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You can search through the full text of this book on the web at ittp//books.google.com4 ASSIM CAMINHA A INSENSATEZ A maconha, suas marchas, contramarchas e marchas a ré cose Google Denilson Cardoso de Araujo ASSIM CAMINHA A INSENSATEZ A maconha, suas marchas, contramarchas e marchas a ré Brasilia SINS DE LETRAS, Copyright© 2008 por Denilson Cardoso de Araijo ‘Titulo Original: Assim Caminha a Insensatez - A maconha, ‘suas marchas, contramarchas ¢ marchas a ré Editor-chefe: Tomaz. Adour Revisio: Thereza Franco Editoracao EletrOnica: Bernardo Franco Capa: Denilson Cardoso de Arasjo Usina de Letras ‘SCS Quadra 01 Bloco E ~ Ed. Ceara sala 809 - Brasilia - DF CEP: 70303-900 www.usinadeletras.com.br Para Mariana, porque amanbeceri. Goog cose Google Aanadeco a Deus, que me conceden sdbios pais. A meus pais que, nas pedras, mostraram caminbos. Aas caminbos, ewjas pedvas acharam Chardel. Aepadeco & minha amada, que me empresta sua lug, A esa ly men obrigade, porque me retorna a Deas. Goo! cose Google Hai caminbo que parece direito ao bomem, ‘mas 0 sea fim sao 0s caminhos da morte Provérbios de Salomio, 16:25. Hoje t6 cheivando pra roubd rowbando pra cheird. Quero ser internado, serio v6 morré. Menino de 15 anos, apreendido varias vezes por roubo. Internado para tratamento, fugiu no dia seguinte, em crise de abstinéncia. Comecou nas drogas pela maconha. Possivelmente ser cviticado como exemplo notével de vaidade ow insoléncia de minha parte pretender instruir a nossa sabia época; esta critica 6, no entanto, menos significativa quando concordo com a publicagao deste Ensaio com o fito de que seja itil a outren John Locke, na abertura de seu Ensaio acerca do entendimento bumano cose Google SUMARIO PREFACIO APERTANDO A POLEMICA, MAS SEM ACENDER AGORA. {Uma inttoducio ENTRE O BANDIDO SOBRIO E © MACONHEIRO. BANDIDO, O MACONHEIRO INOCENTE E MARISCO, Nova postura legal no tato com a questio do consumo de drogas [BRASIL 2008 - MARIA JOANA EM DESFILE E LIMINARES EM MARCHA ‘TODA MARCHA £ GRITO, TODO GRITO PROPAGA, ‘TODA PROPAGANDA INCITA CHEGOU A HORA DA “MACONHABRAS"? [A Marcha ds Maconha no contexto brasiio SANTA CANNABIS: MAIS FORTES SAO (0S MILAGRES DO CRISTO MACONHEIRO! PAPO DOIDAO: MACONHA “FREE” QUANDO SE BUSCA REDUZIR 0 CONSUMO DE ALCOOL E TABACO © “BARATO” QUE SAI CARO Maconha liberada para uns, grana mais cura pars todos SE BOM PARA HOLANDA Ei BOM PARA © BRASIL? [A experiéncia de outros paises DO BICHO.GRILO AO BICHO GRILADO. Maconha nos anos 60 hoje: diferencas MACONHA LIBERADA REDUZ O TRAFICO DE ENTORPECENTES EA CRIMINALIDADE? E ruim, hem! DIREITO DE EXPRESSAO B MANIFESTAGAO: “Tem regras ness jogol BASEADO EM TUDO 0 QUE FOI DITO, CONCLUSAO E APELO: NAO AO BASEADO! BIBLIOGRAFIA " 15 a 37 45 33 “6 o cry 7 139 181 193 233 2a cose Google PREFACIO Vivemos numa época de interpretacdo permissiva das leis e de pedagogia muitas vezes inconseqiiente. Ha uma crise de valores nas escolas, que enfrentam violencia e indisciplina, sendo crescente o mtimero de infragdes praticadas por adoles- centes. Esse quadro conduz a sociedade brasileira a uma série de equivocos, como, por exemplo, aos clamores pela redugio da idade para a maioridade penal. Nessa trepidagio social, poucos conseguem analisar a lei de causa ¢ efeito. Muito do que fazemos como integrantes da sociedade, do que permiti- mos que a midia promova, do que praticamos como familia, resulta no desnorteio em que esti mergulhada grande parte da nossa juventude, Forjamos, hoje, o delingiiente do futuro. Nossos des- cuidos acabam preparando, hoje, 0 adulto depressivo ou desa- justado de amanha. Algumas de nossas posturas muito contri- bbuem para isso, sendo uma delas a de se cogitar da liberalidade maior no uso de drogas. Como se nao bastassem as desgracas decorrentes do uso de drogas licitas e socialmente aceitas! ‘Muitos pretendem seja ampliado este leque, com a liberagio de outras substincias entorpecentes, sendo a maconha a principal delas. Intimeras as manifestagées, hoje, em prol de tal libera- cio, ainda que sob gradagdes diversas. Cogita-se da descrimi- nalizacdo plena da droga — ainda nao acatada pelos nossos Le- gisladores —e até da aceitacio total do novo produto, que seria integrado no mercado sob controle fiscal e administrativo. Honrada com o convite pata prefaciar este trabalho, de leitura agradavel, temos a esperanca de que provocari momen- tos analiticos em profissionais da educagio, em pais de familia rt © nos que militam na esfera juridica. Atuando como Magis- trada na area da Tnfincia e da Juventude ha mais de trinta anos, adotamos, necessariamente, o entendimento aqui defendido por seu autor. Vivenciamos de perto 0 atoleiro emocional de criangas e adolescentes que, para matar a dor, deixam-se sedu- zit pelo alcool, pelo tabaco e, principalmente, pela maconha. Em audiéncias, somos atingida pela visio das fisionomias de pais, impotentes e perplexos, conseguindo enxergar suas ligri- is vezes niio derramadas. A op¢io de liberar a venda de drogas para minorar o seu trifico, decididamente, no nos convence. Embora conhecendo os perigos de os traficantes continuarem dominando nossas comunidades carentes, no podemos correr o risco de corrigir um erro — como diz o autor —cometendo outro erro! Necessirio um paréntese em nosso preficio. Impossi- vel apresentar um livro sem admirar seu autor. Denilson Car- doso de Aradjo é um auxiliar importante na Vara da Infancia, da Juventude e do Idoso da Comarca de Teresdpolis. Nesse mundo de poucas léguas, em que muitos se dedicam & tenta~ tiva de resgate de adolescentes infratores e em risco social, é um Serventuario de Justica especial. Vem realizando, nas esco- las, um programa de palestras para estudantes, professores € pais, semeando lucidez em seus caminhos e realizando verda- deiras cirurgias morais em suas relagdes. Sem distintivo acadé- mico ¢ sem a protecao de qualquer titulo notivel, passa p vida de seus educandos como um caminhante comum, Traba- Thando com determinaci servidor da Justica, o que reduziria sua dimensio humana. Ta- refeiro do bem, ao invés de tornar-se simples maquina de ativi- dades cartoriias, alcangou um nivel de sensibilidade que Ihe permite perceber o vacuo espiritual que existe na histéria dos jovens orientados pela Vara da Infancia e da Juventude. Apren- deu a cultivar a arte de observar 0 trabalho ali desenvolvido, criticando-o construtivamente e colaborando em sua organiza- cio. F autodidata e possui a ousadia do lider. F sensivel, gene- , Foge ao esterestipo de um mero 2 +080, alteuista, disciplinado, solidério e bom companheiro de trabalho. Possui valores espirituais e um passado de militincia politica. Sua visio de futuro nao é pequena, suas metas no so limitadas e sua auto-estima é sélida. Quando realiza pes- quisas, busca atingie a exceléncia, demonstrando criatividade e coragem na defesa de suas idéias. Nem sempre consegue sor- ver, com naturalidade, o célice da indignagio frente aos desa- justes dos jovens que, levados & infracio, muitas vezes sio viti- mas da moldura social em que nasceram. ara escrever este livro, 0 autor informa ter sido impul- sionado por experiéncia familiar, fazendo a utilizacio inteli- gente de sua dor preocupando-se com o crescente discurso em prol da liberacao de entorpecentes. Em sua ampla pes- quisa, disserta sobre os varios aspectos que a matéria encerra. io se posiciona timidamente. Posiciona-se contra os que de- fendem a liberagio das drogas, trazendo ao leitor informagdes enraizadas, fundamentadas nos registros de experiéncias em outros paises , acima de tudo, focalizando 0 complexo tema & luz do Estatuto da Crianga e do Adolescente. Que a leitura de seu trabalho seja fonte de ins6nia para os que ainda dormem o sono da inconsciéncia e da ingenui- dade. O autor, sem ciivida, mereceri um sono sereno, constru- ido com 0 conforto moral dos que tém interesse em contribuir para o bem estar da sociedade. Inés Joaguina Sant’Ana Santos Coutinho Juiga de Direito da Vara da Infincia, da Juventude e do Tdoso Comarca de Teresipols cose Google APERTANDO A POLEMICA, MAS SEM ACENDER AGORA Uma introducéo Maio de 2008. Enquanto noivas e mies ajeitavam os vvéus no seu més mais risonho, assistiu-se, em algumas impor- tantes cidades do Brasil, cercadas por um véu de maresia e po- lémica, as escaramucas da ultima “Marcha da Maconha”, Limina- res, juizes que proibiram, juizes que criticaram a interdicio, embaracos policiais, marchas com pseudénimo (“pela lberdade de expressio”), gritos libertivios (“as baganas, aidadao#”), contra marchas... concederam 4 iniciativa a polémica desejada. Bob Marley espreitou a confusio. “Exerything is gonna be alright”, né? Fomentou-se, na aba do debate sobre o que se pode ou rio dizer (e como), 0 debate pretendido, em torno da descri- minalizagdo da droga. Dos “contras”, alguém poderi dizer: — O ‘iro sain pela culatra, melhor ndo proibi, passava despervbido e ndo se softia a acusagio de democracia arranhada. Do lado dos ca-nabiseiros (como Igami Tiba gosta de adocicar a designagio), ecoario os gritos de: “— Absurdo! Pais retrégrado! Bando de hipdcritas!”... Sera? ‘Ji esta no ar o sitio na internet', preparativo da proxima Mar- ‘cha, prevista para ocorrer em 02 de maio de 2009. Enquanto seu lobo no vem, pus-me a pensar sobre o assunto. Pode al- guém ir pra rua marchar sob a bandeira “da maconha”, ou “da cocaina’”, ou “da heroina”? E.concluf: nfo, no pode! Melhor swainarcranacorha xg - 08S. MPORTANTE EXCETO NAS QUE TROUXE- Few blong6eS DIFERENTES, TODAS Al CTAGOES DO PRESENTE ESTUDO. ORIUNDAS DA INTERNET, REPRESENTAM ACESSOS EFETUADOS PELO AUTOR AOS SITIOS CORRESPONDENTES, NO PERIODO ENTRE 0109 € 0271/2008. as proibir, sim. Aos que ficarem incomodados com tanta asserti- vvidade logo ao comeso, peso caridosa paciéncia para os argu- mentos que seguirio. Essa versio tupiniquim da canabiseira caminhada adere um esforco internacional articulado e significativo. A Marcha 2008 ocorreria em 265 cidades espalhadas pelo mundo. Eo pessoal, embora suas fileiras contem com tais “espécies”, no & bobo, ou doidio varrido, no. Sio muitos fortes os argu- mentos que levam os organizadores 4 suposicao da falén das estratégias de repressio, proibigiio e “folerdncia zero” no trato com a questio do consumo de entorpecentes. Tudo in- ica que a propria ONU, pelo seu Essrtinio Contra as Drogas ¢ 0 Grime (UNODC), devers rever tépicos da diretriz, na Assem- biéia prevista para marco de 2009. Os participantes do movi- mento, em geral, além de reforcar a necessidade do trato dife- renciado entre 0 usuario € o traficante, reivindicam que a droga pode ser usada, para fins recreativos, sem maiores da- nos, desde que haja uma politica educativa. Defendem, ainda, © valor terapéutico, ¢ para alguns casos até indispensivel, de al- gumas substincias presentes na maconba, Acusam que a proi- bigdo do consumo de maconha atenderia a interesses politicos € de corporagdes internacionais, principalmente da inckistria de cigarros, afora, mais remotamente, das indistrias de tecela- gem. Aduzem que a proibigo apenas alimenta a criminali- dade e produz corrupeio, 0 que é parcialmente verdade. Nao deixam de tratar 0 tema também sob a 6tica da satide piblica, eis que a proibicio e a obtencio da droga apenas junto a trafi- cantes, levariam a queda da qualidade do produto, dadas as no- civas misturas efetivadas para obtengio de maior rendimento. Disso tudo resultaria a necessidade de liberat-se 0 uso da ma- conha, em gradativas concessdes, a comecar pela descriminali- 2 Os efensres do consumo da maconha sempre se valom do argumento de quo o cl ‘amo, de metma cigem vegetal, sea o materi em qe costrades a vlos Sa corovelae os descabrmentosberics, 56 tia so andona o seu use pr conta das presses das indstis tees ngesas 16 zagio do consumo, pela autorizacio para uso medicinal e plan- tio para uso proprio. Neste ano, provocado pelo Ministério Publico, o Poder Judiciétio pronunciou-se liminarmente pelo impedimento re- alizagio da Marcha em diversas capitais. Mesmo assim, algumas caminhadas se realizaram, havendo casos de sua transforma- clo em “marchas pela liberdade de expressaa”. Aliés, por este vies avangaram todas as criticas 4 proibicio do evento. O Presi- dente da Seccional-Rio da Ordem dos Advogados do Brasil, Wadih Damous, capitaneou manifestagio na sede da entidade. Na ocasiio, o Procurador da Repiblica e professor universiti- rio, Daniel Sarmento, apresentou sugestio, prontamente aco- Ihida pelo Deputado Federal Chico Alencar, do PSOL, de in- gresso de agio no Supremo Tribunal Federal, visando a declarar a inconstitucionalidade das interpretagdes dos juizes que consideraram a Marcha da Maconha apologia criminosa. Es- tiveram presentes a0 ato da OAB, a Unio Nacional dos Estu- dantes, a Associagio Brasileira de Imprensa e a Associagio Nacional de Jornais.> Nas passeatas que foram tentadas, ocorreram inciden- tes em alguns locais, inclusive com prises, seja pela exacerba- cio dos dnimos de alguns manifestantes, seja pela agressivi- dade, aqui e ali, da forca policial. Pretendo apresentar, da forma mais breve possivel, virias informagdes € dados sobre 0 tema, um pouco da conjuntura do debate ¢ ao final, refletir so- bre os valores constitucionais que foram reivindicados pelas posigdes em conflito. Alguns entenderam que, no concernente & manifesta- io, deveria prevalecer o direito de liberdade de expresso, conforme prevista no Artigo 5°, IV, da Constituigio Federal. Somaram a esta defesa, os direitos de reunio em locais pibli- cos (XVI) € de associagio para fins licitos (XVIT do mesmo ar- tigo). Quanto 20 consumo de maconha propriamente dito, 0 3. Che, OAB-RJ abr as pots pla berdede de expresso’, em hp nm merchad- ‘maconha orboglob--abre-ss pores peleiberade-de-expressa0 192 7 raciocinio caminhava pelo direito da inviolabilidade da pessoa, 4 sua intimidade e vida privada (inciso X). Foi freqiiente o ar- gumento do “‘direito ao uso do priprio corpo”, sendo, portanto, as substincias ingeridas pelo cidadio, assunto exclusivo da esfera privada. Em sintese, o raciocinio todo seria assim: 0 corpo ‘meu, fago dele 0 que eu quero, © cérebro é meu, penso o que der na telba, expresso meus pensamentos a quem quiser, reu- nindo-me com quem quiser, em qualquer lugar, pra dizer 0 que quiser, e ninguém tem nada com isso. Do lado contriio, postaram-se aqueles que, & luz do artigo 5°, XLII, da Carta Magna, entendendo como crime he- diondo o trifico de entorpecentes drogas afins, fazem a lei- tura da manifestagdo sob a ética do art. 33 §2° da Lei n°. 11.343 /06, que prevé pena de detencio de 01 (um) a 03 (trés) anos para todo aquele que “indugir, instigar ou ancsiiaralguém ao uso indevido de droga”. Por tal razao, se curvaria o direito de livre manifestagio, frente ao valor que mais alto se ergue, o bem pi- blico maior, de preservagio da satide piblica. Ainda que se possa fazer 0 que quiser com o proprio corpo e pensar sem amarras, no se pode promover reuniio em qualquer lugar, nem dizer 0 que quiser a qualquer piblico. Fiquei um bom tempo dando tratos & bola. Nao é as- sunto Facil. Quem sou eu para pretender palavra final sobre qual- quer coisa, Mas, mesmo que eu quisesse, descobri no haver algo assim como a “palavra final sobre a maconha”. Aliés, me incomodam muito os trabalhos que so publicados por ai com suposta neutralidade cientifica, ou com reportagens que assu- mem posigdes parciais, mas que se intitulam ‘a rerdade” sobre a maconha. Nao ha “a” verdade sobre a maconha. Existem ver~ dades. Existem mentiras. Existem diividas. Existem estratégias pedagégicas, politica criminal e precaucdes necessiias. E exis- tem (ah, como existem!) interesses, alguns nao confessados. Existem adjetivagdes enganosas, como o usual tratamento de “hipdeitas” ov “estipidos® com que os partiditios da liberagio 18 de drogas carimbam os que deles discordam, provocando o re- bate de agressdes verbais aos maconheiros “doidaes”. Mas, acima de tudo, existe uma circunstincia histérica, geogrifica e social. Parafraseando Ortega y Gasset, “a maconha é a mavonha e sua sireunslinsid Na medida do possivel, tentando ser pouco chato, me esforcei para oferecer a cooperacio mais densa que pude ao debate, buscando ser fiel As argumentagdes de ambos os lados € produzindo algumas préprias, para melhor definir minha po- sigo. E.rejeitando qualquer pecha, dispensando os xingamen- tos, repito: embora concordando com o fim da pena prisional para o usuario, sou contra a liberagio da maconha e contra a possibilidade de realizagio da Marcha. Explicarei tudo melhor. Leia mais se tiver paciéncia, amigo. Este trabalho possivelmente desagradari tanto aos que so contra quanto aos que sio a favor, 0 que nio deixa de ser uma qualidade, convenhamos. Todo mundo poderi, democra- ticamente, meter-lhe 0 malho, queimé-lo, ou ignori-lo. Aos que querem ciéncia, incomodari porque cientifico nao é que pretendem reportagem, esta trari lacunas € barrigas. Aos que imaginam libelos, oferecerei dividas. Nao sou um acadé- mico, nem um jornalista e muito menos um fanitico. Mas tam- bém no sou um ingénuo. Apenas uma pessoa precariamente formada, que passou seus sustos com a questo das drogas, vviu Familias sofrendo seus sustos, algumas se destruindo, e per cebeu o crescimento da nefasta ocorréncia em volume € em velocidade, nos iiltimos tempos. Esforgo-me para compreen- der melhor 0 mundo. Se vocé pertence a essa irmandade, seja bem vindo ao portal das perguntas. ‘Mas mesmo aos cientistas, repérteres, académicos xi- ftas (que, de ambos os lados, os hd), que derem o azar de terem este trabalho em suas miios, pego a tolerincia de que daqui res- gatem, a0 menos, a pesquisa apresentada. Para os mais afeitos a0 tema, seri priméria, sem novidades. Para muitos, se despi- rem preconceitos, proveitosa seri. Afinal, é um trabalho 9 “ mult-indiséplina’”, porque bebe, fragmentariamente, em varias fontes, sem exaurir-se em nenhuma. Por isso, certa confustio metodolégica. Notei, mas deixei assim mesmo. Quem olha da montanha s6 vé mesmo o panorama geral. .Acho que torna a leitura mais interessante e nao linear. Mas juro que no Fumo ‘maconha. Um esclarecimento, No texto que voeé ler, por vezes ime refiro A descriminalizacio e por vezes 4 liberagio de dro- gas. Sdo propostas diferentes, mas para a maioria dos que de- fendem maior tolerincia as drogas a primeira é passo titico para a segunda. Na verdade, aqui combato as duas propostas, por isso, as referéncias podem se misturar, nfo estranhe. Por fim, digo que nao sei fazer textos sem preces. Afi- nal, Deus é Lagos. E esta é minha prece: Que dEle sejam as pa- lavas que Ihe sievam, caro leitor. Que sejam titeis. E. que o se- jam a jovens, pais, educadores, quem sabe, a juizes, € a maconheiros também. ENTRE O BANDIDO SOBRIO EO MACONHEIRO BANDIDO, O MACONHEIRO INOCENTE £ MARISCO Nova postura legal no trato com a questao do consumo de drogas Rubem Alves tem um artigo em que saiu defendendo a liberagdo da maconha.‘ Estranhei um pouco a posigio do grande pedagogo e tedlogo, afinal, homem afeito aos oficios da edificagio, como poderia consentir com caminhos de des- truigdo? Mas ld estava 0 agudo argumento, que movia o ho- mem de grande coragio: a via-criicis de pequenos maconhei- ros presos, meninos humilhados, mulatos escorracados € pobres extorquidos por forcas policiais corruptas. Li outros depoimentos similares. Zuenir Ventura, por exemplo, procla- mou suas diividas sobre 0 tema: liberar ou no? Se s6 um pais libera, da certo? “Nab sei 0 que fazer”, confessou.> O escritor era movido pela mesma realidade da “tidade partida”, para usar o ti- tulo com que nomeou em livro 0 drama do Rio de Janeiro. A destruigio social, 4 presente a destruigiio econémica, preo- cupa esses autores. E este € 0 grande drama da droga. Mas a li- beragio seria a resposta? Creio que no. A realidade soci justa, a opressio ao pobre, nio nasceram da proibigio de 4. ALVES, Rubem. Ente o ruin oo harndo Os mle de Ibealzapio das dogas elo ‘menor que os da sua proiao onal Folha de So Paulo, 8/1/1999, Em htpwan.ge- ose con/soiededecutreerogasberves hii 5. VENTURA, Zuni. O conus planeta meconhe, Jornal O Globo. 