos poetas da geracao de 1945 também nao podia ser uma ati- tude de revolta. Na verdade, as possibilidades do terreno aberto pelo mo- dernismo longe estao de esgotadas. Os poetas dos anos 30, juntamente com os poetas de 1922 que puderam superar o combate pelo combate, estabele- ceram dentro desse territério, nucleos de exploragdo importantes. Mas se alguns desses nuicleos mostram-se agora de fogo morto, se alguns dos ex- ploradores mostram-se cansados ou dispostos a abandonar 0 terreno, nada disso é prova contra a riqueza que ali ainda existe. Por tudo isso, me parece equivocada a exigéncia que se dirige geralmen- te aos poetas mais recentes, de revolta contra a poesia que encontraram no momento em que para eles se abriu a vida literaria. A poesia que eles en- contraram em funcionamento era uma poesia poderosa. Seis ou sete da- queles nicleos de exploragao estavam naquele momento, em seu melhor periodo. Ofereciam possibilidades de trabalho considerdveis aos poetas que comegavam. Nao é de estranhar, portanto, que cada estreante lancasse mao de solugdes e de uma experiéncia técnica j4 confirmadas, para fazer levantar 0 vo de sua obra pessoal. Por outro lado, considero equivocada, também, a afirmagao de alguns tedricos da poesia de 1945, da existéncia de um espirito de renovacao radi- cal, silencioso mas evidente por si mesmo. Nao creio que haja esse espirito como nao creio que haja nesses poetas de 1945 uma nova consciéncia, di- versa dos poetas anteriores. Existe uma diferenga de posicao historica, no maximo. Ao momento da conquista do terreno, sucedeu a fundagao dos nucleos de exploracao. Ea este vem suceder, com os outros poetas de 1945, 0 momento da exten- sao dessa exploragao. A partir desse ponto de vista, creio divisar uma no- va poesia, talvez mesmo uma nova sensibilidade. Talvez mesmo, uma nova geracao, se por motivos de comodidade nao temos escruipulos de empregar um conceito tao impreciso. 744 JoAo CapRaL DE MELO Nero / OBRA COMPLETA I O fato de constituirem uma geracao de extensao de conquistas, muito mais do que uma geracao de invengao de caminhos, é 0 que melhor me parece definir os poetas de 1945. Alids (ja que aceitamos, para facilidade de ra- ciocinio o critério de geragdo), pode-se dizer que uma geragdo é melhor definida pela sua situacao histérica, pelas condices a partir das quais lhe é dado viver, ou realizar uma obra. Isto é: uma geracao é melhor definida de fora para dentro do que de dentro para fora, a saber, pela consciéncia que possa ter de si propria, pela sua maneira de reagir diante deste ou daquele problema. Uma geragao é definivel mais pelos problemas que encontra do que por uma maneira comum de resolver seus problemas. Pois a diferenga entre os problemas que enfrentam os poetas de 1945 e os poetas que, em livros publicados em 1930 ou suas imediacées fixaram os caminhos que a poesia brasileira até hoje vem seguindo, parece-me radical. Somente tendo-se essa diferenga em mente € possivel compreen- der o processo da obra desses poetas mais jovens: a dependéncia em que eles estao de uma tradigdo, curta porém viva e atuante no momento em que penetraram na vida literdria, e os esforcos no sentido do alargamento dessa tradi¢do de vinte anos que tém, inegavelmente, realizado em seus li- vros de poemas os escritores que se revelaram por volta de 1945. Os poetas de 1930 encontraram o terreno mais ou menos limpo, vale di- zer: vazio de formas aceitas ¢ exigidas pelo costume do leitor de poesia, dentro das quais tivessem de escrever sua poesia. Deixando de lado os ti- ques e vicios do estilo quase polémico nascido dos combates da Semana de Arte Moderna, mas aproveitando os direitos que aquela revolta tinha pos- to em suas maos, tais poetas puderam entregar-se livremente a escrever sua poesia. Como nao havia nada ou quase nada a aprender, e sim a desapren- der, qualquer esforco positivo equivalia a uma invengao pessoal. Nao é dificil notar, por exemplo, menos preocupacao formal nos poetas de 1930 do que nos de 1922. Para