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PIERRE BOURDIEU O PODER SIMBOLICO Traducéo de Fernan do Tomaz ‘TOMBO: (Cm SBD-FFI SP 5 ~ me) DIFEL., © 1989, Pierre Bourdieu Todos os direitos pata publicagto desta obra em Portugal reservados por: we) DIFEL bua D. esc, 46-0 1000 LISBOA Tees 387677-54 5886-54 5839 Teee: 61030 DIFEL P Todos os direitos desta euigao reservados no Trail 5 EDITORA BERTRAND RASH. 5. Rua Benjamin Constant, ba, Ghorks 20241 Ria de Jane. Kd Tel: (021) 2201182 “Telex 2) aNOTA Fan: (O21) 281-0754 Meméria € Social Coleegae coordenals por Francisco Bethencourt € Diog Ramadi Curto Capa: Emilio Tavor Viar Revido: Fernanda Portal faces: Cladino Ferrvine Composigio: Maria Esther — Gab, Fotocomposigao Impressio e acabamento: Tipograjia Guerra, Visew Depesito Legal 9° 2673989 ISHN 972-29.0014 5, NOTA DE APRESENTACAO |A obra de Pierre Bourdien tem-se afirmado, ao longo dos ilsimos trinta anos, como wma das mais etinulantes einovadoras na dea das ciéncias sociais, influenciando mumerasas pesquivas secioligicas, antro- polégicas e histiricas em tado 0 mundo. A novidade encontra-se na tscolha dos objetos de andlise (sociedad tribais, sistemas de ensino, processes de repradugao, critérios de lasificagao eligicas de sting), ina reorientacéo do olhar (atento aos fenimenos de perepedo socal, da produgin simbélica e das relagies informais de poder), na formulagéo cde nocies operatérias (habitus, repredugao, poder simbilico, capital, distingdo, campo, etc,) € no constante reso a swinlogia do combec- ‘mento (onde a posigzo do imestigador & questionada como forma de controle do sen trabalho de producio de sentido), Compreender 0 ‘percurso ciemsifico de Bourdieu implica atender a pelo menos duas Tigicas de leitura: por wm lado, uma ligica da evolugzo da obra, por cutro, uma ligica da sua tipoogia. Num primeir momento, 0 objeco de anélise sao os cabilas do Norte de Africa, ou seja, uma sociedade tribal que vive nas margens da swiedade moderna, enjos fenimenos de aculturagio sao caracteriza dos a partir da organizagao social e familiar, da percipgao do tempo € do espaco da visio do mundo (Esquisse d'une théorie de la pratique, précédé de trois éeudes d'éthnologie kabyle, Genive, Droz, 1972). Este campo de observagao, inserido nas retantes dreas da swiedade argelina (Sociologie de VAlgérie, Paris, P.U.F., 1958), permite superar as divisies tradicionats do saber entre antopo- Logia, sinlogia ¢ ermomia, e serd objecto de comparagao através das danélises conduzidas na pripria regidn de origem, isto é, no Béarn (Etudes rurales, 5-6, 1962, pp. 32-136). A transfréncia do campo de andlle das margens para 0 centro da sociedade moderna implica a reformulagao de velbos problemas da sociologia ¢ a escola de amas vias de esto, Neste caso, encontrama-nas no dmago des meca 2 0 PODER SIMBOLICO nismos de reproducin, cruzando-se a problendtica da educaséo com a dda origem social dos estudantes. A posigt central do sistema de ensino na reprodugio de praticas e de representagies & relacionada com a aparente igualdade de oportunidades ¢ questionada em fungao das diferencas de capital econdmico, social e cultural entre os estudantes, as (quais sdo decisivas nas escolhas das niveis superiors de formacdo (Les héritiers. Les étudiants ct a culture, Paris, Minuit, 1964; La reproduction. Eléments pour une théorie de la violence symbo- lique, Paris, Minuit, 1970, ambas escritas com J. C. Paseron). Converginds no mesmo interesse pela instituicao escolar, a leitura de Panofiky permite imlar um caso em que a inculeagao de babitus iidéntias poderd revestir madalidades diversas (E. Panofiky, Archi- tecture gothique et pensée scolastique, traduio ¢ posfdcio de P. Bourdien, Paris, Minuit, 1967). De passagem, wote-se que tais territérios de investigagao se desenvolvem em tempos marcados pela descolonizagio francesa da ‘Argélia e, mait tarde, pela revolta estudantil de Maio de 68. Contudo, reconstituir, mesma que de forma simplificada, este contexto obriga a ter presente as lutas entre intelectuais, que caracterizam 0 campo cultural francés das anos sessenta. Q impacto e 0 grau de consagracdo de autores enmo Sartre ou Levi-Strauss ¢ a discuss@o difusa em torno das obras de Marz e de Prend (mais propriamente dos ‘ews