28/7/2001, drogas, no seri a liberagdo que fard mais fraterno 0 mundo. Vejamos. A proibigio internacional da maconha tem sua génese remota nas Conferéncias do Opio. A primeira realizou-se em Xangai, em 1909. A pauta visava inibir a indecente ago in- glesa, remanescente das Guerras do Opio, que seguia ven- dendo aos chineses a droga produzida na india. Era uma com- ‘modity importante na formagio da tiqueza britinica. Apoiando a China, os Estados Unidos puseram-se 4 frente do com- bate. A auséncia inglesa em Xangai nio impediu a aprovagio de um documento de recomendacio. A Inglaterra ficou ex- posta mundialmente, pelo lucro obtido de forma considerada desumana. Na Conferéncia seguinte (Haia, 1911), por razdes poli ticase econdmicas, ¢ para mio posar de vild solitéria na his ria,a Inglaterra condicionou sua adesio. Queria aproibigio tambémda morfina e da cocaina, grandes produtos de exporta- io daeterna adversiria, a Alemanha. Disso surgiu a Primeira Convengio do Opio, no ano seguinte. Em 1925, novo encon- tro internacional, patrocinado pela Liga das Nagdes, provocou a incluso da maconha na lista de substincias combatidas, a pedido do Egito e com apoio decisivo do Brasil, vejam s6. 0 delegado brasileiro, Pernambuco Filho, é muito criticado hoje em dia pelos defensores da liberagio, por supostamente ter agido de forma inconseqiiente, desprovido de fundamentos € contra 0 que teria sido seu proprio entendimento ji que teria antes se manifestado pela irrelevincia da maconha No Brasil, a maconha chegara cedo, trazida nas franjas do que havia de roupa entre os negros. Em texto sobre a histé- 6. Sabre a erelugSo dos tatadosinlemacona, ver oapéndive “Eslbelecond o con: ‘tle sobre a cocaina 1910-18207, de SCHERER, Sebasn, em BASTOS, Francisco nd «io e GONGALVES, Oda Diss, “rege: legal? Um debate eutorzado" (mage, 1993 pp. 169 seguinas). Utissimo também “Convengdesitemacionas sobre cogas no cred- {ado, deprivl em hp /ivacinese sp. goubrinodrogateanvenc tne," iste da ma ‘ona no Bras, de CARLIN, Elisald Araio, em hp: seo biscilo php script ‘i_atetpid-S0047-208520060004000086 22, ria da maconha, Carlini cita estudo de A. Dias, onde consta 0 seguinte: Lewitve das radezas da seri, balsam da eruiantesandade da terra Jlongingua onde fica a Kerdade, o wegro trosee cnsio,ocutas nos far rapos que tbe envlviam o corpo de ébano, as sementes que futifcariam € propiciariam a continua do vice! Por isso, chamou-se no inicio “fiumo-de-Angola”. Mas os navios de Cabral, como os de Colombo, ja tinham cordames ¢ velas de cinhamo, o nome da planta. lis, o mesmo Elisaldo Araijo Carlini, expert no tema, em texto chamado “A histéria da ‘mavonha no Brasil adverte para o fato de que “maconhd” & wm anagrama de “cinhamo”® Esses usos produtivos e alternativos da maconha, como fibras para vestuatio, ténis, papelaria, até material para carros, so hoje muito usados para reivindicar a liberagdo. Nao parece uma reivindicaco exatamente pela me- Ihor qualidade produtiva. Parece mais com uma salvaguarda. Como se fosse a maconha uma juta inocente, um alvo algodio. Mas com vantagens. No aperto, 0 sueito enrola a prépria ca miseta, acende e fuma: “ Melhor sem camisa que na fissura”, dit fato 6 que a maconha tem suas muitas estérias € rias historias, dentro da Histéria, A atengio recebida de estu- diosos de renome, sempre € reivindicada como se isso confe- risse alguma legitimidade droga. Camara Cascudo estudou a maconha, registrando sua popularidade entre os escravos ne- gr 0s € 0 povo pobre do Nordeste brasileiro, bem como 0 uso em rituais das religides afro-brasileiras.” Cada orix teria erva 7. DIAS, A “Agumasplanas ¢ free txts inaigenas e alenigenas’. Bata, 1827 ‘Apud: MEMEDE, EB. "Macon: épo do pobre’ Neurcbiiogia 8-71-83, 1845, ce CARLIN, trabato cicado 8 Texto lado na nla, 8. Segue o vette elaborado por CAMARA CASCUDO: “Macon Diambe amb, r- mba, mrjuans, raf rink, beseado, moro, chen, furo rab, gongo, mala me, ma ‘eas ~ Canais Sava cinhamo, herbie de cigom aia, vind par o Bra com os ‘escravos nog aficanos, segundo a maiora dos estudosos. Opi do pobre, fumarn a f- thas secas come cigaros, moro, com doi grams, baseedo com ume stents, Sinho com 23 prdpria ao seu culto, e a maconha seria a favorita de Exu, nos rituais do candomblé.!° Gilberto Freyre a menciona, em nota ao seu monu- mental “Casa Grande &» Sengala",\' assumindo inclusive ter consumido a erva, descrevendo-lhe os et ‘para casa cansado do bale, mas ainda com a misiea nos onidos”. Cita as virtudes atribuidas pelo povo 4 “macumba”, como a erva ‘era chamada na Bahia: desde supostas qualidades afrodisiacas a poder itos como “wm voltar misticos, O fato & que a droga disseminou-se dos negros aos in- dios, passando a predominar, naqueles comecos, entre popula- ‘ces carentes brasileiras. Isso nao afasta seu consumo es- poridico em classes altas. Supde-se que a encrenqueira € ninfomaniaca Rainha Carlota Joaquina regava suas conspira- ‘gBes e romances a chazinhos de maconha."” Sobre este trecho, um maconheiro me disse: “Ti vendo, 96 muita erva na idéa pra _gientar esse pais!” ‘um gama. Hé também o marcas, que no Maranho chamam bl cacinbo feo com una ‘arf, um cabazo~lgenaria~ 4 flo de bao cove, came lho visto, com recente ‘ara 6a, ovardo a uega, como onagu co. Est, dando aimpresseo de eu fos dena fe impress, lomira, que so desaprece com supe lmeniagéo, plete tom sous sogrdoso tenes al na cohol. Ha os ps machose meas. Os machos de ‘ada serv “Cah, assovend, ou na presen de mulermenstuade, koe 0 ex0 da lant, a plate femea macheae pre as vrtudes" Garia Moreno, “Aspeios do maco Iiismo em Sere’ dex, aca, Serpe, 1942 A maconha estan, fumade pele me Iandragem para eri coragem da’ loveza ao cmp. Néo hi conhecinonto dela maco- ‘ha agum cerimonal secrete para sor nlads. Como sucede no México, onde a dzem ‘mariana, rf, somador,olhqu ene cantos de uve Nos ctimbésusam rare sem [ie octamenie,o Geo da lamba nos trebahos dices. Nos rans ecandomblesnéo ha roa dose uso. E mas de prodogso de alunos © vegabundos.Ebfogratia essoncia ‘losé Lucena “Os fumadores de Macenha em Peramucs’,Aguns Novos Dados Sobre ‘0s Fumadore de Macon’ Arquivo de Asistnce a Pacopaas de Perambuco, enV, 53 1834 e 1-2, 197, 1935 Rect: Rodrigues Dos, "Os fades do meconhe, Bah 1916, Garcia Merono, ace cad: surbas Porambucano, "A Maconha em Pemambuco, ‘ows Estudos Ae trasioros’ 87, Ro de Jane, 197; R. Cardo de Fars, “Carpa tha Conéeo Uso de Maconha no Noes do Bras’ Ri de Jane, 1842, ec. Maro Yr ‘ang Monto, ‘oll de Meconha’,Reil Bras de oll io. 16, Ro de ener, 196 n“Diconro do Fal Basin, Eto tina Belo Hoon, 1984 10. "Confare orig Em defse de Erve (Marjuan, Macon, Cannas, Garj et ‘assinado por “CONTRANET, em itp lam mdiaindependent orgipUbe/2008/04 AI734r shit M1 dedi, Record, 2000 — nota 73, pp. 8 12. ie: CARLIN, texto ct, 24 A histéria também é vasta e pitoresca em outros paises. Conforme o texto avangar, iremos comentando. Mas, com es- t6ria ou sem histéria, a ONU recomenda a proibicio da canna. bis satita desde 1960, pelo que foi incluida na lista de vedagdes da Convengio Unica de Narcéticos, em 1961. Mas, j4 em 1948, dando conseqiiéncia aos tratados anteriores 2* Guerra, sua Carta de Principios classificara a droga como inimigo a ser combatido € recomendava a proibi¢io do seu consumo nos paises que integravam a Organizacao.!> Como veremos mais 4 frente, a posigio americana sempre foi determinante em todo © processo. Campanhas especialmente virulentas foram rea zadas nos Estados Unidos que, queixam-se os defensores da li- beracio, acabaram exportando seu modelo repressivo. No Brasil, a maconha comegou a ser proibida em 1938,!4 embora haja o registro de que a primeira lei antimaco- nha brasileira seja de 1830, quando a Camara Municipal do Rio de Janeiro tornou ilegal a venda e o uso da droga na cidade, prevendo penas de multa e prisio. .Alos negros, a cana dura, aos brancos, as multas brandas, nada muda, meu Deus!!> ‘Mas, depois de décadas aprisionando usuarios, a nova lei brasileira de entorpecentes (Lei n®. 11.343, de 23/08/2006), veio iniciar a aplicagio ao Brasil dos esforgos internacionais que se tém feito para cobrir dois universos de preocupacio. No primeiro deles se busca melhor qualidade de vida para os vitimados pela tragédia do vicio desagregador. No outro, reco- nhece-se a existéncia — minoritiria, mas ainda assim, existéncia = de pessoas que consomem produtos e substiincias ilicitas, sem que isso comprometa sua qualidade de vida, seus relacio- rnamentos ou suas capacidades civis. 13. Confone conta om entwita de Ib Tebra, pesqusader aposetado, da FG, em itp tepoca gobo conlei2001tSfspociab in, ‘16 “Em "Velo & marcha da maconha ameag iberdade de express" deo Demanto © ‘Tato Nagoya ~ Agéncie Bras de Fato, na pagina 6 "Observatirio do Deo comunica- 40, om pan dreitoacomunicacae. org bnovalcontent php?option=com contents faavewtid=3908 15. Fonte: Gazeta do Povo-PR, confome wunantroges com brmostanaciaphp? ©3058, 25 Uma das diretrizes desses esforcos é deixar de tratar 0 problema do consumo de drogas na esfera penal (o que a nova lei nao fez, climinando tio somente a pena de prisdo para o portador-usuatio). I que 0 Direito Penal é a iltima fronteira de protecao da sociedade e do Estado constituido. Em tese, é acionado quando as outras esferas de contengio € coergio, menos gravosas, falharam. A coisa é como em residéncias: cerca-viva, cachorto, cerca elétrica. O problema é que se per- dia a nocao de gravidade da conduta. Gastava-se o cartucho maior com um pombo, uma pulga. Prisio é para o bandido efetivo, até para o bandido-maconheiro, mas nio para o maco- nheiro que, em geral, s6 por isso, bandido nfo é. O entendi- mento majoritirio, hoje, é de que o problema do consumo in- devido de drogas envolve basicamente prevencio e pedagogia proativa. Ele passa, entio, a ser de responsabilidade da socie- dade civil. Nao perde relevincia piiblica, mas o Estado se ‘ocupa dele mais como linha auxiliar da propria sociedade, em ‘campanhas educativas ¢ estabelecimento de progeamas de re- cuperacao. Cabe ao poder estatal, entretanto, numa das for mulas propostas, centrar fogo contra a fabricagio € 0 tri- fico ilicitos. O que ja se tenta, aliés, mas como demonstrou Tropa de Elite ta lé 0 consumidor, esperando 0 produto... Dai A situagao fica, mais ou menos, como se se descriminalizasse a receptacio de produto furtado. Mesmo criminalizado 0 roubo € 0 furto, seria dificil sua repressio, porque ainda e sempre, haveria mercado para o produto do ilicito. Por isso, uma das correntes importantes nesse novo contexto defende a liberagio total das drogas. Neste caso, 0 poder piblico exerceria fungdes de fiscalizagio e regulamenta- ‘lo da fabricagio e do comércio. Ali esto, juntos, numa estra- nha salada, conservadores de renome, em nome do liberalismo econdmico, € progressistas de escol, em luta pelo que enten- dem ser radicalizacio democritica. Defendem esta tese, desde usuarios, preocupados com a qualidade do produto que conso- mem, até estudiosos das politicas de seguranca publica, que 26 imaginam que 0 problema do trifico e seu entorno, assim, se- ria minorado, pasando pelos economistas, que percebem a possibilidade de melhor equilibrio financeiro das contas do Estado, que economizaria em repressio e “faturaria” em im- postos. Comparece também uma parcela dos profissionais de satide, que entendem haver sub-notificagio de casos de abuso de drogas ¢ dificuldade de assisténcia ao dependente, no atual marco legal. De todo modo, seja para melhorar a vida do viciado, seja para admitir aquele consumo recreativo e sem danos, 0 primeiro passo, defendem, é a descriminalizacio do consumo, passando o Estado a exercer, em tais situagdes, fungdes niio mais repressivas e sim, pedagégicas. No Brasil, a nova legisla- gio nfo adotou o reconhecimento pleno da possibilidade do consumo sem danos, seja terapéutico ou recreativo. Entre- tanto, como a lei veio do mesmo bergo, é natural que seus de- fensores tratem como questio de tempo, a extensio da licenca legal. Onde passa um boi, passa a boiada, né? Essa nova postura é, também, uma rendi da realidade implacivel. Drogas existem e so consumidas desde sempre, repetem, quase em ladainha, em mantra. A atu- aco repressiva niio deu conta de impedir ambas as situagbes €, por isso, caberia ao poder piblico buscar 0 mal menor. Ten- tando conjugar a necessidade de redugio de gastos puiblicos nas dreas de saiide e de seguranga, e de trato humanitirio ao usustio, foram instituidos, entio, os chamados programas de re- uso de danas. Esses programas tém ascendéncia em similares aplica- dos em alguns paises do primeiro mundo, nos quais a repres- sfo pura e simples nfo alcangou reducio do consumo. Essa si- tuacio foi reconhecida numa carta aberta de dezenas de personalidades ao entiio Presidente da ONU, Kofy Annan, pu- blicada em junho de 1998, em pagina inteita do New York Ti- ‘mes. A organizacio Drugs Police Alliance, obteve assinaturas de diversas liderangas internacionais, dentre as quais, o ex-presi- io A dureza 27 dente da OEA, Xavier Perez de Cuellar, o hoje Presidente Luis Inacio Lula da Silva, o Nobel da Paz Adolfo Perez. Esquivel, 0 Bispo Dom Pedro Casaldiliga, ¢ muitos politicos, escritores, cientistas, etc. O documento dizia, dentre outras coisas: Estamos todos profundamenteprscipadas com a ameaga que as drogas representam para nossas cians, nosasconcdadaas ¢ nosis scedades. Nao ha outra alternativa a ndo ser trabalharmos juntos, do s6 em nossos paises como além das fronteiras, a fim de reduzir os danos associados as drogas. (..) Acredita~ ‘mos que a guerra global contra as drogas esta causando agora mais danos do que 0 uso indevido de drogas em si. (cs) Propostas realitas de reduir criminalidade, as doenzas e as mortes relacionadas com as dregas so abandonadas em favor de ropasasreir- as dese cian uma socedade bre de dregas. Persist em nassasatuais por Iiias apenas resltaré em mais uso indevido de degas, maior fortale- ‘mento do mercado ilo, aumento da criminalidade ¢ mais doenga ¢ safrimenta(.) St. Seortéro Geral, nis le fazemas um apelo para que inci um delogoverdadcramenteabert ehonesto quanto ao futuro da politica global de controle de dragas wma politica na qual 0 mete, opr conto as praibiges punitivas edame lugar ao bom senso, d inca, & Satie pala eas diets humana. (gee) Bom, niio dé pra esquecer que essas politicas de ago ais tolerante ¢ liberatdria resultam, também, das atividades coletivas de mobilizaco ¢ lobby de uma parcela dos préprios usutirios de drogas ilicitas. Em alguns paises — particularmente nos paises nérdicos € em algumas regides da Alemanha, por ‘exemplo — passaram a se organiza, literalmente, em sindicatos. So os chamados junkiebonds, Estudiosos do assunto surpreen- deram-se, em visita a tais organizacSes, com a capacidade de mobilizacdo dos militantes usudrios de drogas que, ademais, possuiam, muitos deles, emprego fixo, familias e, aparente- mente, todas as condicdes para o exercicio de cidadania ba- 18. Nosito de Psicobopious org 28 sica.!7 Recente pesquisa divulgada pela Revista O Globo entre usuitios de drogas, freqdentadores da noite carioca, fez 0 psi- célogo Luiz Paulo Guanabara realcar exatamente esse lado produtivo do segmento de usuarios que consegue trabalhar, formar-se em faculdades, pagar impostos e “contribuir para a so- ciedade”.1® Claro que é polémica a questio colocada pelo psicd- logo, de que “nem sempre o usudrio é doente, doente é 0 ridado”, pois ninguém tem bola de cristal para adivinhar onde o vicio criara suas raizes. Mas, desse tipo de reconhecimento, para as redes de solidariedade e ativismo na Internet, foi um pulo. A reducao de danos, como politica de satide publica ganhou impulso com a epidemia de AIDS. Programas de troca de seringas comecaram a ser utilizados, como forma de evitar a proliferacio do HIV entre dependentes de drogas injetiveis. O mesmo se deu com a oferta de camisinhas em locais, como. escolas; em periodos, como Carnaval; e em eventos, como as Paradas do Orgulho GLBT. Numa das edicdes do evento, mais conhecido como Parada Ga, em Sio Paulo, foram distribuidos panfletos orientando, por exemplo, melhores e mais seguros métodos para cheirar cocaina. Foi um susto niio muito bem di- gerido pela sociedade, dada a radicalidade da proposta e a con- sideragio de que, por pitoresco e contraditério que parega, com tantos interesses econdmicos envolvidos, e certa postura tolerante da midia, a “parada” virou evento festivo, carnava- lesco e familiar. Entretanto, j4 se praticava a abordagem de re- dugio de danos. A organizagio Psicotropiens mantém em seu si- tio na rede de computadores (psicotropicus.org), diversos textos e valiosas infor mages que historiam o tema Na Inglaterra nos anos 20, um grupo de cetistas que compunba 0 Co -mité Rolston concn gue, em cries cates, a presoro médica de drogas {T.__Relao de Sebastan Schoerernoensso"Reflesdes acerca de algumas endéncias e- contes no iscrso sobre as croges na Aleman’, constante da obra organiza por Fran- €isoIndcio Basos © Oi Dias Gogatves, “Drogas: 6 legal? Um debate autorizado" (map, 1883, pp. 146), 18, "Pesquisa de Retato Consulta e Marketing, que bestia reporagem de ALBUQUER- (QUE, Catios Perl do Consumidor Revita O Globo. Ano, n° 228 p28. 29 bodia ser necesira para os dependentesconseuirem levar uma vida pro- dtiva, Desde sca toca, em Merseyside um centro de refeinia em pol: ica de redugio de danas stwado na érea portudria de Liverpool, apieos injetveis so resorts para dependentes. Nos Estados Unidos, exstom Programas de presrici de metadona em jancimanento dee o anos 60. ‘Mas oi em 1984 que surgi o primera pregrama de trca de seringas, ad ‘ministre pla Junky Union, uma reconbecda organizayio bolandsa de série de dregas. A partir de enti, dverosprojetos de reduso de da ‘nas 1m send desenvoeidos em véiospates do mundo, sendo que muitos dels adotaram ese modelo come politica prblica de dregas, como a Hl Janda, Dinamarca, Espanha, Suiza, Ausiralia, Nova Zeléndia, Ca ‘adi? ‘A questiio é verificar se as circunstincias que permitem uma militincia to agressiva — como a de se ensinar num, evento piiblico e massivo, melhores formas de cheirar cocait — se verificam num pais como 0 Brasil, do que trataremos mais adiante. De qualquer forma, diversos esforcos ja se fazem na dirego proposta. Carlos Minc, quando deputado na Assem- blgia fluminense foi o autor da Lei Estadual n°. 4.074/03, que dispde sobre a “preven, ratamento garantia dos direitos funda. -mentais dos usuérios de drogas”, determinando impedimentos 4 discriminacio e & estigmatizacio do usustio, orientando postu- ras de atendimento ¢ tratamento. Allei sucede e di conseqiiéncia 4 publicago, em 2001, dda “Declarajo de Direitos dos Usudrios de Drogas por uma Politica de edu de Dano” assinada por respeitacas entidades de defesa de direitos civis e especializadas em redugio de danos.” Se- guem alguns dos itens da Declaraca 12. Hotton cea.