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oe DESLOCAMENTOS VELADOS: O MUNDO DA DINAMICA FAMILIAR A terapia familiar surge como a produgio mais recente da con- tinua evolucio pela qual est4 passando o delineamento do campo de trabalho psicoterépico, suas metas e tarefas. Ao abordarmos a expres- sfio “terapia familiar”, a primeira pergunta a ser feita é “de onde surgiu uma idéia como esta?”. Quais sio os pressupostos tedricos que pode- eae: riam servir de base para tal pritica? Com base em que se justificaria 52 que, em certos casos, em vez de se abordar exclusivamente a pessoa™ que manifesta de modo patente certo tipo de problema, ou que est expressando sofrimento, se opte por considerar esses fatos se; gutro ponto de vista, isto é, segundo a terminologia de Bion (1965), se_ fAO* passe a consideré-los a partir do “vértice”” familiar? Pode-se relembrar que, em seus primérdios, a psiquiatria dedica- va-se a encontrar, circunscrever e isolar certo nimero de entidades que pudessem, em tiltima instncia, apés delineadas, set classificadas segun- do as leis di nosologia médica, de acordo com 0 modelo em uso naquele periodo da pritica clinica. Trata-se de uma época de descri- Ges exaustivas ¢ meticulosas de certo mimero de doencas. A ctenga era de que essas sindromes, até certo ponto auténomas, poderiam apoderar-se da pessoa e, como corpos estranhos, poderiam ali per- manecet incluidas, habitando-a, como um robd dentro de um indivi- duo alienado. Este, por forca dessa manobra, era transformado em um ser perigoso. Isso deu margem a iniciativas Protetoras contra os perigos assim inseridos em seu corpo. Restava apenas o individuo como campo inteligivel de estudo. I Familia: Dindmica e Terapia Ce aaa Com o nascimento ¢ o desenvolvimento da psicanilise, veri- fica-se uma alteragio naquilo que se entendia ser esse ae Essa alteracdo foi principalmente motivada pela incapacidade — demons- } trada pela postura tradicional — de assegurar mais progressos 2 ~ caminho da compreensio do significado dessas doengas. Freud ry ropds a busca da solugio no relacionamento instituido entre duas (pessoas, a saber, no estudo da transferéncia. QO essencial dessa idéia ye cera que 0s elementos que emengiam extormamente na forma de um oblema clinico podi ionados a conflitos infrapsiquicos. ) Assim, reencenando tais conflitos num contexto particular, ou seja, | na situagio diddica do encontzo psicanalitico, os membros daquele relacionamento poderiam tornar-se capazes de langar alguma luz quanto 4 natureza desses conflitos. Ao cabo desse proceso, apés ra { apreendidos seu significado e implicagdes, os individuos em ques- d tio tornar-se-iam capazes de elaboré-los. Lentamente, o tema da psiquiatria tornou-se menos o estudo do paciente que provoca ? medo e mais a compreensio de alguém que o experiencia. | ‘A tarefa inicial da psicandlise era delinear a natureza e a orga- nizagio do conflito intrapsiquico, ou seja, estabelecer um modelo psicanalitico do funcionamento mental. Apesar de nio estarem ausentes um interesse uma interpretagio do comportamento so- cial',o principal campo de estudos continuou sendo a relacao diddica, Estava para acontecer, no entanto, uma nova expansio nesse cam, 4g Po de modo lento e timido, como se houvesse um receio de por | Pe em tisco a técnica recém-estabelecida que orientava (e limitava) o | ek ede de trabalhar a 0 rscionamento didico, O impulso para we expansio, no que tange 20 tépico de terapia familia, pode ser atribuido ao interesse manifestado el lise de pacientes psicé : AA timidez acima referida pode ser bem observada num livro c \" como o de Martin Grotjhan —Pochoanahsis and the family aearosis SS Psicandlise ea ne il i 0. Grotihan é { TA opinido de Freud com respeto a0 modo pelo qual a interacdo soc | | reprerentada no plano psicologico, e 20 modo pelo qual eee {i a i desenvolvimento do aparato mental ~ e contribui ele — est como Totem e tabu (1913) e Psicologia de grupo e a andlse do go (9 livros . Deslocamentos velados: 0 mundo da dindmica familiar B lise a0 estudo das dificuldades familiares ¢ conjugais. A primeira parte de seu livro (com seis capitulos) é dedicada a hist6ria e ao desenvolvimento da terapia familiar de orientagio psicanalitica. Entretanto, é surpreendente o fato de que raramente se coloca a questio de ver ou tratar a familia como fal. Com a expressao “neu- rose familiar”, Grotjhan se refere de fato a algumas dificuldades ~ mais especificamente, a determinados_aspectos da transferéncia ~ ‘que poderiam surgir no tratamento individual e que poderiam ser mais bem solucionadas por meio de entrevistas com_a esposaou esposo do paciente, ou com outro membro da familia, postetior- mente sugetindo que algum desses elementos iniciasse alguma for- ‘ma de terapia. As discussdes versam sobre temas técnicos: deveria ser um s6 0 terapeuta para todos os membros da familia? Deveria ‘comecat 0 tratamento com um dos familiares e apés certo tempo iniciar com outro? Deveriam encontrar-se regularmente para troca ¢ confronto de experiéncias os diversos analistas que atendem os : diversos familiares? O proprio Grotjhan acteditava ser preciso ver tum dos cdnjuges a intervalos regulares e dar apoio psicolégico a tal pessoa. As vezes, realizava uma sesso conjunta com o casal. A terapia de grupo foi utilizada de modo muito semelhante: mem- bros diferentes de uma mesma familia colocados em grupos dife- rentes; um casal com problemas conjugais seria encaixado num grupo jé formado; uma pessoa com problemas maritais e em tera- pia de grupo teria a companhia do parceito (no seu grupo) por, te algumas sessGes. Quando se desenvolveu a terapia familiar infantil, os terapeutas } tiveram que trabalhar com problemas originados nas atitudes dos ~ ‘pais, atitudes facilitadoras ou prejudiciais. Qual deveria ser a abor- dagem? Deveria o terapeuta da crianga ser igualmente o terapeuta, dos pais? Deveria a crianca ser atendida em companhia da mie? Deveria ser a mie encaminhada para terapia e um contato ser feito com seu terapeuta? ‘Todas essas modalidades de tratamento reptesentavam pro- gressos. Por exemplo, forneciam material para uma descricio catacterolégica dos componentes da constelacio familiar e para a compreensio da complementaredade das necessidades neurdticas, Cag loud des Pr Cena MUnrerX Sy 1y < Familia: Dindmica e Terapia Se cralmente presentes nos vinculos matrimonisis Seria, portanto, improprio dizer que 0s analistas nao estavam cae oo ota = familia, Jé, em 1936, o IX Congresso Internacional de Psicnilise realizado em Nyon, na Suica, escolheu como seu t6pico cent, Neurose familar eneuriia. O encastegado da publicagio dos “anais era René Spitz eo otador principal era René Laforgue. Nao obstante, é evidente que estava sendo negligenciado um ponto que Akerman « (1959) esclareceu bem, a0 eserever que a terapia familiar niio deve- ° Yerser entendida como a terapia em separado dos diversos ele - mentos da familia. © tratamento de pacientes psicdticos altamente perturbados, em especial os esquizofrénicos, constitui um passo além na idéia de que o campo de estudo deveria ser aumentado, caso se desejasse pr compreender determinados fendmenos. Os trabalhos de Bowen ; VA, gj} 1960), Bateson (1958) ¢ Lidz (1949), entre outros, levaram a des- | eo coberta de formas peculiares de comunicagio patolégica. Noses, como “duplo vinculo” ¢ “mie esquizofrenogénica”, embora des-| critas em conexio com a situagao diddica mie-crianga, implicavam um contexto de complementaredade no qual essas descobertas de- veriam ser aplicadas para aportar mais e melhores esclarecimentos. Assim, por exemplo, a descriclo de uma mie excessivamente ansi- osa, ambivalente e necessitada de manter a crianga em estado de dependéncia, ameagando-a com o abandono, indicava a existéncia de um pai ineficaz, passivo ou ausente e possivelmente inclinado a usar a rang, seja como meio de manifestar sua prépria hostilida- de e rebeldia, seja para garantir 0 relacionamento com a esposa, ou, ainda, até mesmo como motivo para abandonar esse relacio. namento. Nesse momento, os terapeutas no s6 comecaram a sentir-se » mais livres para convidar certo mimero de pessoas para vir A tera pia “como familia”, mas também se tornaram conscientes de que area lo a ser a propria uni fearon yg tal, a familia pode ser vista como 0 ponto de encontro dos funci i a + Z yw 4 ‘onamentos individual, gtupal e institucional. A semelhanca de uma ogi iasttuisto, cla tem uma vitalidade propria que antecede e sobrepassa : \ ° periodo de terapia. Enquanto grupo, a dinamica especifica do intercimbio entre os familiares permanece o centro de interesse do Destocamentos velados: 0 mundo da dinamica familiar a3) Deslocamentos velados: o mundo da dindmica famitior 1S terapeuta, Vale a pena observar que esse interesse pela familia ocorre em um momento particular de nossa hist6ria, freqiientemente des- ctito como momento de “crise de valores”. Ele é paralelo 20 ‘Poimento hie As tentaivas de se ciaem formas menos igidas & de vida microssocial, a0 surgimento de nogdes to desafiadoras quanto as de contracultura, antipsiquiatria e movimento feminino de liberagio. F, contudo, desenvolve-se tendo como pano de fan do uma corrente politica que coloca a familia como 0 ponto-chave de uma estrutura social que mantém o modo de producio ¢ que sustenta seus valore Aparentemente, no foi ainda encontrada uma alternativa vilida para a familia, Isto significa que, basicamente, alguma for- ma de familia é encontrada em toda sociedade. Grosso modo, trata~ se de uma unidade socigeconémica organizada em torno de um Par heterosexual, ow seja, de um par potencialmente capaz de re- produzir a referida unidade. Nela, o padrio de atitudes sexuais parentais estard relacionado ao meio ambiente cultural, a0 mesmo tempo que iri definir os papéis de seus membros e estabelecer as Bases de suas interagées. Conforme iremos verificar, nesse modelo a dinamica do rela- cionamento do casa/ tem a propensio de tornar-se a dinamica familiar, j € esse aspecto reprodutivo é um ponto crucial de nossa discusséo. Isso quer dizer que 0 casal recém-formado € de fato 0 “veiculo de transporte” das expectativas e necessidades que foram cunhadas em uma situagio ancestral. Em outras palavras, a familia nuclear comega ja “hipotecada” & familia extensa (familias de origem). O bebé é um produto da situagio gerada pela um par que, em si é linamic de seu nascimento, o bebé faz parte das fantasias di dado” por eles, Logo apé i a, selativa, a suas exigéncias ¢ a assimetria do poder esti -vinculada 4 situacio triangular*Invariavelmente, passa a ocorter, en- to, uma interacéo caractetizada por coergées reciprocas, quando a maior parte das pressGes seri exetcida pela dupla parental, com o intuito de garantir que o recém-chegado seja ctimplice na satisfacao das fantasias inconscientes dos pais, fantasias cujo contetido foi de- yw nominado por Roger Shapiro (1967) “agenda oculta”. Em termos es formacio di : ee we Familia: Dindmica e Terapia 3 ons psicanaliticos, poder-se-ia afirmar que @ dinimica do casal se tornari si) 8 dinimica fair. Agatureza da interago na familia nuclear seri Tam inrojetatas no decurso do processo de crescimento.