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Ciência e a magia da vida no pensamento

de Max Weber

Manoel Adam Lacayo Valente

Sumário
1. Introdução. 2. Ciência como vocação. 2.1
Sobre as condições externas que determinam a
vocação científica. 2.2 Sobre as condições inte-
riores do próprio cientista. 2.3 Sobre a signifi-
cação da ciência e sobre a racionalização do
mundo. 2.4 Sobre a contribuição positiva da
ciência para a vida prática e pessoal. 3. Conclu-
são.

1. Introdução

Decorridos quase noventa anos do seu


prematuro falecimento, acontecido em 14 de
junho de 1920, o pensamento de Max Weber
(1864-1920) ainda conserva o seu potencial
instigante e, mais do que isso, demonstra-se
atualizado para o presente. Com efeito, ques-
tões referentes à neutralidade ou à objetividade
da ciência, ao processo da racionalização da vida
social, à estruturação da burocracia e a sua influ-
ência sobre a democracia dos Estados nacionais
são bem contemporâneas, o que comprova o
vigor das idéias de Weber.
Este trabalho debruça-se analiticamente
sobre um dos mais polêmicos textos weberi-
anos, qual seja o intitulado “Ciência como
Vocação”, intentando promover uma sínte-
se compreensiva dos principais argumentos
Manoel Adam Lacayo Valente é bacharel apresentados por Weber. As conferências “A
em Direito, com habilitação em Direito Públi-
Ciência como Vocação” e “A Política como
co, bacharel em Comunicação Social, Mestre
em Sociologia pela Universidade de Brasília, Vocação”, proferidas por Weber, respecti-
Consultor Legislativo, da área de Direito Ad- vamente, em 7 de novembro de 19171 e 28
ministrativo, da Consultoria Legislativa da de janeiro de 1919, “resumem a trajetória da
Câmara dos Deputados e Advogado. sua vida”, consoante as palavras de Jacob
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Peter Mayer (1985, p. 84), apostas em sua individual não consiga eliminar total-
obra “Max Weber e a Política Alemã”. mente suas simpatias pessoais. Fica,
Alexandre Hecker (1999), em trabalho então, sujeito à crítica mais violenta
intitulado “A Ciência Isenta e a Mão no Leme no foro de sua própria consciência”.
da História”, aponta as duas idéias que, em Essas duas vertentes, a que realiza a aná-
seu entendimento, norteiam o contexto de lise do processo de racionalização da vida
“A Ciência como Vocação”: moderna, com o progressivo desencanta-
“A preocupação em ‘A Ciência mento do mundo, e a que enfoca a impor-
como Vocação’, no que se refere à re- tância da construção científica despojada
lação entre ciência e política, é garan- de valores, serão abordadas ao longo deste
tir o entendimento de duas idéias: texto.
a) a crescente racionalização e o
progresso do conhecimento técnico 2. Ciência como vocação
contribui para ‘desencantar o mundo’
e para procurar ‘dominar todas as O pensamento de Weber, como se sabe, é
coisas pelo cálculo’. Mas isso não sig- denso e plasmado por um permanente dualis-
nifica saber mais das condições de mo que exige dos seus intérpretes extremo
vida em que existimos: cuidado na tarefa de compreensão dos seus
A ciência pressupõe... que o pro- escritos. Com efeito, a dicotomia “paixão e
duto do trabalho científico é impor- razão” traduziria, de forma sintética, o en-
tante no sentido de que ‘vale a pena foque de Max Weber sobre a vida.2 Se por um
conhecê-lo’. Nisto estão encerrados lado valorizava a importância do conhecimento
todos os nossos problemas, evidente- científico para o homem, por outro lamentava o
mente. Pois essa pressuposição não processo de retirada da magia das coisas, de de-
pode ser provada por meios científi- sencantamento do mundo e de progressiva raci-
cos – só pode ser interpretada com refe- onalização promovido por essa mesma ciência.
rência ao seu significado último, que A burocracia figurava para o Weber racio-
devemos rejeitar ou aceitar, segundo nal como o melhor aparato para condução
a nossa posição última em relação à impessoal e eficiente da máquina estatal,
vida. mas, para o Weber estimulado pela paixão,
b) objetivos políticos não podem ela representava uma ameaça à democracia
estar presentes nos propósitos do ci- e à autonomia dos políticos. Acreditava que
entista, ainda mais quando o seu tra- o professor podia, em sua cátedra, discorrer
balho intelectual esteja relacionado ao sobre ciência política e a respeito da organi-
assunto: zação eficiente do Estado, mas não devia
Tomar uma posição política práti- valer-se de sua posição privilegiada de pre-
ca é uma coisa, e analisar as estrutu- ceptor para influenciar, partidariamente,
ras políticas e as posições partidárias seus alunos. Nesse caráter dual, que per-
é outra. Ao falar num comício político passa toda sua obra, reside a singularidade
sobre a democracia, não escondemos do pensamento weberiano. Edilberto A. Sas-
nosso ponto de vista pessoal... As pa- tre (1999), em poucas palavras, demonstra
lavras que usamos nesse comício não esse matiz original que caracteriza a produ-
são meios de análise científica, mas ção intelectual de Max Weber:
meios de conseguir votos e vencer os “Ler a obra de Max Weber é sem-
adversários... Seria um ultraje, porém, pre um exercício difícil dada a alta
usá-las do mesmo modo na sala de complexidade categorial que ele cons-
aula ou na sala de conferências... É, truiu. Tentar entender este todo com-
sem dúvida, possível que o professor plexo e dinâmico através de sua obra

