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A Teoria em Crise Eneida Maria de Souza Universidade Federal de Minas Gerais O debate que hoje comegaa movimentar a comunidade universitaria se baseia na antiga discussio sobre os efeitos que determinadas teorias estrangeiras provocam no campo da critica literaria, considerando-se esta como um dos discurscs que ultimamente tem se destacado no inte- rior das Ciéncias Humanes. Nada mais saudavel do que essa abertura ao debate. no qual inteleetuais se véem na obrigagio de se posiciona~ rem frente a tais questdes, no lugar de preferirem continuar apiticos no seu gabinete, reservando-se o direito de expresso apenas ao ambiente da sala de aula. As inimeras oportunidades oferecidas para o avango das discussées nao se restringem 0s encontros académicos, a siste- rmatizagio de pesquises realizada por grupos interdisciplinares, as ses- sbes de defesa de teses ou aos grandes congressos intemacionais, mas as publicagdes veiculadas por revistas especializadas, livros e, princi- palmente, pela atuago do intelectual nos lugares aos quais é convidado 2 se manifesta, incuindo-se ai os meios de comunicagao de massa. A recente inelinagdo de conjugar o saber produzido por especialistas com sua divulgagao mais popularizada traduz os diferentes lugares por onde passa atualmente 0 conhecimento, exigindo-se, na realidade, a revisio de antigos preconccitos relativos & separagio entre cultura erudita. po- pular © de massa 20 ~ Revista Brasileira de Literatura Comparada, n? 4, 1998 A critica literdria no Brasil, por sua vez experiente dos caminhos percorridos, tem se apresentado em diversos cenarios de elocugdo, que vvao desde a fase da critica de rodapé dos anos 30 aos 50, até o ambien- te universitario, onde se desenvolve um estudo mais especializado, com a criagdo, nos anos 70, de cursos de pés-graduagao. A sua presenga na midia é, nos dias atuais, reservada a resenhas ¢ a artigos que muitas vezes ultrapassam o Ambito da critica literéria, constituindo-se, com freqiéncia, em textos que incrementam o debate intelectual entre nés. Mas, antes de tudo, seria preciso lembrar que ndo se trata mais de se considerar a literatura na sua condigio de obra esteticamenie concebi- da, ou de valorizar critérios de literariedade, maé de interpreta-la como produto capaz de suscitar questdes de ordem teérica ox de problemat zar temas de interesse atual, sem se restringir a um piiblico especifico. A preocupagdo de representantes da critica literaria quanto a crise por que passa a disciplina é causada pelas transformagdes cculturais e politicas das tiltimas décadas, razées pelas quais o problema tedrico no se restringe apenas & critica literéria, A crescente diluigdo das fronteiras disciplinares e dos objetos especificos de estudo provoca discussdes mais abrangentes na area das humanidades. abalada pela abertura epistemolégica e pelo enfraquecimento de territérios, Estudio- 0s brasileiros, acostumados a conviver com a chegada. hoje muito mais rapida, de teorias estrangeiras nos lares académicos. vem-se em con- flito frente aos caminhos da critica, uma vez que os estudos culturais de origem anglo-saxdnica, ¢ atualmente desenvolvidos nos Estados Uni- dos, estariam ameagando os estudos literdrios, corrompendo 0 objeto de anilise e distorcendo a teoria da literatura, A mudanga do centro produtor de saberes ligados &s Ciéncias Humanas ~ a Europa pelos Estados Unidos - constitui um dos maiores fatores da polémica que atualmente se crava no meio académico, considerando-se que os princi- pios norteadores ¢ desconstrutores da teoria literdria se concentravam. basicamente, na Europa. Antigos inimigos do estruturalismo francés. 