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04/08/2010 GalizaCig / Actualidade - Entrevista a Ri…

Actualidade / Artigo

Santiago, 23 de abril de 2007

Entrevista a Ricardo Antunes e a Marcio Pochmann:


“O imperativo crucial nos dias de hoje é desprivatizar o
Estado”
Álvaro Kassab-
Jornal da Unicamp

O c apitalismo é em si e por si destrutivo. Ele ac umula destruindo forç a


humana que trabalha; ele acumula destruindo forç as produtivas que ele
torna inoperantes; ele ac umula destruindo o meio ambiente e a natureza.
Por que Bush não aceita o ac ordo de Kyoto? Porque o esquema americ ano
não tem como c ontrolar o nível de poluiç ão ambiental que a sua lógic a
destrutiva impõe. São menos de 5% da populaç ão mundial que consome
mais de 25% dos rec ursos energétic os do planeta.

O novo mundo do trabalho


O trabalho no novo mundo

O economista Marcio Pochmann


(Instituto de Economia) e o sociólogo
Ricardo Antunes (Instituto de Filosofia
e Ciências Humanas) analisam a
centralidade do trabalho e o papel a ser
desempenhado pelo Brasil no contexto
das profundas mudanças registradas
na sociedade pós-industrial.

Álvaro Kassab: Assistimos no universo do


trabalho ao advento de novas tec nologias
e de áreas do conhec imento até então
inexploradas. Ao mesmo tempo, observa-se
o dec línio das atividades c hamadas de
“chão da fábrica”, relegando a atividade Marcio Pochmann: “Estamos ingressando num
capitalismo pós-industrial em que a
industrial a um plano secundário, e o produtividade é cada vez mais sustentada no
surgimento de atividades –algumas trabalho imaterial. Estamos falando de
marcadas pela virtualidade– que fogem ao atividades do setor terciário, não mais
fortemente vinculadas ao setor agrícola,
figurino do que se convencionou chamar de pertencente ao segmento primário, e as
“emprego”. Que análise o senhor faz da atividades secundárias –como a indústria, por
centralidade do trabalho hoje? exemplo”. Ricardo A ntunes: “Como vivemos uma
era simbólica, a era involucral do capitalismo,
cada empresa precisa ter uma marca. A mpliam-
Marcio Pochmann: Estamos diante de se também os proletários do trabalho de
uma falsa disjuntiva que vem sendo tecnologias informacionais, o que Ursula Huws
chamou de cybertariado, o novo proletariado da
colocada pelo pensamento dominante. Ela era da cybernética. É preciso entender que a lei
pressupõe o seguinte: que os do valor hoje carece dessa nova morfologia
trabalhadores ac eitem os empregos presente no mundo do trabalho”.
possíveis gerados pela nova ordem
ec onômica internac ional ou, do c ontrário, a alternativa é o desemprego. De uma certa
forma, a sociedade está um pouco paralisada diante desse falso impasse.

Guardada a devida proporç ão, vivemos um momento parec ido com aquele registrado há
150 anos, quando o c apitalismo sofreu uma profunda transformaç ão c om o advento da
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150 anos, quando o c apitalismo / Actualidade
sofreu - Entrevista
uma profunda a Ri…
transformaç ão c om o advento da
segunda revoluç ão tec nológica. Entre outras novidades, foi introduzido o tear mec ânic o.
Essa mecanização tornava o homem um apêndice do proc esso produtivo e oferecia, do
ponto de vista téc nic o, uma jornada muito menor que a pratic ada no período.

Já era possível, por exemplo, o ingresso no mercado de trabalho a partir dos 15, 16 anos
de idade. A nova tec nologia abria a perspec tiva de uma profunda intensific ação do
trabalho c om enormes ganhos de produtividade. Tecnic amente, era possível, por
exemplo, uma jornada de oito horas por dia numa indústria têxtil de Manchester. Embora
isso fosse fac tível, as jornadas eram de 16 a 18 horas por dia, c om forte presença de
crianç as e adolesc entes no interior das empresas.

Foi nec essário um amplo movimento, que uniu as forças soc iais, polític as, c ientífic as e
ec onômicas, bem c omo a grande Depressão de 1920, duas Guerras Mundiais e uma
alternativa ao c apitalismo liberal (Revolução Russa, em 1917) para que fosse aberta a
perspec tiva de transformar a possibilidade téc nic a em realidade. Chegou-se então a uma
nova forma de organizaç ão do trabalho. A legislaç ão e as convenções coletivas
estabelec eram um patamar de relaç ões de trabalho que irrompeu o século XX
sustentado em jornadas de trabalho menores – de oito horas, por exemplo –, c om
ingresso no merc ado a partir dos 15 anos de idade, sendo que os adolesc entes antes
dessa faixa etária passaram a ter acesso à educ aç ão universal. Os trabalhadores
conquistaram também, a partir de 30-35 anos de trabalho, os benefícios da
aposentadoria.

Fiz essa digressão para chamar a atenção para o fato de que também estamos vivendo
um momento de profunda mudança na base téc nic a. Estamos ingressando num
capitalismo pós-industrial em que a produtividade é c ada vez mais sustentada no
trabalho imaterial. Estamos falando de atividades do setor terciário, não mais fortemente
vinc uladas ao setor agríc ola, pertenc ente ao segmento primário, e as atividades
secundárias –c omo a indústria, por exemplo.

São atividades em que a organizaç ão do trabalho é muito diferente. Não é mais o relógio
que organiza decisivamente o tempo de trabalho. Estamos diante de uma outra forma de
organizaç ão, já que o trabalho imaterial está submetido a um regime de maior
intensificaç ão. Passamos a conviver, por exemplo, com novas doenç as profissionais que
são evidentemente situaç ões de agravamento desse estado de c oisas.

Entretanto, continuamos disc utindo as condiç ões de trabalho ainda c omo herdeiros do
capitalismo do século XX. É prec iso c onsiderar que estamos diante de uma nova
possibilidade téc nica de organizaç ão do trabalho, com jornadas diárias de quatro horas
por três dias por semana, com ingresso no mercado de trabalho somente a partir dos 25
anos de idade. Antes disso, a pessoa deve ser totalmente integrada a uma educ aç ão
que deve ser rec ebida ao longo de toda sua vida, diante da c omplexidade da soc iedade
contemporânea. Ademais, estamos próximos também de chegar a uma longevidade que
vai bater ao redor dos 100 anos de idade, não mais nos 70 anos atuais ou – c omo era
há um século - de 40 anos.

Do ponto de vista téc nico, portanto, já é possível falar dessa nova c ondiç ão do
trabalho. Por conta disso, não pode c ontinuar prevalec endo a falsa disjuntiva c oloc ada
pelo pensamento neoliberal – e da qual nos tornamos prisioneiros –, c omposta pela
opç ão entre prec arizaç ão e desemprego. É plenamente possível que todos trabalhem.
Evidentemente que a c entralidade do trabalho permanece como um elemento de
organizaç ão da vida humana, mas, hoje, c om uma temporalidade muito menor.

No séc ulo XIX, alguém que vivia em média 40 anos c omeçava a trabalhar aos 5, 6 anos
de idade na agric ultura. Essa pessoa trabalhava de 14 a 16 horas por dia, até morrer.
Nessa soc iedade agrária, o trabalho c entralizava 70% do tempo de vida. Na sociedade
urbana e industrial do séc ulo XX, a c entralidade do trabalho, do ponto de vista do seu
tempo, é menor, já que estamos falando de alguém que vai trabalhar a partir dos 15, 16
anos de idade, continuará no ofíc io até os 60/65 anos e depois ainda viverá mais de 5 a
15 anos de inatividade, tendo trabalhado oito horas por dia. O tempo de trabalho, para
alguém que tenha vivido em média 70 anos, deverá representar alguma c oisa c omo 45%
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do tempo de vida.

Na soc iedade pós-industrial, se a história nos serve de referência, podemos pensar que
o trabalho deverá representar alguma c oisa em torno de 20 a 25% do tempo de vida de
alguém que possivelmente viverá 100 anos, ingressará no merc ado de trabalho a partir
dos 25 anos e trabalhará talvez até os 75 anos de idade. Sua jornada poderá ser de
quatro horas diárias durante três dias por semana.

Isso pode parec er alguma c oisa fora do horizonte, mas é uma utopia plenamente
possível de ser admitida na medida em que a gente olha a história do trabalho sob o
capitalismo e perc ebe esses avanç os. É c laro que essa possibilidade téc nica só será
possível se houver evidentemente uma c onc epção de que isso é factível, se houver
pressão soc ial e uma articulação política, ec onômica, social e c ientífica em torno dessa
nova questão do trabalho. Não tenho dúvida de que a gente pode marc har para essa
sociedade superior.

Ricardo Antunes: É importante destac ar que o mundo do trabalho, não só no Brasil,


mas em esc ala global, não é hoje unitendenc ial, mas politendencial ou multitendenc ial.
Os teóric os do fim do trabalho, essa tese unidimensional de meados dos anos 1980,
equivoc aram-se ao dizer que o trabalho estava em vias de desapariç ão.