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leva o leitor a se deparar com uma 2.1 Sobre as condições externas que
rede de nós teóricos onde categorias determinam a vocação científica
são, às vezes, contraditórias, comple-
mentares ou, inclusive, dissimiles. O leitor menos afeiçoado com a profun-
Aquilo que parece ser a característica didade das idéias que figuram nos textos de
fundamental da sociologia weberia- Weber poderia, se parasse a leitura da con-
na é identificado por seus estudiosos ferência “A Ciência como Vocação” em suas
como sendo uma arquitetura teórica páginas preambulares, guardar uma idéia
construída a partir de dualidades. equivocada do vigor do pensamento webe-
Em outros termos, por trás de todo riano. Com efeito, o início da conferência retra-
o gigantesco universo sociológico de ta um Weber preocupado com questões referentes
Max Weber, encontra-se uma lógica à organização acadêmica do ensino universitá-
que estrutura todo o seu discurso ba- rio alemão. Por isso mesmo, John Patrick Di-
seada num permanente e dinâmico ggins (1999, p. 181) fez a seguinte observa-
jogo de dualidades. O que resulta pa- ção sobre o teor da conferência:
radoxal é constatar que este consenso “A conferência – que veio a ser
sobre as dualidades que estruturam a considerada um dos grandes docu-
obra de Weber oculta um mistério: a mentos modernos do século XX, uma
lógica das dualidades weberiana con- meditação sobre o destino do racio-
tinua não explicada. Os estudiosos nalismo ocidental – abre com alguns
apenas vislumbram analogias, metá- comentários prosaicos. Weber explica
foras, espelhos. aos alunos no auditório lotado as di-
Devido a tal estrutura dual, Weber ferenças entre o ‘privatdozent’ ale-
foi chamado de dialético, de dicoto- mão, que tem estabilidade no empre-
mizador, de maniqueísta, de antinô- go, mas nenhuma expectativa de pro-
mico. Mais ainda, fala-se que sua obra gresso, e o professor assistente ame-
propõe constante integração entre ca- ricano, que não tem nenhuma segu-
tegorias ou constante tensão, e que por rança até obter uma posição estável
tudo isso termina sendo paradoxal, ao demonstrar resultados na pesqui-
pessimista e até niilista”. sa”.
A conferência “Ciência como Vocação”, Weber, nessa parte da conferência, faz
orientada pelo caráter dual do pensamento uma reflexão a respeito do sistema univer-
weberiano, mostra o eterno embate entre a sitário alemão, mais especificamente no que
paixão e a razão e, em nossa visão, pode, se relaciona com a carreira dos docentes. Sua
para fins analíticos, ser dividida em quatro análise, efetuada de maneira comparativa,
segmentos que contemplam os seguintes toma como modelo de cotejo universitário o
enfoques: americano, tendo em conta apresentar “os
– Condições externas que determi- contrastes mais violentos com a Alemanha”,
nam a vocação científica; consoante palavras do próprio Weber (1998,
– Condições interiores do próprio p. 17).
cientista; A perspectiva de Weber (1998, p. 24) é a
– Sobre a significação da ciência e de que o sistema universitário alemão é obsoleto
sobre a racionalização do mundo; em seu funcionamento (cartorial, seria a palavra
– Sobre a contribuição positiva da mais adequada), impessoal no tocante às esco-
ciência para a vida prática e pessoal. lhas de docentes para promoção na carreira, de-
Cada um desses enfoques tratados ficiente no que tange à concessão de condições
por Weber será, em seguida, sinteti- para aprimoramento dos pesquisadores-profes-
zado e comentado criticamente. sores e pouco criterioso com relação à “qualida-