comentaristas) ou, numa outra escala, de Sanssure e de outros linguistas sao alguns dos dados a ter em conta. Neste quadro, ifortemente dominado pelos «maitres & penser, a obra de Bourdien cafirma-se coma instrumento de relativizagao, através de um duplo inestimento, Por nm lado, 0s inquéritos sobre 0 consumo da fotogra- fia, do Livro ow da pintura contribuiram para valorizar as priticas dos grupos sociais constituédns nos actos de apropriasin de taisobjectos cnlturais (obras colectivas coma Un art moyen, essai sur les usages DE APRESENTAGAO 3 sociaux de la photographie, Paris, Minuit, 1965; «Les utilisa- seurs de la bibliosbeque universitaire de Lille», in Rapport pédago- Bique et communication, Paris-Haia, Mouton, 1965, pp. 109- -120; L'amour de l'art, les musées d'art européens et leur public, Paris, Minuit, 1966). Por outro lado, as andlises rlativas grupos especficos de sespecialistas da producao simbélica» permiti- ram situar 0 acto de criagéo individual no dmbito de um campo ow de sum mercado particulares («Champ intellectuel et projet oréateur», Les temps modernes, 246, 1966, pp. 865-906; muito importan- tes a respeito de objectos ditos «empiricos» muito precisos, frequentemente menores na aparéncia, e até mesmo um pouco isrisérios. Tem-se demasiada cendéncia para crer, em ciéncias socials, que a importéncia social ou politica do objecto é por si mesmo suficiente para dar fundamento 4 importincia do discurso que Ihe € consagrado — ¢ isto sem davida que explica Gque os sociélogos mais inclinados a avaliar a sua importincia pela importancia dos objectos que estudam, como ¢ 0 caso daqueles que, actualmente, se inceressam pelo Estado ou pelo poder, se mostrem muitas vezes 05 menos atentos aos procedi- mentos metodolégicos. O que conta, na realidade, é a constru- io do objecto, ¢ a eficicia de um método de pensar nunca se manifesta tao bem como na sua capacidade de constituir objectos socialmente insignificantes em objectos cientificos fou, 0 que € 0 mesmo, na sua capacidade de reconstruir cien- tificamente os grandes objectos socialmente importantes, apreendendo-os de um angulo imprevisto — como eu procuro fazer, por exemplo, 20 partir, para compreender um dos efeitos maiores do monopélio estatal da violéncia simbélica, de uma anilise muito precisa do que é um cerificado: de invalidex, de aptidao, de doenga, etc. Neste sentido, o socidlogo encontra-se hoje numa situagio perfeitamente semelhante — mutatis mutan- dis — A de Manet ou de Flaubert que, para exercerem em pleno ‘© modo de construgéo da realidade que estavam a inventar, 0 ‘aplicavam a projectos tradicionalmence excluidos da arte acadé- mica, exclusivamente consagrada is pessoas ¢ 3s coisas social- mente designadas como importantes — 0 que levou a acusé-los de «realismor. O sociélogo poderia tornar sua a formula de Flaubert: «pintar bem 0 mediocre» f preciso saber converter problemas muito abstractos em operacies cientificas inteiramente priticas — 0 que supde, como se veré, uma relagio muito especial com o que se chama geralmente «teoria» ou «pricica». Neste processo, os preceitos abstractos, rais como aqueles que se encontram, por exemplo, cAPETULO 2 em Le Métier de sociologue — & preciso construir 0 objecto; é preciso por em causa os objectos pré-construidos — ainda que tenham a faculdade de despertar a atencio ¢ de por de sobreaviso, nao prestam grande ajuda. £ assim, sem duvida, Porque nao hé outra maneira de adquirir os principios funda. mentais de uma pritica — ¢ a pritica cientifica nio é excepgio — que nao seja a de a praticar a0 lado de uma espécie de guia ou de treinador, que protege e incute confianga, que do exemplo € que corrige ao enunciar, em situagao, i directamence aplicados av cao pantilar. Evidentemente, hié-de acontecer que, apés terem assistido a duas horas de discussio sobre o ensino da miisica, sobre os desportos marciais, sobre o aparecimento de uma critica de jazz ou sobre os tedlogos franceses, perguntem a voces mesmos se no perderam o vosso tempo e se aprenderam realmente alguma coisa. Nao sairio daqui com belos discursos sobre a acco comunicacional, sobre a teoria dos sistemas ou mesmo sobre a nogio de campo ou de habitus. Em ver de fazer, como fazia hi vinte anos, uma bela exposicéo sobre a nogio de