20 lado de novos defensores da literatura como discurso a ser priorizado frente aos outros, assim como da teoria como forma de controle a inter disciplinaridade desenfreada, esto novamente alertas contra o “impe- rialismo americano” ¢ 0s efeitos de sua politica cultural globalizada ‘A hist6ria da teoria literéria como construgo modema — os gregos a praticavam, mas no na concepeo adquirida no século XX ~ esté vinculada 4 divulgago européia, nos anos 60, da teoria produzida na Riissia pelos formalistas, herdeiros da revolugdo cientifica da lingusti- cca, desencadeada pelas descobertas de Saussure, além do new criti- cism americano. Este conceito modemo da teoria literiria teve por ob- jetivo a produgdo cientifica do objeto de estudo, abolindo-se a visio historicista, psicolégica e biogrifica do literario cinstaurando o principio da literariedade como valor. Os desdobramentos dessa corrente for- ‘A Teoria em Crise 21 malista nos paises ocidentais sfo por demais conhecidos ¢ continuam, até hoje, a ecoar nos discursos que se voltam para a literatura. O cardter sistematico da teoria, a relagdo funcionalista entre sistema literario ¢ sistema social desenvolvido por Tinyanoy, o valor intrinseco da obra literdria como construgio de linguagem e a sua diferenga relativa a0 discurso coloquial receberam tratamento mais sofisticado ao longo do tempo, além de terem sido relidos posteriormente através de varias teorias, tais como as da recepgio e do efeito, veiculadas pelos alemiies Jauss e W. Iser. Com 0 b00m te6rico trazido pelo estruturalismo a partir dos anos 50, as Cigncias Humanas retomam as ligdes saussurianas ¢ clegem 0 paradigma lingiistico como articulador dos outros discursos, realizan- do-se, nas varias areas de saber, o transito interdisciplinar na constru- ‘40 dos diferentes objetos de estudo. A antropologia de Lévi-Strauss, a psicandlise de Lacan, a leitura sintomal de Althusser, para citar apenas algumas tendéncias, contribuem para o didlogo que a critica literaria francesa iré manter com outros campos do saber. Embora a maioria dos criticos respondesse pela fidetidade ao objeto da literatura ¢ & des~ crigdo semiolégica e lingiistica do literério - em substitui¢ao a analise estilistica ¢ filolgica — 0 intercémbio disciplinar foi bastante praticado, destacando-se, entre eles, Roland Barthes e Julia Kristeva, respons: veis pela abertura do texto literario 4 andlise psicanaliticae 4 ampliago do conceito de texto, pela introdugo da categoria da intertextualidade, de origem bakhtiniana. Tedricos da comunicago de massa, com boa aceitagdo no meio académico brasileiro, contribuiram, através da abor- dagem semiologica, para a expanso do objeto de estudo da teoria, no ‘mais confinado as obras consagradas pelo cénone ou inserido no rétulo literdrio. Marcada ou no pelas parcerias discursivas, a teoria literdria, soube pelo menos preservar, até pouco tempo, um espago de saber consolidado, com suas regras, correntes, procedimentos analiticos, autores ¢ métodos. ‘A reagdo contemporinea assumida pela critica literaria frente 0s estudos culturais nao se restringe aos seus representantes brasilei- ros, mas se encontra também entre os europeus e os proprios norte- americanos. Manifestam-se inconformados nao apenas com a “perigo- sa" diluigdo do objeto de anailise, mas também com a presumida ausén- cia de rigor tebrico e sistematizagiio metodoldgica, que teriam sido mo- tivadas, em grande parte, pelas teorias da multiplicidade, da desconstru- ‘Go e da descontinuidade pés-estruturalista de Gilles Deleuze e Guatta- 1i, Jacques Derrida e Michel Foucault, referéncias importantes para a releitura das questdes culturais processada pelos americanos. Mas a ‘grande vild da historia se concentra na figura “informe” da interdiscipli- naridade, praticada, segundo seus detratores, sem a observncia de leis ‘ou de controle, a ponto de ser considerada, por K. Anthony Appiah, em 22 ~Revista Brasileira de Litratwa Comperada, n° 4, 1998 texto de 1993, “an unstructured post-modem hodge-podge”’ AA discussao sobre os estudos culturais, a critica literaria compa rada e a teoria literéria consistiria, segundo alguns tebricos, na transfor- magao da interdisciplinaridade em um novo genero (Richard Rorty) ou ‘numa outra feoria (Jonathan Culler), em uma nova disciplina ou pés- disciplina, como a definem os criticos culturais. Sem que esse debate seja suficientemente levado a termo, persistirdo as dividas e as acusa- es, Refletir sobre as diversas posigdes teéricas que tratam do as- sunto é uma das formas de tentar historicizar as questdes e de entender a causa das desavengas. Caso contririo, a discussio nao avanca ¢ corre-se 0 risco de se emitirem opinides equivocadas por falta de inte- resse em conhecer os lugares de onde esto sendo enunciados os dift- rentes discursos teéricos. A identidade requerida as disciplinas ignora