¢ desen- oe jf clvimentna-e pela fama de oxigem. E no iterior-da familia \nuclear, por meio de seus participant ta | A, fas no sentido de maze Arona, par >, midos © amados, conflitantes, ambivalentes, bons e.maus, que con-! trolam os objetos do mundo interior e que se originaram na fami- SOY” ig ancestral, ecuperi-los, os objetos te- | ‘Apesat de uma formulacio como esta poder ser considerada lugar-comum para quem esté habituado a colocagées analiticas, ne isso deixa de introduzir uma novidade: ela pde a nu 0 fo de quo conflito internalizado, ou seja, um processo que trans- corre no interior do individuo (relacionamento objetal conflitante com objetos internos), pode ser externalizado assumindo a forma de conflitos interpessoais enfre os familiares*. Portanto, aquilo que se torna observavel enquanto interacio familiar pode ser neste momento assumido como representando um produto coletivo, resultante de varias externalizages diferen- tes. Entende-se por “coletivo” o seguinte: no inconsciente, todos - aap ames acd os familiares contribuem para a elaboraci a incons- Giente de fantasias que induz esses membros a criar difes : canismos de defesa, complementares entre si, todos porém dando cobertura a tal fantasia, Por exemplo, poderia haver a fantasia de comparar separagio/individualizagio com violéncia, dor e perda irreparével. Quem quer que tentasse atingir 0 dito objetivo estaria lentio, de fato, ameacando a unidade familiar com as referidas con- eqiiéncias. O intercimbio familiar e as relagdes entre os familiares riam constitur-se na encenacio viva dessa crenga inconsciente co- jum e, se um jovem adolescente tentasse entio romper essa cons- iracfo, poderiam ocorrer sentimentos imensamente poderosos, conflitos e ansiedades de elevada magnitude no seio da familia, = outros podem Conflito € aqui empregado como um paradigma. Entende-se que componentes da vida psiquica que deveriam ter-se mando “inela® igualmente ser externalizados e tornar-se “inter”. : Deslocamentos velados: 0 mundo da dindmica familiar i Isso quer dizer que, dinamicamente falando, em uma familia desse tipo refreare integra tais objetos no plano intrapsiquico” esta além da capacidade do individuo. A situago evolui para um ponto em que os objetos acabam ficando como que distribuidos entre os familiares, que passam entio a personificé-los; esse aspecto ser tema de posterior elaboracio, Em conseqiiéncia disso, desenvolve-se uma auséncia de limi- tes, uma confusiio entre os processos interpessoais e intrapsiquicos:. €a impossibilidade tanto de funcionar como individuo 4 parte, quanto de reconhecer a existéncia indivi Na realidade, eles nao estio interagindo (interatuando) — esto in- ‘vadindo-se reciprocamente. Em algumas familias, pode chegar 4 caricatura este parcelamento das fanges psicolégicas e das res- ponsabilidades psiquicas entre seus participantes. Assim, em um dado momento, o familiar A podera descarregar uma pulsio, 20 x passo que o familiar B funcionar4 como seu continente e o familiar Ww C estar tentando negociar 0 conflito entre eles. Todos nés conhe- cemos familias em que um dos irmfos é um profissional extrema- mente bem-sucedido, enquanto 0 outro nio passa de um vergo- nhoso fracasso. © ponto elevante aqui é que tal tipo de organiza- cio desenvolve-se como resultado de uma acomodacio harméni- ca geral inconsciente a um pressuposto compartilhado também por todos no nivel inconsciente. E caracteristico que a discussio efetivada até aqui j4 esteja centralizada no desenvolvimento patolégico do intercimbio fami- liar, como que negligenciando a descrigio de uma evolugio “fisio- légica”. Em termos histéricos, dentro do universo psicanalitico, a patologia conduziu 4 postulaao de fases normais, ou posicdes estruturais, que contém um potencial latente para o desenvolvimento doentio, Sera possivel utilizar esse modelo na terapia familiat? Ser que a transferéncia para o terapeuta, no tratamento familiar, adian- ta informacdes consistentes o bastante para permitir uma demar- cago do modo comum de seus membros participarem nos relacio- namentos, sendo este modo comum passivel de ser entendido a ¥ Aquise esté fazendo referéncia a uma dindmica jé permeada pela patologia. 18 Familia: Dindmica Terapia seria absurdo supor que o felacior nto de_um _casal evolua € sofia alteragGes em face das exigéncias da vida conjugal. No prin- cipio, eles 42m de aprender a viver um com 0 outro. Quando chega © filho, devem criar uma situacio_ambiental adequada para a so- fivéncia fisica e psiquica da crianga, aind dente. A medi- da que ela cresce, os pais devem buscar um equilibrio aproptiado entre permitir-lhe sua liberdade e manter sua protecio. Quando a cfanga se torna sexualmente madura, a dupla parental deve enfren- tar o fato de agora estar acontecendo uma atividade sexual parale- |a, dentro da familia, significando isto que os pais nio sio de agora_ em diante os Gnicos detentores do privilégio sexua). Conquanto ‘essa descrico tenha sido focalizada no casal, esta implicito que a crianca enfrenta — no transcorrer deste ciclo — os mesmos proble- ‘mas, sé que de maneira complementar: ela tem de lutar para so- breviver, crescer, individuar-se ¢ amadurecer no seio da familia, a0 lado de seus pais ¢ irmaos, numa atmosfera que, em parte, ela também contribui para criar, Deve corresponder a todos esses estigios uma dinimica es- pecial, um modelo especifico de interaciio, As diversas necessida- des de cada fase dio margem a conflitos que tanto podem estimu- lar 0 crescimento € 0 desenvolvimento quanto apresentar-se como as sementes de um padrio patoldgico de relacionamento. B. pro- ‘yayel que um dos maiores perigos implicitos nessas diferentes fun- ges conflitantes da evolugio familiar seja a dificuldade, ou impo: sibilidade, de tolerara ambivaléncia no relacionamento, Nesse con- texto, ambivaléncia quer dizer liberdade para todos os envolvidos na familia de trazerem para a relagio familiar os mais profundos elementos do relacionamento objetal infantil, sem por isso perder a identidade (ou, para dizé-lo em termos sociais, sem pot isso per- der a dignidade). Depende da capacidade de os familiares serem flexiveis 0 suficiente para poder identificar-se com os elementos Projetados sobre si proprios, sem contudo atuar estas projegdes (ectng ou), Deve ser permitido, na familia, espaco para uma regres- sio construtiva do individuo, espaco que facilite para todos os fa. Q a, = - i, luz da histéria do desenvolvimento da familia em questo? Nao Deslocamentos velado: @ mundo da dindmica familiar 19 Enquanto continente das projesées, a pessoa estar senda ressionada a “absorver” aquilo que esti sendo projetado nela, a fepresentar no cenério da interacio familiar quaisquer possivei Propositos a servico do qual foi feita a projecio, ou seja: punich rejeicao, excitamento, conspiracio. Em vez de concordar com demandas feitas pela pessoa que projetou, aquela a quem a proj Gio se ditige deve ser capaz de “digerir™ as necessidades imatura de modo tal que um produto final sej vido a _pesso: ““Projetora”” para que esta possa elaborar a situacio de forma po- Sitiva. Se essa operacio for bem-sucedida, o elemento uF i ara a fonte da projecio é mais que 0 ¢ ade 1 yl de introjecio, pois o acompanha todo um modelo de como lidar! com objetos que podem dar margem a ansiedade e dor. A toleran- cia da ambivaléncia neste contexto implica uma dinamica familiar caracterizada por relacionamentos em que se confere liberdade aos ‘objetos, ou seja, em que lhes é permitido caminhar para uma vida propria e vivé-la, ? Se o objeto parcial projetado nao consegue ser enfrentado por | )! meio da “digestio”, tem-se de prover outros destinos para ele. O elemento-alvo da projecio pode reagir, devolvendo o objeto por meio de outra projesio, dirigida 4 pessoa que projetou em primei- +0 lugar, controlando 0 mesmo objeto j4 no interior do outro (de modo que a cisio nio s6 permanece, como ainda se torna o modo de set). Outra possibilidade é que 0 medo de identificar-se com 0 objeto projetado conduza a uma batalha competitiva contra ele. Nesses contextos € que se verifica entio como as experiéncias de cuidar/ser cuidado, apoiar/receber apoio e confiat/receber confi- anca podem acabar perdidas ou bloqueadas dentro da familia. Esses relacionamentos interiores nao-integrados, ao serem externalizados, poderio tornar-se modelos de relacionamento