“ ml domi de das Orgarizegbes como: Associ Basler do Redulros de Danos/ABORDA. Assoc sin Caren do Reddo Dance Gata do eibeGo bac, Cons Er {al de Tretamenio eResbiltgfo de Adios (CENTRA-IO), Cervo de Artulgio ds Po- Dulapdes Marginaizadas, Deputados representantes de Comissdes da Assembleia Llogisiativa do Estado do Ro de Janeiro de Mao Ambvorte, de Saude da Mulher, Conselho EttedualAntroges (CEAD). Grupo Tatura Nunca Mais, Niele de Eeudos da Saude do [Aaalescene (NESAUERJ) e Rede Lane Americana de Redupo de Oanos (RELARD),den- tre cures 30 +O usnério de drogasé um cidadao pleno, com direitos edeveres. + A dependénia de drogas expressa um sofrimento com difcldades fica, pscoligiase socks, +A adependénia de dregas, mesmo a mais prolongads, deve ser sempre ‘onsiderada uma situa provisiria +A beyjslsto trababbista dere considerar os usuarios de drogas em tratamenta em stuayao de doenga, nas mesmas conéiziesprevstas para as demas doen. + Usuiris de drogas detem ter acesso a tratamentas adaptados que respeitem sua dignidade eles permitam reinsergo social + A finaidade dos tratamentos deve ser ade promover noma vida lve responsive (..) + Condenans a poltica de prevengo de “guerra ds drogas” que, de fate, contrib para a disriminagao dos priprias usuarios de drags. ) + Nenbum usuério ow dependent de drogas deve se reso por simples 180. oo) +E necessirioestabeleer politics de preven, de tratamentoerein- sero com base na proposta de reduan de danos, artculando os di- frente campos da sade, edncajan,juventude, faa, preidéncia “soca, justia, empregn, nacional elocalmente integrand as atid des piblicas¢ prvadas. +E preciso que sjam estabelecdas leis que garantam o respite aos direitos dos usuérios de drogase que proibam tratamentos hum ‘nantes on que exploem 0 trabalho dos dependentes de dogas. (x) + Os governs devem assumir responsabildades, sem explrajto pol ica ou idealigica, garantinda 0 acsso a prevengao tratamento de qualidade, eo respite aos direitos e iberdades individu, + Asintervngies na trea de dragas nao padem ficar na dependincia ta boa vontade, do bom senso ou da experiénia pessoal. As pesioas que atuam na drea devem adguirr competincia téovica especfica, através de uma formaya dversificada baseada em dados de pes- guisa médica e das ciénias bumanas, numa abordagem interisc- _plinare politica dos fenimenas da dependéncia de dregs. +A troca de experincias favoreceré: maior comunicao ¢ colabo raga Googtt + Conclamanas as Organizayies Nao-Governamentais ¢ Governa ‘ments a inch usuarios de drogas em seus consellos, geréncias Girgie 2 Em 2005, 0 Ministério da Saiide jé atendeu a alguns desses reclamos, ao baixar a Portaria 1.028, que institufa, no seu Zimbito, as priticas de redugo de danos. Talvez 0 mais no- tivel, no ato administeativo, seja a alteracio de foco, dando como realidades acabadas a venda e 0 consumo, assim acei- tando a possibilidade de que o usuario, simplesmente, ndo pre- tenda desvencilhar-se da droga Diz o art. 2°: Dein que reduo de danos soca said, decrretes do no de produts, substincas ov drags que case dependéncia,desenlease por ‘meio de aes decade digas a wsudrins ou dependents gue nl as dani consent on nie quem interrater win ted came bjetiva reduc ox risen ausoiados sem, necescariamente, intervir na ‘oferta ow no consums.” (grifei) Evidente que os defensores da liberagio tiveram por “menos avangada” ou “menos progressista” a Lei n® 11.343/ 06, que veio explicitar itens das politicas de redugio de danos. A nova Lei nao parece admitir a mesma tolerincia da Portaria, mantendo a criminalizacao, inclusive — indiretamente — do consumo, embora no mais permitindo a restri¢io de liber- dade do usuario. De todo modo, traz efetivamente um novo cenfoque. Art, 18. Consttuem atvidades de preven do uso indevido de drogas, Dara efito desta Lei, aguelas direcionadas para a vedugto dos fatores de ulecabilidadee ism ¢ para a promagio ofotalcimenta do fators de peat. ‘Art. 19, As atisilades de provengdo do nso indesido de droga devem ob- servar os sguinesprindpiose diretrizes(..) 21, Tanto aLel de autora do Deputed Carat Mine, quanto @ Deira supra constam esto da Pstoopius or 22. hips 200% sau gov rsas/PORTARIASPo2008/GWGM- 1028 hin. 32, V1= 0 resombecmente do Sudo-ns0", do “retardamenta dense” e dane sentia, quando da deinigto dos objetivs a serem akeancadas..) (rife) A lei adota nitido vies pedagdgico, delegando-se ao Juiz apenas a aplicagio da medida de adverténcia ao simples usud- rio, além da possibilidade de seu encaminhamento a progea- mas educativos ou terapéuticos. Veja-se que a inovacio parece buscada na Lei 8.069/90, o Estatuto da Crianga e do Adoles- cente, que prevé como medida sécio-educativa mais branda, justamente a adverténcia. E como se fosse concedida uma mo- rat6ria de imputabilidade, uma adolescéncia tardia a0 usuario, impedindo, como se faz com 0 menor de 18 anos, seu trata mento como criminoso. Efetuou-se também diferenciagio en- tre o traficante efetivo ¢ aquele que cultiva, por exemplo, plantas de maconha para consumo préprio, por vezes, até em vasos dentro de apartamentos, formula muito defendida pelos militantes da Marcha (“Nao compre, plante!”). De qualquer forma, a manutengio da questiio do porte para uso na esfera penal, mas sem sancio criminal efetiva, ins- taurou uma polémica, que deve se estender. Conforme matéria no Portal Ultima Instincia, divulgada no sitio “Marcha da Mavo- nha? 2 destacam-se 03 posices sobre o assunto: + STE ~ entendendo que o porte 6 ome (Primeira Turma ~ RE 430.105, relat do Ministro Sipilveda Perten; + Luiz Flavio Gomes Garistaexpcialicado em Dirito Peal) ~ strata he uma infragioponal ‘sui generis’ (f. GOMES, Lai de Drogas Co smestads, ed Sdo PuloRT, 2007, p. 145 + Abe Bianchini Guristaespcalinadsem Dirt Penal) ~0fato na é rime non perens ao dito peal. Citadsojugado mioritiio da 6* Cémara do Tribunal de Justiza de Sdo Paulo (rel. José Henrique Torres) que considerou no aver deo ro pore de droga para wo 23. _in “nga rediscute a deseininazegéo da maconhe*confome — htp:fwwmmar- hademaconha ccpblopingsteredstute-«-desciminaizaceo-demraconha_ 205, 33 ‘pripra (aso Ranalio Lopes ~ “O Estado de S. Paul de 23/5/08, PAN Na feitura deste livro, consolidou-se minha compreen- sio de ser crime, o porte de entorpecentes. Polémicas 4 parte, é saudivel que nio sejam tratados, todos os problemas rel: nados a drogas, como “farinha do mesmo saco”. A gradacio de gravames € conseqiiéncias € condizente, mais do que com 0 império da lei, com os ditames da Justica, fundamento do Es- tado Democritico de Direito. E segue os conselhos de Mon- taigne, que recomendou nao se tratar igualmente o ladrio de galinhas, coisa pouca, ¢ o autor de sacrilégio, pecado grave. Como “sacrilego” era tratado 0 mero usuario, em oportu- nismo policial corrupto, de abordagens nifo raro violentas. En- tretanto, perceba que a lei niio autoriza o estimulo ao con- sumo. Assim deixa claro o parigrafo segundo do art. 33 da referida lei, quando criminaliza, com as penas indicadas, as, condutas abaixo: “o) § 2° induce instipar ow aula alin ao use indevida de sha: Pona— dtengi,de¥ (um) a3 (rs) nase mata cde 100 (om) a 300 freentas) dias-mna J" (gi) Esse parigrafo esti no artigo que trata das ilicitudes penais ligadas 4 produgio e trifico de drogas. Nao é por acaso. A indugio e os outros crimes do parigrafo sio auténomos, Podiam merecer artigo préprio. Mas ficaram ali, junto aos cri- mes mais graves, sinalizando 0 alto teor de reprovagio social ‘que todas as condutas envolvidas com produgio, trfico, inter mediagio e estimulo ao consumo, merecem, Allei é perpassada pelo desejo de diminuir a condi¢io de exclustio do usuario dependente de drogas, buscando ofere- cer-Ihe alternativas. Até porque, a Declaracio dos Direitos do Usuitio ea Lei do Deputado Minc, antes mencionadas, come- ‘cam, ambas, com a assertiva dramitica e clara: “A dependincia de Adrogas expressa um sofrimento com dfculdades fica, pricoligcas ¢ 34 swciis” (grifei). Softe 0 usuario dependente, como softe, por exemplo, 0 portador de cincer. O sofrimento, em si, no auto- riza qualquer cerceamento de direitos. O préprio estado de satide é que poder fazé-lo, eventualmente acamando o en- fermo e impedindo-Ihe a locomogio e 0 voto, por exemplo. Mas, enquanto isso, o usuario é, como o paciente de cincer, “‘idadao pleno, com direitos e deveres”, para o qual se deve buscar, nos tratamentos, a “reinserzdo” e uma “ida litre e responsdtel” Esta humaniz sgmento da sociedade fica bem clara no seguinte artigo da Lei de 2006: edo do trato com e: ‘Art, 5*— O Sisnad tom os seguintes objetivas: 1 comribir para a incluso social da cidadao,visand a torné-o meas tubnerel a assumir comportamentos dersco para o uso indevido de dro 30, strc lito outros comportamentoscorrelaionades ..)" Outro aspecto fundamental na nova lei é 0 reconheci- mento de ser inde: wel a propagagio do consumo de entor- pecentes, como se vé do teor do art. 19: ‘Art, 19, As atvidades de prevensto do uso indevido de drogas devem ob: sorear os sguintespriaipase diretrzgs I~ a reonbecimento do nso indevido de drogas com fator de intefoinsia na quatidade de vida do individuo na sua rela com a comanidade & qual pertenes (u) Resulta desse reconhecimento, de que 0 usuario de deogas passa a ter piora em sua qualidade de vida, a necessi- dade de evitar 0 ingresso de novos consumidores nessa faixa, a merecer atengo especial. Para isso, se estabelecem como prio- ritirios —no mesmo artigo que acabei de citar, nos incisos que seguem — programas educativos que visam a inibir 0 consumo de substinciasilicitas entre a juventude. Vejamos: “X — 0 estabelecimento de politicas de formagio comtinuada na drea da prevensia do nso indevido de dragas para profsionas de educa wos 3 (irs) nies de ensna; 35 XI a implantagao de projetas pedagiions de prevengdo do uso indesido de drogas, nas inttaizes de ensino pba ¢ privado, alinbades as Dire sizes Currculares Nacionaise aos conbecimentos relacionados a drogas: a Outro aspecto que nao pode ser negligenciado é que, no s6 se pretende impedir 0 ingresso de novos consumidores no universo da drogadica0, como também, se pretende, nada ‘mais nada menos, que a destruigo da droga em si mesma. Por tal razo, plantagdes ilicitas devem ser destruidas (art. 32), pro- priedades expropriadas (art. 243 da Constituicio Federal), como devem ser destrufdas, a mando do Juiz da causa, as dro- gas apreendidas, quando encerrados os processos pertinentes (art. 72 da Lei especifica). Ou seja, humaniza-se o tratamento a0 ususirio, que passa a merecer acompanhamento terapéutico ¢ educativo, ‘mas —e aqui, a meu ver, um eixo fundamental da lei ~ busca-se impedie que surjam novos usuarios ¢, também, que a droga se ‘mantenha no mercado, seja para consumo indevido, seja para um discutivel consumo “devido”. Para isso é imperativo que seja inibido o estimulo aos possiveis novos consumidores, como tambés dencia. Deixemos claro: A lei estabelece com nitidez que 0 consumo de drogas é nocivo e indesejdvel e nao deve ser multiplicado. a mesma lei evi- 36 BRASIL 2008 - MARIA JOANA EM DESFILE E LIMINARES EM MARCHA A “Marcha da Maconha”, na verdade, é parte da “Global Marijuana March”. Coisa desses tempos de globalizagio econd- mica autoritiria, mas que gera, nos subterrineos, uma globali- zacio alternativa, por vezes virtuosa, muito potencializada pela rede de computadores. Blogs, chats, revistas eletrdnicas, e-mails, ecoam o que seria um possivel “Manifesto Maconbista”: “Maco inbeivos de todo 0 mundo, uni-ros!”. Assim se fez, no movimento iniciado em 1999, na cidade de Nova Torque, espalhando-se por diversos paises do mundo. No Brasil, ocorrem Marchas desde 2002, quando realizou-se a primeira, em praias do Rio de Janeiro. No IV Férum Social Mundial, realizado em janeiro de 2005, ocorreu a primeira atividade piiblica do Movimento Na- cional pela Legalizacio das Drogas. A oficina “Basta de Guerra 4s Drogas” reuniu algumas centenas de pessoas em Porto Ale- gre. Nos debates, foi avaliada a politica de repressio as drogas € as conclusdes foram de que era, nio sé ineficaz, como, ainda, teria um viés politico que faria da guerra As drogas “a nora cana da wlha ditadura”, como exagera 0 manifesto aprovado. Outra deliberagZo foi a construcio de manifestagbes em prol da lega- lizagao de entorpecentes. agenda apontou pata os dias 07 € 08 de maio daquele ano, quando ocorreria, em varias cidades do mundo, a ‘Marcha Mundial pela Legalizagao da Maconba’"?* 24, Font: hpi lepaizacsodesiogesbogspot com, 37 A partir dai, embora aquele movimento seja a favor da legalizagio “de todas as drogas”, seus militantes inseriram-se no calendario dos eventos internacionais da “Marcha da Maconba’. Em 2004 ¢ 2005, em Sio Paulo, a manifestagio foi proibida pela Justiga. Ja no Rio de Janeiro, em 2005, conforme o sitio do movimento, “centenas” de pessoas caminharam do Arpoa- dor ao Posto 9. Em 2006, apés a exibicio de dois filmes sobre 0 tema (“Grase” — de que voltarei a falar ~e “Nareirfico — En- trea mentira ¢ 0 espanta”) no Instituto de Filosofia e Ciéncias So- ciais da UFRJ, cerca de 100 pessoas caminharam, em marcha, do Largo de Sao Francisco até a Cinelindia. A “Marcha” ocorreu também em 2007, entre 0 Arpoa- dor ¢ Ipanema. O hoje Ministro do Meio Ambiente, Carlos Mine, participou. Cerca de 200 manifestantes caminharam, sendo que muitos, receando represilias, utilizaram mascaras de politicos e artistas conhecidos por ja haverem defendido a li- beracdo da droga, como Fernando Gabeira, Sérgio Cabral, Marcelo D2. Desse ano, vem o embriio das proibigdes em 2008, quando o assunto gerou maior polémica. E. que a Mar- cha 2007 foi denunciada ao Ministério Puiblico como apologia ao crime, por representantes da Igreja Catélica. Em 2008, “a inicatina surgin de wdrios grupos que decidiram se unificar a partir de uma bandeira lega?’, explica Marco Sayio, um dos participantes da Marcha da Maconha em Sio Paulo. “A bandeira atual do movimento & a liberazto para fins medicinas, fom das pristes relacionadas ax drogas ¢ a regulamentarao do uso.” Renato Cinco, socidlogo preso enquanto entregava panfletos sobre a ‘Marcha no Rio de Janeiro, afirma que nio defende nem esti- mula 0 uso de entorpecentes: “o que propomas & que a soiedade di uta os efeitos da proibicao outras manera do Estado lidar com as dro- gas”, diz, Em Sio Paulo, em 2008, inicialmente liberada pelo Ju- {zo de primeiro grau, foi vetada na véspera, em recurso do MP 4 segunda instincia. A proibicio ocorreu, também, nos Esta- dos do Rio de Janeiro, Parana, Mato Grosso, Paraiba e Bahia, 38 dentre outros. Ao final, a marcha, inicialmente prevista para 13 cidades, s6 niio foi proibida em Floriandpolis, Porto Alegre, Recife e Vitdria. Juiz Pedro Sanson Corat, da Vara de Inquéritos Poli- ciais de Curitiba, em decisio liminar, suspendeu a manifesta- io, que estava marcada para acontecer no dia 04.05.2008. Me- recem citago trechos da sua decisio, onde reconhece que 0 livre direito de reunio € garantido, desde que se vise 4 obten- Glo de fins licitos: ‘Mais, bavendo indicios de pita deitiea de rca de dregas, ob forma de instigago «induc ao so de droga, ba, portant a possibildade, de {fs ikaios na mencionads ‘marcha da maconba’.(..) Acstar 0 ato cha ‘mado ‘marcha da maconha’ éfechar os olas para o stimu ds priticas danosas sade bla, em cesrespito ds norma constitaconas infra constitucionas vigentes, 0 que no poe ser tlerado pelo Pader udiirio O mesmo magjstrado decidiu mandar investigar a pos- sivel “clandestinidads” do sitio da internet “nwm.marchadamaco nhacom”, onde, afirma, ocorreria incentivo 20 consumo, tendo ali constado, em letras maitisculas, a expresso “FUME MA. CONHA’ (registre-se que a expresso, se € que chegou a exis- tio no endereco, lé no mais est). Na capital mineira, o Promotor Joaquim Miranda, do Centro de Apoio Operacional as Promotorias Criminais, en- trou com medida cautelar inominada pedindo 0 cancelamento da Marcha, sob 0 argumento de que, “além de causar dependéncia, ela (a maconha), assim como outras drogas, dest familia evitimiza grande parte do jorens envolvides com tréfco”. Joaquim Miranda de- clarou aos jornais que o movimento na rua no seria uma dis- cussio sobre a importincia da legalidade do uso de entorpe- centes, mas sim, apologia, acreditando até que poderia existir patrocinio de traficantes na realizacio das Marcha. Chegou a dizer: “Se quisessem, nds os reeeberfamos nos gabinetes, os acompanba- riamos ao Congress. Mas nao é na rua, com alvorogo ¢ depaimentos di 39 sgendo que a droga nao faz mal, que vamos tratar a questdo”. Sua peti- lo foi indeferida pela Vara de Téxicos do Férum Lafayette. Entretanto, a Promotora de Justica Vanessa Fusco ob- teve, na segunda instincia no ‘Tribunal de Minas Gerais, limi- nar em mandado de seguranga, proibindo a Marcha, sob 0 ar~ gumento de que 0 evento era uma forma de incentivar 0 uso da substincia. O Judicidrio daquele estado oficiou ao comando da Policia Militar orientando a proibigo do evento, sob pena de pris Em Fortaleza, 0 Ministério Pablico também obteve a proibicao na 1* Vara de Delitos de Trafico, que seria realizada ‘em um dos principais pontos turisticos da cidade, a Ponte dos Ingleses.> Em Sio Paulo, 0 Desembargador Ricardo Cardozo de ‘Mello Tucunduva também proibiu a manifestagio dizendo que a mesma “redundaria em ato iltato”, 4 que “o simples uso da maco- nha é ato ilegal”, determinando providéncias a Secretaria de Se- guranga do Estado, pelo que os organizadotes optatam pelo cancelamento.“ Em Brasilia, a Juiza substituta da 3* Vara de Entorpe- centes, Dra. Rejane Zenir Teixeira Borin seguiu o exemplo de seus colegas, proibindo a manifestagio, sob o argumento de que “esse tipo de evento instiga 0 uso de entorpecentes, além de instigar a (pritica de crimes, o porte uso da droga”. \fitmou ainda que 0 local e hora (domingo, as 14:00 horas, com saida da catedral de Bra~ silia) eram inapropriados, dada a presenga de familias, com cri- angas e adolescentes. Também, no texto da liminar, ela deixa claro o seu entendimento de que o direito de reuniio pode ser limitado diante de outros valores constitucionais, como a pro- tegio de interesses piblicos.”” 25, forages sobre Cursba, Seo Horizont © Forsleza, confome notes cletadas ‘no Part Tera hp nots tara com bfrasiinteral 012863 08-306 00h. 28. » hp utimaintancia. ul com binotclS0590 shin 21. _Nositodojoral 0 icbo - On Lino, em hploglabo globo confpishnav200806/21 |ustica-proibe_marcha_da_maconhe_prevista_pare_comecar_ne_catedal_de_breslie- ‘21176057259, 40 Nos locais onde a Marcha ocorreu, alguns fatos mere- cem registro. Em Porto Alegre, a Juiza Laura de Borba Maciel Fleck, as 20h05, do sabado (3/5) concedeu habeas-conpus aos sanifestanes que assim, no dia seguinte, portando salvo-con- duto, manifestaram-se sem incémodos policiais. Em Brasilia, apesar do veto judicial, em frente ao Mi- nistério do Trabalho, manifestantes deram-se as mios, canta- ram parte do Hino Nacional e deitaram-se no chifo, figurando com 0s corpos o formato da folha da maconha. Em seguida, Jeram trecho do artigo 5° da Constituigio Federal que fala so- bre a liberdade de reuniao.” Em Recife, cerca de 100 pessoas se manifestaram, dis- tribuindo panfletos defendendo a descriminalizagao da maco- nha. Embora ninguém tenha fumado a droga, um grupo de pessoas “brincou” com cigartos falsos. No Rio de Janeiro, a Marcha, vetada pelo Tribunal de Justica, transformou-se em “Caminhada pela liberdade de exppres- sdo”, como ocorteu em outros lugares. Na capital fluminense foi preso o advogado Gustavo Castro Alves, de 26 anos, que foi ao local de onde partiria a caminhada (praia do Arpoador), conduzindo sua cadela (pobrezinhal) que carregava um cartaz no pescogo onde constavam as frases: “4 estypider éesséncia do preconceto. Legalize a cannabis”. Na Paraiba, segundo a PM, fo- ram oito os detidos, mesmo saldo da Policia em Salvador.” Paralelamente a tentativa de realizagio da Marcha na ca- pital fluminense, 200 pessoas participaram da manifestacio “O Rio em defesa da familia”, na orla de Copacabana. A passeata foi ‘organizada pela Comisso Municipal de Preven¢io as Drogas da Camara do Rio de Janeiro, para se contrapor 4 Marcha da Maconba, ou seja, uma contramarcha. Conforme matéria no 28. Process: HC 91 080118354, ce Revista Constr Juric, cite: ip /ire- {osdenocrecia blogspot com/2008/0Simarche-demaconhe-edemocacia hi. 23. "Cte repatagem de Renata Maz para 0 Carlo Braziens, dioonivel en: Nip! wuw.correlobraziliense.combr/ntmilsessao_13/2008/05/04) oi nisma i_sesse0-198id_notia-61S2!otca intra sind 530. Matt io na eterna a cagos, At “Observatério do Direito a Comunicagto”>! as palaveas de ordem ‘eram em favor da familia, dos bons costumes e da moral. Par~ ticiparam da manifestagio criangas de um projeto social, esco- teiros, atletas de um clube de futebol, integrantes do movi- mento integralista e politicos, entre eles, a vereadora Silvia Pontes (DEM) que explicou que 0 protesto no era apenas contra a maconha, mas contra todos os tipos de entorpecen- tes, A mesma vereadora, entretanto, teria dito: “Nab sou favord- el d legalizagao, mas niio sow contra a marcha (da maconha). Ei wm di- reito dle A gente deve brigar por aguilo que avredita”. Os adeptos da “Marcha da Mavonha’ reagiram. Ainda no Rio ocorreu, na semana seguinte, no mesmo local para onde antes programada a Marcha, e onde realizada a “Caminhadd”, 0 “Dia da luta pela lberdade de expressao” , na praia de Ipanema. Renato Cinco, ji citado como um dos organizadores do evento em todo pais, repetiu: “nao estamos defendendo 0 uso de qualquer droga, mas a mudanga da lejslagaa”. Revoltou-se ainda com as acusagées de financiamento ilicito, divulgando os né- metos referentes 4 coleta de fundos, que eram provenientes basicamente da venda de camisetas. O professor de Antropologia Edward Macrae, presi- dente do Grupo Interdisiplinar de Estudo do Uso de Substincias Pai- coativas afiemou que ocorrera, com as proibicdes, “wma absurda interferéncia no divide live expresso do cdadao que ext peindo para fager uma mudanga na lei” “A necessidade de um anplo debate acerca dos efeitos da proibi- 0 do comércio destas substinciasprionativas acaba sufocada pelo reduei- onismo moral”, disse Orlando Zaccone, delegado de Policia Civil do Rio de Janeiro e doutorando em Ciencias Politicas na Uni- versidade Federal Fluminense. “Retornarnos aos velhos arguntentos proibicionistas que vinculam drogasikaitas @ expresso do mal, prinaipal- ‘mente no tocante& destruigao dos “elevados” valores morais da familia ¢ dda socedade brasileira”, garantiu. “Nos Estados demomiticose de di 31, Idem, 32 _Confoe consta em htploglbo gobo confpisa/2008/050.2-427190900 asp, 42 reito, 0 campo das ajdesjuridicas nao deveria ser confundido com o das questes morais”.