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de profissional” de seus integrantes (o próprio – A carreira do jovem professor
Weber apresenta em sua conferência, a se- universitário alemão depende da sua
guinte frase: “Você se acredita capaz de ver, condição financeira pessoal, já que o
sem desespero amargo, ano após ano, pas- Estado não lhe proporciona nenhu-
sar à sua frente mediocridade após medio- ma retribuição. Nos Estados Unidos,
cridade?”). A conferência de 1917 denunci- ao contrário, desde o início o jovem
ava a baixa autonomia do sistema universi- docente percebe uma remuneração.
tário alemão o qual, totalmente dependente – A habilitação (candidatura) dos
do Estado, tolhia a independência dos jo- orientandos de um determinado pro-
vens professores que, para progredirem em fessor deveria ser realizada perante
suas carreiras, tornavam-se “alinhados” do outro professor e em outra universi-
governo. dade
As palavras de John Patrick Diggins – O jovem professor alemão, em
(1999, p. 178) sobre a visão de Weber a res- sua fase inicial de carreira, leciona
peito do sistema universitário alemão ratifi- bem menos que os jovens assistentes
cam nossa observação anterior: americanos que, ao contrário, são so-
“Max Weber, o cientista social que brecarregados nesse período.
via poder e dominação em todas as – A promoção tanto do professor
partes, não iria permitir que isso pre- alemão quanto do assistente america-
dominasse em instituições dedicadas no à posição de professor titular ou
ao conhecimento e à cultura. O que de diretor de um instituto está entregue
estava em jogo era a contaminação de ao acaso (“Não me consta existir, em
uma vocação por outra, a vocação do todo o mundo, carreira em relação à
aprendizado pela profissão da políti- qual o seu papel seja mais importan-
ca, a integridade do conhecimento pe- te”).
las ameaças do poder. Para usar um – A síndrome da sala cheia: o mé-
termo sociológico deselegante, o que rito do cientista “pertence ao domínio
Weber temia era a ilegitimidade do en- do imponderável”. O professor é ava-
sino superior. Ele reclamava que a liado pela assiduidade com que os
educação cairia na ‘custódia dos ope- estudantes se disponham a honrá-lo.
radores inferiores, pessoalmente ami- Todas essas considerações exteriorizam,
gáveis, mas temivelmente inferiores’. além da visão descontente de Weber sobre o
O predomínio destes funcionários sistema universitário alemão, a sua concep-
brandos criará somente ‘um mercado ção a respeito do papel relevante que o pro-
favorável à ascensão do acadêmico fessor universitário deveria desempenhar.
condescendente, de acordo com a re- Poder-se-ia dizer que Weber esperava que o mun-
gra que diz que, segundo mostra a do acadêmico cumprisse o papel que Tocqueville
experiência, um medíocre num corpo via os advogados cumprindo numa América de-
docente atrai outros’. Prevalecendo mocrática sem uma aristocracia: o papel do pen-
essa tendência, os docentes serão in- sador comprometido com a objetividade, a livre
capazes de oferecer qualquer resistên- investigação e o amor da verdade. (Diggins,
cia à opinião pública ou ao governo, 1999, p. 168).
em virtude do enfraquecimento da sua
autoridade moral”. 2.2 Sobre as condições interiores
As observações de Weber (1998, p. 23) do próprio cientista
que devem ser destacadas, no tocante a esse Ainda dando continuidade ao exame da
segmento, além das já apontadas, são as se- vocação científica, o texto de Weber (1998,
guintes: p. 24) passa a analisar as “disposições inte-