en- tre os familiares. Se, pot exemplo, um bebé projeta na mie su necessidade de dependéncia e a vé rejeitada, comeca a ser tecido um modelo em que a dependéncia, enquanto objeto, é inconscien- wy + Cha nogio de réverie, descrita no Capitulo IV, p. 113, Familia: Dindmica e Terapia we em Iremente percebida como ameaca, para a qual deve aparessk um piente po o fora do circulo ‘cipiente, Esse recipiente pode tanto ser escolhid & |framiliar quanto dentro dele, em termo: a Jcorporificé-lo perante todos os demais familiares, A partir-deen- aliviada das necessi- to, a familia poder4 comportar-se como que dades de dependéncia ¢ de prestar cuidados a objetos dependen- tes. O recipiente escolhido ou 0 objeto ameacador fica encurralado nesta posicio por forca de um cont upo familiar. Porém, toda vez que se torna preciso manifestar necessida ‘depen- déncia, ou agit como mie para um objeto depe! .esmo quando o continente se revolta ¢ tenta libertar-se da imposicao desse papel, emergem como conseqiiéncia ansiedades ¢ conflitos ~ na familia. a ) ‘Com base nessa ilustragio, pode ser deduzida a importincia [} s de uma pessoa que ira da familia ancestral (ou ampliada), anteriormente mencionada, E_ | possivel que, neste exemplo, a mae proceda de uma familia n: revalecia esse padrio. Ou, ao contrario, é possivel que sxa mae tenha sido tio idealizada quanto a sua capacidade de enfrentar a dependéncia que a mie do nosso exemplo sinta, por causa de uma sensagio competitiva, que estaré destinada ao fracasso se tentar reproduzir a mie ideal, Neste caso, a familia pode organizar-se em sedor de um objeto idealizado ausente, objeto este que se estivesse presente faria mdo melhor; é um provedor inexistente, persecutatio. Do que foi dito até aqui, cabe inferir que aquilo que se apresenta como dificuldade do momento presente pode ser compreendido como um dos estigios, ou fases, pelos quais deve passar 0 desen- ! volvimento da interaco em qualquer familia, sendo que essa fase ou nao evoluiu e, por isso, permanece ativa, ou ressurgiu como resultado da regressio. ; Harold Searles (1967) identificou uma dessas fases, tendo-a denominado “fase simbiética”; considerou-a como paso obriga- tério na ditecio da maturidade do intercimbio familiar. Pode ser comparada 4 posicio esquizoparandide de Melanie Klein, no sen- tido de que relacionamentos com objetos parciais — principalmen- te a introjecio de um seio bom ¢ idealizado (clivado, cindido do seio mau, persecut6rio) — preparam o caminho para ulterior acei- taco do objeto como um todo, com seus aspectos bons e maus peslocamentas velados: 0 mundo da dindmica familiar 21 integrados. Se nio for ultrapassada a posigio esquizoparancide, se o bebé continuar a usar as defesas primitivas contra a ansiedade caracteristica dessa posigio, podera cristalizar-se uma estrutura psicética, Porém, é a prépria posi¢io esquizoparandide que capa- cita 0 bebé a “absorver” a experiéncia de algo bom que se introjeta. Diz Searles que deve ter havido um momento (considerado recorrente e pulsétil na vida familiar) no qual os familiares, como se num procedimento coletivo, reagiam entre si niio como pessoas com seus direitos préprios, mas na qualidade de externalizacdes de seus objetos parciais (bons e maus). Em virtude dessa atmosfera destituida de limites, dessa sensacio hedonista de “unicidade” fa- miliar simbitica, a perda desse modelo de relacionamento, ¢ sua substituico por um modelo mais depressivo (no sentido kleiniano), € experienciada como dor intensa que leva ao_aparecimento de} atirades defensivas, com o objetivo de manter.o satus que, Nao se trata do medo de perder um determinado elemento do grupo familiar, mas de abandonar esses sentimentos penetrantes de todos serem um s6 coragio e uma s6 cabeca. Para Seatles, essa fase de indiferencia¢io é uma condicio para 6 desenvolvimento posterior: s6 apés “aprender” como set depen- dente que a pessoa se torna auténoma. Pensando nisso em termos de relagdes objetais, s6 apés a mic aceitar ser erroneamente repre- sentada dentro do bebé como objeto parcial, s6 apés compreender que, por sua vez, 0 bebé também esti “ensinando-2” como ser mie, 56 apés terem ambas, mae e crianga, experienciado sua reciproca dependéncia, como meio de desenvolverem suas identidades, € que esti preparado o terreno pata as relagdes objetais totais. Evidentemente, essa experiéncia pode ser evitada ao ser subs- tituida por controles, invasdes € manipulagdes, ocultos sob o dis- farce do aceitar-se ser responsivel pelo outro. A familia vé-se amitide diante de encruzilhadas: ou se desenvolve como um grupo forma- do, porém, por individuos separados, no i vel por toda a unidade, ou tende a tornar-se um agregado sim bidtico. O propésito dessa fusio simbiética seria impedir a arti lacio ea selecio de qualquer signi que Imente tisse a um membro individual diferenciar-se, seja dentro seja fofa da estrutura de papéis familiares, 2 Familia: Dindmica e Terapia 2 ‘Todas essas elaboragées tedricas gradualmente convergem para 6 delineamento de uma “teoria” especifica para a familia, Sabe-se, da psicologia dinamica, que o ego se desenvolve a partir de um precipitado de objetos internalizados (com os quais pode ou no identificar-se). Na terapia individual, essas relagdes objetais (espaecialmente aquelas cuja base se assenta na diade inicial mae-cri- anga) sio elaboradas na transferéncia. Sendo assim, é pot meio de outra relacdo didica (a andlise) que se aprende e se experiencia como essas relagdes objetais esto estruturadas e afetam o funcionamento mental do individuo. Mas, quando o campo de trabalho é a familia, o interesse volta-se nao para relacionamentos diidicos, mas rede de intercdmbios (network of interchanges). O objetivo aqui é a expres- sio de sentimentos especificos, objetos de uma qualidade diferente. Nesse contexto, 0 que emerge € 0 que se observa si: seafimentos familiares, ligados 4 internalizacio de relagies familiares, relacGes estas que se estruturam 20 longo da organizagao da unidade familiar como. tal. ~~ Bissas relagdes familiares podem ser comparadas aos vinculos, as atitudes com respeito aos objetos, a0 modo pelo qual dentro da " familia seus membros atribuem e¢ comunicam uns aos outros carac- \_/tetisticas particulares, Nesse sentido, uma crianga, além de internalizar S, F) um objeto chamado pai, « um objeto chamado mie, também j modo que se pode falar de um seffinconsciente, ou de imagens in- conscientes do s#/f, pode-se agora postular a existéncia de um objeto familiar inconsciente, caja externalizagao ira modelar a qualidade das interagGes interpessoais dentro da unidade familiar. E, evidente que também existe uma diade familiar consciente, relacionada a uma intetacio consciente. Mas o presente trabalho ira focalizar 0 aspecto inconsciente do objeto e da interacio. E devido a0 proprio fato de o individu nascer em uma familia ede este evento criar e recriar a familia que os telacionamer ihe ares constituem a experiéncia central da continuidade na vida, da infiin- cia A adolescéncia. J4 na idade adulta, existe a oportunidade de ‘Como ja foi mencionado antes, a construcio de objetos fami- liares envolve uma série de experiéncias e fases, inclusive uma fase Deslocamentos velados: 0 mundo da dindmica familiar 23 simbidtica, Esta deve ceder lugar & introjecio de um objeto familiar a de tal modo que dé margem ao surgimento de vinculos nos quais” 4 prevaleca a individualizagio de cada pessoa da familia. “Vista em Sinstantaneo’, a fama aparece como um grupo de pessoas; porém,” oF a0 longo dos anos de sua evolucio, ela se revela como um processo de individuacio, de liberacio a partir de simbiose” Searles, 1964). © ponto central para a compreensio da dindmica da interaco } familiar é, como conflito intrapsiquics mencionado anteriormente, a nogio de um tor Cz ta O ‘ionamen- to entre os membros da unidade, Em uma familia, portanto, af rlanca podera tornar-se 0 recipiente ou o continente de aspectos inaceitiveis dos pais e, portanto, descartados por.eles. Esses aspec- tos sio reexpetienciados depois por meio do relacionamento da, familia com aquela crianga. B. como se ocorresse uma espécie d I ‘espalnamento atte a eventual patologia da cianga ea picodinds|/7/ sore sabjacente dos pais Mas qual €a mecinica dessa externalizacio? + "A identificagio projetiva € a operagio inconsciente por meio da qual parte do mundo interno do sujeito € destacada e, via proje Gio, passa a localizar-se num objeto. Em resultado disso, o sujeit fica desprovido dessa parte ¢ experiencia o objeto como se est possufsse a parte destacada, Desse modo, torna-se distorcida a pe Cepeio do objeto e, por seu turno, também a imagem de si mes Zinner e Shapiro (1971), no trabalho “Projective identificati as a made of perception and behaviour in families of adolescent: dio uma amostra detalhada dos modos pelos quais essa operacio | chega a governat 0 comportamento € as atitudes — ou seja, a interagao — entre sujeito e objeto. De um ponto de vista operacional, 6 sujeito interage com a parte de si mesmo que foi projetada no] objeto do mesmo modo que interagiria com esta parte de seu sell f & caso tivesse ela permanecido internalizada, Ha todo um esforco] para fazer com que o receptor se envolva como ciimplice € s conforme ao modo distorcido, segundo 0 qual o sujeito o vé. Ou mais resumidamente: o continente deve tornat-se, ¢ permanecer, corporificagio da projecio. Esses autores enumeram quatro aspectos dinamicos basicos: a) 0 sujeito percebe inconscientemente o objeto como se ele contivesse os elementos da personalidade do sujeito; 24 Familia: Dindmica e Terapia b) 0 sujeito pode evocar comportamentos e sentimentos no objeto que concordem com a percep¢io do sujeito; ©) 0 sujeito pode experimentar vicariamente as atividades os sentimentos