®® Bom, seri que se trata s6 de cerceamento de liberda- des, discurso retrogrado, “reduconismo moral”? Certamente que Continue seguindo o fio tortuoso (admito), do meu racio- cinio, caro leitor. 38, Em"Observatrio do Divito & comunicags" enderogo cia, cose Google TODA MARCHA E GRITO, TODO GRITO PROPAGA, TODA PROPAGANDA INCITA mum documento intitulado “Apolegia ao aime ou d De- ‘mocracia?”, 0 Coletivo Marcha da Maconha Brasil afirma que a Mar- cha nio & um evento de cunho apologético, nem seus organiza dores incentivam o uso de maconha ou de qualquer outra substancia ilicita ou licita, nem a pritica de qualquer crime. “Sabemos que fuman; plantar on portar maconha, mesmo para consumo ‘priprio ainda écime. No entanto, a organizayao social politica para lu tar por mudangas nas leis e politicas piiblicas que regem tais comporta- mentos é um divcito”, defende 0 documento. E ou nao “apolygid” & droga, a “Marcha da Maconha”? FE de dominio comum o sentido da palavra “apologia”. Quando Platio produz a “Apologia de Séerates”, todos entende- mos que, reproduzindo a defesa que Séceates fez de si mesmo, faz seu louvor, seu elogio, reconhece e realca-Ihe os méritos. ‘Jia definigio dicionarizada de ‘marcha’ remete apenas a caminhada, modo de andar, cortejo ou progresso, etc., ¢ acepsdes similares. Mas ninguém duvida do que é uma mar- cha. Afinal, marcham soldados, sem-terras, marcharam comu- nistas chineses em sua revolugio e negros em luta por direitos civis. Soldados marcham no Dia da Patria, louvando-lhe as ‘glbrias. Sem-terras marcham criticando a concentracio fundii- ria ¢ propagandeando os méritos ¢ a necessidade da Reforma Agriria. Comunistas marcharam difundindo as idéias maoistas 34 dom 45 negros fizeram de sua marcha sobre Washington um grito pela liberdade e espalharam ao mundo os valores dos seus ide- ais. Ha dentincia, ha defesa ¢ louva-se virtudes sempre, por tanto. Adeptos sempre sio arregimentados. Outro termo que nos ajuda na compreensio aqui ne- cessitia, 6 a palavra ‘passeata’, que traz como uma das defini- ‘Bes, conforme o Novo Dicionirio Aurélio da Lingua Portu- guesa (Positivo, 2004): “marcha coletira realizada em sinal de egorjo,rivindicado ou protestoscsivos, ou de uma classe”. (grifei) Logo, a “Marcha da Maconha” talvez. melhor seja enten- dida como uma passeata onde se estaria demonstrando ‘ego jo” pelos beneficios trazidos por aquela droga aos seus usu- ios. Neste sentido, poderiamos comparé-la 4 “Marcha para Jesus” onde, a cada ano, milhares de pessoas manifestam seu ‘ngoagjo’religioso, com evidentes intences proselitistas, tanto no Rio de Janeiro quanto em Sio Paulo. Mas, conforme o dicionitio, a Marcha’ poderia estar promovendo ‘eivindicajao de cardter chico’... comparacio, aqui, se aria melhor com a “Marcha a Brasilia”, promovida periodi- camente sob coordenago da Confederagio Brasileira dos Mu- nicipios, para apresentacdo das reivindicagdes daqueles entes federativos. Logo, seria um ato de civismo a defesa da libera- io do consumo da droga? Parece que no. Sob essa ética, quando muito, poderiamos entender que a ‘marcha’ supunha como civica, a defesa do livre arbitrio na questo do con- sumo da droga, sem interferéncia estatal. © tal ‘dreito ao uso do priprio corpo’ Quanto ao aspect de ‘reitindicasao de clase’ — no que se compararia com a “Marcha dos Sem-Terrd”, também levada a Brasilia periodicamente, sob dirego do MST — teriamos que, aqui, abandonar os conceitos tradicionais, usados em econo- ‘mia ou politica, de ‘elase’ no sentido de divisto do trabalho, de camada social ou categoria de trabalhadores. A ‘clase’, aqui, a dos ‘usudrias de maconhd ou, eventualmente, até a classe dos ‘de- _fensores do livre arbitra. 46 De todo modo, seja li por qual aspecto se veja 0 caso, ‘marcha, historicamente, so utilizadas como veiculos de ma- nifestagio politica. Os partidos de esquerda radical sempre ti- veram seus comités de “agit prop”, agitacio e propaganda. Uma das atividades mais comuns, além de afixacio de cartazes, ma- nifestagdes, comicios-relimpago, panfletagens, é exatamente a marcha ou passeata, Na Marcha dos Direitas Civis,capitaneada 45 anos atris pelo Pastor Martin Luther King, ele pronunciou, em Washing- ton, seu célebre discurso “Eu terho um sonbo”. Foi um marco na luta pelos direitos civis dos negros americanos. Serviu para a exposicio do drama da segregagiio racial e para a propaganda dos principios defendidos pela militincia dos direitos dos ne- gros. O mundo agora assistiu, na elei¢o de Barack Obama para a presidéncia dos Estados Unidos, os frutos do que se propagou naquela Marcha. Foi Mao Tsé Tung quem, na China, liderou ‘4 Grande Marcha”, que serviu para a divulgagio das idéias dos revolucio- narios chineses, no caminho até a vitéria da Revolucio Comu- niista. Em seu texto “Sobre a Tatica na Luta contra o Imperialismo Japonés”, escrito em dezembro de 1935, 0 lider chinés disse: “Mas pode perguntar-se: que significado tem a Grande Marcha? Nos responderemos que, fo ode ter sido a primeira do seu géneroregstrada na Histiia, um manifesto, um destacamento de propaganda ¢ wma maquina semeadora."®° (grifei). A Marcha de Mao langou as ba~ ses do que viria a ser a poténcia chinesa que hoje assombra 0 mundo com seu poderio. As vésperas da invasio do Iraque pelas forgas america- nas, em 2003, movimentos civis americanos e grupos de artis- tas —dentre os quais se destacou como lideranga, 0 ator Martin Sheen (que na época vivia o presidente americano no seriado de TV “The West Wing”) — coerentes com os novos tempos, promoveram a “Marcha Virtual on Washington”. Todos os meios de comunicago (e-mails, faves, telefonemas, etc.) foram mobili- 35, _Emhtp/tanudefesanetcom bzzhis great march him a7 zados por milhares de manifestantes que demonstravam seu inconformismo com a decisio prestes a ser tomada pelo presi- dente Bush. Se esta Marcha nio obteve éxito imediato, clara- ‘mente propagandeou a indignac4o que, mais tarde, contribui- ria para a eleicao de Obama. Como se vé, ninguém realiza ‘marcha’ ou ‘passeata’, se nfo pretende defender alguma proposta. Para que a defesa tenha eficécia, necessariamente devem ser divulgados os bene- ficios da proposta. Logo, realiza-se sua propaganda. Propa- ganda, conforme o ‘Aurilio’, dentre outras acepgdes, & “pro- ‘Pagagio de princfpios, idéias, conhecimentos ou teorias, sendo também di- ‘fusao de mensagens, geralmente de cardter informativo e perswasivo, como 0 que se fax. no mercado publiciténio”. Apologia, também conforme © dicionatio, & “discurso para justificar, defender ow lourar, om encimio, louvor; elogio”. No verbete elaborado para 0 Dicioninio de Politica orga- nizado por Norberto Bobbio e outros, Giacomo Sani define a ‘propaganda’ como “ De todo modo, o Diretor-Executivo do Escritério das ‘Nagdes Unidas contra Drogas e Crimes (UNODC), Antonio Maria Costa, na divulgagio do “Relatério Mundial das Drogas/ 2006", alertou, a0 anunciar que “o problema mundial das drogas esté sendo contido”, que era necessirio passar da contengio do problema para a redugio. E, qual o maior obsticulo para isso? Giovanni Quaglia, representante do UNODC para o Brasil ¢ Cone Sul, alertou que “wm dos problemas & que hd muitos profissio- ais, pessoas com alto nivel de educayio e renda, que usam drogas no mundo todo”:** Qu seja, 0 consumo de drogas pelos mais abas- tados é que impede a reducio do problema. . Renato Cinco pensa exatamente 0 contritio. No big" que mantém no ar, supde que a repressio 4s drogas traz um cunho de discriminacio social. “Basta de guerra aos pobres!”, brada, como titulo da pagina. Esta é igualmente a visio do “Movimento Nacional pela Legatizagao das Drogas”, que também mantém um bg na internet. Em um dos manifestos, chegam a afirmar que, “a perveguido aos comunistas, ao Sperigo vermelbo’, foi substituida pela repressao aos pobres, em nome da ilegalidade do comério das drogas”. 48. Confomme 0 sito “Observatio Jover”, no enderojo hip Uva blcbsjovend ‘manbalndex php ?optio=com_contentBtack=viondid=3648hanid=B. 44 waneantrogescom brinode rletari2008 php. 45. _hipblogdoeinc blogspot eom2007T marc he-demaconhe-2008. Ne, 58 Um dos argumentos utilizados é o da perseguicio ra- cial e religiosa embutida na “guerra as dragas”, patticular- mente no tocante 4 maconha. Esta seria usada em rituais de re- ligides afro e orientais. Os hindus a utilizariam em devosio a Shiva. O candomblé, para Exu. E os rastafanis, para Jab, Como todas sio religiées que escapariam 20 padrio branco ¢ euro- céntrico, a repressio 4 maconha seria sucedinea da repressio Aqueles cultos."° Admito que hd manipulagio politica da “guerra” pelos. governos americanos. O Plano Colémbia esti ai, metendo uma bota ianque nos costados da América do Sul. Mas dicoto- mizar assim a discussio, entendendo toda tentativa de conten- do do uso de drogas como “guerra aos pobres” nao parece correto. A nfo ser que os mais ricos tenham se arvorado 0 pa~ pel de defensores dos direitos dos humildes, mas em beneficio proprio. final, recente pesquisa revelou que a aprovacio da proposta de liberacio das drogas encontra maior amparo nas classes mais favorecidas, com esmagadora rejeigio nas classes mais pobres. Tris quartos dos brasileras ~ on exatos 76% — dizem querer que oc sumo de maconba siga proibide por lei, segundo pesquisa Datafotha, Os gue defender que 0 nso nao s9iatratado como crime somam 20%, Honve uma pequena osclagao em relazio a iltima pesquisa sobre esse tema, realizada em agosto de 2006. A toca, 18% defendiam a des eriinalizao, enquanto 79% queriam que a maconba continuase a ser um caso de poicia. A defeca de mudangas na legistado& maior entre as que tim escolaridade mai elevada, Entre os que possuem curso superior, 29% afirmam querer que 0 uso de macowha deisce de ser considerado crime, A maior taxa de apoio & desriminalizaydo da maconba foi encon- ‘trada no topo da pirimide econimica:é de 33% entre aguels com ronda cde mais de de salirias minioos. O maior apoio ao tratamento criminal da maconha ocorre entre as que tm GO anas on mais (83%), entre as 46, _Em htip/iwwamidindependent rgpue200804417347 stil ~ no argo “Em diea de Erve(Marjuan, Maconha, Cannabis, Gana ee)’, de aut de conte 59 que ganbam até dois salivios minimos e entre as mulberes (82% nas duas categorias)*” Evidencia-se niio s6 uma postura mais conservadora nnas classes menos favorecidas, mas também, a meu ver, 0 im- acto da realidade sobre aqueles que mais sofeem as mazelas decorrentes do universo da drogadicio. E. nem se diga que aqui se reflete apenas a questo do trifico e da violéncia adja cente. Hi também 0 efeito direto da droga como elemento de- sagregador da personalidade do usuario ¢ da familia deste, coisa que a descriminalizagio ou liberagio das drogas no re- solveria, como veremos. A CUBA (Central Unica das Fatelas), encomendou ao Ins- ‘tituto Brasileiro de Pesquisa Social um levantamento para conhecer a opinito dos moradores das favelas do Rio de Janeiro sobre diversos assuntos. Publicada no jornal O Globo, de 22/03/ 2008, a enquete revelou que 60,5% dos moradores dessas co- munidades pobres so contra a legalizacio das drogas.** Comprovando que quem conhece mais de perto esse universo, 0 rejeita, vale observar que um dos grupos mais bem sucedidos no Brasil, no resgate de jovens carentes das miios do trifico ¢ da criminalidade, é a ONG AfroReggae. Sabe-se que 0 grupo, surgido apés a chacina de Vigirio Geral, tem em seu cstatuto uma regra que proibe aos integrantes 0 consumo de bebida, Alcool, tabaco, ou qualquer outra droga, licita ou ilt- cit”? Nao creio que se possa tachar de retrogrado um movi- ‘mento com a capacidade de mobilizagio e resgate que tem de- monstrado 0 AfroRegeae. 47. Falha de So Pauo ~ 06042008, tp:/wnt aha uo com brsplotan! ‘0200802 hen. 48. Mata de Dini Amora © Vora Arlo ~ diponivel em pole gobo com! mat/2008/03/221 ‘maiosa_dos.moradores de fevelesconta_iberecao_de_éroges_metade_apie_coveirao- 25502684 ae, 48. Corfe reprtagem de Karla Mons, “0 mediadr do confilos - Contandohist- ‘is, inir do AoReggae conus o apo de empresas east joves do fin’, di- onivel om hp lja sbi cor bef 1206c opal. 60 Da mesina forma se posiciona o insuspeitssimo rapper MY Bill, do sucesso “Soldado do Morro” ® e autor, com Celso Athayde, do documentitio “Faledo, os Meninos do Tréfico”, exi- bido pelo Fantésticn O documentitio chocou o pais, revelando ‘a vida cruel dos pequenos soldados do crime em varias perife- sias brasileiras. Perguntado, em ocasides diferentes, sobre a li- beracdo de drogas como solucio para o problema do trifico do vicio, Bill no desconversa. Fi direto ¢ incisivo, como na le- tra de seus raps: Nido acredito nisi. Iniamos, sim, aumentar 0 problema. A maioria dos _jovens que entrevistei no consumia drogas por causa do tfc, mas por ue no fnbam oporinidaes na vida acaba seid flo Eu ndo sou -do de nenhuma droga Alt porque oniras dragas que so Rberadas, no caso 0 bool ¢0egarr. (qe até a praia para menors de idade no (se) consegue controlar. E, ‘outracvsa, acho ques for pra liberar.. Por exemplo, as pessoas pedem ‘muito desoriminalzasio da maconba. Acho que iso tai ser bom para (qem nao mora na comunidad, para quem naa mora na ftela. Vado po erin barraca do “Seu Manoel” na padaria e comprar li. Quem vai ga anharéa Sours Cruz, (Uma das maiores produorasdecigarasdo Brasil Importadora da British American Tobacco. Foi fundada por Albino Sousa Cruz.em abril de 1903 no Rio deJanira} com impostos. Eu sou a favor i beast e da desriminatiado, se pegasem tad 0 dinbero das drogas que vio ser liberadas ¢revertesem para todas as pessoas que perderam familias trafteando, que morreram perdendo flba gurreando ‘para vender ese tip de droga. Assim en seria. Mas, como niio vai ser dessa forma, eu sou radicalmente contra. Acho que tem outras coisas mais importantes para serem legaliza- das, como educacao e saiide, Sao visas bisicas¢ as pessoas ja nascem sem ese diste.* (grife’) 50. "Aquele que pede voto tambsm jmatou’ Me coloeow no lad pode da soriedade/ ‘Com muita croge mata arma mute melded Vii do cre 6 sic lento" 5. Indgado por Zazb Prato, na mata MV Bil fala sob vlc dvlga CD, em. tp daiodonrdese globo camimatera asp?eodgo=336045 52. NoProgama Rode Viva, da TV Cufuraindagado pr sarge Anno Barros. Er hp ne rodviva apesp bins entrevista bil_2005 hm, ot Para mim, isco & papo de mavonbuira O trifin nao é0sinio problema da comunidade, mas uma eonegiéncia da falta de eduad, sade oportan- dade, Nenbumnjovem com quem coneersamas fo parao crime para susten: aro vic, Ficaram viiads depois. A criacdo da Maconhabrés ndo vai resolver o problema do trafico, da violencia e (iti) nem da vida desses meninos, Nio esquecamos que a opiniio nfo é gratuita ou in- conseqiiente. © “Mensageiro da Verdade? (como se decodifica a sigla que precede o nome do artista) é conhecido e reconhe- cido pelo imenso trabalho social que estimula e capitaneia via CUFA (Central Unica das Favelas). A partic da comunidade da Cidade de Deus, onde reside, organizam-se ages sécio~ ‘educativas em favelas e periferias de todo o pais. Para realizar as obras “Faldo (..)” (liveo, filme ¢ CD) e 0 livro “Cabega de Porco” (em parceria com Celso Athayde e 0 socidlogo Luts Eduardo Soares), Bill entrevistou meninos de favelas do Brasil inteito, vendo de perto e de dentro o drama do comércio de drogas e do vicio. Ferréz & outro que conhece a pobreza e a violéncia de perto. E um talento literario que mora no Capio Redondo, bairro da periferia paulistana. Ali, promove agdes sociais, como uma biblioteca comunitiria. Indagado pela “Revista do Brasil’, sobre a descriminalizagao, fazendo a ressalva sobre © erro do trato do usuario como criminoso, também nao titubeou: Ex sou da opinido do Gog (lider de um grupo de rap de Brastia): 0 dia (que lberararroz.e fio para todo mundo, a oct pode Rberar todo tipo de droga. O aia que um moleque puder escober entre a comida ¢ a droga, Libera doi, Se ele nao puder esolber, nia. Mas a riminalizagio que avontece de cara ir buscar umm baseado, qpanbar eretber wns 16, ex no acho justo 53. Respondonde pergunta de Martha Mendon;a en reportage da Revista Epoca (rt (0640) "Areaidede dos meninos do trfco nated peo rapper MV Bil supera qualquer fe 80" isponivel en: plein planejamento govbNoSesasp?NOTCod=257895. 62. A declaragio de Gog, a que Ferréz se reporta, foi reproduzida em diversos sitios e fruns ligados ao rap brasi- leico, recebendo apoios generalizados da tribo. No sitio “Rado. Rap — A 10g do movimento HipHop”, o simples post da frase gerou uma enxurrada de 107 comentirios, todos favoriveis & posigio do napper?> Outro ponto interessante na conextio movimento- classe social, é que, na Marcha da Maconha de 2007, cerca de 250 manifestantes caminharam, justamente... pela orla de Ipa- nema, um dos metros quadrados mais caros do pafs. Claro que podem ter escolhido o local no por sua referéncia classista, mas to somente pela possibilidade da repercussio. Mas, de qualquer forma, ndo parece que existe, em todo movimento contra a liberacio das drogas uma “guerra aar pobre”, no sen- tido amplo, pretendido por Renato Cinco e pelo Motimento de Liberagao das Drogas. E. indispensavel notar outro aspecto quanto aos locais escolhidos para as manifestagdes: bairros de classe alta, pontos turisticos, praias da moda, parques. So, necessariamente, pon- tos de grande afluso de pablico, o que inclui criangas e adoles- centes. Uma das coisas mais graves no Brasil de hoje é a no percepgio pela populagiio, das conexdes entre as proprias ati- tudes dos adultos, da midia, das empresas (e de manifestantes, por que nio?), € 0 reflexo na psique de criancas e adolescentes, com conseqiiéncias que movem a crise que vivemos no trato da questo infanto-juvenil f, vamos a uma ocorréncia, que deixa clara nfo 6 a apologia nefasta, como ainda, em geografia indevida. Foi na praia de Vinicius, & luz do dia, sob olhos de familias e criangas, que orgulhosamente, cantaram-se slogans como: “Eu sou maco- nbeiro cone muito orgulho, com muito amor” ¢ “tem que liberar a maco- nha pra fumar”. Se for certo que nas passeatas de 2008 niio S54. Nimaro 18, de Nov2007, sponvel em hip revitadebraslneldounioads! rtp 55. ‘hipsfiwmradorap com biter Vetaeso_de_gog hi. houve consumo, na de 2007, no Rio, os jornais chegaram a no- ticiar, em manchete: “ ‘Maresia’ (como € chamada a fumaga de odor caracteristico que se espalha quando se consome maco- nha) toma conta da orla — passeata pela desoiminalizazao da maconba tem consumo nao reprimido da droga”” E. as exiangas li, amigo! ‘Veja-se que, neste ano, 0 site da Organizacio “Marcha da Maconha” exibiu uma inscrigio de alerta, com as seguintes adverténcias: “E proibido 0 uso de maconha na marcha. Proibido para -menores de 18 anos”. Aqui, um dos maiores contra-sensos. Como falei antes, a Marcha se realizaria em pleno domingo, em regi- es de grande afluxo de familias, com suas criancas e adoles- centes. Como é que 0 pessoal queria “praibir” para menores de 18 anos um evento organizado praticamente dentro do plaground? Ora, eventos que niio devem ser acessados por me- nores de 18 anos, nfo se fazem em pracas ou praias, mas em recintos fechados. Falaremos disso mais 4 frente. Por ora, constatemos que os préprios organizadores da “Mara”, portanto, entenderam inadequado que criangas ou adolescentes saissem pelas ruas cantando slagans ou geitando palavras de ordem sobre o “ongulbo de ser maconbeira” ou sobre 10s beneficios da cannabis, ou presenciando essas manifestagdes. Logo, deveriam compreender a absoluta inadequagio de reali- zarem sua manifestagio nos locais e horitios escolhidos. Talvez. por isso pesquisas, como a efetuada pelo Insti- tuto Parand demonstrou que oito entre dez curitibanos so contriios & legalizagio da maconha, sendo que 77% dos parti- cipantes da consulta apoiaram as decisdes judiciais que proibi- ram a realizagio da Marcha. of SANTA CANNABIS: MAIS FORTES SAO OS MILAGRES DO CRISTO MACONHEIRO! A salvagio do mundo. 