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JONATHAN SWIFT
VIAGENS
DE
GULLIVER
CERED
Editora SOL
São Paulo 2006
Título original: Gulliver’s Travels
APRESENTAÇÃO..............................................................................7
VIAGENS DE GULIVER...............................................................11
Parte I - UMA VIAGEM A LILIPUTE............................................13
Capítulo 1...................................................................................15
Capítulo 2...................................................................................22
Capítulo 3...................................................................................28
Capítulo 4...................................................................................33
Capítulo 5...................................................................................37
Capítulo 6...................................................................................42
Capítulo 7...................................................................................47
Capítulo 8...................................................................................53
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freqüência incisiva e até cruel, da cegueira geral das pessoas. Nas
Viagens, são ridicularizadas todas as mesquinharias da política,
toda pretensão da vaidade e do orgulho, toda sede de poder, todo
crime e vício de que é capaz o homúnculo-Yahoo de todas as
épocas e de todos os países.
Há quem veja, no livro, o desabafo de um misantropo,5
descarregando seu ódio a tudo o que lhe parece errado no ser
humano. Chega-se até a atribuir a ênfase de sua crítica a algum fato
de sua vida que o tivesse magoado profundamente. Mas parece
haver um equívoco nessas opiniões. Swift demonstra acreditar na
capacidade da razão, cujos benefícios são encarnados nos cavalos
sábios do país dos Houyhnhnms. A seus olhos, parece existir um
caminho para o resgate dos nossos erros, e passa pela razão, que só
na ficção poderia existir em outro animal que não o homem.
Portanto, trata-se de razão humana como que “purificada” das
imperfeições de nossas inclinações naturais ou de nossa educação
errada. Para Swift, usamos da razão apenas para refinar e
desenvolver nossos vícios. Mas a sabedoria dos Houyhnhnms
mostra que o autor de alguma forma crê que haveria uma saída,
sim. No fim da obra, Gulliver afirma sua superioridade em virtude
por ter convivido com os Houyhnhnms e meditado em suas
virtudes. Desse modo, há algum otimismo nestas páginas por vezes
ácidas. E até alguma ingenuidade, em sua crença na razão. Da
sátira demolidora contida no livro, restam ideais pelos quais lutar:
mais de uma vez reafirma-se a defesa da liberdade e o ódio a
tiranias. Portanto, nem tudo é “destrutivo” na crítica dura de Swif.
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Esta versão reconta Viagens de Gulliver procurando não
subestimar nenhum dos seus dois aspectos principais: a narrativa
fabulosa, chegando por vezes a lembrar os contos de fadas, e a
crítica ferina a instituições, costumes, história, comportamentos
humanos. Procurou-se manter a estrutura do original ao máximo,
com um sacrifício mínimo de capítulos e uma recusa geral em
fazer uma edição expurgada, ad usum delphini. Sobretudo,
almejou-se não subestimar a capacidade de adolescentes e jovens a
quem é dirigida. Tentou-se sempre simplificar sem diluir ou criar
literatura demasiado infantil ou infantilóide.
No questionário que acompanha a versão, procura-se
estimular a discussão a respeito dos aspectos mais polêmicos da
obra. Professor e aluno, e o leitor em geral, não podem esquecer
que estão diante de um crítico feroz da “comédia humana”, mas
que essa crítica está sujeita a ser também vista com distanciamento
crítico. São os olhos de Gulliver, são os olhos de um narrador-
personagem criado por um inglês do século XVIII. Suas críticas
brilhantes e divertidas nem por isso devem deixar de ser
questionadas; aceitá-las em bloco vai de encontro ao espírito
mesmo dessa obra que desafia e quer fazer pensar.
Na realização deste trabalho, contei com o auxílio, no inglês,
da Professora Rosana Aparecida Mandelli e das críticas e sugestões
do Prof. Dr. Francisco Achcar — e aos dois, registro meu
reconhecimento. Erros e falhas eventuais são de minha inteira
responsabilidade.