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riores do próprio cientista”. Na visão webe- uma razão instrumental. A conferência de 1917
riana, nada significativo poderá ser alcan- é uma meditação sobre o destino do raciona-
çado no campo científico sem uma rigorosa lismo ocidental. (DIGGINS, 1999, p. 181).
especialização. Consoante as suas palavras: Weber (1998, p. 29-30) indaga-se sobre a
“Só a especialização estrita permi- significação da ciência, não para o homem
tirá que o trabalhador científico expe- prático, mas para o homem de ciência. A in-
rimente por uma vez, e certamente não dagação weberiana é feita da seguinte forma:
mais do que uma vez, a satisfação de “Que obras significativas espera
dizer a si mesmo: desta vez, consegui o homem de ciência realizar graças a
algo que permanecerá”. descobertas invariavelmente destina-
Ao lado da especialização, Weber (1998, das ao envelhecimento, deixando-se
p. 25) ressalta a importância da “inspira- aprisionar por esse cometimento que
ção” para o exercício da atividade científica. se divide em especialidades e se per-
A dedicação exclusiva é outro fator que de no infinito?”
Weber enfatiza como determinante para o Para enfrentar essa questão, Weber (1998,
desempenho científico eficaz. p. 30) debruça-se sobre as características da
Dessa forma, na concepção weberiana, nossa época que são a racionalização, a intelectu-
as condições interiores que a vocação cientí- alização e o desencantamento do mundo. Regis-
fica exige do pretendente a essa atividade são: tra que “o progresso científico é um fragmento, o
– Especialização; mais importante indubitavelmente, do processo
– Inspiração [que, segundo Weber de intelectualização a que estamos submetidos
(1998, p. 25), “é o único fator decisi- desde milênios”.
vo”]; O início desse processo de intelectuali-
– Dedicação plena à sua vocação. zação está vinculado à descoberta grega do
Aqui, mais uma vez, podemos notar o “conceito” ligado à descoberta renascentis-
caráter dual do pensamento weberiano que ta da experimentação racional. (TRAG-
se manifesta nos predicados da especiali- TENBERG, 2001, p. 11).
zação e da inspiração. Com efeito, a intelectu- Mas o que significa, na prática, essa ra-
alização requerida pela especialização contrasta cionalização intelectualista que devemos à
com a intuição que alimenta a inspiração. O ra- ciência e à técnica científica? (WEBER, 1998,
cionalismo científico de um lado se alimen- p. 30).
ta, para sua sedimentação, do vigor da pai- Nas palavras de Weber (1998, p. 30), a
xão que figura na outra face da equação we- racionalização pode ser entendida da se-
beriana. guinte forma:
“A intelectualização e a racionali-
2.3 Sobre a significação da ciência e zação crescente não equivalem, por-
sobre a racionalização do mundo tanto, a um conhecimento geral cres-
A abordagem de Weber, em sua confe- cente acerca das condições em que vi-
rência de 1917, não pode ser tida como uma vemos. Significam, antes, que sabemos
lição de ética profissional para o futuro ci- ou acreditamos que, a qualquer ins-
entista ou como um manual de adequado tante, poderíamos, bastando que o
procedimento laborativo. O papel funcional quiséssemos, provar que não existe,
do cientista é empregado como moldura de uma em princípio, nenhum poder misteri-
densa crítica ao processo de racionalização que oso e imprevisível que interfira com o
se aprofunda na sociedade, movimento que equi- curso de nossa vida; em uma palavra,
vale ao desencantamento do mundo com a retira- que podemos dominar tudo, por meio
da, pelo avanço da intelectualização, da magia da previsão. Equivale isso a despojar
das coisas, culminando com a disseminação de de magia o mundo” .