0 minimo que esperam alguns propagadores da liberaco da maconha. Existe um sitio na In- ternet,cujo titulo na cabgsa da pagina no enganas "Macon, a esperanca da bumanidade!”°° Neste clima é que muito comemo- raram os proselitistas da cannabis, quando a BBC divulgou que Carl Ruck, um professor de mitologia clissica da Universidade de Boston, “desobrira” que Cristo e seus apéstolos teriam usado um leo feito com maconha, para seus milagres curativos. A noti- cia, algo bizarra, saiu na revista High Times, “espeializada em di- ulgar fatos relativos ao uso da maconba”. >" A tese é que um extrato vegetal judaico, chamado “ka- zeh-bosem”, utilizado para pensar feridas e quebraduras, supos- tamente feito 4 base da cannabis, seria a matéria-prima do tal “éleo milagroso”. Num campo de debates em que os exageros sfio comuns, parece outro argumento baseado mais na inten- Glo € no desejo, mas com a vantagem da suposta chancela do préprio Filho de Deus! Um Jesus maconheiro, quem dirial io espantaria se agora descobrissem um quarto rei mago a0 pé da manjedoura, deixando ao lado do ouro, do incenso e da mirra, uns quilinhos de maconha... Ou que, no Monte da ‘Transfiguracio, Jesus € os apéstolos estivessem “gueimando tudo até a tiltima ponta”. Nao seria de estranbar, porque j4 quiseram Jesus homossexual, tendo um caso com 0 apéstolo Jodo. 58, wymumaconha com 57. pi fntcias tra com bricencinntea/ 5153,078840-£1298,00 ii 68 Como o quiseram amante (ou esposo, conforme o modismo da hora) de Maria Madalena. Fizeram-no de olhos azuis numa época, negro na outra, mediterrineo agora. O de Pasolini (do filme “O Exangelbo Segundo 5. Mateus") era meio careca. O dos Aippies, meio palhago (no filme “Godipel”). Os afeitos a orienta- lismos “descobriram” que Jesus aprendeu tudo que sabia em secretas viagens 4 India. Portanto, a levar a sério tantos desejos divergentes, teriamos um Jesus Frankenstein, na verdade. A um s6 tempo, por exemplo: negro, mas de olhos azuis, com uum terceiro olho na testa, mas praticando 0 kamasutra, bisse- xual, com peruca do Bozo e agora, maconheiro. Té foral A mensagem de Cristo é universal nfo porque Ele tenha uma aparéncia fisica determinada, ou porque pertenga ou tenha praticado, aprovado ou tolerado todas as possibilidades de culturas ¢ habitos exteriores da existéncia humana. Jesus é uni- versal porque ha dores na alma que stio comuns a hindus, bu- distas, homossexuais, nérdicos, nigerianos, palhagos e maco- nheiros. Mas isso ¢ outra conversa. ‘Mas o fato demonstra bem o que se pretende da maco- nha, a mitologia que a cerca. Assisti ao documentitio de Ale- jandro Landes, “Cocalo” (producio conjunta Argentina/Boli- via), na TVE-Brasil, em 25/10/2008, sobre os bolivianos agricultores da planta de onde se extrai cocaina. Como se sabe, ha centenas de anos os indigenas habitantes do sudoeste da- quele pais mascam folhas de coca, tanto como ato religioso, quanto como estimulante. No filme se esclarece como a ques- tio do narcotrifico chega depois, com o homem branco apro~ veitando-se daquele trago cultural, para explorar os indigenas, aprender-lhes os segredos do cultivo, ¢ extrair das plantas a co- ccaina, Sabe-se que a folha mascada, ou seu cha, oferece menos danos ao organismo do que o pé resultante do seu refino. Hoje, 0 movimento cocalero luta contra essa contradiciio. Por- que, em dada altura da histéria, muitos se deixaram arrastar 0s negécios com o narcotrifico, quando a repressio chegou, chegou de forma indistinta. Isso gerou rebelides, protestos, 66, greves € um movimento social de tal importincia que, recente- mente, levou ao governo daquele pais 0 cwcaera Evo Morales. Eles querem manter seus cultivos, ¢ ai sim, porque é da tradi- fo, 0s distingue como povo, faz parte da sua nogio de identi- dade ¢ pertencimento. Esta mengio a cocaina serve para afastar qualquer pos- sibilidade de a maconha possuir igual caracteristica cultural. A cannabis nao € trago de identidade coletiva em populagdes do Brasil, por exemplo. Os nativos da Bolivia chamam a coca de “Inal Mama”, algo como “Mamae Cova”. A ela oferecem tribu- tos ¢ oferendas, em rituais religiosos. .A ela atribuem os suces- 08 € as vit6rias da sua dificil vida. Suas folhas servem aos xa- mis dos povoados, para a leitura de pressigios. As mogas enfeitam os cabelos com folhas de coca. E, em dada altura do documentirio uma india entrada em anos afirma que 0 mundo esti nessa situacio de guerra, porque “nao respeita a ca”. Isso em tom de recomendagio da coca como chave para paz mundial ‘Alids, diga-se de passagem que, em Jerus um partido politico chamado “Falba Verde? (Ale-Yarok) que re- aliza “Pic-nics com Maconba”, como forma de congracamento entre arabes ¢ israclenses. Os ativistas acham fundamental a maconha como formula para o alcance da paz na regio, por- que torna as pessoas menos agressivas.°® Que os avides bom- bardeiem o Oriente Médio com cannabis, entio! Oras.. ‘Tenha-se claro que, no caso dos «oealeros, tratamos de uma triste escolha entre cultivo da coca ou miséria completa, entre a destruigio de um trago de identidade e pertencimento ea manutencio de uma pritica sujeita aos perigos ja vistos de dificil solvéncia, da exploragio pelo narcotrifico. Escolhas de Sofia. Tudo muito diferente da maconha. A no ser que os bolivianos do documentitio entendem, como também o fa- 58. MAIEROVITCH, Water Fangaislo. Maconha de Paz. Em: htpitwnbgtorgbi! indexphp?dsta_secao]=48dataidmateia)=1017.Acesso: 18/1008. 67 zem muitos defensores da maconha, que na coca esti nada ‘menos que a salvagio do mundo! O milagre. Nao ha melhor medicina. Rapida, eficaz inexplicavel. Mas enquanto os milagres nao vém, cientistas dio tratos 4 bola ¢ as pipetas nos laboratérios. E sempre surgem relatérios dando razio a ambos os lados. Em 2001, a Agéncia de noticias Reufery, em Londres, divulgou matéria com a se- guinte cabega: “Cientistas rejeitam maconha como ‘analgésico maravi- thoso"”.®? No texto, explicava-se que estudos verificaram que a maconha nio era melhor que a substincia analgésica codeina, no controle da dor. “Uma série de efeitos eolateraisindeseveisrve- lam que a droga nao tem espago na medicina atuat” informaram os ci- centistas, aps avaliago de 39 estudos elinicos sobre 0 uso da maconha no alivio da dor e nausea. Embora alguns estudiosos tenham procurado demonstrar que a maconha, modificada em laboratério, teria um efeito analgésico poderoso, cerca de 6.000 vezes superior ao da morfina,™ os pesquisadores “Yaga- ram uo balde de dgua fria na idéia de que a droga é um remédio marati- thoso”. As concluses foram publicadas no British Medical Jour- nal.“A maconha nao éum grande sucesso. Hd, no momento, alternativas mito melhores, disse Eija Kalso, professora do Departamento de Anestesia e Medicina de Tratamento Intensivo do Hospital Universitirio de Helsinque. Apesar disso, nfio s6 maconheiros espertos defendem a aannabisterapia. Na cidade suiga de Grave- sano atua o clinico geral, Werner Nussbaumer, também conhe- cido como Doutor Maconha. O apelido do médico, que faz as vvezes de dublé de promotor de lutas de boxe, veio do emprego em seus pacientes de “gotas” de um “preparado” 4 base de THC. Dos 59 pacientes, 58 teriam sido curados! © suposto € fantastico indice ndo convenceu, entretanto, a Corte de Lu- 58. htpdhmwat oia ol com beéthalouters/ut 1213208 snd 60. _FONTANA, José Domingos, As varidesfacetas de maconha, Em: ip:bogtdoso- brplenias.com x72006/TIpepe2. Acoso: 1/1108, 68 gano. Em 2007, Werner foi condenado & pena de multa e sete meses de priso, com execucao condicionalmente suspensa.° Jéem 2002, a empresa farmacéutica britinica GW di- vulgou estudo confirmando 0 sucesso da fungio terapéutica da maconha.°? Segundo a noticia, os medicamentos 4 base de cannabis “mostraram ser muito tteis para redusir-a dor em pacientes que sofrem de escerose miltipla”. Empresa dando airosas noticias do seu produto... si. Dois exemplos de firmacos desenvolvidos com base em canabindides so. 0 Marino! (Dronabinol) © 0 Cesamet (Nabi- Lone) claborados pelos laboratérios americanos Ravane e Eli Li- 1x respectivamente. Comercializados para o controle de néu- seas em quimioterapias ¢ como estimulantes do apetite, durante processos de anorexia. Entretanto, os efeitos “puicotr pivos” impossibilitam 0 uso terapéutico de varios compostos. © Pois é, parece que em toda questio envolvendo a ma- conha, sempre ha um porém. Para cada pr6 surgem sempre muitos contras. E novos prés. E assim por diante. Marchas, contra-marchas € marchas 4 ré, eu nio disse? Disso, até hoje, pelo menos, resulta uma soma zero. Ficamos no mesmo lugar. E isso vem de longe. Com a histéria oscilando entre ascenso e descenso da maconha como elixir miraculoso, No “Pen Ts'o0 Ching’, milenar texto medicinal chinés, a maconha era indicada para asma, célicas menstruais ¢ inflama- es da pele. Tudo indica que fazia parte do herbvirio do impe- rador Nung, da China, hd quase 5.000 anos. Outro tratado chi- nés de 2.000 anos indicava seu uso como anestésico em cirurgias. JA na medicina Aywrtédica da india, a maconha era re- comendada como hipnético, analgésico e espasmolitico. No Brasil, antes da proibigio, de 1830, costumava ser vendida em farmécias, sob o nome de “sigarra: indios” (por ser planta originaria da India) ou “sgarror da pag”, indicados para 61. MAIEROVITCH, Wale Fanganilo, Doutor Maconhacondenado na Suga. Em: hp! wang rg binds shpat soco]=ABdatafd materi)=1200 Acesso: 1/1108 82. htpsfwnperene-onine com bresoraimundolnens/32020) 63. htpsfwzegs com be2008/10R/Pagna2223.nen 69 curar sintomas da asma e para tratamento da ins6nia. Mas seus primeios registros “medicamentosos” formais sio do século XX. “Os que propunbam o uso médico da maconha nao apresentam ne- buna novidade pois, na primeira edigto da Farmacopéia Brasileira, de 1929, a sua monografia incluéa, junto com o extrato fluido (solugao), 0 pd a tintura (olugao aleodlica) de cinbamo indiano (cannabis)”. Entec tanto, “Jd na segunda edizao, editada em 1959, ela foi retirada porque os especialistas da época julgaram-na sem nenbum valor terapéntico” afirma o Dr. José Elias Murad, em seu livro “Mavonha: A Twa cidade Silenciosa” (O Latador, 1996). * Ou seja, a maconha servia, depois no servia mais. Mas. a guerra de “certezas cientificas” no acaba. Tem sido muito difundida nos dltimos tempos a defesa dos supostos benefi- cios do consumo da maconha. Para mim, uma das inconfessa- das razdes, certamente, é que anunciar teorias da conspiraciio por tris da proibigio da maconha da ibope certo. Quase tanto quanto descobrir que o santo na histéria era Judas, ou que a deusa, no evangelho, em verdade, era Maria Madalena. $6 a re- ista “Superinteressante” efetuou a publicagdo de duas edigdes especias em que revelava, conforme o nada modesto titulo da no5 A reportagem divulga um histérico dos acontecimen- tos que levaram & proibigio da maconha, nos Estados Unidos. Menciona que a erva era utilizada em larga escala por minorias, como arabes, chineses, mexicanos e negros. Também no meio artistico, misicos a consumiam, com entusiasmo. A lei seca dos anos 1920, teria provocado grande incremento no con- sumo, como alternativa ao Alco}, surgindo, inclusive, bares es- pecializados. {4 Ce. José Antonio Mariano da ABRAFAM — Associ Basic de Apoo Farias < Drogadependentss, no arigo “Meconhe,naturaimente devastdora’™,baseado no ivro "Maconha: Totied Sloncoe” de Job Elias Murad (Edtora © Luade, 199), spon vole psAwacinpact.org/rogafrt in 15, Eo Abi, agosto de 2002, matéria de copa Dep el republiada como encat, em ecigo postr: 70 Denis Russo Burgierman, 0 autor da matéria, afirma que a proibicao decorreria de uma conjugagio de mora- lismo puritano, interesses das indistrias de papel e tecela- ‘gem (que pretendiam se livrar da concorréncia dos detivados do cinhamo) e criacdo de ferramentas de controle s6cio-poli- tico das elites brancas americanas sobre minorias internas € paises periféricos. Embora se relate que a Declaraao da Indepen- dincia Americana se teria firmado sobre um papel feito de fibra de cinhamo,® isto nao obstou a repressiio crescente que se verificou. E destacado o papel exercido por Harry Anslinger, funcionétio do governo americano que dedicou-se & tarefa de combater a produgio, 0 comércio € 0 consumo da maconha, através do Bind Federal de Nareétcos, ctiado em 1930. Denuncia- se que Anslinger teria, além de interesses carreiristas, outros no confessados. Era casado com a sobriuba de Andrew Mellon, dono da gigante petro fora Gulf Oil « uo dos princpaisinvestidores da igualmente igante Die ‘Pont. “A Du Pon fai uma das maiors responses por orguestrar a des- ‘rug da indistra do cinbamo”,afirma o escrito Jak Here, em seul tra The Emperor Wears No Clothes ("0 imperador etd nu’ ‘tradugia), Nos anos 20, a emprecaestava desenvolvendo vériosprodutas a partir do petrileo: ativos para combusties,plistioos,fibrassintiicas ‘amo 0 néilone processes quimices para afabricasao de papel eta de ma: 82. _Entevita& revista VEJA m setebro de 2005, diponvel no so do Observatixo Bralaco de infomardes sdb Drogas tp icbd send. gov bfpatatnteraconalson- teudolweb/nocifernocia ppd -notia=6010 83, wnaumerchadamaconhaorgblgiediznde-danos-de-anneis + A cannabis afeta sua concentra, portanto no fume na escola, no ‘raalto on quando for dirs + Quando a maconba & quimada, algunas substincas pris ‘aide so keradas(aleatrae monésido de carbono) + A expenincafaz.com que o fumante saa quand ji fumon o suf: ‘ente. Ele sabe a bora de parar. Se sock no tem — on tem paca — ex- peréncia, voc no sabe a bora de parr; + Nao ¢ aconselhiee! combinar 0 fumo (da mazmba) com bebidas teadias; + Quando vocé come bolo de cannabis, € dif! saber quantidade que std comendo lea de 45 minutos a uma bora para woe comegar a sentir alguna cosa. spre um poweo ¢ nao coma mais porgue toe bade descbrir de repent que comen demas ¢ no fcar bem: + Se oct estétomand algum medicaments, consuie wm méikn antes de umar cannabis, Como ocrre com 0 cigarro, io & acnselbite fumar durante a gratis: + As tees ocrre deo seit da cannabis ser ru, Ela pode fare vod se sentir mal on provocar edo: + Voeé pode fumar cannabis de vex em quando por diversao ow pade _fumécta tanto a ponta de perder o contato com a reaidade” AA lista de cautelas sugeridas pelos militantes do movi- mento “Marcha da Maconha” no consegue fugit a0 padrio bula de remédio, daquelas que nos assustam quando vamos conferie se 0 médico nao quis nos matar. De novo, algum defensor da liberalizagio entender que este argumento lhe é favoriivel, pois se remédios podem causar mal e sio vendidos nas farmé- , com suas bulas, por que You falar disso de novo, mas ndo vamos deixar ponto sem nd. Remédios, em geral, em tese, sio receitados. Quando passiveis de causar dependéncia, sio vendidos sob controle. E, como veremos mais tarde, © controle, no caso da maconha (e mesmo dos remédios) nao seria ld muito eficaz. Por outro lado, em geral 0 consumo massivo de medicamentos vendidos ‘em farmacia ndo traz. consigo a mesma aura romintica, supos- tamente libertiria e falsamente progressista, que se construiu em torno da erva. 84 © Conselho de Satide Mental da Austrilia concluiu, em 2006, o estudo “Where There's Smoke: Cannabis and Mental Health”. constatagio foi de relacio entre consumo de maco- nha e maior probabilidade de doengas mentais na juventude, além de maior tendéncia 4 depressiio em adultos.*+ Outro fator de preocupagio para a questio dos efeitos da maconha na satide do usuario é de que maconha falamos? Voltaremos a tratar do tema, mas jé registremos. Nao param as pesquisas, concursos ¢ experimentos para a obtencio de anna bis sempre de maior poténcia. F. um mercado que cresce em diversos paises que possuem altos indices de consumo da droga. Vrias reportagens confirmam a preocupagio do Esor- trio das Naytes Unidas contra Drogas ¢ Crime (UNODO) que, em seu relatério divulgado em junho de 2008, informa que “O né rel médio da substincia psicoactiva (THC) da droga quase duplicou no ‘mercado dos Estados Unidos entre 1999 e 2006, de 4,6% para 8,8%"® Eo problema continua se agravando. O Potency Moni- toring Projet, da Universidade do Mississippi, indicou, em rela- t6rio de 2008, que esse iiltimo_percentual jé subira para 9,6%, em 2007.* Por conta disto, aumentou a busca nos setores de emergéncia dos hospitais americanos, de pessoas queixando-se de efeitos graves e inesperados apés 0 consumo dessa versiio mais potencializada da droga, a chamada “sinsemilla”. Evidente que este novo quadro tende a confirmar, no s6 que 0 usuitio freqiiente, desenvolvendo tolerincia, passari a buscar verses mais potentes da droga, como ainda, 0 consumo de tais ver- sdes ocasionari ainda maiores danos 4 sadde.87 Por fim, um argumento interessante de Fergusson, na entrevista citada, é o de que a discussio sobre 0 que provoca 84 MAIEROVITCH, Water Fangail. MACONHA: nova pesquisa estabelecereagto ‘a consumo com doengas mentale. Em: ht: bgt org blindex php data. 8280] =ABdetofd_materi]=1064, Acesso: 1/1108. 85. htpifwm uno orraziptpressrlesse_20080626 nd 88. PORTAL FOLHA DE SAO PAULO. Maconha nos EUA 6 a mais fro em 30 anos, ‘dz stud. Em: hp: Dwww oa ul con bfhalinciluR306u411710 hil. Acesso em ‘wins 857. wumcanttrogas.com bknoderelatxo2006 php. 85 mais danos & satde (Se 0 cigarro ou a maconha, por exemplo) turva o foco do debate. Ao invés de favorecer a maconha, 0 discurso, na verdade indica que, supostamente mais danoso, 0 cigarro é que deveria, entio, ser proibido! Claro que isso nio é ficil, pois o tabaco, infelizmente, tornou-se uma instalacio cul- tural secular. A receita tem sido 0 cerceamento intenso ao ci- garro, como veremos. Mas 0 que se pretende, exatamente, & impedir que outras substincias nocivas atinjam o mesmo de- sairoso status. Na maconha, hi outros pontos a considerar, no somente a questio da satide. Para ilustrar a complexidade da questio, 0 médico afirma: (0s lobistas da eraao agem como se, quando legalize, a masowba pu ddesse ser vendida como um tempero qualquer, tipo salva ou manjercio. Nao é ssi, até porgue ela nao & uma erva aroma, uma droga ®® Interessante a comparagio, até porque os Famosos per- sonagens maconheiros da tira do cartunista Angeli, Wood & Stock, fumam... oréganol Sobre a questio da dependéncia quimica como efeito do consumo, um dos fatores para determin abstinéncia, quando da interrupeio do uso. Pesquisa realizada pela Johns Hopkins University Schoo! of Medicine, em Baltimore, rnos Estados Unidos, teve seus resultados publicados na “Drag and Alcohol Dependence”, em Fevereiro de 2008.