do objeto; 4) os participantes de um relacionamento intimo estio, mui- ; tas vezes, em conluio reciproco para sustentarem as proje- a Ges miituas, ou seja, para darem apoio as operacdes de- ew fensivas um do outro. wn Esse conluio é um elemento essencial 4 manutengio da estru- do intercimbio, A cumplicidade confere vantagens para am- 308 08 participantes, 0 que recebe a projegao € 0 que faz a proje- cio. Para o primeiros'fépresenta a oportunidade de uma gratifica- Gio de impulsos, de realizagio das fantasias de onipoténcia, de anuéncia com suas necessidades defensivas. Isso acontece com alta freqiiéncia entre adolescentes quando sio “estimulados” a projetar © proprio superego nos superegos dos pais; o resultado desse mecanismo é que o dos pais se torna mais severo e 0 dos adoles- centes mais permissivo. Por fim, mas nfo sem importincia, para aquele que recebe a projesio esse conluio € um modo de conser- var (manter) a pessoa que projeta e que o ameaca com abandono, caso tente alguma oposicao, Ja para a pessoa que projeta, os prin- cipais beneficios trazidos por essa cumplicidade sio a experiéncia vicéria da gratificagio dos impulsos por meio da atuagio do re- ceptor da projecio (usualmente, um adolescente), além da extemalizacio de seus proptios conflitos ainda nao tesolvidos pelo prOptio receptor (principalmente daqueles conflitos vividos com elementos de sua familia de otigem). Desse modo, a cumplicidade do uso da identificacio projetiva faz surgir uma sutil constelacio de papéis, padrdes de organizacio social tio estiveis que chegam a parecer “naturais” e inquestionaveis, Mas © que é ativado por meio desse mecanismo? ” Trata-se de um tipo de movimento por meio do qual um ou y we mais membtos (¢, por razdes histéricas, esses membros séo os Pais) da familia recrutam as ctiangas para o desempenho de papéis SY centrais em seus sistemas defensivos inconscientes. Por um lado, » cles rejeitam, separam e projetam aspectos internos — quaisque clementos de conflito que possam sugerir dor e ansiedade e uw -% Deslocamentos velados: ‘mundo da dindmica familiar 25 mantém dentro de si mesmos apenas aquilo que possa set vividd” 2 como agradavel e digno de elogios. Por outro lado, as projegbes que mantém ativas no interior dos receptores so organizadas de maneira tal a fancionar complementarmente as necessidades des- ses pais. A partir dai, eles podem interagit com aquilo que houver | sido repudiado, denunciando-o na pessoa da crianga que encampou © dito objeto , a0 mesmo tempo, obtendo uma gratificagio in- 0 consciente. Ao internalizar esse objeto, ao aceitar adelineagio desi mesma executada pelos pais, a ctianga assume 0 papel comple- mentar as exigéncias defensivas dos pais. ‘A crianga passa a set um participante da fantasia familiar com- partilhada, um contribuinte para a ansiedade geral que os une entre si. Uma vez pega pelo sistema, cla passa a alimenti-lo. A interacao ; fami aan ae < entre os fami mento inconsciente, do qual todos compartilham, da existéncia ¢ \ resenca de um obj us - gGes cujo objetivo é manter 0 relacionamento dos familiares. Esse_ / relacioy to é inconscientemente organizado, vii a preven- cio de perdas mimas, perdas estas que seriam vividas como uma catastrofe inevitavel, caso cessasse de ser empregada essa forma de ae a z ; identificacio projetiva. A identificacao do receptor (a crianga, aqui continente)_com_a projecio, isto é, com a imagem distorcida e defensiva que dela fazem os seus pais, ir perturbar as experiéncias subjetivas que ter a seu respeito. A crianca nio consegue alcancar uum equilibrio adequado entre seus dotes reais_€ aquilo que Ihe é imposto, sendo este um fator que se torna sério obsticulo ao seu desenvolvimento ¢ 4 sua diferenciagao. Esse € 0 referencial tedtico adotado aqui para um trabalho . com familias, de orientagio psicanalitica. Suas interagdes sio ob- servadas, tendo em vista desvendar a tede oculta de identificagdes projetivas. Na execucio dessa tarefa, é primordial identificar 0 ob- jeto criado coletivamente que é responsivel pela estimulagio do jogo de agées reciptocas de defesa. Em virtude da natureza de seu trabalho, 0 terapeuta é coloca- do — e se coloca — na mesma situagio de quaisquer membros da familia, Ele esta ali para se deixar infiltrar pelas identificagoes projetivas. A familia tentaré recruti-lo para seu sistema conspiratorio Familia: Dindmica ¢ Terapia de interacdes. Os familiares esforcar-se-Ao para moldé-lo a um ou. outro objeto parcial (os quais podem estar constantemente em mudanga), ou a qualquer uma de suas auto-imagens recalcadas. Todos esses processos finalmente se somam, chegando a um pon- to tal que 0 terapeuta passa a0 nivel de psicologicamente nio-exis- tente. Nesse sentido, além de reconhecer 0 que as pessoas estio fazendo umas para as outras, o terapeuta tem que paralelamente _____ esclarecer em particular o aspecto transferencial, ou seja, 0 que a familia esta fazendo com ele, € movida por que ansiedade, Esse € J] um aspecto extremamente diffi do trabalho, dado que o terapeuta chega na situacio como estranho € novato, perante um grupo ha- bilidoso e antigo de devotos, a familia. Ele poder sofier a tenta- Gao de descarregar essa situagio incdmoda de volta para a familia, para um de seus membros, ou mesmo ver-se inclinado a fazer suas | interpretagdes de modo semelhante ao bombardeio ao qual ele ‘mesmo esti submetido. No entanto, se ele se mostrar capaz de yt suportar e de conter-se em sua confusio — tentando incubé-la -, ha PP» | ama possibilidade de transformar esse desconforto em algo po- wo” seacialmente significative e util em relacio a esses sentimentos © & | interagio daquela familia em particular. O terapeuta também leva consigo, em seu intimo, sua propria, familia interior, com os conflitos, crencas e atitudes que a acompa- raham, Desse modo, ele deve estar ciente no s6 da ameaga que ele (Py representa para a dinimica presente na familia, como também sa- My ber a teacio da familia, que, certamente, se voltaré contra sua capa- 9) cidade profissional. Ver-se-4 ptessionado a se identificar, por exem- eee plo, com a imagem de um jovern e herdico salvador, ou com a de yN um ditador onipotente, ou de uma mie excessivamente ativa. Po- deré fartivamente assumir um papel no qual se torne 0 papai bon- zinho ou a mamie boazinha daquela familia, ov seu lindo filhinho cém-adotado. Conquanto a contratransferéncia possa mostrar-se ativa em qualquer momento de qualquer terapia, é importante enfatizar a WP rapidez com que surge na terapia familiar, Isso pode estar telacio- nado ao fato de a indicagéo de terapia para a familia estar quase ws sem i ipre vinculada a um estado de crise. Algo sucedeu 4 organiza: ao tani t que perturbou seu padrio ja consagrado de int Deslocamentos velados: 0 mundo da dindmica familiar 27 bio, Na grande maioria das vezes, um dos familiares ~ 0 adolescente, em geral — coloca-se no centro de um movimento dirigido & auto- wv nomia, lutando para libertar-se do papel que Ihe foi atribuido pelas identificagdes projetivas de seus pais. Por outro lado, pode ser tam- bém que a atuaco das partes projetivas se torne de tal modo amea- | sadora 4 unidade familiar que determinadas agéncias sociais acaber a por intervir, chamando a atencio da familia para © problema. » FE. dolorosa essa luta pela liberdade. Quando devolve aos pais _ “suas projegses, o adolescente talvez sinta uma sensagio de vazio & tae ‘medida que se encontra privado de uma parte que era a base de sva \ Identidade, Isto pode, eventualmente, acarretar depressio, falta de vy ‘auto-estima, sentimentos de desvalorizagio, despersonalizagio, ten- A tativas de recuperar a projesio e vinganca. Q adolescente talvez sinta_ >y também que sua recusa em compactuat esti compromet et! tegridade dos bons objetos internos dos quais, 0 que © toma um +o yF mau filho, Por seu turno, os pais vive a devolusio de seus aspectos Be Conflitives rejeitados como ataques, os pais podem dar origem a WK ansiedade parandide, com um conseqiiente contra-ataque dirigido | no filho, Perante a possibilidade ou a necessidade de abandonar seu | modelo presente de interagiio, suas defesas organizadas ao redor do | objeto perturbador comum & familia toda, esta chega a senti-se to frigil que a mudanga é experienciada ¢ igualada & fragmentagio Essa ctise nao implica obrigatoriamente a presenca de uma regressio intensa, Por exemplo, 0 comportamento de uma meni- nna adolescente que se apaixona pelo professor de 40 anos, mora- dor do apartamento da esquina (enquanto seu pai esta mantendo tum flerte platnico com uma das suas colegas de classe), poder simplesmente indicat uma revivéncia de sentimentos edipianos tardios, atigados pela maturacio sexual da menina, pela manifes- taio de orgulho da mie perante os resultados recentemente obtidos pelo filho na universidade e pelos sentimentos de chime do pai. Essa situacio é diferente da de uma familia que, ao longo de seu desenvolvimento, negou completamente a existéncia de quaisquer sentimentos de ddio, agressio € hostilidade. Aqui foi criada uma imagem idealizada da familia, na qual o contetido mau foi devidamente cindido e afastado, passando a localizar-se num “mundo corrupto” a volta da familia. Por fim, essa familia O eB . eA Se 28 Familia: Dindmica e Terapia talvez acabe tendo adolescentes que se tornam a personificacio desse mesmo mundo. Portanto, “acidentes numa carreira”, como o primeiro exem- plo, devem ser diferenciados do comportamento relacionado com defeitos estruturais. ‘A tarefa do terapeuta — e aqui no é diferente da de um traba- Iho comum cuja orientacio seja dinimica — é tentar interpor uma espécie particular de processos em sua prépria atividade mental, localizando-o entre 0 impacto que a sessio exerce sobre ele € 2 devolucio para a familia, a