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Julien Freund (2000, p. 23) comenta o O conceito anterior de ciência contemplava
sentido weberiano do processo de raciona- uma integração entre ciência e concepção de mun-
lização com as seguintes considerações: do, entre ciência e vida, o que permitia conseguir
“A racionalização e a intelectuali- daquela um guia e um sentido para a própria
zação crescentes têm, entretanto, uma posição pessoal no mundo. (ABELLÁN, 2001,
conseqüência decisiva, sobre a qual p. 22).
Weber insiste com veemência: elas de- A especialização científica tem como re-
sencantaram o mundo. Com os pro- sultado, na concepção weberiana, que o ci-
gressos da ciência e da técnica, o ho- entista especialista não tem como obter uma
mem deixou de acreditar nos poderes visão de conjunto do homem e do mundo.
mágicos, nos espíritos e nos demôni- Logo a ciência não tem um sentido que ultrapas-
os: perdeu o sentido profético e, so- se a sua dimensão prática e técnica e não o tem
bretudo, o do sagrado. O real se tor- porque não dá resposta às únicas perguntas im-
nou aborrecido, cansativo e utilitário, portantes para o ser humano, quais sejam: O que
deixando nas almas um grande vazio devemos fazer? Como devemos viver?
que elas tentam preencher com a agi- De fato, é incontestável que respostas a
tação e com toda espécie de artifícios essas questões não nos sejam tornadas aces-
e de sucedâneos. Entregues ao relati- síveis pela ciência. (WEBER, 1998, p. 36).
vismo precário, ao provisório e ao ce- O processo de racionalização aconteci-
ticismo tedioso, os seres tentam mobi- do no ocidente, ao explicar o mundo a par-
liar sua alma com uma confusão de tir dele mesmo, conduziu a afirmação da exis-
religiosidade, estetismo, moralismo e tência de distintas maneiras de entender a vida e
cienticismo, enfim, com uma espécie o mundo, distintos sistemas de valores em uma
de filosofia pluralista que acolhe in- situação de mútuo enfrentamento e sem possibi-
distintamente as máximas mais hete- lidade racional de superá-la. (ABELLÁN, 2001,
róclitas de todos os cantos do mundo. p. 26).
A mística se torna mistificação; a co- Weber (1998, p. 34) contesta a visão in-
munidade, comunitarismo, e a vida se gênua dos experimentadores pioneiros do
reduz a uma seqüência de experiênci- tipo Leonardo da Vinci para quem a ciência
as vividas. Pede-se aos universitários era o caminho capaz de conduzir à verdadeira
e aos intelectuais que apresentem natureza, à felicidade humana. Ele desnuda
mensagens, enquanto, por força das o discurso científico-positivista, revelando
coisas, eles estão confinados em uma as conseqüências de entronizá-lo como res-
especialidade. Envaidecidos de seu posta determinante da felicidade humana
papel, eles substituem o sopro profé- e, em atitude oposta, assevera que, libertan-
tico por um charlatanismo que apre- do-nos do intelectualismo da ciência,é que pode-
goa falsas devoções.” remos apreender nossa própria natureza. (WE-
E a ciência, nesse contexto de crescente BER, 1998, p. 34).
racionalização e intelectualização, tem al- A ciência dedica-se ao exercício de des-
gum sentido que ultrapasse “essa pura prá- velar os mistérios do mundo para a sua do-
tica e essa pura técnica”? (WEBER, 1998, p. minação, mas ela é impotente para nos di-
31) . zer sobre o verdadeiro sentido da vida. Essa
O crescente movimento de especializa- questão insere-se no campo dos valores e cada
ção científica estimulou a fragmentação dos homem em seu existir singular é que deve “dolo-
conhecimentos e, por conseqüência, provo- rosamente” definir qual a vida que merece ser
cou uma ruptura entre o saber científico e o pro- vivida. A luta entre distintos sistemas de va-
cesso de formação e de desenvolvimento do indi- lores deve ser decidida na consciência de
víduo. (ABELLÁN, 2001, p. 21). cada indivíduo, que tem que eleger, com au-