°° Comprovou a sindrome de abstinéncia quando da interrupgio do consumo de maconha. E.a crise foi comparada 4 do tabaco, com os mes- mos graves sintomas de irtitabilidade, ansiedade, problemas para dormir ¢ dificuldades de concentragio. O sitio da Fiunda- a0 Albert Einstein também expde matéria de uma revista cienti- fica de psiquiatria, divulgando conclusio de 2004, em que ou- éacrise de 88, Nositioda OB1D, js ead, 188. Cie. Ag Reuters em pwn ha uol eam brolalionciaft3061269608 shin 86 tro grupo de cientistas americanos comprovara a existéncia da sindrome de abstinéncia por cannabis.” De todo modo, a maioria dos argumentadores de am- bos os lados, concorda que o indices de dependéncia de aanna- is sfio menores se comparada, por exemplo, com a provocada pelo consumo de cocaina. Os niimeros variam conforme as, pesquisas. Entre 8 a 10% dos usuarios de cannabis se tornariam dependentes, contra cerca de 50% dos usuatios de cocaina. Isso no significa estragos menores. Um segmento de reporta~ gem especial da Revista E,poca (edigio 183 — 11/2001), intitula- se “Lipies do abismo — Os casos extremos de dependéncia provocados pelo uso de maconha existem, E. sao barra-pesada”. E, descrita a expe- riéncia do ator Robert Downey Jr, a quem o préprio pai ini- ciou no consumo da erva, aos 08 anos de idade! A derrocada foi veloz, numa seqiiéncia de mergulhos em Alcool, cocaina, heroina, prises, internagdes e fugas de clinicas de recupera- ao. Historias semelhantes, colhidas em clinicas brasileiras, so mencionadas. Ea reportagem de Patricia Cerqueira, Solange Azevedo € Clovis Saint-Clair, apés referir que sequer sa0 conhecidos todos os principios ativos presentes na maconha, disserta, com clareza: EEnguanto os mistirios em torno da droga peristem, os midis apontane en pergas pela si comportamental: como trampolin para ontras dra Uma pesquisa financiada pelo National Insitate on Drug Abuse, 0 6 _g0ofcial americano de prevengo a0 no de dregas, revela que 0 consumo da macomba anmenta om 56% a possibikdade de consumo de oxtro tipo de droga. O nimero se apraxima do resultado apurado entre as 5 mil pacen: 1s cadastrades pela Abra, asociagSo comanitéria para prevengio do abuso de drogas, comm sede em Belo Horizonte, em Minas Ge-rats. Cerca de3 mil des ray f a depen- déncia quimica apds tragar um baseado, Para os pais da mole: 80. _O trabalho de Alan J Budny John R. Hughos Bont A. Moore Ryan Vandy, “Exist (uno axist uma sinome do absinncia por cannabis? emborefaca essa mtedol- ‘gies, ¢ claro na comprovasso da sinrome da abstnéria. Em hp eedone2one.com Br Aovoieetusizacoelos. 205 him 87 ada que inca cada vex mais cade, portant, é bom coloca oassunto emt se Ingar deride, Macon, como wisque,é droga enjos efeitos se eonbecom no mesmo dia, Mas as wees es podem aparscer anos dipois~ deforma ddevastadara,™ (griei) Ou sea, um dos riscos mais danosos da maconha é 0 feito “porta de entrada” nido s6 para a dependéncia quimica da propria cannabis, mas também de outras drogas. Embora essa relacio seja sempre contestada pelos defensores da liberacio, hi indicacdes claras, afora as empiricas, do contrario, Entre agosto de 1992 e marco de 2003 foi realizado um estudo com adolescentes e adultos jovens do estado de Victéria, Australia (Olba a Oceania af de novo, ente)..As conclusdes indicaram que um em cada quatro adolescentes usuros de rst» maderado da mavonba (so semanal on mais) se tra usu dealto-riso (uso dria) quando adultos jvens. O so semanal on nso mais frequent de maconla na fase da adolescincia levow a urn riso 7 vengs mais elvado para 0 nso de allo isco de maconba na vida adalta?® Conforme artigo de Zila Van Der Meer Sanchez e So- lange Aparecida Nappo, outro estudo realizado em Sto Paulo ‘com homens adultos, usuarios de crack, de classe média ou baixa na cidade de Si0 Paulo, comprovou que o inicio nos ca- minhos da drogadigio ascendente, comega nas drogas licitas, Alcool ¢ tabaco. Mas a segunda fase é inaugurada... adivinhem ‘com o qué? Com a maconha. A maconba joi mencionada como a primaira droga ila nsada por 29 centrevistadas em uma amastra de 31 pesioas. Apés a primeira droga i ita, os entrevstadosrelataram 0 consumo de ontras drogas (até de pas de droga em wre caso avaade) antes do rack. (.) 08 nendriosdelararam 91. htplepoca gobo comiedie2001111Glespecalte him. $2. __Nositojdmenconado, da Fundaro Albert Ensen ver“Taeéria do uso de cole ‘maconha: da sdlescécia ato iii de vide ad, de Goarge C. Paton eouos, Publ. ado om 310772008. Em: htpfeed oneZone com brnevoslatiazacoesles 267 him 88 4 maconba como una drag ‘ere de problemas" ¢ procararam por ontras drogas que fornecem novas senses © que geram mas rissa’ Outro relato, de uma instituic%o européia de acompa- nhamento da questio da drogadicio revela, a um s6 tempo, a existéncia efetiva da dependéncia quimica por maconha ¢ 0 au- mento dos casos entre adolescentes. Conforme o documento, baseado na demanda em 2004, 30% dos que procuram clinicas ou servigos de recuperagio de dependéncia quimica referem 0 consumo de cannabis como seu principal problema. Na de- manda dos que tém menos de 15 anos e dos que contam entre 15.¢ 19 anos, a maconha é o problema principal para, respecti- vamente, 80% € 40%." JA no Brasil, a Revista O Globo divulgou, em novem- bro de 2008, pesquisa que ouviu, no Rio de Janeiro, usuarios de diversas drogas, como ecstasy, cocaina, haxixe, LSD, dentre outras. .Mlém de ficar demonstrada a rela¢io adolescéncia/ consumo de drogas — j4 que a grande maioria (67,7%) tinha entre 13 ¢ 17 anos no primeiro uso ~ 96,3%, nessa primeira experiéncia, usaram como porta de entrada exatamente a maconha. Num periodo em que a sindrome do patinho feio j4 & um fardo, os efeitos da maconha podem prejudiicar a auto-estima do usuario adolescente, isolando-o da vida social. Ele passa a ser popular apenas na tribo dos maconheiros. Experiéncia in- teressante foi realizada com usuarios da cannabis, pelo Departa- mento de Psiquiatria da Universidade de Sio Paulo.”® Eles 88. _Fundagso Abert Eel, sto jd menlonado. Ver: "De primera droga ao Crack: A Sseqlnci de doges consumes por um grup de usuérios a cidade de S20 Paulo’, de 05) {772007 Em: htpeedoneZone com brnovesletazacoslas_21 Hen. 94. Wem. Ver “Panorama atual do uso de cannabis, procua pe batamonto © perl dos suds’, da European Monitoring Coto fr Drags and Drug Adcton's. Handbook fer sur- \veysoncrug use among the genera population ~ Annual report, 2004, De, 0910872006, em: hip fad. one2one com bnovostatuaacoee/ae_ 241. 88. ”Revato Consulaia e Marketing ALBUQUERQUE, Carlos. Perl do Consumer. Re- isla 0 Glob. Ano 5, 225 p.27 95. Fala sé, reprtager da Flna de Séo Paulo, de 2002/2008, dsporvel om hpi! ‘fla ul com bolaldmenstin/olunes/gd200206 him 89 gravaram as conversas com os adolescentes assistidos no pro- grama de desintoxicagio. Eram todos usuarios pesados de ma- conha, Ninguém precisava pedir, eles j4 chegavam ao consul- tério sob efeito da droga. Um dia as gravagdes das sessdes terapéuticas foram executadas para os jovens. A experién foi reveladora. Ao ouvirem a si préprios, os jovens se mostra- 1m “incomodados com as longas pausas entre as palaeras, as frases sem reco, as hesitagbes,gagueirase um tome de cor. que Ubes parecen iritante. Inaginaram se ridicules falando em pico”. Resultado: muitos pee~ ceberam as alteracdes provocadas pela droga e passaram a aceitar o tratamento com menor resisténcia. Com a medida, 0 programa obteve o aumento dos periodos de abstinéncia. Portanto, caro leitor, no se iluda. Excecdes so exce- ‘ces. Maconha danifica 0 cérebro, causa dependéncia qui- mica, dé cincer, estraga a boca, é porta para outras drogas, € deixa o usuirio parecendo um paspalho alegre e faminto. $6 & droga “da pay” porque causa inércia. Anestesia também é. Paz por paz, ha também a dos cemitérios. Nao desejo nenhuma dessas a voce. Logo, pesados todos os duvidosos prés ¢ os muitos contras, dé pra admitir uma Marcha que saia por ai, em frente aos seus filhos, praticamente no playground da praca, incenti- vando a galera a praticar roleta russa? 90 PAPO DOIDAO: MACONHA “FREE” QUANDO SE BUSCA REDUZIR O CONSUMO DE ALCOOL E TABACO No que se refere ao tabaco, essa encrenca comega nas descobertas ibéricas, quem diria? E quando 0 “mundo cviligado” aporta nas Américas e Colombo percebe os nativos cachim- bando. Eles 0 consumiam de forma predominantemente ritual € medicinal. Com indio e tudo, é introduzido na corte fran- cesa, em 1560. A cutiosidade logo se espalha pela Europa Apés ser adotado com fungio terapéutica, sendo inclusive re- comendado para tratamento de enxaquecas da rainha Catarina de Médici, no tardaram a surgir seus primeiros efeitos dano- sos. Caindo no gosto popular, com o consumo aumentado, a relagio tabaco x enfermidades se evidencia e massifica. Sao do século XVII, os primeiros relatos de complicagées clinicas, em trabalhos ingleses e chineses. No século XVII, surgem publi- cages européias relacionando 0 consumo do tabaco ao cancer de labio, boca e mucosa nasal.’” Por isso, algumas décadas apés sua introducio, o ta~ baco passa a ser reprimido. Penas corporais e sangdes religio- sas so tentadas. Na Russia, agoitavam fumantes ¢ cortavam narizes ao cheiradores de rapé. Os papas Urbano VII ¢ Ino- céncio XII excomungavam tabagistas. No Oriente, conside- rando supostas propriedades inebriantes do tabaco, em regiSes onde o Alcorio vedava a embriaguez, a pena de morte valia contra os que fossem surpreendidos fumando. Assim foi na 7. _Em"Tabaco& Tabagismo ~ Um panorama histo, cinta ecutural de um dos hé- bios mas andes do plane, js cad. on ‘Turquia, por exemplo. Em 1638, 0 imperador chinés também determina pena de morte para os fumantes. Entretanto, 0 hi- bito do fumo prevaleceu. Hoje, conhecendo seu poderoso feito viciante, compreendemos melhor o erro. Os governos passaram, entio, a disciplinar o tabagismo através de mecanis- ‘mos fiscais. °® No século XIX surgirio os charutos e cigarros, em substituico ou complemento aos cachimbos e as caixinhas de rapé. Dai emergiri uma indiistria poderosa, que passari a investir macicamente em publicidade do produto. Explode 0 consumo por todos os continentes ¢ as in- distrias do setor tornam-se grandes fontes de receita para os coftes estatais. Domingos Bernardo de Sé avalia serem as se- guintes, as etapas que estabelecem uma droga em sociedade: “g) descoberta; b) difusao; ¢) reagao); d) compreensao; ¢) revolta; f) supe- ragito ¢ g) controle social, apoiado, subsididnia e supletivamente, pela ad- ministrasiio piblica,’”? O autor supde que estariamos na fase de “compreensao” da realidade das drogas hoje ilicitas e que, natu- ralmente, 0 processo evoluiri, da mesma forma que ocorreu com o tabaco. Entretanto, parece no ser simples assim. A “compreensaa” que um dia permitiu a tolerincia pode se alterar a partir de novos dados, impondo revisio da liberalidade. Eo que vem ocorrendo com o tabaco. A industria tabagista especializou-se em mentir sobre a relagio tabaco x doenga. Os governos faziam vista grossa, de olho na receita de impostos. Enquanto isso, a indistria fomen- tava 0 consumo através de publicidade agressiva. Os cartazes do inicio do século XX apelavam para a inocéncia, mostrando ccriangas — isso mesmo, criangas! Essa coisa também vem de longe! — em cenas bucélicas, fumando seus cigarretes!!" Ho- 8. Dados em Cablero, tad por Dring Btardo de St, em “Cpacade Ci: um ‘roto pena, ens corsiate de Droge: logal? Um debate atrzad. de Franco indi Bass & uo fnago, 1889) Sobre China iso do tbo vr "Tabac & Tab ‘smo Um pnarans histo, enti ecard undo habos mat ros oo pl- In sto coals does som dslrdo sa Fundajdo Mbt Enstan -Sogudod Boe. {cone sota on hy. foes pao ci bldolsrogadatuaezonls 104m 6. Darings Beard de 54, icom 100. dense com epredues dos craze, 92. Uynond se encarregou de criar uma aura de glamour para 0 con- sumo. Quem resistiria a uma fenomenal baforada de Lauren Bacall? LA por detris da tela do cinema, obscuras mortes. Os atores Wayne McLaren e David McLean, que representaram Marlboro Man, 0 cowbey da terra de Maribore, em um famoso co- mercial, cairam dos cavalos, abatidos por cinceres impiedosos como vildes de faroeste. Ji no fim do século XX, mesmo de- pois de evidéncias escandalosas dos maleficios do cigarro, jé com algumas derrotas para portadores de cincer nos tribunais, © engodo continua, e ainda mais cara-de-pau. Gerald H. Long, Presidente da RJR Tobacco Company declarou ao Washington Ti- ‘mes de 19 de maio de 1986: Honestamente, en nunca encontrei ninguém em lngar algum que me esse a minima eidéncia médica, tamponea que me indicase 0 dgarro como causa absolta de doenga. Es aredito no gue digo. Es esto ser ‘alo agui fala com sods com a consiéncia absolatamente pa Bem ja se disse que honestidade nao é sindnimo de verdade. Nao é que Mr: Genald estava sendo “honesto”? Com os seus interesses egoistas ¢ lucros assassinos, claro! Sob esta 6tica, Hitler também foi “honesto” quando disse “ndo vow inna dir a Polinid”! Mas mentiras no duram pra sempre. Depois de décadas deliberadamente falseando dados e ocultando pesqui- sas cientificas sobre os danos 4 satide da populagiio, causados pelo consumo de tabaco, os fabricantes de cigarros foram obrigados a revelar o que a pritica médica e os cemitérios ja demonstravam. Ou seja, 0 cigarro vicia, causa doencas respira- térias, provoca cdncer, em suma: mata. Pesadas indenizagdes foram concedidas pela justiga americana em processos memoriveis movidos por usuitios acometidos de cancer. Afora os ressarcimentos obtidos em processos individuais, as multinacionais do tabaco tiveram que 101. om. pagar 246 bilhdes de délares para que os estados americanos desistissem de levd-las aos tribunais.'°? Os governos ficaram mais atentos. Comecaram as campanhas antitabagismo. Insti- tuiu-se, a partir de 1987, 0 31 de maio como Dia Mundial de Combate ao Fumo. Sob sintomitico patrocinio do Instituto Nacio- nal de Ciner (INCA), 0 Brasil participa do esforgo desde 1989. O Ministério da Satide criou em 1986 0 Dia Nacional de Combate ao Fumo (29 de agosto).!3 Em 1992, a Assembléia da Organiza- yao Mundial de Satide (OMS), adota Resolugio visando 4 adogio dda Convengio-Quadro para o Controle do Tabaco pelos 191 paises integrantes. Em relativamente pouco tempo, proibiu-se o fumo em coletivos, em avides, em auditérios ¢ locais fechados. Empre- sas comegaram a impedir o fumo em seus ambientes. Num primeiro passo foram improvisados “fumédromos” internos. Depois, estes nao foram mais admitidos, ¢ 0s fumantes passam a utilizar areas externas aos prédios. O recado era claro: 0 ci- garro ou o emprego. Diminuiu drasticamente o consumo em ambientes de trabalho. © furante passivo descobriu que no cera mais possivel consentir com o vieio alheio, porque nio prejudicava somente ao usuario. Fumantes passivos também morrem de cincer! Em alguns paises da Europa jé se estuda, riio apenas a proibicio do fumo em lugares piblicos fechados, mas também nos abertos, como pracas pablicas, ruas de pe- destres, ete. (Os orcamentos de satide piiblica foram altamente im- pactados pelas verbas direcionadas ao atendimento das vitimas de doengas originadas pelo consumo de tabaco. .\lém das re- paragdes judiciais, muitos governos buscaram readequar orca- ‘mentos, privilegiando campanhas de prevencio. O circuito de ‘Férmula 1 j& conta com Grandes Prémios em que algumas tradici- ‘onais patrocinadoras de escuderias nio podem exibir sua pu- 102. Cfo. "Faude,conupedo 6 menas, artigo de Oruzio Varo, om htptrauziovere- laigcombslarigosigaro histo asp. ‘03. Em Tabac & Tbagism - Um panorama histo, centiico ecutural de um dos hé- ‘bos mais cfucos co planet’ 8 cada 4 blicidade nos macacdes dos pilotos e nos carros, porque so fabricantes de cigarros. Desde 1971, é proibida a publicidade de tabaco nos canais de televisio dos Estados Unidos.!* No Brasil, para cumprir mandamento constitucional (art. 220, §§ 2° 3%), s6 em 1996 foi editada a Lei 9.294, que estabelece di- vversas restrigdes & publicidade nao s6 de tabaco, mas também de Alcool e outros produtos capazes de causar danos 3 saiide da populago. Os magos de cigarto passaram a trazer ilustra- ges de pessoas e, mesmo de Fetos, com prejuizos fisicos, de- formagGes e seqiielas, causadas pelo cigarro. Dentre outras restricdes, no é mais possivel sugerir que tais produtos provo- quem bem-estar, que sejam calmantes ou estimulantes, nem associi-los a idéias de éxito sexual, ou de sucesso desportivo. As empresas de cigarro reagiram, nem sempre da forma mais ética. Quando a Prefeitura de Sio Paulo, em 1995, baixou decreto proibindo 0 fumo em restaurantes e bares, fa- bricantes de cigarros como a Philip Morris e a Souga Crug usa- ram uma associagio de bares e restaurantes (Assodiaydo Brasi- Lira de Gastronomia, Hospedagem e Tuvismé) para atacar 0 decreto. A ABREST veiculou aniincios em jornais, contra o decreto do prefeito Paulo Maluf, bancados pela indtstria do cigarro. “Tanto a Philip Morvis quanto a BAT (Souza Cruz) nao podem apare- cer aos olbos da opinido publica para contestar a campanba (..) veiculada pela prefeitura”, dizia 0 documento, intitulado “Estratégia”, descoberto recentemente pela pesquisadora Sabrina Presman em arquivos mantidos pela Universidade da Calférna, em Sio Francisco. ‘Também no caso do alcool, 0 cerco se fecha. A publici- dade tem sido seriamente regulada para impedir abusos, como o da evidente fixacio do seu destinatirio preferencial, 0 pi- blico infanto-juvenil. Horitios sao prescritos. Fim virios muni- cipios do pais foi estabelecida uma espécie de mix de “de sed” com “togue de recolher”, com 0 fechamento dos bares aos finais 104 em 105. En: hopitwmt flba volcom btsplecban2208200801 Nim. 98 de semana As 22 ou 23 horas, conforme a regio. Com isto, di- minuiram de maneira substancial os indices de acidentes de trinsito ¢ de criminalidade. As fabricantes de aleodlicos (pro- dutos € pessoas!) também reagiram. Logo na edigio da Lei 9,294/96, seu poderosissimo /ebly conseguiu fazer constar da norma excecio absurda em favor da cerveja, j& que foram al- ccancadas pela Lei somente as bebidas com teor alcodlico supe- rior a treze graus Gay-Lassae. Contra isso se movimentam hoje as autoridades da ANVISA (Agéncia Nacional de Vigilincia Sani ‘éria) para buscar alteracdes, pretendendo-se, em nome da satide publica, que passe a ser considerada para abrangéncia da lei, o percentual de 0,5° Gay-Lausac O indice pretendido pela ANVISA, alids, foi o apli- cado na Lei 11.705/08, chamada “Lei Seca”, que instituiu, no Brasil, uma politica de “Yaleréncia sero” para consumo de Alcool por motoristas. Assim, qualquer ingestio de bebida alcodlica pode ensejar a apreensio do veiculo, a detengio do condutor e a suspensio da carteira de habilitagio. Apés a medida, o pais inteiro acompanhou, com alivio e aprovacio,!"° a divulga~ ‘clo dos indices de dristica redugo nos acidentes de trinsito. Foram divulgadas também boas novas na contencio da violén- cia urbana” Recentemente, o Superior Tribunal de Justica, modifi- cando sua jurisprudéncia, fechou ainda mais o cerco, quando a sua Terceira Turma decidiu que a seguradora no precisa co- brit © seguro de vida de motorista embriagado. O entendi- mento é de que o segurado, a0 dirigir em estado etilico, no 106. Contre o Devan do Mato Gost, 64.7% dos consultados no elo da aur, na intemet provera a ele entendem rgeose, mas necessria,devendo ser manida como {esta Contorme ‘wun enscrogas com brmosranotcialphp?e=412Tamsg=pesqus do sie do dovan porta apovardo da {07__O atondmonto om hospi cai 8 5% na regio matopotana de Sdo Paulo, apés a Lei Seca, conorme evartamento da Secretaria de Estado da Saide, A Policia RedovianaFe- eral ideticouredugso de 12% no mero demeris nas eseds Federals nos pos 30 {42s ape a media, na compararo com 2007 0 ML do So Pao apontouareduydo de 63% om mores nos fais do semana. Dados da Foha de So Paulo, conore corsa “wn antiogas.com brimostrenotciaphp?e=4142&megratendimento em hospitas c=! 