Para mostrar o equívoc o c abal dessa tese, o país que mais c resc e hoje em termos
capitalistas, em esc ala global, é a China. Ela tem uma forç a de trabalho de mais de 800
milhões de pessoas, o que permite o rebaixamento da remuneração da forç a de trabalho
a um nível antes inimaginável. O nível de degradaç ão é tão grande que a forç a de
trabalho brasileira é considerada cara se comparada à c hinesa. A China adic iona um
mercado interno imenso, além de ter uma penetraç ão ampla no merc ado global. Possui
também estrutura de empresas em rede, c om um nível técnic o-informacional
razoavelmente desenvolvido e em expansão. Fic ou para trás o tempo em que a China
estava na retaguarda. Hoje, ela emerge c omo uma potênc ia, inc lusive no plano das
tec nologias avanç adas.

Tudo isso fez com que passássemos a ter um desenho muito multifacetado. O setor de
serviç os se merc adorizou. É natural que ele tenha assalariado um novo e enorme
contingente de força de trabalho. O telemarketing é um exemplo. No Brasil, o setor
emprega 600 mil pessoas, sendo que 70% dessa força de trabalho ou mais é feminina.
Os serviç os se sujeitaram à lógic a da ac umulaç ão. Não existem mais aqueles serviços
públicos que preservavam c ertos níveis de bem-estar soc ial; eles foram quase todos
privatizados. A telefonia brasileira é exemplar nesse c ontexto. Por outro lado, não
ac redito que a atividade industrial tenha sido relegada a um segundo plano. É preciso
tomar c uidado. O que acontec eu é que ela foi inteiramente reelaborada. Não há país
hoje que não tenha uma mescla de serviç os c om a indústria – daí vem a expressão
serviç os industriais. Há uma imbricaç ão importante. Acabou a chamada teoria dos três
setores – agric ultura, indústria e serviços. Hoje se tem uma c oisa muito mais
interpenetrada – por exemplo, a agroindústria, que enc anta tanto o lulismo.

Na medida em que houve mais interpenetraç ão do que setorializaç ão, a classe


trabalhadora esparramou-se. Você enc ontra trabalhadores industriais na Honda ou na
Toyota, na região de Campinas. Acontec e que não é mais aquela planta taylorista e
fordizada em que havia, num passado recente, com milhares de trabalhadores. As
unidades são enxutas. O maquinário téc nico-operacional é avançado e a estrutura das
empresas é menor e espraiada em um sistema de redes e c ontratadas.

Com essa estrutura em rede, além da redução dos custos das empresas, os capitais
busc am fraturar a organizaç ão de classe dos trabalhadores. Registrou-se uma retraç ão
do proletariado industrial taylorista e fordista, e uma ampliação das múltiplas formas de
assalariados. A indústria tem peso, mas ela está na imbricaç ão com os serviç os, c om a
agricultura e c om o setor financeirizado. É importante lembrar que a financ eirizaç ão não
existe sem lastro material.

Num plano mais geral – impresc indível, porém –, falar no fim do trabalho é, no limite,
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insustentável. Se eu tiver uma c onc epç ão ampliada de trabalho, c omo sinônimo de
atividade humana vital, todas as formas de sociabilidade humana, desde o passado mais
remoto até as projeç ões mais longínquas, estão a ele assoc iadas. Num plano ontológic o,
a humanidade não pode reproduzir-se sem trabalho, aqui entendido como atividade vital
que produza bens soc ialmente úteis.

Eu diria que sua c entralidade hoje se coloca em vários planos. Primeiro: uma tendênc ia
prevalente a não se ter mais o trabalho de que falava Taylor – manual e físic o. Estamos
numa uma era em que o trabalho passa a ser gerador de valor nas suas múltiplas
fac etas. O dado novo são aqueles trabalhos que trazem dentro si níveis de informaç ão –
certos nexos de trabalho intelec tual e até mesmo imaterial – que passam a agregar
valor.

É sintomátic o que o slogan da fábric a da Toyota, na c idade japonesa de Takaoka, seja


“bons pensamentos significam bons produtos”. Um traç o importante é que o c apital
supriu a crise da indústria taylorista e fordista a partir de uma nova engenharia
produtiva, chamada empresa flexível, liofilizada, que reduz muito mas não pode viver
sem alguma modalidade de trabalho humano vivo.

Entretanto, aquele trabalhador que nela permanec e labora em todas as dimensões,


manual e intelec tual, físic a e cognitiva. As empresas o c hamam de “parc eiros,
colaboradores e c onsultores”. São formas falac iosas que passam a idéia de que ele é um
partícipe, um sóc io, um parceiro.

Para c ompreender a nova centralidade no mundo do c apital, é prec iso entender também
o papel desempenhado por aquele trabalho mais dotado de tecnologia de informaç ão. Ele
é relativamente mais intelec tualizado – não no sentido de uma intelec tualidade plena –
mas que atua de modo relevante na c riaç ão de merc adorias. Como vivemos uma era
simbólic a, a era involuc ral do c apitalismo, cada empresa precisa ter uma marca.
Ampliam-se também os proletários do trabalho de tecnologias informacionais, o que
Ursula Huws c hamou de cybertariado, o novo proletariado da era da c ybernétic a. É
preciso entender que a lei do valor hoje c arece dessa nova morfologia presente no
mundo do trabalho.

A massa de desempregados é outro pólo muito importante. A OIT fala em 195 milhões,
mas penso que seja muito mais do que isso. A contabilizaç ão real do desemprego da
China e da Índia, por exemplo, deve ser bastante desconhec ida. Ademais, as
estatísticas não levam em c onta o desemprego por desalento – aquele indivíduo que não
procura mais trabalho porque desistiu - e nem aquele que trabalha prec ariamente
algumas horas por semana. Existem formas que ac abam esc ondendo o desemprego, que
é mais amplific ado. Por fim, só posso entender por que existe esse c onjunto de
desempregados a partir da c entralidade do trabalho. É no mundo da c riaç ão do valor que
é possível prec arizar, desempregar e mesmo “excluir”. Trata-se de um conjunto imenso
de seres soc iais que se inc luem pela via da exc lusão. Como há um exc edente imenso de
força sobrante de trabalho, os capitais levem a remuneraç ão da folha a um nível muito
baixo. As c ondiç ões de trabalho, por sua vez, quando se pensa nas maiorias, são cada
vez piores.

As indústrias automobilísticas européias, por exemplo, estão ampliando a jornada de


trabalho, ao c ontrário de uma tendênc ia que já vinha sendo vivenc iada há várias
déc adas. Estão depauperando a c lasse trabalhadora, processo que atinge inc lusive seus
extratos mais altos. Por isso que venho defendendo a tese de que já vivemos a era da
precarização estrutural do trabalho.

Mais: vivemos uma c ontradiç ão visceral. A era da informatização, ou seja, do mundo


informacional, maquinal, digital, c orresponde à époc a da informalizaç ão do trabalho.
Quando poder-se-ia esperar que um melhor aparato téc nic o-c ientífico pudesse melhorar
as c ondiç ões do trabalho, nós estamos presenc iando o oposto, porque a lógic a técno-
científic a é movida pelos interesses destrutivos do capital. Por isso, em vários setores, o
trabalho está se tornando quase virtual. Mas é preciso c ompreender seu significado para
o c apital e o papel desempenhado nos últimos anos pela China e pela Índia mostra que é
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insustentável a tese de que o trabalho é irrelevante para a c riação do valor.

Álvaro Kassab: Qual o papel do trabalhador brasileiro nessa nova c onfiguração?

Marcio Pochmann: Historic amente, assumimos uma desvantagem por força do atraso a
que se foi relegada pelo c onjunto de erros de nossa elite. Fomos montar automóvel
quase 70 anos depois de ele ter sido inventado. Este atraso nos impôs c onseqüênc ias,
já que sempre fomos um país da periferia do capitalismo. De uma c erta maneira, estamos
vivendo neste iníc io de séc ulo uma oportunidade singular. Isso porque, se é verdade que
estamos diante de uma revoluç ão tec nológica que altera a base téc nica do capitalismo
e impõe c onseqüênc ias na própria organizaç ão do trabalho, inegavelmente esta é a
primeira vez que o Brasil está muito próximo – diria que até partic ipando – deste
momento de mudança na base téc nica.

Na primeira revoluç ão tec nológica, no séc ulo 18, o Brasil era c olônia de Portugal. As
novidades protagonizadas pela Inglaterra passaram muito distantes do Brasil. Na
segunda revoluç ão tec nológica, no final do séc ulo 19, a indústria automobilístic a, o
motor a c ombustão, o petróleo, o telefone etc , também passaram muito longe de nós.
Estávamos à époc a envolvidos c om o anac ronismo do trabalho esc ravo e fazíamos –
sem ruptura - a passagem do Império para a República. Lamentavelmente, fic amos para
trás.

Hoje, o Brasil tem uma base de pesquisa que está longe do ideal, mas é algo que nós
nunca tivemos quando analisamos sob uma perspectiva histórica. Temos universidades,
laboratórios e c entros de pesquisas que não deixam a desejar em relaç ão a c entros do
primeiro mundo. Temos uma base de qualific ação da mão-de-obra que está em plena
condiç ão de partic ipar dessa transformaç ão tecnológica, seja o trabalhador um
pesquisador ou operador.