o poeta de 1930 ja nao havia a ne- cessidade de criar novas formas para opor, no combate, as formas antigas que se queria desmoralizar, atitude que é evidente nos modernistas da pri- meira hora. Os poetas de 1930 encontraram as formas velhas j4 desmorali- zadas e nenhuma forma nova que as substituisse. Apenas uma vaga nogao de verso-livre; mas essa mesma no¢ao de verso-livre nao era a de um verso Prosa / CRiTICA LITERARIA 745 mais plastico, com maior variedade de ritmos, mas a de verso em plena liberdade, como que autorizando qualquer maneira de fazer peculiar. A despreocupagao formal desses poetas, que sobrevive em quase todos, com una ou outra exce¢ao recente, parece vir dai: desse sentimento de que sua voz nao teria de se submeter a nenhuma forma pré-existente, e de que sua forma seria definida depois da obra realizada, como soma das peculia- ridades de sua voz. Para o poeta de 1930, o que havia a fazer era cantar, simplesmente. Nao havia uma sensibilidade criada, como sua exigéncia, sua preferéncia por tal ou qual forma. A eles é que competia criar essa sensibilidade. Eles estavam colocados numa posigao especial. Naquele momento coincidia a criago de sua poesia pessoal com a criacao de uma nova poesia brasileira, com suas novas formas, sua mitologia, sua sensibilidade, isto é, seu pu- blico. Sua despreocupagao formal: quis dizer, seu desprezo pelo que na poesia pode vir do jogo ou dos recursos puramente formais. Se a poesia que mui- tos desses poetas escrevem hoje é diferente da que escreviam em seus pri- meiros livros, o verso que eles empregam é, no fundo, o mesmo de antiga- mente, est claro que com bastante mais desenvoltura. Mas é 0 mesmo, o verso nascido das exigéncias de sua expressio pessoal, 0 verso que se sen- tiam mais aptos a realizar, ou o Unico que lhes era possivel realizar. Pois esses diferentes tipos de verso foram os que se transformaram nas matrizes que os poetas de 1945 encontraram em funcionamento e as quais tiveram de se submeter sua voz. Para o poeta mais jovem, surgido quando a poesia brasileira, como conjunto de formas aceitas e como sensibilidade, estava cristalizada em torno da obra de sete ou oito desses inventores mais originais, a situagao era completamente diferente, Em primeiro lugar, encontraram eles uma sensibilidade formada. Impor-se, para eles, era muito mais facil do que os poetas de 1930, que tiveram de criar, com os anos, 0 seu leitor. Os poetas de 1945 encontraram j4 uma determinada poesia brasileira, em pleno funcionamento, com a qual era impossivel nao contar. Mas se é verdade que escrever poesia a partir do que se estava fazendo era uma atitude cé- moda, a coisa se complicava para esse jovem poeta desde o momento em que ele se langava em busca de sua diccao propria. O poeta dessa geragao de 1945, ao inaugurar sua obra, tinha de escrever para aquela sensibilidade, sem 0 que sua voz nao seria percebida; mas tinha também de descobrir seu timbre préprio, dentro do conjunto daquelas vo- zes mais velhas, sem o que nenhuma atencao lhe seria concedida. Diferente do poeta de 1930, ele nao pode apenas confiar-se a sua voz. Ele tem de re- fletir sobre ela, e, de certa maneira, dirigi-la. A criagao de sua poesia nao coincide mais com a criagao da poesia brasileira. Os tiques de sua voz ja 746 JoAo CaBRAL DE MELO NETO / Opra COMPLETA nao tém forca de inaugurar um estilo. Ele tem de submeter-se as formas que encontra. Ha um traco bem sintomético em todos estes poetas de 1945: todos partem da experiéncia de um poeta mais antigo. Quase sem exceco, a obra de cada um desses poetas novos se filia 4 de um poeta mais antigo, a de um inventor. Mas isso nao pode ser tomado, sempre, como falta de originali- dade ou de timbre pessoal. O que o poeta jovem procura nesse poeta mais antigo € uma definicéo ou uma li¢do de poesia. E um esforgo para sintonizar sua voz a sensibilida- de vigente, e como esta se define d’aprés os pontos de cristalizagao que sao as obras dos autores mais poderosos, 0 que o autor jovem busca