48.5% apis at soc: 96, cumpre com seu dever de lealdade, pressuposto bisico de qualquer relacio contratual. '°% Essas ages de cerceamento ao direito dos usuarios de ‘lcool e tabaco foram efetuadas a partir de cilculos que verifi- caram 0 custo social de permitir-se a tais minorias o consumo, sem qualquer restricio, dos referidos produtos. Nao pode, a maioria, pagar 0 custo em impostos e vitimizaciio, da “regalia” de alguns. Se “regalia” nfio mais for, se doenca ja é, que cuidem de se tratar, é a mensagem. O aparente sucesso da norma que tenta inibir a fatal combinagio entre alcool e diregao j4 vem inspirando estu- dos que viabilizem vedar outras situagdes potencialmente peri- gosas. O Ministro das Cidades, Marcio Fortes, j4 teria enca- minhado proposta a0 Departamento Nacional de Trdnsito — DENATRAN, para estudos de normas que submetessem 4 “tei seca” também os usuarios de remédios controlados, passi- veis de obstar a direciio segura de automotores.!° Por sinal, também a maconha esti sujeita a aplicagZo da Lei Seca, con- forme entendimento da Secretaria Nacional de Politicas sobre Dro gas — SENAD"° ‘A pretendida liberagio da maconha a esta altura pa- rece, portanto, um contra-senso. Diga-se, ainda, que no com- bate a0 consumo de drogas, jé é visto como um fator danoso a tolerincia com que a sociedade encara o uso das chamadas drogas licitas, como cigarro e bebidas alcodlicas. O Delegado Luiz Carlos Freitas Magno, do DENARC (Departamento de Investigagdes sobre Narcéticos) de Sao Paulo, em palestra na Universidade Metropolitana de Santos, afirmou que a preocu- pacio no s6 é procedente, como é “o grande problema contempo- rrineo” nessa area, pois a tolerincia social com a bebida e o ci- {04 _,mantizog com enssrenttye=titameprinkter pares dato & 12 psn wo cum stage oaA9.20702 fen ‘10, Fonte: Gazeta do Povo-PR, confomme "wnanidrogas com bimostanotiia! pipre=4t70" 97 garro aumenta as chances de que o jovem se envolva com ‘maconha e cocaina.!!! pior é que, confirmando a comparagio detectada por Igami TTiba, do ruim com o péssimo, este € também um dos itens mais apontados pelos defensores da liberacao das, drogas ilicitas. A comparagio da proibigo da maconha, por ‘exemplo, com a licenca ao tabaco, demunciaria a tal “hipecrisia”, que acusam no sistema atual. © “eigarro mata mais que a maco- hd” € 0 *éleool gera a sionia que fz matar”, repetem. Por isso, ‘uma das linhas de reivindicagio dos movimentos de liberagio 6 a unificagio da politica estatal de drogas, sejam ou nao licitas. (O argumento de fundo € que no deveria haver qualquer proi- bicdo de substincias em si, mas sim de usos inadequados. Ex- plicando melhor: o que se pretenderia evitar nao seria 0 uso do Alcool, mas o abuso. Nao h4 como proibir solventes, porque servem 4 produgio, mas 0 uso indevido dos mesmos nio pode ser permitido. E.a atitude estatal seria basicamente educativa. Neste ponto, cabe trazer § luz um argumento de Driu- zio Varela sobre a decisio entre coercio rersus educacio, na busca de comportamentos desejaveis ao bem comum, Em en- trevista & Folha de Sao Paulo, provocado a comentat se niio seria por demais severa a proibicio de consumo de tabaco em locais fechados, que por isso deveria ser preterida, em favor da cons- cientizagio quanto aos danos da nicotina, 0 médico assim se pronunciow: Se dapendissemos de um trabalio de educa mo estriames usando cit cde seguranca. Ninguém imaginon que no Brasil, seis meses depois da lei, usariamos mais cinta de seguranga do que no Canadé. Praiaria de sow ds para que issn avonteese por meio da educajda, A pessoa nao tem od rite de faseros outro fumarem o sew cgarr. Ponta. "#2 111, Joma ATibuna ~ Bebvada Santa, conorme am atdrogas om brinostanotial pipres3808" ‘12. Em: htpwmwcurosando com brindex ph/2008rauzio-varele-spie-cercotcta- so-igaral 98 (Ora, a atitude dos que pretendem a unificagio da pol tica de drogas pode parecer légica como meio de racionaliza- jo, mas nunca como ferramenta de equalizacdo de problemas desiguais. Eo que me preocupa é que a defesa da tese é feita basicamente pelos mesmos que defendem a libera¢ao de dro- gas. Seria dificil, em politica totalmente unificada, tratar a0 mesmo tempo com equilibrio ¢ necessiria diferenciacdo o il cito 0 licito. A indevida benevoléncia com o licito (4lcool € tabaco) pode contaminar o ilicito (maconha, cocaina e cia), fa- vorecendo o discurso de liberagio geral. Se médicos ja apon- tam tolerin desta decorre impulso 4 experiéncia com outras substincias passiveis de causar danos ao usuario e prejuizos & sociedade a eventual licitude de todas as drogas fatalmente induzira a maiores abusos. Politica educativa alguma daria conta de tama- rho estrago. Perguntem, como fiz. em Teres6polis, aos meninos que cumprem programas de recuperagio de dependéncia quimica, sobre como foram seus passos iniciais na direcdo das drogas. A resposta seri: éleool e tabaco, porque sio licitos e social- mente tolerados, seguidos pela “aventura” da maconha que, embora nao licita, recebe a tolerincia social crescente do dis- curso pré-legalizacio. Se a maconha vier ao rol das licitudes, formais ou informais, a primeira resposta passari a ser l- cool, tabaco e maconha. Na seqiiéncia, provavelmente, surgir a cocaina, sucessora provavel em “aventura”, “charme” € proselitismo. Sobre essa aceitagdo da coercio, percebida por Drauzio Varela, pode-se criticé-la, entendé-la como autoritarismo pa- ternalista, ou que for. Mas é certo que funciona. Temos que perceber onde moramos, meu caro. O Brasil, pais adoles- cente, criado em centralismo governamental, paternalismo estatal e federalismo de mentirinha, ainda nio se liberou des- sas condicionantes. Ainda cabe ao Estado, por isso, sem per- der o intento — essencial ao fortalecimento democritico — da indevida e excessiva com 0 alcool e 0 tabaco e 99 construgio de autonomia ¢ poder decisério da sociedade, um papel reitor. Inclusive, deve-se notar que os préprios consumidores de Alcool e tabaco, embora tenham protestado veladamente aqui e ali, demonstraram conformidade com as restricdes. Pro- testaram, de maneiea veemente mesmo, os fabricantes os co merciantes dos produtos em questio. Alids, seria, a esta altura do desenvolvimento da consciéneia social sobre o tema, ridi- culo, imaginar uma passeata de nhando pelas ruas, em afronta ao consenso estabelecido pela nacdo. Nao me parece que seria bem acolhida uma “Marcha do Tabaco” ou uma “Caminbada da Cachayd’, pot exemplo. Aliés, estas, na absurda hipétese de que se realizassem, significariam publicidade, ainda que no comercial (apenas no sentido de nio divulgarem esta ou aquela marca especifica). Mas di- vulgariam um produto, cuja publicidade tem restrigdes. Logo, aquelas ‘marchas’ nfo poderiam se fazer sem 0 cumprimento da ordem de alerta para os maleficios do tabaco e do alcool, conforme as prescricdes legais. Soa estranho, assim, pretender que uma passeata de “maconbeiros” (como se intitularam, em cantos de guerra, os préprios usuarios participantes da Marcha de 2006), ainda que marchando sob bandeiras de “ Tribunais inferiores argiiiram, dentre outras coisas, que estaria ferido o principio da igualdade por haver pena de prisio ao portador de maconha, sem que subs- tincias “mais danasas”, como o alcool e a nicotina recebessem igual reprovacio. Assim reivindicavam o fim da pena mais re~ pressiva 4 maconha. O Tribunal alemio entendeu que niio havia quebra do principio da igualdade porque pode o legislador, sem infringir a Constituigao, regulamentar de mancra diferente oenvoeimento com produtos de cana: bis, de uo Lado, com skool ow niotna, de entra, (.) O deer esata de ‘ela seria deturpado,conerend-se em sex posto, fsse ei dole lador que areas ila com osprodatos de camnabis nao ase rm naizada, porque ovirassubstincias no subordinadas i Lei de Enorpe cenit poderiam, drcunstanialmente, cansar matores danas sate No voto vencedor, ficou claro o excelente entendi- mento daquela Corte, de que a aceitacio secular do consumo de alcool e nicotina, embora danosa, incorporou tais substin- cias 4 cultura popular, de maneira tal que seria invidvel trazé-las| A ilegalidade de stibito. Mas essa “‘olerindia” no permitia dedu- zit a necessidade automitica de liberagio da maconha, justa- mente por nao contar, a cannabis, com o mesmo lastro cultural, 125. Nematiia "Anda o “sr fundamental de fear did": decsto da Cote Consttu- conalalema. baseada na obra de Jirgem Schwabe publicada no Uruguai pea Funda (80 Konrad Adenauer "0 anos de juriprudBcia da Cote Constuciona aloma. Arig ds- Ponval em: hp dretostundements.ne2008005/28einde-oreto-undementade-icer- {hideo-¢-decs-dacarte-constucions-alomal 107 de elemento de consumo massivo, culturalmente justificado. Nio caberia, entio, liberi-la, em desfavor do bem piblico de direito 4 satide. Aliés, 0 Tribunal definiu que o risco a sade no é 0 tinico parimetro a ser observado em anilises do tipo. Hi que considerar-se também os outros usos que se podem dar auma droga. Ao lado dos diferenciados efeitos das substincias, 0 leislador também pode considera, por exempl, suas diversas passibilidades dently (imagine-se 0 abuso das mais diferentes prodatos quimicos como cols, sk tents, gasolna, como “‘ubstncias de inal"), 0 signiicads das die rentesaplcagies para o convo socal, as pasibiidade jurdieasefticas de exfrentar0 abuso com expectativa de sacs, bem como as pasibilida ese 0s regusitos de um trabalo conjunto internacional no coirolee no combate as drogas eas organisagiescriminosas que as comercalizam. Dist resta clara que o principio da ignaldade nao preserve que todas cas degas devam sr do mesmo modo liberadas para a circulydo em eral [6] porque ourassubstncias prejudiiais& said sd permitdas. Em seu julgado, o Tribunal alemio considerou, ainda, a insuficiéncia de dados cientificos para embasar decisio dife- rente da que, por prudéncia, tomou. Ou seja, no vamos repe- tir 0 tabacol No vamos repetir 0 dleool! Como dizi um erro nao justifica o outro. Cautela e caldo de galinha nto fazem mal a ninguém. vové: A prudéncia gue, conforme Tomas de Aquino, “a rir tude da decisao certa”*® e que também, conforme Isidoro d vilha, é virtude que permite “ter ge”, com visio aguda e ante- isfo das possibilidades futuras, recomenda que nao se espere a ocorréncia de dbitos, cinceres e processos judiciais vultosos para, s6 entio, reconhecer os danos de determinada atitude. Um dos principios mais caros & ecologia e ao direito infanto- juvenil, por exemplo, é exatamente 0 “principio da precanjao”” 126. "APrudéni’, Mains Fonte, 2005, pp. 03. 108 Este entende que tratamos com fragilidades tio grandes em tais campos que, se alguma coisa tiver razodvel possibilidade — mesmo que no provada — de causar danos em tais esferas, esta coisa no deve ser permitida. E melhor errar em favor da seguranga. E. disso que tratamos. 109 cose Google O “BARATO” QUE SAI CARO Maconha liberada para uns, grana mais curta para todos A quantidade de substincias existentes na maconha, como vimos, é capaz de induzir diversos problemas de satide. Com a liberaciio, certamente ocorreria aumento do consumo, como veremos em outro ponto deste trabalho. Necessaria- mente, haveria elevagio das conseqiiéncias para o sistema de satide publica. Embora niio existam estudos sobre 0 assunto,!77 pa- rece certo supor que o pais no est preparado para receber esse acréscimo de custos, que implicaria, necessariamente, em aumento de impostos. Isso significaria que o brasileiro médio, ‘io consumidor daqueles produtos, estaria financiando 0 vicio ou, se quiserem, “a uso recreatito” de maconha pela minoria. Sob esta dtica, no parece razoavel exigir isto do cidadio j tio conerado por impostos que, inclusive, deveriam estar direciona~ dos para questdes realmente prioritirias e que dizem mais as, necessidades da maioria da populagdo. Saneamento bisico, combate 4 mortalidade infantil, educacio de qualidade, deve- riam ser 0 foco primirio das despesas puiblicas. O consumidor de Alcool que prioriza a compra de suas bebidas em detri- mento do feijio com arroz necessirio ao sustento da sua fami- lia, € um doente carente de auxilio. Deixou o instinto de sobre 121. "orincive que preg, nemo Mnistri d Said nem o Mino de us, duas ‘pasiasdetamenteafetades pola questo, possuem qualquer esto sobre o impaco das Crogas no ea organ, o que masa como o Bras aida eel ange de comroender a d- ndmica eo tanto do problema’ ~ Revista Superitressente- Tarso Arajo~ Outubro de 2007 = ElgBo 248 En Rp super abi. com beuperrquiv200corouso. 540748 shi, ut vivéncia e protecio da prole ser subjugado pelo seu prazer (ou alivio) imediato. Um pais no pode agit dessa maneira. Sea de- pendéncia quimica é una doenca, nio ha sentido em = ainds a hando infim¢ niio sii nt is ndéncia em relaca il de consumidores — per- : : Os especialistas entendem que 0 Brasil nao estaria ca- pacitado aos investimentos em satide publica que seriam ne- cessirios, em caso de liberacio das drogas. Jorge Jabes, diretor da Associaao de Psiguiatria do Rio de Janeiro € membbro da Asso- ciapto Americana de Psiquiatria aficmou: “Nao existem hoje, no Rio de Janeiro, sequer cem kits para atender dependentes quimicas menores de idade. Nido temos também nenbuma clinica, particular com leitos espe- ceffcos para menores de idade”!78 Nio é gratuita, a preocupacdo com os menores de ‘dade. Eles j@ sio o principal alvo da publicidade de drogas lici- tas, como 0 dlcool e 0 tabaco. Ao adulto, no é necessario ‘mais conquistar. Tornar a maconha licita aumentara seu con- sumo em geral, mas particularmente, entre menores de idade. ‘A cantora Nana Caymmi, é uma das que pensam assim: “Sox contra. As pessoas perdem 0 sensa. Até as eniangas 10 experimentart E se, entre elas, houver uma com perfil de dependente?”.'?° Assim preo- cupar-se deve ser uma das obrigagdes de todos que ingressam nesse debate. Em pergunta dirigida ao Professor em coléquio sobre o tema,!%° Luciano Bezerra teceu intetes- sante argumentagiio. Apés concordar sobre os direitos das mi- norias, pediu ao palestrante que tecesse consideragdes sobre as obrigacdes das mesmas minorias. Entendeu, no questiona- ‘bastian Scherer, 128. Contre a maria “A elt © os raiantes’, de Nlto Fernandes ous, no end rego htpsReitaepoca gobo comirvistalopecad,EDG7S178-6014-493,00asolterevos= ‘rafconts fr 128. Em 0 Globo de 102003, "Tudo o que vo08 somo quis saber sobre a acon 6 ‘nha mado de perguntar, mala de Maria Cezinbra, dponvel em Nps gocies com! baseadoomfatos/p1/30031005.tudo_o_que voce. sempre_quis_saber_sob ‘maconha_e bmha-medo_de_pergntar hn, ‘30. Na cba "Drogas:élegal? Um debate autizado’ 8 iad Pp. 158. 42 mento, a necessidade de que “para que nao se perpetuassem as rela: ies paternalcas” 0 diteito da reivindicagio por melhores condi- des de vida dos usuarios de entorpecentes, viesse acompanhado do desenvolvimento de suas obrigagées. O pa- lestrante respondeu, afirmando que a criminalizagdo do con- sumo é que impedia o cumprimento das “abrigayersocais” do usuario, posto que preso, no poderia exercé-las. You discordar do Professor, com todas as vénias. Na verdade, no se trata de saber se a pessoa é capaz de ir ao tra~ balho, gerar renda e pagar impostos. Trata-se de verificar qual 0 custo que uma opc¢ao minoritiria acarreta ao conjunto da populagio e aos menores de 18 anos, em particular. Os porta dores de determinadas doengas crénicas e graves provocam, certamente, a elevacio das despesas estatais com satide pii- blica. As restricdes ao consumo de tabaco e dlcool se fizeram exatamente porque 0 conjunto da sociedade passou a compre- ender que nao podia financiar a doenca perseguida pelo usua- rio. A doenga acidental, fortuita, é melhor acatada pelo senso de solidariedade humana. A doenga auto provocada, obvia~ mente, nfo recebe a mesma compreensio. Vé-se que a reacio do Estado no expressar esse con- senso niio foi apenas a de realizar campanhas educativas. Foi de repressio mesmo, ainda que nao criminal. Até porque os hospitais psiquidtricos apresentam um grande niimero de in- temages (em alguns casos, a maioria) que tém como origem o consumo de Alcool ou entorpecentes.!) Portanto, a pergunta que devemos fazer é: Estamos em condicdes de empregar nossa solidariedade social para finan taro que o financiamento se daria com a reducio das despesas com seguranga piiblica. Entretanto, também isso nfo parece 131. 0 Hospital Psiguitico Nn Rosiques, por exempl,recebe, om cada 08 pacientes, 04 cua iterap fe motvada por distros decarenias do consumo de leo! erogas. Conforme o oral Estado do Marenhio, cago ne mata no so wn aidroges com br Iostrenotcinphp?e=4196, 3 ser verdade, como veremos. a liberaczio da maconha nio re- duz.o trifico, veremos. Logo, teremos despesas concorrentes. A Revista Cléudia publicou matéria sobre a questio da descriminalizagio da maconha, tentando analisar prés e con- tras.!?? Apds afirmar a auséncia de dados sobre o real impacto da descriminalizagio e da legalizagio das drogas nos custos piblicos, reproduziu quadro que busca suprir essa lacuna, estudo, com projegdes baseadas em leis de mercado, foi prepa- rado pelo economista Gary Becker, da Unitersidade de Chicag, nos Estados Unidos. Ele usou sinais aritméticos para indicar 0 impacto das opgdes de descriminalizacao ou liberacao, nos, segmentos indicados, conforme os reduzam (-) aumentem (+) ‘ou nfo alterem (=). Desoiminalzaio | Legalizao Oferta de droga = Riso de aden + Deempenla wa rabalo : ga dar organizes ciminacas Corre : : Gasts com sade pals + + (Cato com sguranga «prides = = Como se vé do quadro proposto, em qualquer das hi- poteses (descriminalizagio ou legalizagio), embora possam di- ‘minuir ou estabilizarem-se as despesas com seguranca piiblica, com eventual reducio do poder do crime (do que discordarei em outro capitulo), aumentariam os desembolsos com saiide, ainda mais potencializados pelo maior risco de acidentes. A produgio seria afetada pela redugio do desempenho profissio- 132. “Desuriminazegdo de maconha, sim ou no?" de “Fabio Sanchez, em ‘ip:flau- da sbi com brat 2608) 44 nal, opedo agravada pela perspectiva de aumento do consumo, deduzida da maior oferta da droga. Em seu sitio, o jornalista Gilberto Dimenstein repro- dz reportagem da Retista Exane, de julho de 2001, “Plagelo Corporativo”.°> Ali sio relatadas as preocupagées das empresas no Brasil € no mundo, quanto & elevagio da dependéncia qui- mica entre empregados. Menciona estimativas da Seoretaria de Saiide do E:stado de S20 Paulo, que indicam que 0 uso abusivo de drogas como dlcool, maconha, anfetaminas, calmantes e coca- ina, custa ao Brasil 7,9% do PIB em tratamento médico, perda de produtividade e acidentes — 48 bilhdes de délares, em di- nheiro de hoje. Claro que valores assim deisam empresérios atentos. A poderosa Federazao das Indistrias do Estado de Sa0 Paulo (FIESP) organizou um simpésio internacional sobre Prevengao ¢ Controle do Uso de Drogas no Ambiente de Trabalho. Dentre as medidas defendidas no encontro, esti a testagem obrigatoria da urina dos empregados, para verificagio de tragos de consumo de entorpecentes. Isso, obviamente, vai levantar debates sobre legalidade e constitucionalidade. Mas, nos Estados Unidos, cerca de 80.000 empresas jé so legalmente obrigadas a sub- meter os empregados a exames de detecgio do consumo de entorpecentes. E. que l4 a conta da dependéncia quimica, de acordo com o Departamento de Saiide, custa 276 bilhdes de délares por ano em tratamentos de satide, queda de produtivi- dade e acidentes. Por isso é que, & margem do entendimento legal, no falta quem defina — como é 0 entendimento doutrinario pre- dominante no Brasil — 0 porte, 0 consumo e a apologia do uso de entorpecentes como ei ‘rime contra a Saiide Priblica’ 433. tp flhaul com botelhaldmonstiamprescindvelsomanalgd08070 11607 Ot kins ‘24. Assim consta da ements de vires jugados de dversos tribunals, quando tatam da {questo da posse de entrpecenes (RT. ST0/520PR, RE 114330-8SP, ez) Fo esto um dos arguments do Ministéro Publics da Baha, na pebgdoassnada pelo Prometor do Jus ‘ipa, Paulo Gomes Jini, vsando ao impediment da ‘Marche ds Maconha 2008, em Saive- us Cada real gasto na questio das drogas é desviado de outras cemergéncias sociais, o que é grave, num pais onde escolas apo- drecem ¢ hospitais caem aos pedacos. Nem se diga que 0 gasto com a repressio decorrente da proibigio é maior, porque, vi- mos, nao é. A parte a questo da corrup¢io do aparelho esta~ tal, todo usuario é, portanto, responsavel por uma vacina no aplicada, por um pré-natal nfo realizado, por uma ambulincia encostada sem gasolina, por uma ctianga analfabeta. O neoze- landés Don Fergusson questionado sobre o direito de a pessoa fazer 0 que quiser com 0 seu préprio corpo, foi muito claro: Essa é uma visio interessante, mas omite que 0 individuo na paga conta das consighéncias aderas de suas ope pessoas. Essa na é.xma uestao meranente exten, em conseqhénciasecoémicas socks. Quem aga acon 0 gosrns ~ on ja, toda asoiedade~, que tom de faser frente ao anment da demanda na ea de sade por exemple, Sub ‘meter 0 corp do individuo sua excasva responsabiledade,soment fa sentido eee tambim se responsbilizar pelos casts totais de suas ee ‘has, Maso que ocr ¢ que os adits exigem que a saiedade bangue 0 custo de suas experinias pesoais en adnitem que ela tena odio regular sua cond ama visio mit milter. 