os atuais processos de valorizagdo literaria e cultural, nos quais s4o inseridos ertérios que ultrapassam o campo particular de cada discurso. embate entre as correntes da critica que postulam a existén- cia de uma teoria rigorosa, sistematica e os criticos culturais, responde pela necessidade de se manter o controle epistemolagico em relagdo a0, ‘objeto de estudo. Entre os partidarios dessa idéia, incluem-se os repre- sentantes da teoria construtivista alema, na figura de S.J. Schmidt. ou aqueles que acreditam na teoria literaria como “uma escola de relativis- mo, nifo de pluralismo” (A.Compagnon)?. Tal controle poderia ainda impedir que © comparativismo ¢ os estudos culturais se transformas- sem num “vale tudo” (Luiz Costa Lima)’; que a interdisciplinaridade praticada pelos americanos fosse vista por S. J. Schmidt como “instala- Go de um armazém de secos e mothados” (Heidrun Otinto)'; ou que 0 “culturalismo' que atinge a drea lterdria, e ndo apenas ela”, no mais, ameagasse “substituir as disciplinas especializadas por um ecletismo desprovido de qualquer rigor na formagdo do pesquisador e na formula~ ¢4o de conceitos e juizos” (Leyla Perrone-Moisés)* Uma primeira constatagao que se extrai dessas opinides revela a ccensura ao ecletismo e & falta de rigor na formulagdo de conceitos e de juizos proprios das tendéncias contemporsineas, em que se tommam frou- xas as articulagdes tedricas, passivos os juizos de valor e imparcial a pratica analitica, em virtude do pluralismo de posigdes ¢ de métodos. O que esti em jogo, entre as tendéncias culturais e literdrias, no se res- tringe apenas 4 escolha de obras que participem ou no do cénone literdrio, mas se relaciona ao cariter regulador da critica cultural, a0 considerar elitista a preferéncia do estudioso por escritores consagra dos e tradicionalmente aceitos pela comunidade académica. A reag3o desses autores denuncia a intolerdncia como atitude pautada pelos mes- mos erros cometidos pela opinio elitista diante da literatura, reservan- do A critica 0 direito de escolher os autores “brancos ¢ ocidentais” ‘como objeto de culto e de andlise. Nao se trata, no entanto, aperas da » APPIAH, K. An- thony. Geiss stories. In: BERHEIMER, Charles. (€4) Comparative Lite raturein the age of mul- iculturalis. Baltimore John Hopkins Univer sity Press, 1995. p. $7. } COMPAGNON, An- twine. Le démon de la théorie: litérature et sens comin. Paris Seuil, 1998. P 282, > LIMA. Luia. Costa. ‘comparativismo hoje Congres ABRALIC, 5, 1996, In: Anais..Rio de Janeiro: UFRJ, 1997, PBL, * OLINTO, Heidrun Krieger. Interesses € poixdes: historias de lie teratura, In: OLINTO, Heidrun Krieger (On). Histiris de hvratura’ fas novas teorias ale ‘mas. Sio Paulo: Atica, 1996. p. 33, > MOISES, Leyla Per- rone. A erica literria hoje. Congresso ABRA- LIC, 5, 1996. Anais. Rio de Janeiro, UFRJ, 1997, p.6. * ELLIS, John M, Lite- ‘rature lost: socialagen- das and the corruption ‘ofhumanites. Yale Yale University Press, 1997. 201 ‘A Teoria em Crise - 23 liberdade de escolha ¢ da conservagio do gosto estético: as razdes que motivam a defesa da literatura como manifestagdo singular e acima do senso comum, como se sabe, dependem de critérios consensuais de determinada classe social, guiados pela relagdo entre cultura e poder, cultura e prestigio, crtérios esses tributarios da concepgao mediatizada ¢ institucionalizada da literatura. Por tras da discussio do gosto estético se acham inseridos problemas mais substantivos quanto & diferenga de classe, & democratizagdo da cultura ea perda do privilégio de um saber que pertencia a poucos. Reagées dessa natureza so apresentadas por um professor de literatura alemA, John M. Ellis, da Universidade da California, no livro Literature lost: social agendas and the corruption of the humaniti- es, ao discutir tanto o politicamente correto quanto a faléncia da teoria como conseqiéncias graves dos estudos culturais. A causa imediata dessa faléncia te6rica recai na filosofia francesa dos anos 70, represen- tada por Derrida, Foucault, entre outros. Sintomaticamente, uma nova elite pensante € vista pelo autor como detentora de saberes que se caracterizam pela sofisticagdo e pelo esquecimento da tradigdo, fazen- do tabula rasa de tudo 0 que havia sido realizado no pasado. Dotada