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tonomia , os valores que reconhece como cam a refletir sobre o sentido do mun-
guias da sua vida. (ABELLÁN, 2001, p. 23). do. Tal é o dado inelutável de nossa
“Nos termos das convicções mais profundas situação histórica, a que não podere-
de cada pessoa, uma dessas éticas assumirá as mos escapar, se desejarmos permane-
feições divinas e cada indivíduo terá de decidir, cer fiéis a nós mesmos. E agora, se à
de seu próprio ponto de vista, o que para ele é maneira de Tolstoi novamente se co-
deus e o que é o diabo”. (WEBER, 1998, p. 42). locar a indagação: ‘Falhando a ciên-
cia, onde poderemos obter uma res-
2.4 Sobre a contribuição positiva da ciência posta para a pergunta – que devemos
para a vida prática e pessoal fazer e como devemos organizar nos-
Após todas essas considerações que de- sa vida?’ ou, colocando o problema
monstram a inconciliabilidade entre ciên- em termos empregados esta noite:
cia e valores, bem como os limites do conhe- ‘Que deus devemos servir dentre os
cimento científico, Weber formula a seguin- muitos que se combatem? Devemos,
te indagação: “Se assim é, qual, em essên- talvez, servir um outro deus, mas
cia, a contribuição positiva da ciência para qual?’, – a essa indagação eu respon-
a vida prática e pessoal?”. (WEBER, 1998, derei: procurem um profeta ou um sal-
p. 45). vador”.
A ciência, na visão weberiana, fornece-
nos resposta à questão do que deveremos 3. Conclusão
fazer se desejamos ser tecnicamente senho-
res da vida, mas nos deixa em suspenso com A conferência “A Ciência como Voca-
relação à indagação se essa atitude tem al- ção”, em nosso entendimento, condensa a
gum sentido. As contribuições práticas da visão de mundo weberiana. Com efeito,
ciência, segundo Weber (1998, p. 45-46), se- muito além de se debruçar sobre a política
riam as seguintes: educacional universitária germânica, a con-
a) Institui a previsibilidade que nos per- ferência exterioriza a preocupação funda-
mite dominar tecnicamente a vida; mental que marca o pensamento weberia-
b) Fornece métodos de pensamento, isto é, no: o avanço da racionalização em todos os
instrumentos e uma disciplina; campos da vida. A manifestação do profes-
c) Contribui para clareza dos fatos e even- sor Manoel T. Berlinck (1998, p. 10) reforça
tos estudados; essa nossa convicção:
d) Revela a visão de mundo que funda- “Esse conjunto de influências aca-
menta a concepção adotada pelo cientista. bou por produzir, em Weber, aquilo
A visão definitiva a respeito do papel da que muitos consideram a preocupa-
ciência é registrada por Weber (1998, p. 47- ção central de sua obra: a racionali-
48) com as seguintes palavras: dade. A impressão que se tem é a de
“A ciência é, atualmente, uma ‘vo- que seus estudos sobre religiões, a
cação’ alicerçada na especialização e análise do surgimento do capitalismo,
posta ao serviço de uma tomada de os estudos sobre poder e burocracia,
consciência de nós mesmos e do co- os escritos metodológicos e sua socio-
nhecimento das relações objetivas. A logia do Direito são tentativas de res-
ciência não é produto de revelações, posta a perguntas tais como: quais as
nem é graça que um profeta ou um vi- condições necessárias para o apare-
sionário houvesse recebido para as- cimento da racionalidade?; qual a na-
segurar a salvação das almas; não é tureza da racionalidade?; quais as
também porção integrante da medita- conseqüências sócio-econômicas da
ção de sábios e filósofos que se dedi- racionalidade? Se tal impressão for