no exem- plo, ou na influéncia, desses mesmos autores é um conceito de poesia, a partir do qual realizard sua propria poesia. O que o autor de 1941 busca no de 1930 é uma ligdo de poética. Por tudo isso, a critica que parece desdobrar-se daquela que reclama da geracao de 1945 uma reacao radical contra a poesia que se estava fazendo na época de seu aparecimento, ou melhor a conseqiiéncia ldgica que se escon- de dentro daquela critica, a saber, a de considera-la como uma geragao de simples continuadores de formas em uso, tem de ser escrita de maneira diferente. Nao é simplesmente por falta de mensagem propria que um poeta de hoje funda sua obra a partir da experiéncia de um poeta mais velho. O que acontece é que nao ha uma definigdo geral da poesia, valida para nossa época, que permita ao jovem autor criar sua obra identificado com seu tempo. Existem definicées particulares, individualistas. No caso do Brasil, existem as definigdes de um Carlos Drummond de Andrade, de um Murilo Mendes, de um Augusto Frederico Schmidt; existem poéticas, a desses ¢ a de outros inventores de poesia; existe uma sensibilidade dividida, organi- zada, em pequenos nticleos, grupos de sensibilidade formados em volta da maneira pessoal de cada um desses inventores. N§o existe uma poesia, existem poesias. E o fato de um jovem poeta filiar-se a uma delas, na primeira fase de sua vida criadora, menos do que um ato de submissio de um poeta a outro poeta, é 0 ato de adesao de um poeta a um género de poesia, a uma poética, dentre todas a que ele pensou estar mais de acordo com a sua personalidade. Prosa / CriTICA LrreRARIA 747 Hl Agora: a posicao historica desses poetas de 1945, que os levou a fundar sua obra pessoal a partir de maneiras de fazer ja existentes, nao os impede, ne- cessariamente, e para sempre, de realizar uma renovacdo dessas mesmas maneiras de fazer. Uma renovagao é possivel. Mas essa renovacio nao po- de vir — e alids nao tem vindo — de uma atitude radical de revolta, em que, por meio de pontos de vista definidos e comuns a todos, se processe a uma substituicao completa do que se estava fazendo anteriormente. A renovagao por que é responsavel a geracdo de 1945 nao se esta dando no plano da teoria literaria mas no plano, muito mais lento e mais dificil de precisar em termos de critica, da criagao literdria. Ela se esta dando por meio de incorporagao aquelas maneiras de fazer j4 encontradas, de novos repertorios, dos repertorios que constituem o patriménio pessoal de cada jovem poeta, pouco visivel em seus primeiros poemas, mas que se vai fa- zendo mais e mais aparente A medida em que, com o dominio da técnica adotada, ele vai conseguindo liberar mais e mais sua mensagem particular. Essa renovagao se processa, assim, como uma luta pela libertacao. O que acontece é que essa luta esta ainda em curso, e que ainda podem ser identi- ficados, mesmo nos poemas dos que mais evidentemente avan¢aram em seu caminho pessoal, a marca desta ou daquela maneira de fazer aprendida. Dito de outra maneira: 0 que jé tem sido realizado passa desapercebido se o processo nao é encarado como um processo em andamento, dinamicamen- te, ou se se exige desses poetas de 1945, desde o primeiro momento da luta, uma completa vitéria. Evidentemente, para que esse estagio final do processo, isto é, a obten- sao de uma maneira de fazer completamente independente da que foi ado- tada como ponto de partida, ja tivesse sido alcancado por muitos, seria ne- cessario nos poetas dessa geracao, mais do que verdadeira forga poética. Seria necessdrio que cada um deles estivesse armado de uma aguda cons- ciéncia de si mesmo e da tradicao em que se tem de mover, inicialmente, a fim de poder apressar 0 processo de liberagdo por meio da eliminagao de tudo o que em sua voz soasse como eco da voz de alguém. Ora, ¢ inegavel que dentro da geracao de 1945, esse tipo de escritor nao é numeroso. Mas também eles nao sao freqitentes nem na Literatura Brasi- leira nem entre os poetas que foram os criadores