9° or: ‘abo so quer aqui cogtrproibigo Iberdad do express, vez que vvemos om um Estado Democratio de Dito, no enlant,imaginar que se posse Indio insligr crime ‘conta a sae pica com forma de ibedade de expresso sina deretar @enarquis ‘no pls e usurpar a orem uridie os inferesses sociis da napa" sponivel em: Nip ‘wimp ba govbritcias2008%/abr_ 28 marcha agp. Assim se postiona também Lucas ‘lingua Brizall Maced, PrmorSubettito em Caro Az Pr, no argo Para um ‘gaa de maconha 6 crime”, de 108/207, no soda Assocag So Paranaenoe do Ministsio bic, em: ip:vanw apron og blsteagesstariesnotiaportars20un20cigaTo% ‘2Odetdtmeconbetk2owceraderme do. 185. Entovita 8 VEJA,ctada 116 SE E BOM PARA HOLANDA E£ BOM PARA O BRASIL? A experiéncia de outros paises Um dos argumentos mais freqiientes que utilizam os defensores da libera¢io da maconha em terras brasileiras, é 0 fato de alguns paises europeus terem optado por esse cami- nho. Aqui se deveria, a principio, lembrar os ensinamentos de Montesquieu em seu Do Espinito das Leis. Como ass cus dependem das leis potas pois so fits para uma so- edad, seria conteniente que, quand se quiese transporter wma le dil de uma nagio para ontra, se examinase antes se anbas ti as mesmas instidgese 0 mesmo dirita pola, 4 E 0 sabio francés alertaré com ainda mais agudeza, no titulo do capitulo seguinte: que "é predso nao separar as lis das ireunstndias nas quais foram feitas”. Isso & verdadeiro também no caso das leis de descriminalizagio da maconha. A maconba é a ‘maconha e suas dircunstncias, repito. O exemplo mais freqiientemente citado é 0 da Ho- Janda, que assim decidiu nos anos 70 do século pasado. Por isso & que, na briga pela liberac3o da maconha, sempre aparece tum nostilgico de Mauricio de Nassau. Mas, como jd aconteceu Guararapes, e nossos caminhos niio so holandeses, em pri- meio lugar, deve-se ter cautela na comparacio de contextos tio diferentes. A Holanda no é um pais avangado e abastado porque liberou a maconha. O contritio, ou seja, 0 evidente 198, Nova Curl, 2000, Capo XI do Livro 29%, Pp. 277 47 conforto material a consagracao de servigos publicos de qualidade e liberdades consolidadas & que pode ter levado & li- beragdo da maconha. Outras questdes prioritirias resolveram- se antes. A Holanda, pais abaixo do nivel do mar, pantanoso, sem condicdes produtivas, antes cuidou dos seus diques, fa- zendo o primeio, jé no século XIII. O Brasil ainda tem panta- nos a resolver. Suponho que ninguém imagine uma “Marcha da Maco- hd? em Serra Leoa ou no Haiti, por exemplo. Um pais deve cuidar primeiro das coisas primeiras, ou seja, das mais impor- tantes para sua sobrevivéncia e desenvolvimento. O Brasil ainda nao é, socialmente falando, uma Holanda. Pode niio ser ‘mais, ou nunca ter sido, um Haiti, em que pese a afirmacio contritia da cangio de Gil e Caetano (“O Haiti ¢ agui”). Mas ‘temos nossas senzalas vivas, ainda abertas e sangrando. wtante é que nos pai libera: ym entorpecentes, as conseqiiéncias nJo foram, exatament positivas, Diques sio tratos humanos artificiais para segurar dole da natureza furiosa. A indole do mar é invadir. Jozio Salda- nha sempre falava que temia o dia em que 0 oceano viria reto- ‘mar o espaco que Ihe fora roubado pelos atertos cariocas. Pois é. Belas holandesas passeiam seus tamancos & sombra de moi- nhos de vento, em gramados que um dia poderio ser chio de ‘oceano. Quem sabe, a sensacio de pais espremido contra 0 mar é que induza no espirito holandés essa Ansia por espago € amplitudes. Talvez por isso, no campo da moral e dos costu- ‘mes as coisas li “avancem’” tanto, sem contengdes, sem quais- quer diques, como uma vaga de ‘wnami que parece no findar. Mas toda inundacio, um dia encontra sua parede. Dai, desbar- ranca ou derruba. O excesso de liberalidades pode um dia co- bear seu preco e afogar uma cultura dentro de seus diques, ‘como um mar interno que avance, sorrateiro. Nao sei se ja nto seriam indicios dessa exaustio as dentincias de abusos na apli- cacio da eutanisia através de homicidios perpetrados por mé- 8 dicos, 0 turismo da morte, o narcoturismo, a consolidagio de portos holandeses como parada de tumbeiros de mulheres para prostituico, o avanco pedéfilo, e mesmo a tragicémica si- tuagio legal de medidas conflitantes ¢ estapafiirdias, tipicas de quem acaba perdendo o senso. Embora jé tenha tratado da questio ‘maconha liberada x tabaco cerceado’, por tio peculiar, devo comecar citando a contradigio quase cémica, configurada no acompanhamento, pela Holanda, das medidas anti-tabagistas européias. Na maté- sia “Restrgies ao fumacé: maconba sim, tabaco ndo”, o Juiz. Walter Fanganiello Maierovitch noticiou 0 aviso do Primeiro-Ministro Jan Peter Balkemende que, em entrevista & televisio piblica holandesa, alertara que a partir do 1° de julho de 2008, estaria proibido acender cigarros de tabaco nos bares, restaurantes ¢ cafés da Holanda, porque “a nicotina da fumaga faz, mal di satide dos fregitentadores” 37 ridiculo da situacao é que, em tese, na Holanda, a maconha s6 pode ser fumada no interior dos cafés. Na rua, & crime, embora em geral a policia faga vista grossa. J4 0 tabaco, seri proibido dentro dos cafés e permitido na rua. Fosse no Brasil, estava ai, 0 “samba do crioulo doido”. OQ Ministério da Satide holandés emitiu, ainda, o seguinte alerta: “E proibido, nos cafés, misturar tabaco com maconha, para burlar a proibiao”. Eviden- temente, os donos de cafés estio protestando, com veeméncia A ofensiva antitabaco na Holanda cumpre orientagiio da Unido Européia, cujo Comissirio de Satide, Marcos Kyprianou, por sinal, ja expressou seu desejo de ver a proibicao total ao fumo em locais piblicos, inclusive, em toda Europa, daqui a poucos anos.!¥8 Sobre este ponto (neste livro, por preguiga ou por argi- cia, os temas se interpenetram), vale lembrar de novo, a pos- $91, Tea Magazine, om _hip:wwaterranagscine era com bina, 12055471- 188560 0 esicoesao-fumacesmacanhrsetabacor0 ‘38. Cone matéria “Holanda isnta cigaro de maconka dele antfune" em hp! 4} globo com/notiiasiencit0,mui372856-560,00-nolandevisentavcigarroxdermaco- Thardedlleenfume hi 9 tura cada vez mais agressiva de drgios publicos no cerco ao consumo de tabaco. O Conselho Municipal de Liverpool, que g0- verna a cidade do noroeste da Gra-Bretanha, tenciona, con- forme noticia recentemente divulgada, impor, por lei local, uma censura a menores de 18 anos, nos filmes que contenham cenas de personagens fumantes. Podemos achar muito dris- tico, mas Liverpool detém o titulo nada honroso de “capital in- _glesa do cdncer de pulmao”. Em paralelo, a organizagio “Now Smoke Free Liverpool”, que apéia a movimentagio do Conselho ‘Municipal, afirma que as evidéncias demonsteam que “metade dos adolescentes americanos que fumam, adguiriu o hébito sob influéncia, en- tre outros fatores, do que é mostrado nas telas”.'°° Mas holandeses so muito criativos nao é? Sao toleran- tes, religiosamente falando, nfio é? E muita gente mio acha que ‘a maconha é santa? Pois bem, se no existe uma religiio de ta- bagistas e maconheiros... que surja entio um novo messias € uma nova crenga! Foi justamente 0 que anunciou em 2008, apés o inicio da vigéncia da proibicio, o Sr. Cor Bush, proprie- trio do cofee shopp Le Tilleul (A Tilia), em Alkmaar, no norte de Amsterdam. Estava criando a Igrgja Unica ¢ Universal dor Fu- madores de Deus! Em nome da constituicdo holandesa, passaria a defender a liberdade de cultuar a santa trindade composta pelo. “Suma, o fo ea cinga”t Claro que outros proprietirios de café e freqiientadores, j4 se converteram a nova religiio.'"° Nao duvidemos, em breve ocorrerio milagres.. Retornando as contradigdes holandesas, é esclarece- dora a reportagem “Mudangas na vitrine — Farta de ser tolerante, Annsterdatroca bordeis em baivro degradado por lojas ¢atelits de artes? de Thomaz Favaro.'*! © repérter menciona a condigao da Holanda, de “um dos patses mais liberais da Europa”. Entretanto, relata que, desde que a prostitui¢io foi legalizada, sete anos atris, tudo mudou. Todo mundo ja deve ter ouvido falar, visto 138. Em tpg lobo cm/otcieeiei, 52608-5608, 00 hn. ‘40. LUSNSOL. Café confoma probicgo do fuma invocando lea dos Fumadores do ‘Deus Em: hips sap pagina idan px content id= 101708 141. Em piplaneasustertave bi com brnoSiaftdadelcoteudo_ 772408 shin. 120 em filmes ou lido, (quem sabe, visitado) os bairros da luz ver- melha. O mais famoso, é 0 De Wallen, em Amsterdé. Ali, entre sex-shops, tem-se aquele quadro algo bizarro ¢ humilhante, de mulheres expostas em vitrinas, para escolha do fregués. Era um lugar relativamente trangiilo, despertando curiosidades, e mantendo nas suas proximicades restaurantes elegantes e co- mércio luxuoso. Entretanto, apés a legalizacio da prostituico, a regiio afundou em degradagiio ¢ criminalidade. O governo municipal resolveu dar um basta Foram revogadas licengas de alguns dos bordéis mais famosos da cidade. Cofée Shops foram proibidos de vender be- bidas alcodlicas e cogumelos alucinégenos. Tramita, no parla- mento, uma lei que pretende que no possam funcionar a me- nos de 200 metros das escolas. O governo comprou os prédios onde funcionavam 18 prostibulos, reformando-os para que passassem a acolher galerias de arte e atelis de designer A tradiciio liberal de tolerincia, na Holanda, é histérica, remonta ao periodo das navegagdes. .Ali se abrigaram desde fi- lésofos e sbios, a perseguidos religiosos. Neste século, conso- lidou-se a postura de liberalidade extremada. Se os impostos so pagos, pouco se proibe. Os impostos permitem controle, policiamento, ete. Isso nio impediu, entretanto, que nos tem- pos atuais aquela regio Fosse invadida por criminosos oriun- dos de diversas regides — notadamente, do leste europeu — para a pritica de lavagem de dinheiro e trifico de mulheres. O ingé- nuo objetivo da legalizagio, era alcangar melhor condigio de vida para as prostitutas. Embora sempre haja os que entendam que 0 objetivo foi atendido, explodiu 0 niimero de bordéis € aumentou a necessidade de “mao de obra”. Passaram a trazer prostitutas clandestinamente ¢, muitas vezes, de maneira for- cosa, em trifico humano, das regides mais carentes do planeta. ‘Também na questio da liberago de entorpecentes, a ingenuidade setentista, do flower-power, trouse danos 4 nagio holandesa. O “turivmo de entorpecentes” tornou-se uma pritica. Acorreram para a Holanda consumidores de todas as partes 121 do mundo. E, raramente, interessados somente na cannabis. Esta apenas funcionava como chamariz. Quando da legaliza- cdo da maconha, ela foi adstrita a determinados bares, que po- diam adquirie legalmente até 500 gramas do produto. A re- venda s6 poderia se fazer ao consumidor até o limite de 05 geamas por comprador. Como numa carta de vinhos, o sujeito entra e escolhe a sua variedade de maconha, sempre acudido por um prestativo conhecedor. Cada pessoa poderia, também, portar até 30 gramas. Entretanto, paradoxalmente, o plantio ¢ ‘© comércio internacional continuaram proibidos! Dai, duas conseqiiéncias ruins. Primeiro, o narcotrifico. foi indiretamente “autorizado”, oras. E como ja disse: descri- minalizar a receptagao estimula a agio dos “amigos do alheio”. E com todo o subjacente incremento da violencia e do cresci- mento dos subterrineos da criminalidade. Reportagem da Re- sista Veia(edigio 1.710/2001), afirma que (0 grande desafio da politica de iberagto de drogas fom sido até agora 0 aumento do narcotrfin, A Holanda foi o primeiro pate a permit o so cde maconha, em 1976, ainda que restrita a bares expeciase sé para mai ores de 18 anos. A tolerincia fve sucesso em trar os consumidores da landestnidade, mas nao surtin 0 mesmo efit no trfio, Metade dos er -mes comets no pais sto ligadas aos entorpecentes, «0 mimero de presos riphon nos limos de anos! A reportagem de Favaro, que citamos ha pouco, menci- ‘ona também o depoimento do criminologista holandés Di Korf, da Unitersidade de Amsterda, que, comentando a prolifera- lo do narcotrifico, afirmou: “hoje, a populasdo estd descontente com escas medidas liberas, pois elas riaram uma expectaiva ingénua de que a legaligagao manteria os grupos criminososlonge descasatividade>”. A outra conseqiiéncia foi o incentivo 4 produgio clan- destina. Acabou se formando um setor de poderosos cultiva- dores ilegais de cannabis na Holanda. A produgio atual estaria 142, htpvej.bri com 72607010075 122 em 625 toneladas de maconha por ano, significando um lucro de 2 milhdes de euros. E, claro, esses produtores passaram também a exportar, realimentando o narcotnifico a partir dos diques holandeses.'* Outro elemento que parece indicar o fracasso da poli- tica holandesa é que a liberago da maconha pretendeu, tam- bém, conter 0 usuirio no universo das chamadas “drogas leves”. Nio deu resultado. Primeiro, porque os consumidores esta- riam ingressando no mundo da droga cada vez jover Por conta disso, conforme a Agéncia de noticias EFE divul- gou recentemente, o Parlamento holandés esta reavaliando a atual politica de tolerincia as drogas leves.!4 Segundo, porque como ja dissemos, 0 consumidor regular de maconha acaba desenvolvendo tolerincia, o que o faz demandar uso cada vez maior da mesma droga, ou a experiéncia com entorpecentes mais pesados. Essa mesma peculiaridade provocou 0 desen- volvimento de espécimes da cannabis de maior poténcia, como © skunk e, novidade recente, 0 syper-skunk: Essas avaliagdes sobre erros holandeses, claro, nao siio pacificas. Hii quem entenda necessario radicalizar ainda mais as liberalidades. E. provavel que os internautas freqiientadores do site Grouroom tenham se extasiado com a noticia de que “O prefeito da cidade de Maastricht, no sul da Holanda, Gerd Leers, e 0 “grupo holandés de misica punk Heideroosjes 120 gravar juntos uma can- ‘io que retindica a kegalizacio da produgio e do fornecmento de dregas Lezes, em especial da maconha. Serd uma cangito de protesto chamada “Cangio da maconha”, que contestard a politica nacional sobre entorpe. -centes, que sb permite a compra e a posse de drogas laves, informon a agén- ia de noticias bolandesa ANP”. (grifei) Lembremos que 0 ho- Jandés pode comprar ¢ fumar, mas niio pode produzir, a nio ser em uns vasinhos caseiros. ‘8. Ageia EFE. "Cut fogal de maconhe na Holanda rende mibes de euros 0 ano” 0 Gio. Em. hip obo can/Notaeh funda. MULB03Q74-5602 00 CULTIVOMLEGAL “DE SMACONHANASHOLANDA+RENDE-NILHOES+DE EUROS +0+2NO nl 144 dem “45. growroom netog/206/peeo-- punks fazem-music plemaconhal 123, Essa militiincia “festiva” leva a experiéncias como as “Copas de Cannabis”. \ Holanda, claro, lidera 0 ranking, com mais de 20 Copas realizadas. Mas existem feiras ¢ competi do tipo, também em Barcelona, Madri e outras cidades euro- péias. Em julho de 2001, estudantes da Universidade Catélica de Brasilia realizaram a primeira Copa de Cannabis brasileira. Nas Copas, hd sempre muita misica ¢ fumacé o tempo todo (dez horas por dia, durante 05 dias, na copa holandesa), com 0 con- sumo de maconha liberadissimo, baseados comuns, baseados gigantes, origamis de maconha, maconha em inaladores, em narguilés, em tortas, bolos, bombons, chads refrigerantes, lico- res.... maconha de toda forma ¢ jeito. Nas cangdes, versos como os da banda Homegrown, que se apresentou na Copa de 2004, em Amsterda: “Fume dais baseados antes de fumar dois ba- seados ¢ depois fume mais dois baseados”. Espécies da maconha disputam troféus em virias categorias. Qualidade, poténcia, apresentago, acessérios. A “Amnésid’, cujo nome ja diz a que veio, é uma das espécies mais populares, vencedora numa das recentes edigdes. Baseados gigantes so enrolados. Na Copa brasileira, uma delegagio baiana apresentou um baseado de sete palmos, que precisava de 04 méos solidarias para ser con- sumido.'° Em novembro de 2006, na Copa holandesa tam- bém programaram enrolar um megabaseado de 1,5 metro, com meio quilo de maconha!!*7 © exercicio, que daria um Guiness garantido, foi impedido 4 ultima hora, por diividas sobre a legalidade, mesmo na Holanda, desse verdadeiro ‘ba- seado de Its’! Ainda em Amsterdi, funciona 0 “Hash Manjuana Hemp Musewn”, centro cultural dedicado 4 maconha. Ali se exibem pés da erva e trabalhos artisticos sobre o tema, inclusive uma 146. Ver "Uma caeta na Copa da Maconha eserto por Adana Maxritao para o sto "No Minimo". sisponivel em http:/Twww. gabelra.com br/e-legalizelartigos! ‘mostra_artasp2id=49 e também: “Quelmando tudo", de Jan Theophlo para o sitio “No comb em: ip Jn gabera com llegalaelertgoenceta.srtaqpid=26 147. "Cie. “Holandses tntam acender maior cigao de mconha do mundo, dsponive «em tpg gobo com Notes Panera, A1359547-408%,00 i, 124 pintura do século 17 onde um jovem aperta li seu “fini- nho”.' Parece que os freqiientadores saem sem lembrar bem © que viram, mas saem rindo muito, como claques de humoris- ticos de TV, e com fome de biifalos no cio. Certamente, nao ririo mais, a se confirmar a reporta- gem da Folha Online que, em 06/12/05'?, noticiava que fora tomada pelo governo holandés a decisio de fechar “em breve” 6s caffe-shops, conforme informava o diretor-executivo do Es- eritério das Nagbes Unidas Contra as Drogas e 0 Crime (UNODC), Anténio Maria Costa. Na seqiiéncia, a atencio governamental se voltaria para as chamadas smart shops, lojas de a turais. Conforme aquela autoridade, ali ocorretia “siolajdo de convengées internacionais”, além de obtencio de mercadoria por meios ilegais. Essas medidas viriam no astro do, cada vez maior, desprestigio dos caffée shops holandeses que teriam caido de um total de 1700 nos tempos do auge, para cerca de 700 na época da reportagem. Também a quantidade de maconha que era permitida para venda nos estabelecimentos, poderia cair de 05 para 03 gramas. Com tais medidas e o aumento do despres- tigio, os proprietirios dos estabelecimentos estariam afir- mando que 0 negécio nao era mais tio lucrativo, com os usud- sos recorrendo, cada vez, mais, ao mercado ilegal. E este cerco sobre os cafe shops e as priticas de libera- lismo excessivo, devem aumentar. Em outubro de 2008, a Ré- dio Neederland noticiou que os prefeitos das cidades holandesas de Bergen op Zoom e Roosendall estavam determinando o fecha- mento de oito coffee shops, por causa dos distirbios causados por cerca de 25.000 narcoturistas que vinham das regides de fronteira, causando tremendos tumultos € aumento dos com- portamentos anti-socizis ¢ criminosos. Enfrentando proble- mas semelhantes, 0 prefeito de Maastricht pediu ao Ministério da Justica holandés a convocacio de uma reuniio com 20 pre- imentos na- 148. _htphwur fla ul com bofolhafurismofnoiafut33812409 shin! ‘49. 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