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Gilles Deleuze

CARTA PARA RÉDA


BENSMAÏA SOBRE
ESPINOSA 1

Tocou-me a extrema qualidade dos artigos que me são dedicados


aqui e muito honrado fico pois com o trabalho de Lendemains2. Gostaria de
colocar esta resposta sob a invocação de Espinosa, dizendo-vos, se me
permitem, qual o problema que me ocupa a este respeito. Será uma maneira
de "participar".
Eu penso que os grandes filósofos são também grandes estilistas. E,
ainda que em filosofia o vocabulário, por implicar tanto a invocação de
novas palavras como a insólita valorização de palavras ordinárias, faça
parte do estilo, este é sempre no entanto uma questão de sintaxe. Mas a
sintaxe é um estado de tensão para algo que não é sintático, para algo que
nem é mesmo de linguagem (a sintaxe é qualquer coisa que está de fora da
linguagem). Em filosofia, a sintaxe é disposta pelo movimento do conceito.
Ora, o conceito não se move apenas em si mesmo (compreensão filosófica),
move-se também nas coisas e em nós: inspira-nos novos perceptos e novos

1 O Mistério de Ariana, Edições Vega, col. Passagens, Lisboa, 1996.


2 Lendemains, no 53, 1989.
afectos3, que constituem a compreensão não filosófica da própria filosofia.

E a filosofia tem necessidade de compreensão não filosófica tanto quanto


de compreensão filosófica. É por isso que a filosofia tem um relação
essencial com os não filósofos, e dirige-se também a eles. Pode mesmo
acontecer que os não filósofos tenham uma compreensão directa da
filosofia sem passar pela compreensão filosófica. O estilo em filosofia está
disposto segundo três pólos, o conceito ou novas maneiras de pensar, o
percepto ou novas maneiras de ver e escutar, o afecto ou novas maneiras de
experimentar. É a trindade filosófica, a filosofia como ópera: são
necessários os três para fazer o movimento.
Porquê Espinosa nesta questão? Dir-se-ia à partida que ele não tem
estilo, ele que se serve na Ética de um latim muito escolar. Mas devemos
precaver-nos em relação àqueles de quem se diz que "não têm estilo",
Proust chamava a atenção para isso, são frequentemente os maiores
estilistas. A Ética apresenta-se como uma contínua maré de definições,
proposições, demonstrações, corolários, onde é visível um extraordinário
desenvolvimento do conceito. É um rio irresistível, ininterrupto, de uma
grandiosa serenidade. Mas, ao mesmo tempo, surgem os "incidentes", com
o nome de escólios, que são descontínuos, autónomos, reenviam de uns
para os outros, operando com violência, constituindo uma impetuosa cadeia
feita de partes, todas as paixões bramem, numa guerra das alegrias contra
as tristezas. Dir-se-ia que estes escólios se inserem no curso geral do
conceito, mas não é assim: trata-se antes de uma nova Ética, que coexiste
com a primeira, mas com outro ritmo, outro tom, que vai dobrar o

3 Os perceptos não são percepções, são independentes do estado daqueles que os


experimentam; os afectos não são sentimentos ou affecções, excedem a força
daqueles que passam pelos afectos. As sensações, os perceptos e os afectos são
seres que valem por si mesmos e excedem todo o vivido. Existem na ausência do
homem, pode-se dizê-lo, porque o homem, no modo como é captado na pedra, na
tela ou pelas palavras, é ele próprio uma composição de perceptos e de afectos." G.

2
movimento do conceito com todas as forças do afecto.
E há ainda uma terceira Ética, chegados ao Quinto livro. Com
efeito, Espinosa declara-nos que até aí falou do ponto de vista do conceito,
mas que agora vai mudar de estilo e falar-nos por perceptos puros,
intuitivos e directos. Poderíamos pensar que as demonstrações continuam,
mas elas não continuam da mesma maneira. A via demonstrativa
empreende agora sínteses fulgurantes, opera por elipses, subentendidos e
contracções, procede como relâmpagos penetrantes, dilacerantes. Não é já o
rio nem aquilo que é subterrâneo, mas o fogo. É uma terceira Ética, e,
ainda que ela surja no final, coexistia já desde o início com as duas outras.
Aí reside o estilo de Espinosa, no seu latim aparentemente plácido.
Na língua aparentemente adormecida, Espinosa faz vibrar três línguas, uma
tripla tensão. A Ética é o livro do conceito (segundo género de
conhecimento), mas também do afecto (primeiro género) e do percepto
(terceiro género). E também o paradoxo de Espinosa é o de ser o mais
filósofo dos filósofos, o mais puro, de alguma maneira, e ao mesmo tempo
aquele que mais se dirige aos não filósofos e aquele que mais solicita uma
intensa compreensão não filosófica. É por isso que estritamente toda a
gente é capaz de ler Espinosa e retirar da sua leitura grandes emoções, ou
de por completo renovar a sua percepção, mesmo compreendendo mal os
conceitos espinosistas. Inversamente, um historiador da filosofia que
apenas compreenda os conceitos de Espinosa, não possui uma compreensão
suficiente. São necessárias as duas asas, como dizia Jaspers, filósofos e não
filósofos, na direcção de um limite comum. São necessárias em todo o caso
estas três asas para fazer um estilo, um pássaro de fogo.

Deleuze e F. Guattari, Qu'est-ce que la philosophie, Minuit, Paris, 1991, pp.154-


155.)

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