de linguagem prépria, essa elite intelectual afastaria os que no se enqua~ drariam nos novos conceitos e expressées do momento, criando-se uma situagdo de exclusio “politicamente incorreta”, diria eu. A ameaga teéri- caea formagio de grupos de resisténcia existem, como se vé, na propria academia americana. As palavras do ensaista so provocadoras: The new elite shared a set of assumptions but not a pen- chant for analysis. One recognized members not by their analytical skill but by the standardized quality of their attitudes. All went through similar motions to come to similar conclusions. Theory was not no longer about conformity. Stanley Fish’s Doing What Comes Naturally was typical both in its predictable positions and its ignoring the past: in this book, philosophy of science begins with Thomas Kuhn, Serious questions about the idea of truth and the positivist theory of language begin with Derrida, jurisprudence begins with the radical Critical Legal Studies movement, ‘and cultural relativism is a bright new idea without any previous history*. Destruir o conceito de origem seria uma das maiores acusages, 4s teorias culturalistas, visto que o que se critica em Stanley Fish é justamente o esquecimento dos verdadeiros precursores teéricos, pela valorizagao de pensadores contempordneos, O autor recusa ainda 0 alto nivel de estandardizagio do saber, na medida em que se abole 0 2A Revise Bras de Literatura Compare 4 1998 poder analitico e se privilegia a generalizagio. Guardadas as devidas ressalvas, toma-se evidente que a sua posigo conservadora represen- ta uma grande parcela do imagindrio critico da atualidade, na qual a tradigdo funciona como lugar de reserva utépica e as possiveis mudan- a5 como empecilho ideologico para a preservagéo de cargos institu- cionais. Reconhecer a tradigo como forga € no como modelo seria uma das formas de melhor lidar com a proposta desconstrutora de Jac- ques Detrida, por exemplo. ‘A posigdo de Luiz Costa Lima em, “O comparativismo hoje”, retoma algumas questdes do livro de Ellis, com enfoque na urgéncia de se pensar em categorias capazes de tomar compariveis os objetos. sem cair em preconceitos ligados a escothas de ordem elitista ou de ‘outra ordem. Afasta-se do critico norte-americano ao se colocar contra, aatval desconfianga da critica comparativista em relago 4 teoria, vista ‘como responsive pelo universalismo interpretativo. Parte em defesa de uma revistio do proprio conceito de universal, retirando-the uma fin ‘¢4o aprioristica na formagao de saberes, reforgando, paradoxalmente. a impossibilidade de se conceber qualquer conceito sem a sua vertente universalista ~ romper com esses principios seria acreditar na formula- ‘lo de teorias desprovidas de propriedades verificdveis. Destituir oobjeto de sua homogeneidade interna seria interpreti-lo na sua auséacia de propriedade 0 que o impediria de ser comparavel a outro. O valor de cada objeto deve ser determinado como condigao indispensave! para se tentar construir um solo de discursos que mantenham propriedsdes afins ¢ distintas, compariveis entre si No momento presente, contempordneo as acusagoes di- rigidas ao falso moralismo que a teoria teria provocado © comparativismo torna-se entiio 0 qué? Pode-se defini-io como o lugar das perplexidades ow como ma érea ao vale tudo. De perplexidades: ante a suspeita que recai sobre @ teoria como filhote do imperialismo(!) ou rebento do machismo(!) ou da suposta superioridade dos brancos! ) de que modo se poderd exercer a comparagao? Pois. como se poderd comparar isso com aquilo sem que se tenha pre- viamente identificado, justificado ¢ legitimado ao menos uma categoria capaz de tornar compariveis os abjetos comparados? A medida que a perplexidade nao ¢ dobra- da, © comparativismo se torna entio infestado pelo vale- tudo. Por que diabo nao comparariamos os poemas de Rigoberta Manchu com os de Safo?! Nao bastaria como categoria legitimadora a heterodoxic politica de uma ¢ a sexual da outra? Ou porque ndo fazer 0 mesmo com a famigerada Tony Morrison e a hoje desconhectda Caroli- * LIMA, Luiz Costa 0 comparativisme hog. Conggesso ABRA- LIC, 5. Rio de Janci, UFRJ, 1996, Anais, Rio de Jancto, UFRJ, 1997. p83. * Cf OLINTO, Hei-

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