Se olharmos algumas áreas, como por exemplo, os c ampos da biotec nologia, da pesquisa
e de matriz energétic a, podemos identific ar importantes oportunidades que o Brasil pode
ou não aproveitar. Temos hoje uma chanc e que não tivemos no passado.

Entretanto, Celso Furtado sempre lembrava que o Brasil é o país das oportunidades
perdidas... Estamos completando 22 anos de democracia e não há em quem c oloc ar a
responsabilidade. Não temos mais o regime militar, o anac ronismo do trabalho escravo, o
colonialismo. O negócio agora depende do povo, de sua elite, para que seja dado o salto
de qualidade, como outros países aliás vêm fazendo.

É c onstrangedor saber que, em duas décadas de democrac ia, o país c ontinuou


marcando passo. A democ rac ia apresentou um c onjunto de proposições que não foram
cumpridas. Perdemos posiç ões em relaç ão a muitos países que c onseguiram avançar de
forma signific ativa.

Ricardo Antunes: O Brasil seguiu o c aminho mais trágic o. Nós nasc emos como apêndic e
do mundo mercantil europeu. Os portugueses e os espanhóis vieram para a Améric a
Latina, destruíram as comunidades indígenas, introduziram o trabalho esc ravo e criaram
colônias de exploração, proc esso que avançou por vários séc ulos.

Foi com o getulismo, a partir de 1930, por meio de um proc esso complexo, que o Brasil
começ ou a estruturar c om um desenho industrial nac ional. Começ ou a ser gestada uma
indústria de base, com siderurgia, petroquímic a etc. O papel do Estado foi importante
nesse proc esso. Desenhou-se pela primeira vez uma soc iedade denominada “nac ional-
desenvolvimentista”.

Com o golpe de 64, houve uma segunda mutação importante. A primeira oc orreu com
Juscelino, que de c erto modo preservou o modelo desenvolvimentista, mas abriu uma
cunha internac ionalizadora muito grande c om a indústria automobilística. A ditadura
militar investiu no destrutivo, ampliando fortemente a inserç ão do c apital privado
internac ional, sem fazer definhar o setor produtivo estatal.

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Com Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e a continuidade do governo
Lula, o setor produtivo estatal foi desestruturado. A Companhia Siderúrgica Nac ional,
por exemplo, é hoje uma grande transnacional, uma das maiores do mundo. Ela foi
vendida c omo moeda podre, c omo o foi em grande medida as empresas privatizadas
fundamentalmente sob o governo Fernando Henrique Cardoso. O Brasil, a partir dos anos
90, inseriu-se no mundo produtivo global pelo pior c aminho – sendo uma espécie de
fornec edor em algumas áreas industriais e de serviços relevantes. Somos um continente
imenso marc ado por uma industrialização relativamente tardia, com um mundo rural
bastante desestruturado. Nós não tivemos uma reforma agrária que modernizasse a
estrutura rural brasileira. Nossa modernizaç ão agrária veio pela via conservadora,
preservando a estrutura concentrada da terra.

Quando o neoliberalismo e a reestruturação produtiva – duas peç as do mesmo c omplexo


– aqui foram implantados, fez-se o desastre. A reestruturaç ão alterou profundamente o
mundo da materialidade – empresa enxuta, c oncentração, oligopolização,
monopolização, sob o comando da financeirização. Já o neoliberalismo c riou esse ideário
e pragmátic a de que era prec iso privatizar e “modernizar”. Privatizou-se tudo. Até o
setor bancário, que era estatal e nacional, hoje é menos estatal e muito menos
nac ional.

Então nós nos inserimos c omo uma ponta do cenário internac ional. O que eles esperam
da gente? Em c erto sentido, o que se passa agora com o agrobusiness é a expressão. É
quase que uma regressão neocolonial. Imagine o país inc endiando c anaviais...O que o
senhor Luiz Inác io Lula da Silva apagou muito rápido da sua memória é que nos canaviais
laboram homens, mulheres e crianç as em condiç ões indignas de semi-esc ravidão.
Sabemos que os trabalhadores c ortam 12 toneladas por dia ou mais, aqui no Sudeste,
freqüentemente burladas e fraudadas pelos usineiros. São 9 mil, 10 mil podadas por dia,
que levam ao destroçamento do c orpo laborativo.

Vamos fazer do Brasil um país de canaviais. Para quê? Para aumentar o aquec imento
global e o assalariamento mais primitivo da c lasse trabalhadora? Esse tem sido o
caminho de nossa inserç ão no mundo global. E, nessa via, a lógic a é destrutiva.

Depois desse desmonte, é evidente que as c ondiç ões de penúria da c lasse trabalhadora
são imensas. Bastaria dizer que temos hoje mais de 50% dos trabalhadores na
informalidade e os c apitais querem mais. Sem c ontar que na concorrência chinesa e
indiana no setor têxtil, de c alç ados e em tantas outras áreas, nós estamos em
condiç ões desfavoráveis.

Álvaro Kassab: O Estado vem tendo seu papel reduzido, quando não questionado.
Conquistas históricas são c oloc adas à prova ou suprimidas – sobretudo na área do bem-
estar social – sob o pretexto da c riaç ão de novos postos ou, em última instânc ia, de
uma “flexibilização” de regras que vigoraram durante déc adas. A que o senhor atribui
essa reestruturaç ão produtiva e em que medida ela determina a supremacia do mercado
sobre o Estado?

Marcio Pochmann: Estamos submetidos a uma c egueira situacional. O Brasil abandonou


a perspectiva do planejamento estratégic o e o diálogo c om o futuro, ficando prisioneiro
do curtíssimo prazo. Isso nos impõe à lógica de financ eirizaç ão da riqueza e, por
conseqüênc ia, a dualidade da flexibilizaç ão rumo à prec arizaç ão ou ao desemprego.

É c laro que se a análise for feita sob o ponto de vista históric o, a Revolução de 30, por
exemplo, representou uma frente política que tinha uma diversidade ideológic a – de
visões fascistas a comunistas. Mas havia o consenso de que se tratava de um grupo, a
despeito das diferenç as, que buscava uma sociedade muito diferente daquela na qual
enc ontrava-se o Brasil no período. Nosso ponto de partida, então, deu-se numa
sociedade muito anac rônica.

Em um período relativamente c urto, de três a quatro déc adas, a soc iedade brasileira deu
um salto muito grande e modernizou-se. De 1930 a 1980, constituiu-se uma c lasse
trabalhadora pujante. Consolidamos uma classe média assalariada relevante, a despeito
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das desigualdades e de não termos feito muitas das reformas exec utadas pelos países
capitalistas c ivilizados, entre as quais a agrária e a tributária. Não fundamos também as
bases de um sólido Estado de bem-estar soc ial.

No período mais rec ente, ac eitamos uma posição inferior. Estamos ac omodados à
subordinação nessa nova divisão do trabalho. Ela c oloc a, de um lado, o trabalho de
concepção, c riativo, relacionado às novas tec nologias – o trabalho imaterial, de maior
remuneraç ão – e, de outro, o trabalho de execução, mais simplificado, precarizado, de
menor remuneraç ão. Frente a essa nova divisão, cada país vai fazendo sua escolha.
Assim como o Brasil decidiu se industrializar nos anos 30. Era esse o c aminho que
viabilizava a c onsolidaç ão de uma classe trabalhadora, de uma c lasse média, de uma
sociedade mais moderna.

Hoje, de uma c erta maneira, o país se encaminha para uma situação mais próxima do
trabalho prec ário. Não estamos dando um salto de qualidade. Não estamos ingressando
nessa fase de trabalho de concepção, de c ombinar tecnologias com investimentos, bens
públicos c om privados. Isso nos permitiria desenvolver o trabalho criativo e imaterial.
Será ele que nos fará ter melhor remuneraç ão e maior ganho de produtividade.

Ricardo Antunes: A c ompetitividade global de hoje nasc eu sob a égide da


reestruturaç ão produtiva e do neoliberalismo. Hayek, Friedman e outros diziam muito
claramente que o Estado é o c aminho da servidão. E qual o c aminho da libertação, para
esses ideólogos? O merc ado.

E, para eles, quem são os inimigos do merc ado? Os sindicatos, a “c orporaç ão do


trabalho”, c omo eles diziam. Nesse ideário, o Estado deve ser profundamente alterado,
deve-se instaurar um estado todo privatizado. Ele deve abandonar toda a sua atividade
que prevê – e provê – educ ação públic a, previdênc ias, direitos, rede de proteção soc ial
do trabalho etc . Prega a transferênc ia para o setor privado de tudo o que for passível
de interesses mercantis. Estamos numa época em que até as cadeias são administradas
pelas empresas. Nos Estados Unidos, isso já é uma tendência – é possível tirar lucro do
cárcere, dos hospitais, das esc olas. Educaç ão hoje é um negóc io. A escola não é mais
concebida como um valor decisivo para a educ aç ão da humanidade.

Não concordo com essa tese de que o papel do Estado desaparec eu. O que acontec eu
é que o Estado se privatizou. De tal modo que o imperativo c ruc ial nos dias de hoje é
desprivatizar o Estado. Um exemplo cabal disso é que os Estados hoje c onvivem c om
banco centrais que controlam, por uma lógic a exc lusivamente financ ial e privatista, as
polític as ec onômic as e monetárias.