das formas da poesia bra- 748 JoAO Carat. DE Meto Neto / Opra COMPLETA sileira presente. Nao foi uma grande consciéncia poética que transformou estes tltimos em inventores de poesia, mas sua posicao histérica, que fazia deles cantores libertos de toda a tradicao e dava categoria de estilo as pré- prias deficiéncias de seu canto. Nao é de estranhar por tudo isso, que 0 avango da grande maioria dos poetas da geracdo de 1945 no sentido da obtengao de um timbre pessoal para sua poesia, se dé lentamente. Em muitos deles nao existe mesmo uma consciéncia nitida daquilo que em seu poema é recebido de outro. Em ou- tros, nao existe uma adesdo a uma forma ja existente, um ponto de partida unico, mas a incorporacao de experiéncias de diferentes poetas. Tudo isso dificulta a luta que tém de realizar. Sua libertagao terd de fazer-se poucoa pouco na medida em que o maior dominio de seus meios diminua 0 peso do ato de fazer e permita sua mensagem particular se revelar livremente. Talvez seja este o momento de indicar em que sentido se esté operando aacdo dos poetas de 1945 dentro da poesia brasileira contemporanea. Tanto no que diz respeito as formas como no que diz respeito ao repertério dessa poesia, a contribuicao dos poetas mais jovens tem sido a de estender, alar- gar a base estreitamente individual com que, a partir da expressao de sete ou oito inventores mais poderosos se estava fazendo a poesia brasileira. Isto é: estendendo a base dessa poesia, ampliando a experiéncia adotada como ponto de partida, desenvolvendo certas tendéncias apenas aponta- das na obra daqueles fundadores de caminhos, a geragao de 1945 esta con- tribuindo para reduzir as diferencas entre os sete ou oito caminhos parti- culares, irredutiveis entre si, desde a linguagem empregada até 0 conceito mesmo de poesia e arte poética. E sobretudo, pode contribuir para a fusio dos grupos de sensibilidade que se organizam a partir da expressao pessoal de cada um desses inventores, numa sensibilidade mais geral. Isto é, 0 trabalho de extensao, determinado pela sua posi¢ao histérica, pode levar perfeitamente 4 criagao de uma expressao brasileira moderna, geral, que seja constitufda nao pela coexisténcia de um pequeno numero de vozes irredutiveis e dissonantes, mas por uma voz mais ampla e geral, capaz de integrar num conjunto todas as dissonancias. No que diz respeito as modificagGes operadas pelos poetas de 1945 nas formas encontradas e adotadas como ponto de partida para sua expressio pessoal, creio ser evidente que eles a tornaram muito mais maleaveis. Por- que nao as inventaram, lhes foi muito mais facil desenvolvé-las. Eles en- contraram um conjunto de solugdes resolvidas onde escolher livremente. Eles podiam facilmente, desenvolver solugdes apenas esbocadas, que seus criadores haviam largado por falta de oportunidade ou de gosto. Nao ha duivida de que o verso perdeu o sabor de coisa nova, o encanto de coisa que se inventa, com sua dureza e seus trope¢os freqiientes, e bas- tante, também, do outro encanto, a que nos acostumamos modernamente Prosa / Crevica LITERARIA 749 — © que vem de saber determinada coisa pessoal, absolutamente, e ex- clusiva. Mas ganhou em desenvoltura, enriqueceu-se de novos ritmos, em fluéncia. Sobretudo, ampliou-se consideravelmente, se fez polivalente, p6- de ser empregado para transportar experiéncias diversas daquelas que o determinaram. Neste ponto, é preciso fazer referéncia a uma outra opiniao formada a respeito da geracao de 1945, compartida alias por alguns. Quero referir- me opiniao que enxerga numa certa tendéncia estetizante o denominador comum da obra desses poetas. Nao creio que tal tendéncia possa definir a todos. Talvez ela seja valida para um grupo — para aquele grupo menos numeroso que, embora partin- do da experiéncia de um poeta mais antigo, toma essa experiéncia quase que pelo seu lado negativo, quase como coisa contra que lutar. Mas os poe- tas que criam nesse estado de tensdo sao raros. A grande maioria dos poetas de 1945 nao demonstra uma consciéncia de seu oficio suficientemente gran- de a ponto de constituir tendéncia. Contudo, até o ponto em que tendéncia estetizante nao pretenda signi- ficar uma atitude mental definida, ela pode valer. Isto é, até 0 ponto em que com essas palavras se queira registrar a desenvoltura ou a plasticidade (o que nao € consciéncia estética, ao pé da letra) com que muitos desses poetas de 1945 chegaram a manobrar 0 verso herdado dos poetas que os antecederam. 