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VIAGENS DE GULIVER
Parte I
Artigo I
Tendo em vista que, por força de lei, ficou estabelecido que
todo aquele que urinar no recinto do palácio real estará sujeito às
Artigo II
Tendo em vista que o referido Homem-Montanha, após trazer
a frota imperial de Blefuscu para o porto real e sendo-lhe, depois,
ordenado por sua Majestade que se apoderasse de todos os outros
navios do referido império de Blefuscu e reduzisse esse império a
uma província e destruísse e matasse não só todos os exilados
“pontagrandenses” como também todas as pessoas daquele
império que não deixassem de ser “pontagrandense”: ele, o
referido Homem-Montanha pediu para ser dispensado do referido
serviço, alegando não querer forçar as consciências ou destruir as
liberdades e vidas de um povo inocente.
Artigo III
Tendo em vista que, na ocasião da vinda de certos
embaixadores de Blefuscu à corte, para pedir paz, ele, o referido
Homem-Montanha, como traidor cheio de falsidade, encontrou-se
com os referidos embaixadores, embora soubesse que eram
servidores de um inimigo declarado de sua Imperial Majestade e
em guerra declarada contra a referida Sua Majestade.
Artigo IV
Tendo em vista que o referido Homem-Montanha,
contrariamente ao dever de um súdito leal, está-se preparando, no
momento, para fazer uma viagem a Blefuscu, e para isso recebeu
permissão de sua Majestade Imperial apenas oralmente e que,
aproveitando-se da referida permissão, pretende empreender a
referida viagem para ajudar, confortar e proteger o Imperador de
35Prenhe: grávida.
Parte II
41Península: porção de terra cercada de água por três lados; o quarto lado
se liga ao continente. A Itália, por exemplo, é uma península. A palavra,
literalmente, significa “quase uma ilha” (como penúltimo: “quase o
último”).
afivelava em volta da cintura a minha caixa e colocava-a sobre
uma almofada à sua frente. Então, através das três janelas da caixa,
eu tinha vista completa do país.
Desejava muito ver o templo principal da metrópole, e
particularmente a torre que dele fazia parte, considerada a mais alta
do reino. Assim, um dia minha ama levou-me para lá, mas devo
dizer que voltei decepcionado, pois sua altura não ultrapassava três
mil pés. Mas o que lhe falta em altura, sobra-lhe em beleza e
solidez. As paredes são espessas e adornadas com estátuas dos
deuses e dos imperadores, em mármore, de tamanho maior que o
real.
A cozinha do rei é, realmente, um belo edifício. O grande
forno é quase do tamanho de uma catedral. Mas se eu fosse
descrever as grelhas, as incríveis panelas e caldeirões, os espetos
de carne e tantos outros detalhes, dificilmente acreditariam em
mim. Algum crítico mais severo poderia vir a pensar que eu
exagero um pouco, como com freqüência se suspeita que os
viajantes façam.
Sua Majestade raramente mantém mais de seiscentos cavalos
em seus estábulos. Mas quando desfila nos dias solenes, é
acompanhado por uma guarda montada em quinhentos cavalos.
Achei que era esse o espetáculo mais esplêndido que se poderia
imaginar, até que vi parte de seu exército em formação de batalha
Capítulo 5
44Revolto: agitado.
Alguns deles, ouvindo-me falar tão absurdamente, pensaram
que eu estivesse louco. Outros riram. De fato, não me entrara na
cabeça ainda que eu estava, agora, entre pessoas de minha própria
estatura e força. O carpinteiro chegou e em poucos minutos serrou
uma passagem pela qual desceu uma escadinha. Subi por ela e e fui
levado ao navio num estado de grande fraqueza.
Os marinheiros ficaram, todos, espantados e fizeram-me mil
perguntas. Não desejava responder. Sentia-me confuso diante da
visão de tantos pigmeus, pois por tais os tomei. É que meus olhos
tinham-se acostumado, por muito tempo, aos objetos monstruosos
deixados para trás. O capitão, porém, vendo que eu estava prestes a
desmaiar, levou-me a sua cabine. Ali, deu-me uma bebida para me
reanimar e me fez deitar em sua própria cama.
Dormi algumas horas, mas continuamente perturbado por
sonhos sobre o lugar que eu deixara e os perigos de que escapara.
Contudo, ao despertar me senti muito melhor. Eram umas oito da
noite, e o capitão ordenou que trouxessem a ceia imediatamente.