Álvaro Kassab: Num país onde são muitas as carênc ias c omo é o c aso do Brasil, o que
cabe ao Estado? Em que medida a formulaç ão de políticas públic as pode atenuar um
quadro que c ombina informalidade, precarização da mão-de-obra, fuga de c érebros,
forte desregulamentação e explosão do desemprego em áreas metropolitanas? O que
pode ser feito?

Marcio Pochmann: Não é possível dar um passo rumo à modernidade sem que o Estado
esteja presente. Precisamos resgatar a agenda que o movimento de redemocratização
nac ional apresentou ao país a partir dos anos 1970 e no iníc io da déc ada de 1980. A
tese da reforma do Estado foi basicamente apropriada pelo pensamento conservador.
Exemplo: quando se fala nela, o que se imagina é a sua redução – fala-se em c orte de
gastos, Estado inc hado, inc ompetente, c oisas desse tipo.

É fundamental ter um Estado c om c apacidade de lidar c om as questões da “velha


pobreza”, assoc iando-as às novas questões coloc adas hoje. É prec iso implementar uma
reforma administrativa que dê c onta dessa nova realidade. O Brasil, nos últimos 25 anos,
perdeu 2,5 milhões funcionários públicos. Quinhentos mil deles foram engolidos pela
privatizaç ão – houve a transferênc ia de 15% do setor produtivo estatal para o setor
privado. Cerc a de dois milhões de postos desaparec eram em razão da terc eirizaç ão e da
rac ionalização privatista do setor público.

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Hoje, o Brasil tem uma inc apac idade enorme de implementar um planejamento. A
situaç ão do Estado de São Paulo é emblemátic a. Basta ver o que ac ontece com
empresas c omo o Metrô, por exemplo, que já foi referênc ia em engenharia na América
Latina. O problema da cratera demonstrou justamente a perda de efic ácia da empresa –
não havia sequer um engenheiro para fazer um laudo técnico.

Houve, inegavelmente, uma degradaç ão do Estado brasileiro, do seu c orpo de


funcionários. Se o país quiser ter uma regulaç ão pública adequada, se quisermos ter
capac idade de planejamento, o Estado tem de ser recuperado. É prec iso estar atento –
e atuante – aos desafios do séc ulo XXI.

O movimento de redemoc ratizaç ão nac ional c hamava a atenção para o fato de que o
governo da ditadura militar já havia privatizado o espaç o públic o. Essa é uma questão
que merec e ser destacada. A soc iedade brasileira, até o início dos anos 1960, tinha um
espaç o públic o que hoje está muito reduzido. Ele foi apropriado pelo privado. A
sociabilidade está sendo c onstruída dentro dele. A c omeç ar pelo shopping c enter, que
hoje é onde as pessoas podem c aminhar com uma certa seguranç a. Entretanto, na
déc ada de 1960 a populaç ão tinha a opç ão do passeio, da praç a públic a. As pessoas
caminhavam, andavam nas ruas. Nós perdemos essa c aracterístic a. Parte dessa
distorç ão é dec orrente da ditadura militar, cujo período foi marc ado pela privatização do
Estado.

A redemoc ratizaç ão nac ional não c onseguiu rec uperar isso. Ac redito até que houve um
avanç o muito grande da ideologia merc antil. Isso c ria uma c rise de reproduç ão social.
Estamos convivendo hoje c om ela. Não conseguimos dar uma resposta que se imaginava
e se pretendia. Fic o muito preocupado – o país não tem cultura democ rátic a. Em mais
de 500 anos de história, não temos 50 anos c om democ rac ia c om voto universal. Trata-
se de uma questão de fundo. Ela está c oloc ada como desafio para todas as gerações
que vivem este momento e para aquelas que estão por vir.

Ricardo Antunes: Aquela idéia de que podemos voltar ao Estado keynesiano, forte e
regulado, passou a ser parte da história. Se nos países escandinavos, na Alemanha e na
Inglaterra, para fic ar em alguns exemplos, isso sofreu um proc esso de c orrosão, no
Brasil, que sempre teve pouc a tradiç ão, foi pior. O capitalismo c onseguiu sepultar essa
tese nas última três décadas.

Isso c oloc a uma questão mais profunda. Há dois modos de fazer polític as públicas
sociais hoje. Dentro do neoliberalismo ou, na melhor das hipóteses, dentro do soc ial-
liberalismo, que tanto enc antou Tony Blair e outros. Neste último caso, é uma mesc la de
neoliberalismo com um verniz soc ialdemoc rátic o bastante desgastado.

Essa política mais foc ada serve apenas para atenuar os problemas de bolsões onde a
desintegração e o esgarç amento do tec ido social chegaram a um nível insuportável. O
Bolsa-Família é um exemplo dessa polític a. Atinge aqueles que estão nos bolsões do
desemprego e da informalidade e precisam de um quantum para poder sair do nível letal.

Entretanto, seria possível também pensar em políticas públicas antineoliberais. São


Estados dotados de forç a e densidade soc ial e popular que utilizam a força polític a em
benefíc io das maiorias, ainda que sob a uma forma minimizadora da barbárie. O que a
imprensa e setores da intelec tualidade c hamam freqüentemente de “populismo” na
América Latina (na minha opinião, uma c ategorizaç ão absolutamente insufic iente).

Por exemplo: quando o governo Chávez, no iníc io de seu primeiro mandato, obstruiu a
privatizaç ão da estatal petrolífera venezuelana, impedindo que a grande riqueza do país,
que é o petróleo, c aísse nas mãos de uma oligarquia e dos interesses norte-americ anos,
isso é uma polític a públic a c laramente antineoliberal. Por isso a imprensa em geral, que é
privatista em grande medida, apresenta Chávez c omo uma figura grotesc a. Já Lula
vergou-se fac ilmente aos grandes interesses.

Quando Evo Morales dec idiu nac ionalizar o gás, houve uma grita no Brasil. Era o mínimo
que ele podia fazer, até porque a maioria do povo boliviano, que o esc olheu, c lamava
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por isso. Eles queriam a nacionalizaç ão. Quando Morales implementou a medida,
enc ontrou na Petrobras uma transnacional c omo qualquer outra. A empresa estava
ávida de saques. Sua pauta era a mesma de outras transnacionais.

Com isso, quero deixar c laro que não é qualquer política que pode c ontraditar. É prec iso
um Estado que tenha alto respaldo popular. Do contrário, o Estado pode tomar c omo
polític as públic as essas medidas foc alizadas, implementadas apenas para minimizar os
bolsões, que tanto agradam o Banc o Mundial e o FMI. Na verdade, o desafio dos
governos venezuelano, boliviano e equatoriano, para fic ar em três experiênc ias
rec entes, não é minimizar os bolsões, mas sim resgatar a dignidade, as condiç ões de
vida e a riqueza de seus países em beneficio dos seus povos.

O Estado é um ente político que, sob pressão popular, pode ajudar a c ontraditar essas
tendênc ias tidas como inevitáveis, mas não o são. Se elas fossem inevitáveis, a política
estaria c ompletamente colonizada e desertific ada, e o mercado dominaria tudo. Mas é
preciso c ompreender as múltiplas formas de resistência, que ocorrem onde há força e
impulsão popular.

Vejamos a questão da flexibilização. Nós vamos flexibilizar para tornar a nossa classe
trabalhadora mais empobrec ida e mais fragilizada, ou nós vamos dizer que o nível de
exploraç ão tem limite? A polític a públic a neoliberal vai dizer que prec isa flexibilizar para
gerar mais emprego. Pura mistific aç ão. Até porque o que gera emprego é outra coisa.
Como as tecnologias são poupadoras de forç a de trabalho, pode haver muito
cresc imento sem o equivalente cresc imento do nível de emprego.

Álvaro Kassab: Fala-se, também, que o grosso da mão-de-obra do país está


empregado em funç ões c ujos produtos delas decorrentes têm baixo valor agregado e,
portanto, não são c ompetitivos num merc ado cada vez exigente. Critica-se da mesma
forma o fato de investirmos pouc o em inovação tecnológic a. Afinal, qual é a vocaç ão do
país?

Marcio Pochmann: Estamos diante de uma agenda que nos apequenou. Não há um
planejamento que indique qual a soc iedade que pretendemos ter daqui a duas déc adas.
Quando, por exemplo, fic a estabelecida em 1943 a CLT (Consolidaç ão das Leis do
Trabalho), vê-se que ela foi feita basic amente para um c onjunto reduzido de
trabalhadores. A maior parte deles morava no c ampo e a c arteira de trabalho era algo
muito distante. Entretanto, três déc adas depois, já estamos falando de uma soc iedade
majoritariamente assalariada e c om c arteira assinada. Ou seja, houve a c onstrução de
um ideal de uma soc iedade, dentro de uma visão de futuro. Perdemos isso atualmente.

Determinadas oportunidades vêm nos empurrando para uma sociedade mais primitiva.
Vejo, com espanto, as dec laraç ões de lideranç as políticas e empresariais, que estão
impressionados c om o que eles denominam de novo c iclo da c ana-de-aç úcar, já que o
país é um dos poucos que tem capac idade de dobrar a área plantada. Trata-se de um
ufanismo invertido. O Estado de São Paulo, cuja vocaç ão é industrial, é responsável por
70% da c ana no país. Isso é uma distorç ão. Estamos voltando à c ondiç ão de produtores
de bens primários.