750 JOAO CasraL DE MELO NETO / Opra ComPLeta Iv Uma outra critica dirigida aos poetas chamados de 45 por escritores de getagdes anteriores, vem sendo formulada, mais inteligentemente do que por qualquer outro critico, pelo sr. Sérgio Buarque de Holanda e diz res- peito ao que se poderia denominar uma preferéncia idealista, nos Ppoetas desse grupo; na selecdo e tratamento da linguagem de sua poesia. Ou, co- mo com mais clareza, coloca o problema o sr. Buarque de Holanda, diz respeito 4 sua “aplicacdo, por vezes obsessiva... aos meios de expresso aparentemente proprios e exclusivos da poesia, em contraste com os da prosa”. Nao ha nenhuma duvida de que esta tendéncia € 0 que ha de mais opos- to ao gosto, corrente entre os modernistas e por eles sempre defendido, pelo vocdbulo prosaico ou pela imagem prosaica. E se compreende que assim, acontecesse: a preocupacao desses primeiros modernistas era criar uma nova poesia, e, se nao lhes coube fazé-lo, é indiscutivel que sentiram 0 problema e o formularam melhor do que ninguém. Nao € dificil de compreender que, para eles, 0 vocdbulo poético, o vocd- bulo ja reconhecidamente poético, fosse o inimigo pior. Aquele vocabulo fora erigido a dignidade de poético por uma convengio e se aquela con- vencao tinha de ser destrufda, também nada devia restar de seu repertério. O gosto pelo vocdbulo prosaico, que muita gente pretende considerar um gosto bastardo pelo baixo ou pelo nao-sublime, nao devia ser, nada mais nada menos, do que ser uma conseqiiéncia de tal atitude. Se parecia violen- ta seu emprego em poesia, essa violéncia vinha da novidade de seu empre- go, do choque de repertérios. Mas se essa constatagao € perfeitamente verdadeira em relacao aos poe- tas do modernismo, nao creio que o seja em relacdo aos poetas que, por volta de 1930, fixaram os rumos que a poesia brasileira seguiria até hoje. Alias, nao é preciso ser muito arrazoado para confirmar isso. As crénicas que o sr. Mario de Andrade reuniu no livro O empalhador de passarinhos, escritas quando esses poetas de 1930 se desenvolviam em toda plenitude, parecem presididas por um sé espirito: o de denunciar, com este ou aquele nome, segundo se tratasse deste ou daquele poeta, o que se poderia chamar o abuso poético da poesia. Nao creio que o tema mais freqtiente neste livro,, 0 do relaxamento formal de certos desses autores, seja completamente es- Prosa / Critica LrreRARIA 75t tranho aquilo que penso constituir a idéia basica da critica literaria de Ma- rio naquela época. Estes poetas de 1930 € que me parecem ter iniciado a delimitagao para a poesia, de um territério préprio, com sua mitologia e seu vocabulario. Nao ha dtivida de que, no caso do sr. Carlos Drummond de Andrade, a licdo dos modernistas, a esse respeito, foi aproveitada. Mas quase em todos os outros essa delimitagao se fez contra o emprego dos meios proprios da prosa ea favor dos meios préprios da poesia, a favor do vocdbulo ja reconhecida- mente poético, j4 poético com anterioridade ao poema, a favor, nao de palavras que o poema salva, que o poema faz poéticas, mas de palavras que vém com sua carga poética, feitas poéticas pelo uso anterior, enriquecer 0 poema, isto é, dar qualidade poética ao texto indiferente onde sao coloca- das com fungao galvanizadora. Nao se pode negar que os poetas de 1945 deram um passo a frente no sentido indicado. Mas 0 essencial da concepgao eles receberam, também, dos poetas de 1930. Era essa a li¢do que a poesia destes tiltimos Pparecia con- ter, era esse o conceito de poesia que se podia