respeito de sua experiencia desse im- pacto. Ele esté ali para ajudar a familia a reconhecer o tanto de identificagdes projetivas que circula entre os familiares, como eles as ativam, quais as ansiedades que os pressionam a esse comporta- mento. Espera-se que, com isso, sejam capazes de reconhecer ¢ diferenciar suas necessidades como individuos separados ¢, 20 mesmo tempo, de modificar, desenvolver € entiquecer seus obje- tos familiares internalizados, a fim de que seu relacionamento se torne, segundo a terminologia de Bion, a expresso de uma familia “em trabalho”. A Famiuia T Conforme foi explicado na Introdugio, a discuss do mate- tial clinico ira alternando com os capitulos relativos aos aspectos tedricos. Espera-se que cada caso se constitua numa ilustraco con- veniente de alguns dos t6picos discutidos no capitulo anterior (prin- cipalmente das idéias que abordam as implicagdes da externalizagio de conflitos intrapsiquicos sobre a interacio familiar). Este material clinico é um relato da primeira sessio de uma familia que havia pouco tinha sido vitima de um tragico acidente: a perdade seu filho mais novo em um acidente de transito. Luigi, o filo mais velo, er 0 paciene-emergente-Os propris pais enca- minharam-no por meio de uma carta estranha, enderecada a Clini- ca, Essa carta dava aos terapeutas a impressio de ter sido ditada + CE. Capitulo IV, p. 109 e seguintes, as nogdes di grupo de pressuposto bisico. eee Deslocamentos velados: 0 mundo da dindmica familiar 29 aos pais por alguém que aparentemente tinha certo conhecimen- to dos detalhes ¢ das formalidades normalmente seguidas pela Clinica, na marcagio de entrevistas de futuros pacientes. Dizia a carta que Luigi (0 paciente encaminhado) “compreendia os servi- 0s da Clinica” e estava disposto a vir “para a primeira das qua- tro entrevistas conduzidas pela Clinica, pata avaliar a necessidade de um tratamento terapéutico posterior, caso fosse preciso”. A carta mencionava a perda do irmio de Luigi relacionava seus problemas atuais, acrescentando que “estava tornando-se cada ‘vez mais dificil para ele comunicar-se com sua familia...”. Era desctito ainda como dotado de “uma natureza forte e de um estado de espirito geralmente confuso, com relacio aos estudos € a vida social geral”, Foi decidido que, nessas circunstincias, seria apropriada a abor- dagem familiar; foi enviada uma carta que os convidava para rem “como familia” e oferecia-Ihes ajuda “em virtude da situagio que todos estavam enfrentando no momento”. ‘A discussio que segue a apresentacio do caso esta dividida em duas partes, A e B. A parte A consiste em comentarios alusivos a aspectos particulares da sesso, os quais estio indicados e nume- rados no texto da sesso. A parte B conclui a discussao. Espera-se que o leitor primeiro termine a leitura de todo o material clinico, sem consultar os comentétios, podendo, entio, voltar-se para eles, intercalando a leitura da sessio com a leitura dos comentitios. LM é 0 autor e HC a co-terapeuta. in mi) Material Clinico g A familia foi muito pontual e nés a acolhemos na saida do elevador. O casal, mie e pai, possivelmente perto dos 40 anos, vestidos de preto. Luigi, um adolescente de cabelos encaracola- dos, vestido com um casaco esporte de tweed e calca de veludo cotelé, Pareciam amistosos, porém tristes, e Luigi estava um tanto emburrado. Luigi e a mie sentaram-se juntos no sofa eo pai, na cadeira ao lado da mie. HC ao lado de Luigi e LM junto a HC, Houve um pouco de siléncio, a seguir a mie comecou a explicar. Estavam preocupados com Luigi porque ele estava ag Familia: Dindmica e Terapia va mais com os pais e nfo se concentrava nos estudos. “Nao é mais o mesmo desde que Breno morreu”, acentuou a mie. Os pais acham que ele deve realmente decidir agora se quer ou nio prosseguir os estudos até receber 0 cettificado de conclu sio do curso. Mas, em vez disso, esté tomando aulas de certos cursos que depois abandonari, sem dedicar-se a nenhum. Deveria decidir se quer ser gerente de hotel, veterinatio ou médico. Os pais, ‘momentanea. Voltaram-se entio para HC e perguntaram-lhe dire- ee de contas, perguntam-se se esta no seria apenas uma crise tamente: “Vocé acha que isto poderia ter relagio com sua idade? Com uma fase que os meninos atravessam?”. Houve um curto siléncio e LM diz: “Vocés mencionaram que Lujgi mudou depois da morte de Breno, que ele niio é mais o mesmo, Vocés acham que seria justo dizer que fodor vocés mudaram e que ninguém mais é 0 ‘mesmo, que vocés todos se sentem perdidos e perplexos?”. O pai, que até ento parecia apitico, deprimido e distante, recobra a vida, balanga a cabeca e diz: “Sim, perplexos, sim”. A me tem uma reagio parecida: “Sim, todos nés estamos mudados”. De algum modo concordam, mas imediatamente actescentam que eles estio bem, e que é Luigi o foco de suas preocupagées. A seguir, relatam- nos as circunstincias da morte de Breno (Comentario n° 1). Os pais tinham trabalhado e Luigi estava voltando para casa com eles, no carto. Quando estavam perto de casa, na rua Z, ob- servaram sinais de um acidente — vidros quebrados etc. — junto a0 seméforo onde dobram a rua para irem até sua casa, A mie, que estava dirigindo, imediatamente disse: “Meu filho”, explicando-nos em seguida 0 quanto ela é ansiosa como mie, sempre preocupada com seus filhos, verificando 0 tempo todo onde estio. Quando chegaram em casa, dois amigos de Breno os esperavam para di- zer-lhes que Breno havia sofrido um acidente quando atravessava a rua Z, de bicicleta, para ir buscar os jornais. Ele sempre ia buscar os jornais porque era muito interessado em futebol. O terror que sen- tiram nao teve palavras e imediatamente os trés dirigiram-se A cena do acidente. A policia informou que o menino havia morrido ins- tantaneamente. Luigi teve entio de ir até o hospital para identificar © irmio porque aparentemente nenhum dos pais estava em condi- goes de fazé-lo. Deslocamentos 31 Durante quase toda a sessio, os pais estio com légrimas nos olhos. Choram diversas vezes, Como a mie parece ser a potta-voz de todos eles, HC indaga se Luigi no gostaria de dizer motu proprio alguma coisa a respeito do assunto (Comentirio n° 2). Ele toma conhecimento da pergunta, mas imediatamente os pais explicam que durante as duas primeiras semanas apés © faleci- mento ele no esteve em casa; eles o enviaram para passar uns dias com seu melhor amigo, cujos tais tomaram conta dele maravilho- samente. O pai explicou que nao tinham querido que ele ficasse em casa. Vieram parentes do estrangeiro para o funeral; a casa estava cheia de pessoas chorando, algumas das visitas iriam pernoitar ou mesmo passar varios dias com eles, ¢ assim nio havia quartos va- {g08; algumas vezes chegava a haver até 200 pessoas reunidas, falan- do de Breno, A imagem que tracam é a de uma familia extrema- mente unida — oriunda do sul da Itdlia — e dio-nos a entender que, para uma familia com essas origens, um acidente desse tipo é uma tragédia que afeta a todos e faz com que todos se unam (Comen- tario n° 3), Falam um pouco de suas origens: a Sra. T veio para a Inglaterra quando tinha 11 anos de idade, seu marido, quando tinha 22, Luigi e Breno nasceram na Inglaterra. Apés algum tempo Luigi desejou voltar para a casa dos pais para ficarem s6 os trés juntos, ¢ eles o chamaram de volta. Mas a mie se queixa de que agora, apesar de ter voltado, ele no quer ficar na casa (Comentirio n° 4). ‘Ao descrever 0 comportamento recente de Luigi, seu ficar na fua, voltar tarde, algumas vezes sem sequer avisé-la, a mie de- monstra sinais evidentes de preocupasio e de ansiedade. LM, co- menta, entio, que sentia ela falar como se temesse que Luigi tam- bém fosse morrer. E ainda mais: como se ela sentisse que todos esti jue _a qualquer momento uma ni tragédi 4 a itd olhido como nova vitima. Esse esclarecimento produz uma reacio similar 4 que aconte- Geu_quando eles reconheceram 0 sentimento comum de que todos haviam mudado, Os pais balancam intensamente a cabega em sinal de assentimento, sorriem e parecem aliviados (Comentitio n° 5). _ Os pais acusam Luigi de nio ter mais qualquer interesse € insistem que ele deva pensar acerca do futuro. Se ele no estudar, nao ira subir na vida e mais tarde ira arrepender-se de nao ter 32 Familia: Dinmica e Terapia eee estudado quando jovem. Houve efetivamente um bombardeio por parte dos pais, pedindo-Ihe que tomasse uma decisio, que estudas- se etc. (Comentitio n° 6). HC indica que, possivelmente, ¢ muito dificil para Luigi pen- “sat_a tespeito do futuro quando Breno niio esti mais ali e nao tem ‘mais futuro; os pais, porém, nao concordaram com isso. O pai diz que nio quer que Luigi mais tarde venha a mencionar que seus pais no fizeram tudo que podiam por ele; nfo quer ser acusado por Luigi, no futuro (Comentirio n° 7). LM levanta algumas questdes a tespeito do motivo pelo qual desejam que Luigi se torne um veterinario ou médico, em vez de Ihe oferecerem oportunidade de entrar para o negécio da familia (confecgio de roupas). Eles dizem que jé conversaram a respeito dessa opgio, que ele também nao quis. Mas, em seus coracdes, estava claro que este trabalho nao seria apropriado para Luigi, € seria melhor que ele estudasse. Diz 0 pai que nio ha necessidade de ter estudos para tal tipo de negécios, qualquer um pode fazé-lo. (A mie faz um comentirio 4 parte, dizendo que ele € uma excegio, qnerendo com isso dizer que ele havia tido um pouco de escolatizacio) E 0 pai continua enfatizando no haver futuro nesse negécio, Ha bastante discussio a respeito de estudar, até que Luigi exclama: “Mas o que é um pedaco de papel, afinal de contas ( diploma), que diz que a pessoa obteve aprovasio numa mat (Comentitio n° 8). HC entio the pergunta que tipo de aluno ele é, € ele diz: “Nao muito bom... nunca fui muito bom”, E