Essa opção nos tira a possibilidade de aproveitar o melhor que a mudanç a de base
téc nica nos oferec e. E isso prec isa ser feito antes que surja um forte movimento de
monopolização. Em 1890, por exemplo, na transição do Império para a Repúblic a, Rui
Barbosa – um industrialista – estava muito envolvido na tentativa de formar um partido
republic ano que pudesse ter como c onvergênc ia nac ional a industrializaç ão. Ele não foi
capaz de c onstituir esse movimento. Qual foi a alternativa c riada? A polític a de “c afé
com leite”, movimento dos governadores que enfraqueceu o Estado nacional e
fortalec eu as oligarquias.

Se o Brasil tivesse se industrializado no final do século XIX, c omo o Japão o fez, quando
a tecnologia ainda não estava monopolizada, a história seria outra. Havia, por exemplo,
várias possibilidades de construç ão de automóvel. Porém, já início do século XX, a
tec nologia já estava monopolizada pelo padrão fordista.
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Se c onsideramos que hoje uma nova base técnica está sendo introduzida, apropriar-se
das tecnologias produzidas por ela para integrar-se no sistema produtivo é
relativamente mais fác il, já que elas ainda não estão monopolizadas. Mas, o debate na
Organização Mundial do Comérc io hoje já está centrado na propriedade intelec tual.
Evidentemente que, daqui a alguns anos ou décadas, as novas tec nologias estarão
monopolizadas. Seu uso se tornará mais difíc il e será subordinado aos interesses
daqueles que as detêm.

Ricardo Antunes: A voc ação que nos ensinaram a ter é aquela que nasceu c om a
nossa gênese c olonial. Nosso papel é servir para fora. É evidente, porém, que esse
papel nos foi introduzido inicialmente pelas burguesias merc antis que para c á vieram.
Depois, outras se sucederam.

O nosso desafio é caminhar numa direç ão muito diferente. Nós temos um merc ado
interno imenso. Nossa força de trabalho c hega a 80 milhões de pessoas. Temos terra e
riquezas minerais, água etc . Não podemos c oloc ar esse manancial a serviç o do saque
dos c apitais globais. Nós teríamos de ter uma vocação por meio da qual a nossa
produç ão contemplasse primeiramente as necessidades fundamentais do nosso povo.

Posso exemplificar c om essa pergunta: produzir etanol ou produzir alimentos para a


populaç ão? O merc ado interno formado pelo mundo do trabalho no Brasil, uma vez
qualific ado, fortalecido e dignamente remunerado, seria propulsor dessas nec essidades
úteis e vitais.

A primeira medida seria, portanto, inverter completamente esse modo de conceber a


produç ão, desde nossa gênese voltada para a suc ção forânea. Sessenta por c ento da
riqueza do Brasil vai para fora. Isso faz sentido? Pode-se argumentar que o país estaria
remando c ontra a globalizaç ão. Mas é c laro. Essa globalizaç ão é dos c apitais, das
transnac ionais e da merc adorizacão do mundo.

É lógic o que não é possível fazer isso isoladamente. Mas basta ver o esforço da
Venezuela, Equador, Argentina e Bolívia para saber que é factível. Chávez sabe que a
Venezuela sozinha não c onseguirá fazer muita c oisa, mesmo porque o país não tem
indústria, nem serviços e nem agric ultura fortes. E o que ele fez? Promoveu a c riaç ão de
cooperativas para produç ão de alimentos. Estive recentemente duas vezes na
Venezuela e vi um proc esso de auto-organizaç ão popular muito interessante. Volta a ser
pauta da agenda de um país latino-americ ano a questão do socialismo no séc ulo XXI.

Nesta c ontextualidade, é triste ver o Brasil ser c oloc ado c omo posto de anc oragem do
Bush. Quer ser uma esquerda mais palatável – a esquerda da era das c ommodities e do
etanol. Lula sonha com o papel de tertius. Trata-se de mais um sonho que nem os
espelhos serão c apazes de retratar. Lula não é nem Chávez nem Bush. Ele quer tirar
vantagem dos dois. Ele não quer nem a direita mais dura nem a esquerda mais vigorosa.

A posiç ão do Brasil tem sido tão pífia que quando o Kirchner, anos atrás, determinou o
não-pagamento da parc ela privada da dívida externa argentina, o Brasil não se dignou a
fazer sequer um telefonema, nada por não desagradar o Fundo Monetário Internac ional.
O governo Lula renunciou a esse papel de ajudar a formar um bloc o para sair do
isolamento.

Como se pode falar em inovaç ão tecnológic a, quando as grandes transnac ionais a fazem
nos países c entrais? Ac eitamos esses pacotes prontos das transnacionais, não temos
ac esso às suas tecnologias. Seguindo o receituário neoliberal, os governos, na última
déc ada e meia, desmontaram os núc leos autônomos de pesquisa, de tal modo que hoje
nós dependemos também da propriedade intelec tual produzida nos países c entrais. Aqui,
a polític a dos governos é de dilapidaç ão das universidades públic as. Elas são, junto c om
os institutos públicos, alguns dos setores importantes da pesquisa científic a nacional
mais livre e por isso vivenc iam uma escassez imensa de rec ursos.

Temos que pensar numa inversão. Isso implica em indagar: que sociedade nós

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queremos? A questão é fulc ral. Nós queremos 1) preservar a sociedade c apitalista na
sua variante destrutiva?; 2)nós imaginamos que seja possível criar um c apitalismo justo,
belo, onde todos vivam segundo as regras das mesmas “oportunidades” – um sonho
dourado numa noite de inverno; e 3) ou nós temos de pensar num novo tipo de
sociedade, num novo modo de organização soc ietal, num novo sistema de metabolismo
societal que nos c oloque para além do c apital?

Isso nos obriga a pensar o que será – ou poderia ser – o soc ialismo no século XXI. No
passado recente, essa questão era vista como utópica. Hoje, entretanto, existem
governos, partidos e movimentos soc iais que pregam essa mudança. As reuniões de
todos os fóruns sociais mostram que outro mundo é possível. Este é o desafio c ruc ial.
Não parec e c rível que o mundo atual seja o “fim máximo da história”. Estamos
desafiados a pensar quais são esses caminhos novos.

Álvaro Kassab: Qual o peso da polític a ec onômic a na geração de empregos e no mundo


do trabalho? Com o senhor analisa o c aso brasileiro?

Marcio Pochmann: A política ec onômica é determinante. O emprego não é uma variável


indeterminada, que pode ser estabelecida a partir da vontade própria. O emprego está
associado diretamente ao c omportamento mais geral da política ec onômica. É ela que
define as possibilidades de maior ou menor demanda da forç a de trabalho.

Constatamos que, nas últimas déc adas, essa polític a perdeu o c ompromisso com o
cresc imento econômic o. Ela é basicamente a expressão de um c onsenso em torno do
combate à inflação. Os resultados dessa opç ão favorecem muito pouc os. Culminam
numa economia de baixa produtividade em que os principais resultados do exc edente
terminam sendo financeirizados e apropriados por uma elite.

É inimaginável acreditar que o país possa dar um salto de qualidade c om a essa polític a
mac roeconômic a adotada hoje. Ela é expressão de uma agenda amesquinhada. O país
não pode ter como objetivo a inflação baixa, que é um c ondic ionante do bem-estar
social. Cabe registrar que a inflaç ão, desde a segunda metade da déc ada de 1990,
praticamente desaparec eu do mundo.

Acredito que não seja um problema técnic o, do tipo “o que pode ser feito na polític a
mac roeconômic a?”. Já é sabido o que é preciso ser feito. A pergunta é: por que não se
faz? Na minha opinião, há um constrangimento de ordem polític a. Não há uma nova
maioria que c oloque a questão do desenvolvimento econômico-soc ial c omo prioridade.
Não se c onstruiu uma frente polític a que pudesse dar sustentaç ão à mudança. De
maneira geral, nas últimas eleiç ões presidenc iais, o voto da populaç ão tem sido de
protesto. O eleitor quer reformas. Embora os discursos em geral tenham pregado
mudanç as, elas não têm ocorrido.

Volto à questão do movimento de redemocratização nacional. O proc esso dele derivado


não c onseguiu oferec er uma base polític a nec essária para que fosse dado um salto de
qualidade. Nós temos hoje uma fragmentaç ão. É lógico que vários segmentos têm
projetos e base polític a, mas eles são insufic ientes e inc apazes, espec ialmente porque
essa soc iedade que construímos nas últimas duas décadas é muito diferente daquela
que produziu o movimento pela redemocratização. Estou falando de uma soc iedade que
se estruturou em torno da industrializaç ão e da urbanizaç ão.

Hoje, observamos o desmonte dessa mesma sociedade. Constatamos o enxugamento da


classe média, o esvaziamento da c lasse trabalhadora e um imenso inc hamento de um
segmento que pode ser c lassificado c omo de agregados soc iais ou de “desc lassados”.
São segmentos inclusive que não constituem uma base polític a necessária para que
possa ser feita uma mudanç a radic al na polític a macroec onômic a. Sem base polític a, é
possível que c ontinuemos mais tempo reféns desse quadro que, na minha opinião, é de
regressão ec onômica e soc ial.