estrutura na matemética ¢ na fisica modernas e sobre as condigées de aplicacio em sociologia do modo de pensamento estrutural (era sem duivida mais «impressionante»...), dicei a mesma coisa mas de forma pritica, quer dizer, por meio de observacées perfeitamente triviais, perfeitamente banais, por meio de ques- tes elementares — tio elementares que nos esquecemos mui- tas vezes de as por — e passando, em cada caso, ao pormenot do seu estudo particular. $6 se pode realmente dirigit uma pesquisa — pois ¢ disso que se trata — com a condigio de a fazer verdadeiramente com aquele que tem a responsabilidade directa dela: 0 que implica que se trabalhe na preparacéo do questionirio, na leitura dos quadros estaristicos ou na interpre- tagio dos documentos, que se sugiram hipéteses quando for caso disso, etc. — é claro que ndo se pode, nestas condigdes, dirigir verdadeiramente senio um pequeno nimero de traba- Ihos, e aqueles que declaram «dirigiry um grande nimero deles nio fazem verdadeiramente 0 que dizem. Visto que 0 que se trata de ensinar é, essencialmente, um ‘modus operandi, um modo de producio cientifico que supse um 22 INTRODUGAO A UMA SOCIOLOGIA REFLEXIVA modo de percepcio, um conjunto de principios de visio e de divisio, a tinica maneira de o adquirie € a de 0 ver operat Pracicamente ou de observar 0 modo como este habitus cientifi- co — é bem este 0 seu nome —, sem necessariamente se tornar explicito em preceitos formais, «reage» perante opgdes priticas — um tipo de amostragem, um questionério, etc. © ensino de um oficio ou, para dizer como Durkheim, de uma «arte», entendido como «pritica pura sem teorian, exige uma pedagogia que nao é de forma alguma a que convém 20 ensino dos saberes. Como se vé bem nas sociedades sem escrita € sem escola — mas. também é verdadeiro quanto a0 que se ensina nas sociedades com escola e nas préprias escolas ‘umerosos modos de pensamento ¢ de accio — e muitas vezes 0s mais vitais — transmitem-se de pritica a pritica, por imodos de transmissio tosis ¢ priticos,fiemados no contacto recto ¢ duradouro entre aquele que ensina ¢ aquele que aprende («faz como eu»). Os historidores ¢ 08 fildsofos das ciéncias — e os proprios cientistas, sobretudo — tém frequen- temente observado que uma parte importante da profissio de cientista se obtém por modos de aquisicéo inteiramente prici- cos — a parte da pedagogia do siléncio, dando lugar explicitagio ndo s6 dos esquemas transmitidos como também dos esquemas empregados na transmissio, € sem divida tanto maior numa ciéncia quanto nela sio menos explicitos e menos codificados 0s préprios contetidos, saberes, modos de pensa- mento e de accéo. A sociologia € uma ciéncia relativamente avancada, muito mais do que habitualmente se julga, mesmo entre os sociélo- gos. Um bom sinal do lugar que um socidlogo ocupa na sua disciplina seria sem divida o da ideia — maior ou menor — que ele tem daquilo que precisaria de dominar para estar realmente a altura do saber adquirido* da sua disciplina, ja que @ propensio para uma apreensio modesta das suas capacidades cientificas 56 pode crescer & medida que cresce 0 conhecimento do que mais recentemente foi adquirido** em matéria de acquis» a0 cexto original. (N.T.) * acquisitions» no texto original. (N.T.) CAPITULO IL 2B métodos, de técnicas, de conceitos ou de teorias. Mas ela esti ainda pouco codificada e pouco formalizada. Nao se pode pois, tanto como em outros dominios, confiar nos automatismos de pensamento ou nos automatismos que suprem o pensamento (na evidentia ex terminis, a «evidéncia cega» dos simbolos, que Leibniz opunha @ evidéncia cartesiana) ou ainda nos cédigos de boa conduta cientifica — métodos, protocolos de observacio, etc. — que constituem o direito dos campos cientificos mais codificados. Deve-se pois contar sobretudo, para se obterem praticas adequadas, com 0s esquemas incorporados do Aabitus. (© habitus cientifico é uma regra feita homem ou, melhor, um modus operandi cientifico que funciona em estado pritico segundo as normas da ciéncia sem ter estas normas na sua origem: € esta espécie de sentido do jogo cientifico que faz com que se faga 0 que € preciso fazer no momento proprio, sem ter havido necessidade de tematizar o que havia que fazer, € menos ainda a regra que