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verdadeira, os dois ensaios que são 3
Para aprofundamento sobre o conceito de “de-
apresentados em seguida constituem sencantamento”, veja-se o excelente trabalho “O
desencantamento do mundo: todos os passos do
verdadeiros marcos do pensamento conceito em Max Weber”, de autoria de Antônio
de Weber pois ambos se referem espe- Flávio Pierucci (2003).
cificamente à racionalidade”.
A racionalização estudada por Weber
não pode ser entendida como um movimento para Referências
o esclarecimento e para o progresso moral da hu-
manidade. Ao contrário, a visão weberiana ABELLÁN, Joaquín. Introdução. In: WEBER, Max.
percebia o processo de racionalização como La ciencia como profesión. 2. ed. Madri: Espasa, 2001.
um desencantamento do mundo que “levou
ARON, Raymond. As etapas do pensamento socio
os homens a banirem da vida pública os lógico. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
valores mais supremos e mais sublimes”
BENDIX, Reinhard. Max Weber: um perfil intelectu-
(WEBER, 1998, p. 51), que foram encontrar al. Brasília: Editora da Universidade de Brasília,
abrigo na vida mística ou na fraternidade 1986.
das relações diretas entre indivíduos isola-
BERLINCK, Manoel T. Prefácio. In: WEBER, Max.
dos. Esse desencantamento do mundo, visuali- Ciência e política: duas vocações. 17. ed. São Paulo:
zado por Weber, refletia uma percepção pessi- Cultrix, 1998.
mista da humanidade e do seu futuro, tendo em
COHN, Gabriel. Weber. 7. ed. São Paulo: Ática, 2000.
conta a ausência de horizontes que viessem a su-
plantar a força esmagadora da racionalização3. DIGGINS, John Patrick. Max Weber: a política e o
espírito da tragédia. Rio de Janeiro: Record, 1999.
“Em sua teoria da racionalização, We-
ber demonstra como, de um lado, o homem FREUND, Julien. Sociologia de Max Weber. 5. ed. Rio
destrói sua esperança de um mundo além, de Janeiro: Forense Universitária, 2000.
no qual encontre salvação, mediante o pro- HABERMAS, Jürgen. Teoria de la acción comunicativa:
cesso de desencantamento do mundo, des- racionalidad de la acción social y racionalización
truindo assim toda opção de transcendência ex- social. 3. ed. Madri: Taurus, 2001. v. 1
tramundana. E de outro lado, demonstra que o HECKER, Alexandre. A ciência isenta e a mão no
futuro é sempre inalcançável e não passa de uma leme da história. Revista de História Regional, Ponta
ilusão, confinando o homem a espremer suas pos- Grossa, v. 4, n. 2, p. 125-137, inverno 1999.
sibilidades de existência no presente imediato. LAZARTE, Rolando. Max Weber: ciência e valores.
Isto é, destrói toda possibilidade de transcendên- 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
cia intramundana no futuro. O homem fica con- MacRAE, Donald G. As idéias de Weber. 2. ed. São
finado no presente, que é dominado pela irracio- Paulo: Cultrix, 1985.
nalidade insuperável dos fatos”. (SASTRE, MAIA, Rui Leandro. Dicionário de sociologia. Porto,
1999, p. 188). Portugal: Porto Editora, 2002.
Em síntese, para Weber, a racionaliza-
MAYER, Jacob Peter. Max Weber e a política alemã.
ção, paradoxalmente, fomenta o irraciona- Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1985.
lismo. (MAIA, 2002, p. 310).
PIERUCCI, Antonio Flávio. O desencantamento do
mundo: todos os passos do conceito em Max Weber.
São Paulo: Editora 34 , 2003.
Notas
RITZER, George. Teoria sociológica clássica. Madrid:
Sobre a questão polêmica das datas das confe- McGraw-Hill, 2002.
rências, veja-se o texto, de Wolfgang Schluchter
SAINT-PIERRE, Héctor. Max Weber: entre a paixão
(2000, p. 104-109), “Neutralidade de Valor e a Éti-
e a razão. 3. ed. Campinas: Editora da Unicamp,
ca da Responsabilidade”. 1999.
2
Sobre esse tema, veja-se o livro “Max Weber:
entre a paixão e a razão”, de autoria de Hector L. SASTRE, Edilberto A. Viagem à alma do diabo: uma
Saint-Pierre (1999). leitura possível das dualidades na sociologia de
278 Revista de Informação Legislativa
Max Weber. Brasília, 1999. Dissertação (Mestrado WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. São
em sociologia) - Universidade de Brasília, Departa- Paulo: Cultrix, 1998.
mento de Sociologia, Brasília, 1999.
______. Economia e sociedade. 3. ed. Brasília: EdU-
SCHLUCHTER, Wolfgang. Neutralidade de valor nB, 1999. 2 v.
e a ética da responsabilidade. In: COELHO, Maria
Francisca Pinheiro (Org.). Política, ciência e cultura ______. Ensaios de sociologia. 5. ed. Rio de Janeiro:
Guanabara, 1979.
em Max Weber. Brasília: Editora da Universidade de
Brasília; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, ______. Metodologia das ciências sociais. 4. ed. São
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TRAGTENBERG, Maurício. Introdução. In: WEBER,
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280 Revista de Informação Legislativa

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