depreender do seu exem- plo. Num ou noutro poeta mais antigo, e por heranca num ou noutro poe- ta de 1945, essa concepgao tera tomado um nome diferente. Ou melhor, ela tera sido justificada a partir de um conceito diverso. Mas 0 que o poeta mais jovem encontrou, plenamente vigente no contato inicial com a poe- sia de seu tempo imediato, foi a valorizacao do sublime contra o prosaico, do sobre-real contra o real, do universal contra o nacional ou o regional, do inefavel contra o tangivel. Para 0 poeta de 1945, os meios proprios da prosa, isto é, os elementos que permaneciam fora do uso poético, o prosaico, vinha a ser uma influén- cia altamente perigosa. O prosaico esté muito mais perto da realidade e 0 que esses poetas jovens viam, ao descobrir a literatura, é que a poesia se podia exigir tudo, menos, precisamente, integragao na realidade. A poesia que eles encontraram estava desenvolvendo-se paralelamente aquele deslocamento, verificado entre os romancistas, para 0 que se conhe- ce como a novela introspectiva. Paralelamente, isto é, a poesia que eles en- contraram era determinada pelos mesmos impulsos que criaram uma cer- ta zona de siléncio e de indiferenca em torno ao romance do nordeste. E nao s6 porque a poesia é um género mais passivel de ser desligado da reali- dade do que a prosa, como também porque a tal novela introspectiva era uma tendéncia mais do que artificial dentro da vida brasileira, a verdade é que a poesia brasileira veio a ser o instrumento com que melhor foram explorados os miultiplos caminhos de fuga da realidade. E facil de compreender-se que a presenga da palavra ou do recurso pro- saico, numa poesia dessa espécie, 86 pode ser perturbadora. Teria de ser uma espécie de isolante. $6 poderia quebrar, romper a trama de sutilezas 752 JOAO CapraL DE Meio Nero / OprA COMPLETA do poema. Trata-se de uma poesia feita de sobre-realidades, feita com zo- nas exclusivas do homem, e o fim dela é comunicar dados sutilissimos, a que sé pode servir de instrumento a parte mais leve e abstrata dos diciona- rios. O vocabulo prosaico esta pesado de realidade, sujo de realidades infe- riores, as do mundo exterior, e em atmosferas tao angélicas s6 pode servir de neutralizador. Nao quero dizer, em absoluto, que em todos os poetas da geragao de 45 se encontra um mesmo conceito de linguagem e de poesia. Existem, entre eles, poetas com preferéncia pelos “meios préprios da prosa” da mesma forma que entre seus antecessores se encontram alguns dos utilizadores mais exclusivistas dos “meios préprios da poesia”. O que quis mostrar — e isso venho tentando desde a primeira destas notas — é que a poesia de 1945 nao pode ser definida por meio de uma tendéncia comum, uma orientagao geral de seus poetas. A nao ser que queira tomar uma tendéncia particular como a tinica caracteristica, eliminando todo o resto. Essa poesia de 1945 é o desenvolvimento de uma poesia individualista, em que a expressao pessoal de sete ou oito criadores anteriores, fixava, cada uma, suas formas exclusivas. E o desenvolvimento dessas formas em sua primeira fase. Mas como ela é individualista também, e a escolha da forma- ponto-de-partida é feita por motivos de preferéncia individual, é quase certo que vencida a primeira fase de desenvolvimento — que, em geral, éa fase presente da geracao de 45 — os melhores desses poetas se transfor- mem também em criadores de formas de expressao exclusivas, irredutivel- mente suas. O que ha de comum entre os poetas que a constituem € sua posicdo histérica. O momento em que iniciaram seu trabalho de criacao, e 0 que encontraram nesse momento. Esse problema, por exemplo, da utilizacdo dos meios da prosa nao se colocou igualmente para todos. Colocou-se para aqueles que tomaram como ponto de partida a maneira de um poeta em que tal problema estivesse presente. Se o ponto de partida de outro poeta nao o obrigava a considerar o assunto, ele tera ficado completamente es- tranho a tal preocupacao.

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