Breno? Ele era brilhante, muito inteligente (de fato, todas as referéncias a Breno durante a sesso foram de natureza extremamente idealizada). Um dos pro- fessores, hoje diretor da escola, havia dito que Breno era muito inte- ligente e que iia longe. Sugeriu-se que talvez Luigi sentisse cies de Breno, que talvez sentisse a impossibilidade de vir a substituir Breno para seus pais. Rapidamente, a mie o nega, dizendo que “Luigi era mais como um pai para com seu itmio”, E continua dizend cles apenas desejavam 0 melhor para Luigi ee a fazer qual . ‘or para Luigi, € que estavam dispostos qualquer coisa por ele (Comentirio n° 9). ; Dees em certa altura, Luigi diz: “Acho que vocés me amam _demais”. Este foi um comentario que realmente veio do fundo do Deslocamentos velados: 9 mundo da dindmica familiar 33 coraio. Em outra oportunidade da sessio, Luigi também argu- menta com sua mie perguntando como é que ela sabia que ele podia mesmo estudat. LM comenta que Luigi talvez nao soubesse, simplesmente, naquele momento, 0 que gostaria de fazer. Mas pa- rece que 0s pais nao aceitam nada disso, € insistem que é falta de interesse (Comentitio n° 10). | ‘Agora, negam a existéncia de quaisquer sentimentos negativos na familia, tanto entre os pais como entre os filhos. “Jamais se disse entre_nés uma palavra éspera” Todos negam que deve tet sido Gificil para Luigi ter um itmio mais novo muito mais inteligente. Mas respondem com um sorriso de assentimento quando dize- mos que este momento é muito dificil para se pensar a respeito de sentimentos pouco afetuosos em relagio a Breno ou entre eles mes- mos (Comentirio n° 11). HC retoma o ponto em que Luigi diz ser amado em excesso pelos pais, sugerindo que ele sente que eles 0 estio pressionando, o que Luigi confirma sem hesitacio, “Ela me importuna o tempo todo”, diz referindo-se 4 mie; ficamos, porém, sabendo ainda que nao sb o pai e a mie ficam pressionando-o, como também todas as visitas. “Sinto-me acusado por todo mundo.” A mie tenta argu- mentar dizendo que nao o aborrece agora mais do que o fazia antes. HC pergunta a Luigi se ele sente que poderia tomar. suas prdprias decisGes. Muito espontaneamente ele diz “nao”, com um grande sorriso no rosto, talvez 0 tinico. Sua mie ri, puxa-lhe a ore-_A,_1A0 tha, acariciathe o rosto, 0 braco, ¢ aproxima-se dele. LM comenta ga que, aparentemente, 0 problema talvez nfo fosse tanto o de dar Go mais espaco a Luigi, mas perguntar-Ihe se ele se sentiria capaz, nas Xi circunstincias presentes, de usar esse espaco quando o conseguisse “USS (Comentitio n° 12). Hi ainda uma longa conversa a tespeito do quarto de Breno, Apés uma visita ao cemitério, haviam decidido que estava na hora de modificé-lo, por mais que pudessem softer com isso. Retiraram a maior parte de seus pertences, mudaram para lé a aparelhagem de som, ¢ 0 transformaram, numa sala de estar para Luigi, seus amigos. Fol enfatizado que os pais também faziam uso do aposen- “to Na parede deste quarto, ha algumas pecas dos uniformes de futebol de Breno. LM aponta o tanto que Breno ainda ocupa de waged ae Familia: Dindmica e Terapia suas mentes, o tanto que ainda ocupa espaco, Diz a mie que deve- riam esquecer-se de Breno e nos conta como ordena que ele saia de seus pensamentos. Ele esta morto, Mas HC mostra como ele esta realmente presente. Estio todos vestidos de preto, Sim, nunca” © esquecerio, Tornou-se evidente, entio, a dificil posigio de Luigi (Comentitio n° 13). a HC perguntou se haviam consultado algum Orientador Vocacional. Disseram que sim, mas havia dois anos. A mie achava que agora Luigi deveria ir e ela Ihe disse isso; mas “eu tenho que fazer tudo”. Os terapeutas encerraram a sessio apés uma hora, de modo relativamente abrupto, uma vez que nao haviam comentado nada a respeito de proximos encontros. Quando isso foi colocado, pare- ceram dispostos, se nao avidos, a vir por mais trés sessGes aproxi- madamente. LM diz: “Para vermos o que podemos oferecer uns aos outros”. Discussao A) Comentarios Gerais Auatleces ae ‘s : Comentdrio n° 1 \ “Poder wow sere ‘A sesso tem inicio com uma descri¢ao do que os pais conside- ram de errado em Luigi. Apresentam-nos 0 rapaz como incapaz de estudar, incapaz de sustentar e desenvolver escolhas. Ao mesmo tempo, revelam quais sio as suas aspiragdes com relagio ao futuro de Lui O rol de expectativas comeca com “gerente de hotel” e rapidamente sobe para “veterinario e médico”. Luigi € apresentado como sendo © problema que, basicamente, consiste no nfio-preenchimento das expectativas de seus pais em relacio ao seu desempenho, Desse modo, logo de inicio, parecia que Luigi era apresentado como alguém com um papel especifico a desempenhar. Ele representava_as ambicdes inrealizadas de seus pais ¢ era pressionado a dar continuidade as que reno havia conseguido efetivar, A determinagio de seus pais em fazé-lo aceitar esse papel muito provavelmente decorreu da decep- fo causada por Breno, que os “abandonara”. Deslocamentos velados: 0 mundo da dindmica familiar 35 ‘A questio que thes foi colocada por LM (“seria justo con- siderar que todos mudaram” etc.) pode ser entendida como fator atuante em varios niveis complementares:(4) como even tual retirada do paciente-emergente do foco de atengdes, ja que ele era colocado numa posigio de “julgamento”b) como fator de eventual ampliacio do campo, 0 que capacitaria os diversos familiares a se sentirem participantes de uma_m: esma _situagao comum; (6) mostrar que, apesar de se pensar que certo tipo de sentimento 86 estava sendo experimentado por uma das pesso— as da familia, todas elas poderiam relacionar-se com esse sen! mento e identificar-se com ele, — "A reacio pot eles demonstrada A intervencio de LM demons- trou que se sentiram compreendidos, pois o comentirio expres: sava a dificuldade que estavam tendo para comunicar abertamente seu proprio desamparo ¢ seu sentimento de descontinuidade, Além isso, serviu para mostrar © quanto 0 contato com a situagio do Tuto estava sendo ignotado por meio de um deslocamento que © situava na pessoa de Luigi (“ee nto € o mesmo”). Nao obstante, como a sessio estava apenas principiando, nio foi feita qualquer tentativa no sentido de estabelecer uma relacio entre os problemas de Luigi e a resistencia da familia em reconhecer suas dificuldades concernentes ao luto, Outro efeito decorrente da mesma interven- gio foi o de ter aberto caminho para a descrigiio da morte de Breno. Comentérion®2 LAA Amo e aueds ‘A descricéo da morte de Breno teve efeitos diversos sobre HC e LM. LM ficou cada vez mais emocionado e sentiu virem lagrimas a seus olhos. Ficou submerso em tristeza, tomado por um sentimento de tragédia, ¢ sentiu que, caso resolvesse falar, sua voz fevelaria toda a magnitude da emogio que estava experi- “mentando. Por seu turno, HC estava mais em contato com o fato ide a mie ter se tornado “o porta-voz de todos eles”, 0 que a fez desejar uma versio diferente dos acontecimentos, num nivel vivencial; assim, perguntou a Luigi quais eram seus sentimentos a esse respeito, Segundo 0 relato dos pais, Luigi foi o tinico mem- bro da familia a ver o corpo de Breno apés 0 acidente. Come- 36 Familia: Dindmica e Terapia sou a ficar aparente que Luigi estava, por um lado, sendo pressi- onado a “compensar” Breno, ou seja, tornar-se a incorporacao de_suas qualidades idealizadas (segundo um tipo de reparagao maniaca). Mas, por outro lado, era-lhe pedido que “incorporas- jue_mantivesse dentro de si mesmo o outro Breno, aquele_ do corpo persecutério e destruido. Além disso, esse Breno incor- potado, morto e desarticulado tinha de permanecer cindido ¢ separado do Breno bom, e também afastado de qualquer conta- to com a familia. Comentario n° 3 Luigi parecia incapaz de revelar seus sentimentos pessoais, (a respeito da morte do irmio); a0 mesmo tempo, compreen- demos que ele nio havia tomado parte (pelo menos durante a maior parte do tempo) no trabalho de Iuto organizado em tor- no da morte de Breno. Isto foi justificado por algumas raciona- lizagGes: ficou por uns dias com seu melhor amigo, a casa esta- va repleta de parentes. A Luigi foi pedido que identifies ;¥ corpo — algo que para os pais ultrapassa forca —, mas yg suslossmente foi “impedido” de tilhar com os pai "Oo parentes da atmosfera peculiar que to vividamente descreve- 19°.\0 ‘tam como a atmosfera de luto na cultura italiana, & qual perten- : Ret cia a familia. Comentario n° 4 Durante a sessio, Luigi falou do quanto desejara ficar com os pais, quieto, em casa, apenas eles trés. Estava pedindo que seus pais modificassem seu comportamento. O rapaz estava jp disposto a continuar na companhia dos pais se pelo mengs es- re tes se mostrassem mais receptivos as necessidades/ deste filho, 5 ags seus sentimentos de pesar. O seu pedido de ajuda foi igno- ves ao transformado e invertido até assumir a forma de uma wei ira Luigi: ele quase arava em casa o bastante, implicitamente significando que o viam como indiferente a0 desgosto de seus pais. s Samtage | Luigi, visando transformar aquilo que he era unicamente atribuido ee ‘numa situagio da qual as pessoas participavam. Neste momento, 0 tema da intervencio foi a ansiedade comum, de natureza extrema- | mente persecutétia. A reacio de empatia, que se seguiu a tal escla- recimento, foi provavelmente devida ao fato de, em vez de haver desctito a interagio como defensiva (mie culpando Luigi), 0. terapenta centralizou-se na presena de uma experiéncia coletiva de_ ansiedade, Isto, provavelmente, transmitiu-lhes a impressio de que © que era sentido como tio perigoso e ameacador tinha possibili- Deslocamentos velados: 0 mundo da dindmica familiar 37 Comentario ne 5 “laa © yr dade de ser mencionado sbertamente, sem por isso provocat mais ‘sentimentos persecutétios_. Comentario n° 6 Os pais estavam