permite gerar a conduta adequada. O socidlogo que procura transmitit um Aabitus cientifico parece- se mais com um treinador desportivo de alto nivel do que com um professor da Sorbonne. Ele fala pouco em termos de principios ¢ de preceitos gerais — pode, decerto, enuncié-los, como eu fiz em Le Métier de socilogue, mas sabendo que é preciso nao ficar por ai (nada ha pior, em certo sentido, que @ epistemologia, logo que ela se transforma em tema de disserta- Go ou em substitute da pesquisa). Ele procede pot indicagoes préticas, assemelhando-se nisso ao treinador que imita um movimento («no seu lugar, eu faria assim...») ou por «correc- Bes» feitas & prética em curso € concebidas no proprio espitito da prética (eu nao levantaria essa questio, pelo menos dessa forma»). Pensar relacionalmente Nunca tudo isto é téo verdadeiro como quando se trata da construgio do objecto, sem diivida a operagéo mais importante €, no entanto, a mais completamente ignorada, sobretudo na tradigéo dominante, organizada em torno da oposicéo entre & 24 INTRODUGAO A UMA SOCIOLOGIA REPLEXIVA ateoria» € a ametodologiay. O paradigma (no sentido de realizagao exemplar) da «teoria» te6rica é a obra de Parsons, smelting pot conceptual obtido pela compilagdo puramente teéri- ca (quer dizer, alheia a coda a aplicagio) de algumas grandes obras (Durkheim, Pareto, Weber, etc.), reduzidas a sua di- mensio «te6rica» ou, melhor, professoral, ou ainda, mais perto de nés, 0 neofuncionalismo de Jeffrey Alexandre. Nascidas do ensino, estas compilacdes eclécticas € classificatérias so boas para 0 ensino — mas para isso somente. A pat disto, hé « emetodologia» catélogo de preceitos que nio tém que ver nem com a epistemologia, como reflexio que tem em vista trazer & luz os esquemas da priica cientifica apreendida tanto nos seus cerros como nos seus éxitos, nem com a teoria cientifica. Penso, neste caso, em Lazarsfeld. O par Parsons-Lazarsfeld (e, entre 0s dois, Merton e as suas teorias de médio alcance) constituiu uma espécie de holding «cientifico» socialmente muito poderoso, que reinou na sociologia mundial durante trinta anos. A diviséo «teoria»/«metodologia» constitui em oposicdo episte- mol6gica uma oposicio constitutiva da divisio social do traba- Iho cientifico num dado momento (como a oposicéo entre professores ¢ investigadores de gabinetes de estudos). Penso que se deve recusar completamente esta divisio em duas instncias separadas, pois estou convencido de que nao se pode reencontrar 0 concreto combinando duas abstraccées. Com efeito, as opcées técnicas mais «empfricas» sao insepa- riveis das opges mais «tedricas» de construcéo do objecto. FE em fungio de uma certa construgdo do objecto que tal método de amostragem, tal técnica de recolha ou de andlise dos dados, etc. se impoe. Mais precisamente, € somente em funcéo de um corpo de hipéceses derivado de um conjunto de pressu- posigées tedricas que um dado empitico qualquer pode funcio- har como prova ou, como dizem os anglo-saxénicos, como evidence. Ora, ptocede-se frequentemente como se 0 que pode ser reivindicado como evidence fosse evidente. O que se faz em fungio de uma rotina cultural, a maiot parte das vezes imposta e inculcada pela educacio (os famosos cursos de «methodology» das universidades americanas). O feiticismo da evidenee leva & recusa dos trabalhos empfticos que néo aceitem como evidente CAPITULO II 25 2 pate dfnigho de coe: inmetlgnlt slo concnde 0 estatuto de dados, data, senio a uma pequenissima fracgéo do dado, nao, como seria preciso, aquela que é chamada a exis- téncia cientifica pela sua problemética (0 que é inteiramente normal), mas aquela que é validada e garantida pela tradigio peaggice em cue ele ae sims 6 a el E significativo que «escolas» ou tradigdes se possam consti- tuir em torno de wma técnica de recolha de dados. Por exemplo, actualmente, certos etnometodélogos 56 se interessam pela andlise de conversagio reduzida 4 andlise de um texto separado do seu contexto, ignorando totalmente os dados a Podemos chamar ecnagefions — sobre 0 contesto imediato (0 que se chama tradicionalmente a situacio), sem falar dos dados que tornariam possivel que se situasse a situacéo nna estruturacao social. Estes

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