Ricardo Antunes: No plano mais geral, o capitalismo vem c resc endo sem gerar
emprego. Isso é para não termos mais a ilusão desenvolvimentista do Estado keynesiano
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dos anos 40 e 50. Há um segundo plano, mais imediato, que também considero
importante: c omo no mundo atual a lógica é agudamente destrutiva, é evidente que
uma política ec onômica, que de algum modo contradite essas tendênc ias, pode minimizar
o desemprego. E isso é positivo, dada a amplitude do flagelo.

Se o Brasil tivesse uma política ec onômica que não fosse totalmente pautada nos juros
altos, no superávit primário e nessas medidas que marc am esse receituário que vem
desde o Consenso de Washington, é óbvio que ela teria reperc ussão no plano do
emprego.

A Argentina, que seguiu isso ao pé da letra, especialmente no governo Menen,


desindustrializou-se brutalmente. O país foi destroç ado. Muito moderadamente, dentro
da ordem, Kirchner não seguiu alguns dos rec eituários. Diziam que a Argentina ia entrar
em falênc ia, mas hoje ela está cresc endo 9% ao ano.

Os c apitais querem as c ondições ideais, mas eles querem também o saque. Quando eles
não têm as c ondições ideais, ainda assim c ontinuam saqueando. Quando mais
gendarmes forem os governos, melhores são as condições para essa suc ç ão. Soros dizia
antes das eleiç ões de 2002 que Lula poderia trazer problemas para o merc ado.
Rec entemente, ele disse ao jornal Valor Ec onômic o que Lula era um fiador do merc ado. É
a gestaç ão do gendarme.

Uma polític a econômic a que fizesse uma reforma agrária e quebrasse o monopólio do
latifúndio teria uma reperc ussão enorme na polític a de emprego no Brasil. Um governo
que aumentasse significativamente o salário mínimo, de modo que a classe trabalhadora
pudesse c onsumir, também teria forte impac to social.

Num dado momento, a comparaç ão c om o passado é importante para ver os níveis de


degradaç ão e de piora a que chegamos. O salário mínimo (c oncebido desde o getulismo
e que está até hoje na Constituiç ão de 1988) – prevê que a remuneração suprisse as
nec essidades do trabalhador e de sua família –incluindo saúde, educaç ão, lazer e
alimentaç ão, segundo o Dieese, algo acima de R$ 1,6 mil. Lula está feliz porque o salário
mínimo vai aumentar para R$ 380. E a loc ação de um c ômodo numa grande favela
brasileira nas c idades brasileiras custa entre R$ 150 e R$ 200...

É prec iso uma polític a que reduza a jornada de trabalho. Não estou dizendo que a
medida vai eliminar o desemprego, mas c ertamente irá minimizá-lo. Nós podemos ter
polític as ousadas para minorar as condiç ões trágic as em que vive nossa c lasse
trabalhadora desempregada. Essas polític as seriam geradoras de emprego na medida em
que c ontraditassem essa ordem.

Isso só pode ser feito onde há um governo eleito por forç a popular ou respaldado em
lutas soc iais que lhe dão densidade política. Quando foi eleito em 2002, Lula deveria ter
anunc iado ao FMI que não daria mais para fazer o que Collor e Fernando Henrique
fizeram. E o que acontec eu? Ele fez mais do que eles fizeram... É por isso que Bush, FMI
e o setor financ eiro gostam de Lula e rejeitam Chávez e Morales.

Álvaro Kassab: Qual o papel do sindic alismo nessa nova realidade?

Marcio Pochmann: Se olharmos para países latino-americanos, asiáticos e até mesmo


africanos, perc ebemos que houve uma destruiç ão da instituiç ão sindical. Algumas
instituiç ões multilaterais, c omo o próprio Banc o Mundial, ac reditam que se encerrou a
fase de sindic atos. Segundo esses organismos, estaríamos c aminhando para a fase de
organismos não-governamentais. Assim c omo tem ONG que cuida de índios e de
crianç as, temos ONGs que representam segmentos de trabalhadores.

No c aso do Brasil, verific amos que a instituição sindicato é sólida. Vários deles estão
comemorando 70 anos de existênc ia, o que não é pouca coisa num país que não tem a
cultura de instituiç ões c onsolidadas. O sindic alismo, bem ou mal, se mantém c omo
instituiç ão. No Brasil, existem c erc a de 40 mil dirigentes sindicais liberados, que
representam uma máquina que administra alguma c oisa entre 1,5% e 2% do PIB. Numa
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sociedade c om baixo grau de organização, temos um poder de barganha sindic al que não
é desprezível.

Oc orre que esse sindic alismo também sofre as c onseqüências de mais de duas déc adas
e meia de semi-estagnaç ão econômic a. Ademais, conviveu c om uma profunda
reestruturaç ão produtiva quase selvagem e c om a ausênc ia de democracia no ambiente
de trabalho. De c erta maneira, a liderança sindic al jovem que está sendo c onformada
vem se descolando da base. Temos então um movimento sindic al mais enfraquecido. Ele
é fruto do momento difíc il pelo qual estamos passando.

Ricardo Antunes: Essas mudanças intensas que oc orreram nessas últimas três déc adas
afetaram muito o mundo do trabalho e os organismos de representaç ão trabalhista.
Venho c hamando isso de nova morfologia do trabalho. É preciso c onc eber empírica e
teoricamente essa mudanç as.

Muitos disseram, nos anos 1980/90, que o sindic alismo havia entrado numa c rise
terminal. Eu não c ompartilhei dessa opinião. Ac ho que os sindic atos vivem uma c rise
profunda, mas que não é terminal. Ela é derivada dos modelos vigentes.

No séc ulo XX, c om a indústria de massa e a vertic alizaç ão das empresas, nasc eram os
sindic atos fortes. O Sindic ato dos Metalúrgic os do ABC nos anos 1980 representava uma
base de 240 mil trabalhadores. Muitos diziam que talvez fosse o c inturão industrial mais
importante do mundo c apitalista à época.

No final dos anos 1980, isso entrou em c onvulsão com o nasc imento da empresa flexível
e enxuta. Os sindic atos hoje não podem mais ter a feição que tinham no séc ulo
passado. Este é o primeiro desafio. A indústria era vertic al e o sindic ato, idem. Hoje,
uma indústria que se horizontalizou e se estrutura em rede fratura a classe trabalhadora
em centenas de unidades espalhadas pelo mundo, e não mais em uma fábric a c om
operários c onc entrados. Como um organismo sindical resgata o sentido de
pertenc imento de c lasse de uma c ategoria que, em alguns setores, se pulverizou muito
e em outras se individualizou? Esse é um desafio premente.

O sindic alismo vertic al, buroc ratizado e instituc ionalizado, c omo a CUT abraç ou nos
últimos anos, está fadado ao insuc esso. Ela vai desaparecer? Não. A CUT tem apoio,
tem rec ursos, depende do Estado. É uma espécie de variante neopeleguista em tempos
de social-liberalismo...

O que é ser um sindicalismo c ontemporâneo? Ele precisa compreender a classe


trabalhadora e sua nova morfologia. Hoje, ela é tanto feminina c omo masc ulina, reúne
muitos jovens, c onta com pessoas de 35 anos que são c onsideradas velhas e tem feiç ão
étnic o-rac ial diferenc iada. Partic ipei há pouco tempo de uma atividade num sindic ato
espanhol, c hamado Confederaç ão Intersindic al Galega, na região da Galíc ia, e houve
uma assembléia para os imigrantes latino-americ anos, ou seja, não havia aquela
tendênc ia xenofóbic a presente em vários setores do sindic alismo dos países do Norte.

Está aberto o exercíc io de pensar em alternativas novas. O que estamos presenciando é


a c rise profunda de um sindicalismo que envelheceu no séc ulo XX. O rejuvenescimento
só será possível se ele lutar contra a ordem. Até porque, c omo disse no início, o
trabalho não desaparec eu, mas é prec iso c ompreender a nova morfologia do trabalho,
que é multifac etada.

Volto ao exemplo do telemarketing. Como disse, trata-se de uma c ategoria com forte
nível de feminizaç ão do trabalho. Um sindic ato masculino, herdeiro da era taylorista-
fordista, é incapaz de c ompreender esse traç o novo. Várias empresas recrutam
trabalhadores muito jovens e solteiros. Como que o sindic ato faz para mostrar a um
jovem de 20 anos que o sindic ato é sua c asa, e não a empresa? O sindic ato precisa
desmontar essa c onstrução e dizer: a empresa é o seu trabalho, mas os donos são
outros.

Esses são alguns dos desafios colocados. Nesse sentido, não sou pessimista. As forças
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sociais do trabalho ainda prec isam dessa ferramenta - o sindicato - mas não devem ter
a ilusão de que ela é a única. Na Argentina, por exemplo, nasc eram muitos núc leos
dentro dos c hamados movimentos soc iais dos trabalhadores desempregados, os
“piqueteros”, as fábric as “rec uperadas”, ocupadas pelos trabalhadores. São várias as
formas de resistênc ia. Por outro lado, são muitas as ferramentas que precisam ser
adaptadas às c ondições atuais.