igualmente “forcando” Luigi a ter um futu- ro. Nesse contexto, isso representou uma atitude defer = ums feparacio maniaca ~, além de uma negacio da realidade psiquica. Essas reagdes estavam conectadas ao extremo medo e ansiedade de que um outro desastre pudesse também roubar de Luigi o seu | futuro, Em tesposta ao seu medo, os pais estavam forcando Luigi} fa permanecet vivo de modo magico, ou seja, no contexto de um futuro que eles haviam construido para ele. Essa defesa originou-se também da dificuldade de a famili claborat a experiéncia do Tuto. A fim de aceitarem a situagio presen- 4 te (ao-Breno), tinham de voltar-se para o passado e admitir = perda. Na medida em que 0 passado era por demais persecutétio para poder ser encarado, 0 presente permanecia sem sentido e de- sintegrado. Defensivamente, refugiaram-se no futuro, no qual 0 nio-Breno fora substituido pot Luigi no papel de Breno. Bles ex: ti jerimentam uma sensacio de descontinuidade toda vez que Lui ‘io consegue ou no consente ser camplice dessa iniciativa. Pode-se ver ainda como a sessfio se expande e se retrai. O terapeuta tentava mostrar como é que aquilo que se descrevia como algo centralizado em uma s6 pessoa podia ser percebido como um ¥ acontecimento comum. Isso determinava uma ampliagio do cam- Be Familia: Dindmica e Terapia po, uma experiéncia de entendimento (insigh/), mas, ao mesmo tem- aM 10, indicava © perigo que existia em reconhecer a terapia como “familiar”, como um proceso coletivo. Isso poderia levar a que 0 ye | paciente-emergente perdesse seu papel de tecipiente das identifica- {Ges projetivas do resto da familia, Perante tal perigo, os pais reagi- ram com mais veeméncia ainda, forcando os terapeutas a voltarem com toda a intensidade seu foco de atengio para Luigi. Comentério wt7 Pz ercotlan y diane deve ; Chogud ‘A comunicagio do pai, no sentido de haver uma possibilida- de fatura de Luigi acusar seus pais, apareceu como uma manobra : para suscitar sentimentos de culpa no filho. Ele parecia estar dizen- do: “Vocé nfo est4 dando a devida considerago ao nosso interes- se; voce nos esti decepcionando agora; vocé sentiré culpa por cau- sa disso e, em vez de reconhecé-la, vocé jogard a culpa de seu fracasso em cima de nds”, Na verdade, isto era exatamente 0 que o pai fazia naquele momento: tentava fazer com que Luigi se iden- tificasse com a imagem do filho ingrato que estava sendo projeta- do nele pelo pai. Se, neste contexto, Luigi fizesse uma escolha dife- rente da de seus pais, esta seria comparada (por eles) a um ataque. Na posigo de “ataque” Luigi seria visto como o filho que ergue a mio contra seus proprios pais. _gomentario m8 ‘A reagio de Luigi foi esclarecedora porque demonstrou a na~ tureza do duplo vinculo ao qual estava sendo submetido e a dificul- dade que esse vinculo Ihe causava. Seus pais eram imigrantes. O pai vveio para a Inglaterra com a idade de 22 anos; aparentemente, havia trabalhado duro e conseguira oferecer & familia um padrio de vida razodvel. As criangas freqiientavam uma escola particular, eram do- nos de uma casa propria, possufam um carro, dirigiam seu proprio. negécio, No entanto, apesar de ser um trabalhador bem-sucedido, 0 pai evidenciava um importante defeito narcisico, uma evidente falta ; de auto-estima. Pode-se entender o que diz do modo seguinte: “Nao ha futuro naquilo que construi; considero-me initil e improdutivo”. Quando Luigi argumentou que o diploma era “apenas um pedago Deslocamentos velados: 0 mundo da dindmica familiar 39 de papel”, estava simplesmente espelhando a afirmagio de seu pai de que 0 trabalho sério e continuo acabava por nio ser gratificante (am feito imitil, vazio). O pai no conseguia identificar-se com seu objeto interior construtivo, provavelmente porque no o experimen- tava como tal, Esse objeto, na realidade, fora denegrido ao ser com- parado com outros objetos idealizados, gratificantes, narcisistas, isto 6, aqueles que ele denominava “veterinirio”, “médico”, e assim pot diante. Mas quando Luigi teve idéntica atitude — quando estava em identificacio projetiva com o objeto paterno difamado — foi severa- mente ctiticado pelo pai, in te.08 frio ne 4 be tude dle dike cas Comentarione 9 CucaAneeh obs HUA TA ss Oo Com base no material, parece haverem existido constantes comparagées de cunho valorativo entre os irmios, acirrando sen- timentos de rivalidade, de competigio e de citime. Esses sentimen- tos estavam sendo presentemente intensificados pela idealizagio cada vez maior de Breno. A negagio feita pela mae quanto a0 citime de Luigi, descrevendo a atitude deste para com Breno como sendo paternal, constitui uma estranha afirmacio. Ela deixava im- plicito que os pais no tém citimes de seus filhos, da inteligéncia destes, de sua liberdade, de seu potencial sexual, de sua proximida- de da mie, e assim por diante. Essa negacio indicava ainda um tipo de defesa contra esse sentimento, defesa esta atuante naquela familia. Quando a interacio pai-filho passa a ficar carregada por citimes, pode sofrer uma distorcio dentro de um modelo paternalista. A sivalidade € 0 doloroso ciéime sentidos por Luigi em selagio a Breno, em ver de virem 4 tona ¢ serem admitidos € |p” elaborados pelo grupo, eram coltivamente afastados ¢ transforma. "°° verdade um disfarce para o desdém e para o desprezo. Comentario n® 10 gorruaile qa todveg dug: ; ma Acer bt o : — PN Be cae A intervengio feita por LM, neste momento, tila por obje-n v0, tivo fazer com que os pais entrassem em contato com o estado de ug confusio de Luigi, que era um elemento da perplexidade sentida por todos ¢ 4 qual LM jé tinha feito referéncia em oportunidade 40 Familia: Dindmica ¢ Terapia anterior dessa sessio. Esperava-se que eles acabassem identifican- do-se com esse sentimento e assim atenuassem suas pressdes sobre Luigi. A desorganizacio de Luigi, o fato de ele “niio saber 0 que fazet”, parecia ter relacio com as pressdes 4s quais estava subme do (por si mesmo e pela familia); deveria ele contiquar sendo Luigi ou ser que deveria tornar-se o Breno? Mas, neste caso, qual Breno? Qiitmio que conhecera, o filho idealizado de seus pais* Quo _ corpo morto no necrotériog Comentario n° 11 Qs sentimentos negativos, conforme j4 comentamos (Comen- | ‘tétio n° 9), eram enfrentados por meio de negacio ¢ outras defe- | sas, criando uma imagem irreal da vida familiar “perfeita”. Comentario n* 12 E notério que, ao longo da sesso, os dois terapeutas estavam reagindo diferentemente ao material trazido pela familia e este tre- cho expressa muito claramente esse fato. Enquanto LM se sentia | mais perto da situago de luto, com aquilo que ele revelava ¢ trans- | mitia, HC estava mais identificada com o menino, em seu papel de | vitima, e algumas de suas intervengdes eram destinadas a dar-lhe apoio ou socorré-lo, Luigi, sentindo que tinha retaguarda, tornou- se capaz de adotar uma posicio mais desafiadora (“voces me amam demais”, “ela me importuna o tempo todo”, “sinto-me acusado por todo mundo”). Suas tentativas, porém, nio duraram muito tempo, tendo desaparecido quando teve de compreender ¢ aceitar 9 fato de que no conseguia “se virar sozinho”, Este ponto provo- cou alivio na tensio de sua mie, fez com que ela risse, 0 acariciasse 1€ 0 tocasse carinhosamente, Nesse momento, ela pdde reconhecer seu filho e gratifica-lo, Esse modelo aparece como uma variacio do que Luigi havia utilizado com Breno (Comentario n° 9), s6 que agora a sedugio substituia a paternalizagio. A mie consentia em recompensar Luigi de um modo que sé ela sabia (na sessio valeu- se do contato fisico), caso Luigi concordasse em desistir de suas aspiragdes a tornar-se auténomo, Candidamente, ela se rejubilou quando o filho confessou suas incapacidades, ou seja, quando ren- Deslocamentos velados: 0 mundo da dindmica familiar 41 deu-se publicamente. A intervengio de LM (“sera que Luigi pode usar 0 espaco quando este lhe é oferecido?”) omite o elemento sexual-sedutor, centralizando-se no aspecto do controle. O problema aqui nao deve ser entendido em termos de outorgar ou retitar poder; 0_problema relaciona-se mais com o_ tornar uma pessoa capaz de aprender os significados do_po- det. Em outraspalavraso problema central é a necessidade de estimular, aceitar € dar apoio aos aspectos adultos de Luigi, € a jaisquer outros impulsos que pudesse eventualmente vir a ter 10 sentido de tornar-se responsavel. Por outro lado, a afirma- Gio de Luigi “vocés me amam demais” poderia ainda significar “vocés me amam por dois, vocés nao perceberam que Breno no esta mais aqui e que eu nio sou Breno”. Seus sentimentos de ser acusado por todo mundo poderiam representar a proje- io sobre as pessoas de seu meio da ansiedade persecutéria, oor? provocada por seu “fracasso”. Esse fracasso era de natureza miltipla: nfo desejar tornar-se Breno, nao ser capaz de ser Breno, ( wed nio_trazer Breno_vivo de volta do necrotério, no manter Breno mau e destrutivo suficientemente separado ¢ cindido den! tro de si mesm Comentdrio n? 13 Esta ultima parte da sessio forneceu elementos steis a, ((O respeito da natureza das dificuldades que estavam enfrentando em seu processo de luto. Foram constantes no decorter da sessiio as referéncias a0 quarto de Breno, mas, nessa passagem, elas foram mais elaboradas. A presenga de Breno — e ele ocupava intensamen- te 0 espago de suas mentes ~ era extremamente persecut6ria, pro- vocando uma necessidade de expulsé-lo de seus pensamentos ou, como dizia a mie, de esquecé-lo. A persecutoriedade derivava da yualidade de objeto parcial com a qual havia sido investido, Para Luigi, ele era a lembranca da entidade ideal perfeita, capaz de fazer tudo melhor, Para os pais, representava a evidéncia da fragilidade de sen poder, evidéncia que haviam arduamente tentado contraba- langar por intermédio de um