Achava que eu tinha ficado tempo demais sem comer. Tratou-me
com grande gentileza e pediu-me um relato de minhas viagens:
— Como é que você foi parar naquela arca de madeira
monstruosa? Diga-me, com toda franqueza: será que você não está
com a mente perturbada pelo remorso de algum crime monstruoso?
Não foi para puni-lo que algum príncipe ordenou que você fosse
encerrado naquela caixa? Minhas suspeitas aumentaram ao ouvir
umas palavras sem nexo que você disse, primeiramente, aos
marinheiros e, depois, a mim mesmo. Sem contar seus olhares
estranhos e seu comportamento durante a ceia.
Supliquei sua paciência para ouvir-me contar minha história.
Narrei-lhe tudo o que acontecera desde que deixara a Inglaterra
pela última vez até o momento em que me descobrira. Esse ótimo
cavalheiro, que tinha algum conhecimento e muito bom senso,
imediatamente se convenceu da minha sinceridade e veracidade.
Mas, desejando confirmar o que dissera, pedi-lhe:
— Ordene que tragam minha escrivaninha.
Abri-a em sua presença e mostrei-lhe minha pequena coleção
de raridades. Ali estava o pente que eu fabricara com os pêlos da
barba do rei. Mais uma coleção de agulhas e alfinetes, quatro
ferrões de abelhas, fios de cabelos da rainha, um anel de ouro que
um dia ela me presenteara. Pedi que o capitão aceitasse o anel em
recompensa por suas gentilezas. Recusou tachativamente. Mostrei-
lhe, depois, um calo que eu mesmo cortara do pé de uma dama de
honra. Por fim, pedi que visse os calções que eu vestia, feitos da
pele de um rato.
Vi que ele observava com grande curiosidade o dente de um
criado. Só isso consegui fazer com que aceitasse. Agradeceu-me
muito. Um dentista inábil, chamado para curar uma dor de dente de
um dos criados de Glumdalclitch, arrancara-o por engano. Estava
em perfeito estado. Eu o mandara limpar e o guardara em minha
escrivaninha.
— Espero que você, ao voltarmos para a Inglaterra, conte a
sua história por escrito e a publique — disse o capitão.
— Mas já estamos tão abarrotados de livros de viagens, cheios
de histórias extraordinárias! Chego a pensar que alguns escritores
estão menos preocupados com a verdade do que com sua própria
vaidade. Ou, então, desejam entreter leitores ignorantes. Minha
história praticamente se resume a acontecimentos comuns.
Contudo, prometo pensar no assunto.
Fizemos uma ótima viagem. O capitão parou em um ou dois
portos, enviando homens para buscar água. Mas eu jamais deixei o
navio até chegarmos à Inglaterra. Propus ao capitão deixar com ele
meus bens em paga do que fizera por mim, mas não aceitou
receber um centavo. Despedimo-nos muito amigavelmente e eu o
fiz prometer que viria visitar-me em minha casa.
Na estrada, observando a pequenez das casas, das árvores, do
gado e das pessoas, comecei a pensar que estava em Lilipute.
Tinha medo de pisar em cada viajante que encontrava. Muitas
vezes gritei para que saíssem do caminho.
Quando cheguei a minha própria casa, um dos criados abriu a
porta e eu me abaixei para entrar, com medo de bater a cabeça.
Minha esposa correu para me abraçar, mas eu me agachei abaixo
dos seus joelhos, achando que, se não fizesse isso, ela não
conseguiria alcançar minha boca. Todos me pareciam pigmeus e
eu, um gigante. Disse a minha esposa que ela tinha economizado
demais, pois via que ela e sua filha tinham passado fome até
ficarem reduzidas àquele nada. Em suma, comportei-me tão
absurdamente que concluíram ter eu perdido o juízo.
Em pouco tempo, eu, minha família e meus amigos voltamos
a nos entender bem. Minha esposa, contudo, disse que eu não
deveria voltar ao mar outra vez. Contudo, meu destino infeliz
dispusera as coisas de tal modo, que ela não poderia impedir-me
disso.
Parte III
UMA VIAGEM
AO PAÍS DOS HOUYHNHNMS49