Álvaro Kassab: O marxismo e outras c orrentes c lássic as do pensamento serviram de


referenc ial analític o para o estudo de praticamente todas as transformaç ões e
fenômenos registrados no mundo do trabalho no período c ompreendido entre os finais
dos séc ulos XIX e XX. Essas matrizes teóric as dão conta de explicar hoje essas
transformaç ões?

Marcio Pochmann: Não podemos entender o presente c omo não sendo resultado do
passado. Não tenho dúvida de que essa contribuiç ão do pensamento heterodoxo, que
vem do séc ulo XIX, c ontinua sendo importante e atual para entender o momento
presente como um proc esso histórico. Sem esse entendimento, ficamos c om uma visão
limitada que inexoravelmente nos leva para uma aç ão de c urtíssimo prazo.

Trata-se de uma c ontribuiç ão inegável. Entretanto, prec isamos entender que a


sociedade e o próprio capitalismo são muito dinâmicos. As ferramentas do passado nos
servem, mas temos de buscar c omplementaç ões para termos uma visão atual. É prec iso
evidentemente que os reformadores e os pensadores sejam c ontemporâneos dessas
transformaç ões.

Ricardo Antunes: Nos últimos três séc ulos, as c iênc ias sociais operaram c om
paradigmas – o marxista, o positivista, o funcionalista etc . A própria denominaç ão
paradigma é c onsiderada c omo uma dimensão modelar para explic ar uma dada realidade.
E assim fomos, c ada qual c om seu paradigma. Acho essa concepção, em partic ular nas
ciências humanas, um profundo equívoc o.

Portanto, não leio o marxismo como um paradigma. Essa c oisa de enc aixar o modelo
dentro da realidade remete à uma tradiç ão epistemologizante do marxismo que é muito
distinto, na minha opinião, do ric o perc urso analític o de Marx. Portanto, não leio o
marxismo c omo paradigma. Eu penso, nesse sentido, que a aquisiç ão original e
excepcional de Marx é outra. Ele não tinha um paradigma. Ele dizia: “Eu parto do mundo
e tento explic á-lo”. E o meu método será fértil se eu explic ar o mundo real. Se eu não
explic ar o mundo real de modo autêntic o e verdadeiro, o meu c aminho metodológico
está fadado ao fracasso. Por isso é nec essário falar no percurso ontológico de Marx.

É surpreendente que ele não tenha nenhum livro em que comec e c om “questões de
método”. Tem vitalidade hoje o pensamento que mergulha no real e o compreende c omo
ele é. É prec iso inverter, nas c iênc ias humanas, essa leitura dada pela prevalênc ia
paradigmátic a.

Se eu quero estudar o capitalismo hoje, prec iso estudar c omo ele é. Agora, se voc ê
perguntar qual dos autores nodais do mundo contemporâneo mais fertilizou, mais
profundamente analisou o mundo real e deixou pistas c onc eituais e analític as no mundo
real, eu diria que foi Marx. Mas não rec orrendo ao que ele escreveu no séc ulo XIX e
“enc aixando” a realidade nisso, para validar o paradigma. Marx ficaria nervoso na sua
tumba... Numa brincadeira, em forma de diálogo, com suas filhas, ele disse que seu lema
de vida era “duvidar de tudo”. Algo que não c ombina c om modelos ou paradigmas.

Assim concebido, o percurso marxiano de desvendar o real é excepcionalmente forte. Ele


diz em um de seus textos primeiros: “o ente é um ente ou um não-ente; o ser é um ser
ou é um não-ser”. Eu tenho que entender quem é esse ser que estou a estudar. E, para
entendê-lo, é evidente que a c onstrução marxiana é ric a. Do mesmo modo, mesmo
ac olhendo o perc urso ontológic o de Marx, se eu for estudar o mundo buroc rátic o hoje,
me parec e impresc indíveis as indicaç ões de Weber.

Se voc ê perguntar: qual o perc urso, então, o que nos ensinou Marx ou o que nos
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ensinou Weber? Aí eu ac ho uma pergunta legítima. Mas apenas para determinar o
percurso que me ajuda compreender o real, e não para encaixá-lo dentro dele. E esse
percurso, no meu entender, faz c om que Marx não seja um autor nem do séc ulo XIX
nem do séc ulo XX. Enquanto vigir a lógic a do c apital, a vasta obra marxiana é
imprescindível para ajudar na c ompreensão no c apitalismo dos nossos dias.

Álvaro Kassab: Nesse c ontexto, emergiram novos fenômenos de dimensões


transnac ionais, entre os quais o desemprego em escala mundial – que c oloc a sobre a
mesa problemas que vão desde fenômenos provoc ados pela imigração até aqueles
gerados por distorções dele derivados (violência etc ) –, até a discussão sobre a
urgênc ia da adoç ão de medidas que atenuem os efeitos de problemas ambientais, neste
último c aso em grande medida provoc ado por meios de produç ão predatórios. Qual é, na
opinião do senhor, a c ontribuiç ão que a ac ademia pode dar? Ela vem dec ifrando as
transformaç ões? É possível que dessa disc ussão surjam paradigmas?

Marcio Pochmann: A universidade, de maneira geral, está aberta para a


contemporaneidade, muito embora ela também sofra os efeitos de uma realidade em
transformaç ão. Acredito até que ela perdeu um pouc o daquela unidade que tinha na
formaç ão do pensamento. A universidade hoje é uma reproduç ão de especialidades, que
é algo quase inevitável numa soc iedade tão c omplexa. No entanto, a formaç ão de
espec ialistas faz com se saiba c ada vez mais de menos c oisas. Trata-se de um problema
sério e que precisa ser enfrentado dec isivamente.

A universidade se ressente da condiç ão de formar quadros que tenham uma visão do


todo e não apenas de parte. Essa inc apacidade inc lusive se reproduz na própria
formaç ão. Ela pode tratar, por exemplo, de uma nova pobreza que tem uma totalidade
do ponto de vista da saúde, da educaç ão e da habitaç ão, mas estamos formando
profissionais c om visões muito espec ializadas em c ada uma de suas áreas. Vejo isso
como o primeiro desafio.

O segundo é o papel a ser desempenhado pela universidade na c onstrução da nova


sociabilidade. Estamos numa soc iedade em que a educação passa a ser um elemento
obrigatório ao longo de toda a vida. Não é mais uma c oisa que está situada tão-
somente na c ategoria de algo que antecipa o exercício do trabalho, concentrada
fundamentalmente no segmento infanto- juvenil. Na soc iedade do século XX, a educ aç ão
era dirigida, c om as exc eções de sempre, para alguém até no máximo 25 anos de idade.
Havia uma perc epç ão da educaç ão como valor utilitário – o da educ aç ão para o
trabalho.

Nessa nova sociedade, que já tem uma família totalmente desfigurada, o que pode
construir as bases da nova soc iabilidade? Talvez, uma educaç ão que tenha uma
atuação transformadora, vinc ulada ao indivíduo ao longo de toda a sua vida.
Certamente ela será diferente daquela que nós temos hoje. Cabe à universidade, e ao
sistema educ ac ional como um todo, enfrentar esse desafio.

Ricardo Antunes: Nós vivemos uma époc a de obliteraç ão da razão. Quando se tem
Paulo Coelho c omo literatura dominante em escala global, a razão bushiana c omo sendo
quase c omo inevitável, c onstata-se que o cenário é muito difíc il. O pensamento e a
razão sofreram uma hec atombe.

A époc a da Revolução Russa herdou uma fase áurea do que se c hamava soc ial-
democ rac ia européia, que se inic ia c om Marx, Engels, e c ontou anteriormente na Franç a
com os soc ialistas utópic os, além dos ec onomistas clássic os.

Esse pensamento oc idental de envergadura desemboc a em 1910 num país como a Rússia
que, por uma c ircunstânc ia muito partic ular, tinha intelec tuais do peso de um Lênin, de
um Trotsky. Tínhamos também, em outros países, Rosa Luxemburgo, Lukác s e Gramsci,
para c itar apenas alguns.

Curiosamente eles não foram acadêmic os, embora muitos deles tenham se formado na
universidade. E os partidos floresciam c omo centros do pensamento vivo. Esse
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experimento desertificou-se, exauriu-se, quer pela stanilizaç ão dos partidos, que foi
muito profunda, quer pela dogmátic a dentro deles. Para não falar da desertificaç ão
socialdemocrática.

No Brasil, por exemplo, um autor da envergadura de um Caio Prado Júnior, que era do
Partido Comunista, nunca conseguiu ver suas teorias assumidas pelo partido ao qual era
filiado, porque c ontraditavam um certo esquematismo que predominava no c omunismo
ofic ial.

Foi nesse c ontexto que as universidades públic as tornaram-se espaç os de reserva para
um pensamento c ientífico criativo. É claro que meu olhar está muito voltado para as
ciências humanas. Eu não seria a pessoa indic ada para falar de outras áreas do
conhec imento.

Quando os partidos se obliteraram e se enrijeceram, as universidades passaram a se


colocar c omo pólo do pensamento crític o. No Brasil, além de Caio Prado tivemos
intelectuais como Florestan Fernandes. Muitos intelectuais, dos melhores pensadores
crític os do mundo c ontemporâneo, nasc eram na universidade. Lukács, por exemplo, era
professor na Universidade de Budapeste e sempre teve fortes vínculos com o PC
húngaro. O intelectual Antonio Gramsc i era membro do PC italiano.