controle ¢ de uma organizacio oni- Potentes. Nesse contexto, as mudancas no quarto adquirem aspec- to de um acting out. Os elementos que nio podiam ser enfrentados ‘amilia: Dindmica e Terapia 42 fp ic ic lifica- no mundo interior, devido a ansiedade paran ide, eram modi dos € manipula 10 ambiente fisico externo. B) Comentérios Finais material sera agora tratado e elaborado em sua totalidade, em uma tentativa de delinear a dindmica subjacente 4 comunicagao dessa familia. Seri dada atencio 4 natureza dos processos interio- res_que, enquanto s¢ tornam defensivamente. externalizados, estruturam o padrao de sua interacao._ | ‘A semelhanca de qualquer familia, esta também tinba_seu padrio especifico em andamento, mas, neste caso, 0 padsio fot subitamente desarticulado por fora de uma tragédia. A partir do “modo como a familia reagiu ao evento € o enfrentou, podemos ter certas indicagdes do padrio preexistente. O padrio presente pode ser entendido como uma formagio de duas estruturas que se fundiram, tendo originado uma terceira. Ao mesmo tempo, de- pendendo do modo como se encare 0 produto recém-formado, é possivel perceber-se por transparéncia o referencial original ante- rior, bem como 0 modo como presentemente as estruturas estio se sobrepondo. Os sentimentos contratransferenciais de HC —a atengio dada por ela a propensio da mie em tornar-se “o porta-voz” € sua (de HO) tendéncia a “proteger” Luigi — podem ser tomados como indicages da natureza dos elementos conflitantes com os quais esta mie esta lutando, e como indicagdes do modo segundo o qual eles se tornaram parte do “patriménio” dessa familia. ‘A mice aparece como pessoa que tem dificuldades em identi- ficar-se com objetos aos quais atribui qualidades passivas ou sub- missas. Assim, estava disposta a (internamente) separi-los, afasti- los e projeta-los, resguardando em seu intimo aqueles aspectos 208 quais, inconscientemente, atribuia as fungdes controladoras e dominadoras. As dificuldades do pai pareciam essencialmente de- correr de um problema narcisista: internamente no sentia a pre- senga de nenhum objeto tecompensador, Nenhuma realiza¢io sua poderia sequer comparar-se com o objetivo idealizado, determi- | nado Por suas necessidades narcisicas. A unio entre os pais, assim of |[organizada, servia a ambos. A mie dominava 0 matido passivo; o Deslocamentos velados: 0 mundo da dindmica familiar 43 ai recupetava sua auto~ ic és a me- ‘ pai recupet estima perdida através de sua esposa, A me- |) dida que era o marido de uma mulher tio maravilhosa, ativa e espléndida. Tratavam-se um a0 outro como recipientes de suas sespectivas identificagdes projetivas. A mie cindia de si propria € projetava em seu marido seus aspectos passivo-femininos rejeita- dos. Mantinha-os entio sob controle, no interior do marido, interagindo com eles a/ravés do marido. O pai, da mesma maneira, projetava na esposa o objeto narcisista, como que tentando “gprisiona-la” no papel de fonte provedora, responsavel pelo en- vio de um feedback constante as suas necessidades narcisistas. Ambas as manobras indicam o alto grau de onipoténcia que presidia o seu relacionamento. Com a chegada e o crescimento das criangas, esse padrio de cisées € projecdes comesou a tornar-se mais amplo e evidente. Luigi encarnava 0 aspecto passivo, submisso; parecia pouco inteli gente (HC chegou mesmo a suspeitar que fosse_intelectualmente deficiente), inseguro de si mesmo, dependente (a seu tespeito a mie diz: “Tenho de fazer tudo”), Breno personificava o objeto ideal: tudo nele era perfeito ¢ sem defeitos. Desse modo, os filhos funcionavam como dois tipos diferentes de recipientes. Um do tipo lata-de-lixo era preenchido por objetos desprezados ¢ dene- gridos, ao passo que o outro, do tipo limpido-como-cristal, espelharia e ampliatia os bons objetos nele depositados, antes de serem tetomados por seus “possuidores”. A perda do objeto idealizado foi vivida como um impacto €)}x:. criou disrupgées em varios niveis, Em primeiro lugar, funcionou {it como um tremendo golpe narcisico sobre as relacdes familiares onipotentes. Na realidade, o_que estava ameacado era a propria possibilidade de continuat a manter um tal mecanismo defensivo. ‘Até antes da morte de Breno, é provavel que experienciassem seus “planos” como inquestioniveis. A distribuicio de papéis, a mani- pulagio do tempo, o controle das tarefas: tudo isso parecia “natu- ral”. A morte de Breno criou, na familia, a intensa e terrivel sensa- cio de vulnerabilidade, Tal fato ¢ ilustrado pela facilidade com que tendiam a aderir a uma imagem idealizada e onipotente de si mes- mos (“somos uma familia unida”, “jamais palavras ruins” — ex- presses que podem ser traduzidas por “éramos capazes de man- As Familia: Dindmica e Terapia ter tudo sob controle”). Naquele momento, estavam experienciando */ a inversfo completa da situacio; nada mais podia ser controlado, a tragédia era interminavel, o futuro havia sido abolido. A qualquer momento, poderia ser escolhida uma nova vitima. Assim, a pre- senga persecutéria constante originou-se do colapso da negacio Onipotente da morte (neste caso, morte deve ser entendida em sen- ‘Fdo amplo: como negacio de perdas, negacio da autonomia dos ‘objetos etc). \ A cisto preexistente e as formas de identificacio projetiva. 4 % i wernavam € avam a interacio familiar estavam af es gabilogueando (© curso € a resolugio do processo de luto. A medida wpe ‘que Breno nao era considerado um objeto total, 4 medida que nio ,,. era um elemento auténomo e integrado, composto de aspectos v a bons e maus, mas simplesmente uma “cria¢io” complementar das necessidades da familia, seu desaparecimento passou a assumir uma caracteristica de rebelido, um violento ataque Aqueles que o usaram como continente de suas projesdes ¢ que passaram a sofrer de \/ |) ansiedade parandide, No pracesso de luto, a libido deve desligar- | se de “cada uma e de todas as Jembrancas ¢ expectativas” — um y? abandonar que evoca intensa dor. Porém, nessa familia, a tristeza esti mesclada de ressentimento. Sua perplexidade relacionava-se com a perda, nio somente do objeto, mas também do modo de relacionar-se com ele, ou seja, a perda da crenga (dado que era um produto de si priprics) de que ele estaria disponivel para todo o sempre. Com base no que ficou discutido até aqui, é possivel sugerit que Luigi estava sendo forgado a substituir a fungio de Breno, sem contudo abandonar a sua. A mie sutilmente transmitia-Ihe a idéia de que poderia ter um espaco, contanto que o mesmo nio tivesse sido conquistado por ele. Jé 0 pai dizia que ele poderia ter 0 espaco, conquanto a ele, pai, coubesse a sua colonizacio. E necessirio res- saltar que 0 que se exigia de Luigi nao era a integracio de facetas, mas que ele mantivesse lado a lado, de forma totalmente cindida, aspectos contradit6rios. | A crise subsegiiente deveu-se nfo apenas & incapacidade de I ' tentando defender-se da identificacio projetiva, De algum modo, Deslocamentos velados: 0 mundo da dinimica familiar 45 o havia antes tentado essa defesa, reprojetando aspectos inant” tes ¢ infantis em Breno ¢, em seguida, tratando-o como crianga:\” Pretendia criar um espaco pessoal, proprio, ¢ estabelecer a narure7a. C4 de seus objetos reais. A Ele tinha de lutar contra duas séries de obstéculos em seu esforgo de mudanga. A primeira linha de obstaculos era represen- tada pelos beneficios que conquistava quando se rendia & pressao. Se continuasse sendo um bem possuido pela mie, se “recebesse” ‘um espago pré-fabricado (em vez de construir 0 seu proprio), ele poderia evitar a dor implicita ao crescimento € ao desenvolvimen- to. Se aceitasse tornat-se a corporificagao dos ideais paternos projetados, teria a possibilidade de sentir seu ego grandioso ¢ cres- cido (0 que o levaria a evitar o incémodo de avaliar a forca a autenticidade reais de seus proprios objetos). ‘A segunda série de obsticulos era representada pela qualida- de real de seus pripries objetos, que haviam sido prejudicados durante seu desenvolvimento, por forga de continuas identifica- des projetivas. Quando Luigi os procurava, era provivel que os sentisse frgeis, inconsistentes, sem valor e incompetentes. Achava dificil concentrar-se nos estudos, competit com os colegas, finali- zat uma tarefa, manter uma atividade estavel; sentia-se perdido. Essas dificuldades levaram-no a retroceder a seu modelo primiti- vo de relacionamento no qual, por identificages projetivas, conse- guia obter cuidados ¢ gratificagdes. No decorrer dessa primeira entrevista, os terapeutas tenta- ram compartilhar com a familia a compreensio que tiveram dos problemas que ela estava enfrentando. A maioria dos esclareci mentos centralizou-se no da natuteza persecutéria do pro- cesso de luto. Apesar de a familia dar a impressio de reagir, tr mitindo uma impressio de alivio toda vez que identificavamos a ae da ansiedade parandide (“talvez /odos vocés nio_sejam! nais os ; “todos vocés se sentem como se fosse iminente ma nova tragédia”; “Breno esta ocupando todo o espaco de suas mentes”), insistiam imediatamente apds em concentrar toda atengao sobre Luigi, num claro apelo para “modifica-lo” ¢ as- ‘sim restabelecer 0 padrio “natural” de intetacio a que estavam habituados. ae. Familia: Dindmica e Terapia | Ness contexto, a elaboracio do processo de luto assume 0 || significado de uma mudanca completa nos relacionamentos objetais. ‘Um novo modelo implicaria assumirem Breno internamente como \ um objeto total, dar-lhe_a liberdade de possuir_seus \| defeitos € qualidades, nao tornd-lo “esquecido”, mas lembrado |) como_a pessoa que realmente foi, nlio como os pais precisavam | que fosse. Isso tudo ira representar uma enorme quantidade de trabalho, resisténcia e incertezas.

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