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movimento do conceito com todas as forças do afecto.
E há ainda uma terceira Ética, chegados ao Quinto livro. Com
efeito, Espinosa declara-nos que até aí falou do ponto de vista do conceito,
mas que agora vai mudar de estilo e falar-nos por perceptos puros,
intuitivos e directos. Poderíamos pensar que as demonstrações continuam,
mas elas não continuam da mesma maneira. A via demonstrativa
empreende agora sínteses fulgurantes, opera por elipses, subentendidos e
contracções, procede como relâmpagos penetrantes, dilacerantes. Não é já o
rio nem aquilo que é subterrâneo, mas o fogo. É uma terceira Ética, e,
ainda que ela surja no final, coexistia já desde o início com as duas outras.
Aí reside o estilo de Espinosa, no seu latim aparentemente plácido.
Na língua aparentemente adormecida, Espinosa faz vibrar três línguas, uma
tripla tensão. A Ética é o livro do conceito (segundo género de
conhecimento), mas também do afecto (primeiro género) e do percepto
(terceiro género). E também o paradoxo de Espinosa é o de ser o mais
filósofo dos filósofos, o mais puro, de alguma maneira, e ao mesmo tempo
aquele que mais se dirige aos não filósofos e aquele que mais solicita uma
intensa compreensão não filosófica. É por isso que estritamente toda a
gente é capaz de ler Espinosa e retirar da sua leitura grandes emoções, ou
de por completo renovar a sua percepção, mesmo compreendendo mal os
conceitos espinosistas. Inversamente, um historiador da filosofia que
apenas compreenda os conceitos de Espinosa, não possui uma compreensão
suficiente. São necessárias as duas asas, como dizia Jaspers, filósofos e não
filósofos, na direcção de um limite comum. São necessárias em todo o caso
estas três asas para fazer um estilo, um pássaro de fogo.