Com o desmoronamento do pensamento c rítico nos partidos, de certo modo as


universidades foram c entros receptadores desses valores culturais e c ientífic os. O
problema é que elas foram muito abaladas c om as mutaç ões das últimas três déc adas.
Houve a ânsia da privatizaç ão, a nec essidade de tornaram-se dependentes do mercado,
a esc assez de verbas. O mercado entrou na universidade e pautou os temários de
pesquisa. Tudo isso ac entuou um fosso que fez c om ela fosse empurrada para uma
espéc ie de universidade da razão instrumental.

Portanto, eu vou com c uidado nessa questão. Se eu disser que a universidade está fora
do mundo real, aí não nos resta mais nada. Fora da universidade, por exemplo, muitas
pesquisas não encontrariam espaç o. Não enc ontrariam respaldo nos partidos, porque
eles não têm mais aquela tradiç ão de investigaç ão e, por razões evidentes, não
enc ontraria espaço nas empresas, onde floresc e o “admirável mundo da universidade
corporativa”, uma verdadeira c ontradiç ão em termos.

Estão se formando muitas universidades corporativas, porque o mundo dominante é


lóc us da razão instrumental. O desafio é resgatar o papel público e c ientífico da
universidade, esse espaç o laic o, plural, fora de qualquer c ontrole polític o. É imperativo
impedir que o mercado se apodere e passe a pautar de vez o mundo ac adêmic o.

O que a ac ademia pode dar? Muito, mas para isso é prec iso preservar seu vínculo
público e de defesa do rigor científic o, c ontra quaisquer interesses, que não sejam as
reais nec essidades humanas e soc iais. É possível que dessas reflexões nasç am
pesquisas novas? Eu diria que de todas que nós conhec emos hoje, a quase totalidade
vem do espaço público. Nas grandes universidades e centros de pesquisas brasileiros,
desde o Iseb dos anos 1950, gestaram-se vários projetos para o país. Nós teríamos que
pensar numa universidade do séc ulo XXI que não fosse um apêndic e do merc ado. Trata-
se de uma questão vital. Se a nossa lógic a tornar-se a do mercado e se a nossa visão
de ciência passar a ter uma agenda pautada por ele, estamos perdidos. O nosso mestre
Oc tavio Ianni dizia: merc ado não rima com humanidade, mas universidade rima c om
humanidade.

Por isso é imprescindível a luta c ontra a privatizaç ão da universidade. Por isso, os


mercados têm desprezo pela universidade públic a. Ela não pode ser o espaço da razão
instrumental. Ela deve ser o espaç o da razão emancipatória.

Álvaro Kassab: O emprego, tal qual o conhecemos, tem futuro?

Marcio Pochmann: Tenho uma visão muito otimista sobre o futuro do trabalho, ao
contrário de toda uma literatura que explora a identificaç ão mais negativa. As
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possibilidades técnic as são muitas. Se olharmos do ponto de vista da c onjuntura
internac ional, partic ularmente nos países desenvolvidos, não há o enorme desemprego
estrutural de que se fala. Dizem que o assalariamento está c om os dias contados. Não é
verdade. O assalariamento c ontinua dominando o emprego nos países desenvolvidos.
Temos até reduç ão do desemprego em algumas dessas naç ões.

Acredito que esse quadro vai mudar, assim c omo mudou no segundo pós-guerra, período
em que foi c riada uma situação de maior segurança do trabalho. Ela se deveu
justamente a um novo entendimento. Tomaram-se medidas que visaram aumentar a
inatividade, que foi financ iada c om rec ursos públicos. Foi c riada toda uma rede que
inc luía o seguro-desemprego, pensões e aposentadoria. Os governos c onseguiram
concomitantemente retirar pessoas do merc ado e dar garantias àqueles que iam exercer
o trabalho.

Acredito que uma soc iedade mais c ivilizada tenderá a c aminhar inexoravelmente para
essa c ondiç ão. Qual seria? Aquela que pressupõe a redução do tempo de trabalho e dá
garantias àqueles que vão exercê-lo. Estamos falando de uma soc iedade c uja
intensificaç ão do trabalho é brutal. Alguém pode argumentar que será c riada uma
sociedade de vagabundos c om uma jornada de quatro horas por dia durante apenas três
dias por semana. Alto lá!

Trabalhar oito horas hoje sob as novas formas de organização – com c omputador,
Internet, c elular etc – c hega a ser insano. As novas ferramentas fazem c om que voc ê
fique plugado 24 horas no trabalho. O empregado vai para c asa, sonha com o trabalho,
fic a c om medo de ser demitido... Essa inseguranç a nos coloc a vinculados ao trabalho o
tempo todo.

A soc iedade industrial não estava preparada para conviver c om essa instabilidade e c om
esses riscos. São desafios que prec isamos enfrentar. Prec isamos c onstruir uma nova
sociabilidade, que não pode c ontinuar sendo ordenada pela disjuntiva neoliberal.

Ricardo Antunes: O emprego regulamentado, c ontratado, com direitos, como


tendênc ia, é mais parte do passado do que do presente, mantida a sociedade na sua
lógic a atual. Seria muito mais simpátic o dizer o contrário. É um delírio imaginar que, no
capitalismo dos nossos dias, nós possamos ter uma soc iedade do pleno emprego. A
nossa bandeira não é mais lutar pela soc iedade do pleno emprego, mas por uma outra
sociedade.

O emprego que a soc iedade atual nos reserva é (quase) virtual, desregulamentado, mais
intensificado e mais multifunc ional – voc ê trabalha por dez. Ele osc ila c omo um pêndulo,
como eu digo no meu livro O c aracol e sua c onc ha. Cada vez menos homens e mulheres
trabalham muito. No outro lado do pêndulo, na superfluidade, c ada vez mais temos o
trabalho prec arizado e o desemprego estrutural.

Algumas questões de fundo são c oloc adas. Por exemplo: que soc iedade nós queremos
para o séc ulo XXI? É aquela destrutiva, da mercadorização dos bens materiais e
imateriais, corpóreos e simbólicos? Uma soc iedade em que c entenas de milhões
continuem vivendo com menos de dois dólares por dia?

Nós queremos uma sociedade, c om vida e trabalho dotados de sentidos. Trata-se de


uma grande c ontradiç ão: o trabalho que estrutura o c apital, desestrutura a humanidade.
Como c ontrapartida, o trabalho para estruturar humanamente a sociedade, tem que
desestruturar o c apital. E não há vida dotada de sentido c om trabalho desprovido de
signific ado autônomo e auto-determinado.

Vamos preservar o c apital ou exerc itar o espírito crític o para auxiliar na construç ão de
um novo modo de vida? Nós não sabemos sequer se o século XXI será longevo. Quem
pode garantir isso? Não temos mais c erteza de nada. Quem poderia imaginar que três
aviões poderiam atingir dois símbolos do poder norte-americano – as Torres Gêmeas e o
Pentágono?

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O capitalismo é em si e por si destrutivo. Ele ac umula destruindo força humana que
trabalha; ele ac umula destruindo forças produtivas que ele torna inoperantes; ele
ac umula destruindo o meio ambiente e a natureza. Por que Bush não ac eita o ac ordo de
Kyoto? Porque o esquema americ ano não tem c omo c ontrolar o nível de poluiç ão
ambiental que a sua lógic a destrutiva impõe. São menos de 5% da populaç ão mundial
que c onsome mais de 25% dos recursos energéticos do planeta.

Para quebrar essa destrutividade, o que o mundo do capital fez? Criou um metabolismo
social fundado no trabalho nec essário mais trabalho exc edente, mec anismos nec essários
para a geraç ão do valor, apropriado pelo c apital sob a forma do luc ro.

Nós prec isamos pensar num imperativo societal pelo meio do qual a soc iedade se
estruture por um sistema de metabolismo soc ial, em que o trabalho disponível seja
imperativo visando a criação de c oisas socialmente úteis. É prec iso pensar que o tempo
disponível para produzir c oisas úteis supõe que o trabalho e a vida sejam dotados de
sentido. A pergunta que se faz é: na soc iedade dos nossos dias, o capitalismo faz c om
que sua vida seja dotada de sentido dentro e fora do trabalho? Não. Dentro do trabalho,
vivemos o estranhamento, o risc o e a iminênc ia de sua perda. Fora, não fazemos outra
coisa que não seja pensarmos em como nos qualific ar mais para não perder o trabalho
amanhã. É um c irculo vic ioso perverso.

O resultado disso são hordas de miseráveis, a destruiç ão ambiental, o aumento da


criminalidade, a política do narcotráfic o e a lógica belic ista, entre outras aberraç ões. Ou
ac abamos c om esse arc abouç o soc ietal destrutivo ou a humanidade não vai vivenc iar
esse nosso século XXI sem traumas profundos, c ujas c onseqüênc ias são difíc eis até de
imaginar.

[Artigo tirado do Jornal da Unic amp, edição 354, 9 a 15 de abril de 2007]

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ÚLTIMA REVISIÓN: 23/04/2007


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