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1 INTRODUÇÃO
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Finalidade.
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Âmbito de incidência.
A expressão “hermenêutica” deriva do nome de um deus grego: Hermes, o deus capaz
de traduzir a língua dos deuses para a língua dos mortais e vice-versa. Por isso, entre os gregos,
a figura de Hermes era associada à imagem de uma porta, da porta de casa.
“Pois a porta é o lugar de fronteira entre a casa e a rua, entre o espaço público e o espaço
privado, entre a família e a sociedade, entre o sangue e a política, enfim, entre o dentro e o
fora”3.
Logo, interpretar não é, apenas, aquilo que o intérprete diz a partir de sua própria
circunstância de vida, pois, nesse caso, interpretar seria dar uma opinião. Nem tampouco é,
apenas, esclarecer o significado de algo a partir das circunstâncias externas (políticas,
econômicas, ideológicas etc.) nas quais o intérprete se vê emaranhado, pois, nesse caso,
interpretar implicaria em castrar por completo a autonomia de vontade dele.
Uma fronteira que separa, mas que também une essas duas línguas. Cabe agora, então,
enfrentar o problema da interpretação.
2 O PROBLEMA DA INTERPRETAÇÃO
Os usos onomasiológico e semasiológico podem coincidir, mas nem sempre isto ocorre.
Ou seja, uma mesma palavra pode ser empregada da mesma maneira pelos dois diferentes usos
3
SOUZA, Elton Luiz Leite de. Filosofia do direito, ética e justiça: filosofia contemporânea. Porto Alegre: Núria
Fabris, 2007, p. 234.
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SOUZA, Ob. cit., p. 235.
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que se pode fazer da linguagem. A partir desta circunstância fica claro que estes usos não se
encontram completamente separados, antes se implicam.
Isto é, o uso técnico da linguagem toma como ponto de partida o uso cotidiano. E esta
relação entre os usos da linguagem acarreta a possibilidade sempre presente de dúvida quanto
ao significado deste ou daquele vocábulo empregado pela norma jurídica.
3 FINALIDADE DA HERMENÊUTICA
Se se admitir que ele seja descoberto, então, conclui-se que a hermenêutica não constrói
o significado do signo, antes o declara. Porém, se o ponto de partida adotado é que a
hermenêutica determina, positiva, impõe o significado ao significante, então, forçoso é
reconhecer que ela o constrói.
Pode-se falar, assim, em duas diferentes finalidades para hermenêutica, as quais, por sua
vez, correspondem a duas distintas concepções de linguagem, são elas: a) a descoberta do
significado, que corresponde à concepção substancialista ou idealista de linguagem; b) e a
construção do significado, a que se refere à perspectiva convencionalista da linguagem.
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Ora, o que é perfeito, não precisa mudar, não deve mudar. Tem-se, então, uma
linguagem estática. Esse foi o intento de Justiniano no que toca ao seu Corpus Juris Civilis.
O que é imperfeito, muda constantemente, em um ciclo que nunca chega ao fim. Eis,
então, que se tem uma linguagem dinâmica.
A doutrina é muito controversa acerca do tema. Por isso, com o intuito de apresentar
algumas abordagens em torno do assunto, a seguir se fará uma apertada exposição de algumas
concepções. A apresentação destas concepções não tem, é lógico, o intuito de exaurir as
correntes doutrinárias acerca da matéria. Pelo contrário, o objetivo é apenas exemplificar
algumas concepções e, a partir delas, evidenciar a discussão.
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Tercio Sampaio Ferraz Jr. O que se quer alcançar com estas exposições? Demonstrar erudição?
Não, definitivamente não.
“É hoje um postulado universal da ciência jurídica a tese de que não há norma sem
interpretação, ou seja, toda norma, pelo simples fato de ser posta, é passível de interpretação”.
Logo, a pretensão de Justiano de que fosse proibida a interpretação das normas de seu
Corpus Juris Civilis, em verdade, não é uma exceção ao postulado, mas, sim, a pretensão de
que apenas a interpretação do imperador fosse considerada vinculante.
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O mesmo se pode dizer em torno da concepção subjetiva, vez que há quem entenda esta
concepção como aquela em que se permite ao intérprete certa margem de liberdade ao realizar
a interpretação.
Feitos tais esclarecimentos fica fácil, agora, com apoio na doutrina de Karl Engish e na
lição de Tercio Sampaio Ferraz Jr, apontar as críticas que a concepção objetiva dirige à vertente
subjetivista:
“1. pelo argumento da vontade, afirmando que a “vontade” do legislador é mera ficção,
pois o legislador é raramente uma pessoa fisicamente identificável;
4. pelo argumento da integração, pelo qual só a concepção que leve em conta os fatores
objetivos em sua contínua mutação social explica a complementação e até mesmo a criação do
direito pela jurisprudência”.
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“1. O recurso à técnica histórica de interpretação, aos documentos e às discussões
preliminares dos responsáveis pela positivação da norma é imprescindível, donde a
impossibilidade de ignorar o legislador ordinário;
Eis, então, o problema. Qual das concepções teria razão? Seria este um problema
insolúvel? O certo é que esta polêmica remete o estudioso de hermenêutica jurídica ao desafio
kelseniano: é possível falar em interpretação verdadeira? A hermenêutica jurídica pode ser
teorizada como um saber científico?
Ou seja, a interpretação jurídica não pode dar ensejo a uma sucessão indefinida de
interpretações, ela tem que produzir como resultado uma interpretação final. Esse aspecto, aliás,
caracteriza a interpretação dogmática e, ao mesmo tempo, constitui o seu problema teórico, o
problema de criar uma teoria justifique o caráter dogmático da interpretação jurídica.
É por conta deste problema que Kelsen se coloca a questão de “saber se é possível uma
teoria da interpretação jurídica que permita ao jurista falar da verdade de uma interpretação”.
A partir da observação da obra “Teoria Pura do Direito”, nota-se que Kelsen não fornece a partir
dela nenhuma base para a hermenêutica dogmática.
Porém, ele afirma que há dois tipos de interpretação, são elas: a doutrinária e a
autêntica. A interpretação autêntica é a que é realizada por órgãos competentes (pelo órgão
autorizado por uma norma imediatamente superior). Por exemplo, é a interpretação feita pelo
magistrado no exercício de suas funções. A interpretação doutrinária, por seu turno, “é
realizada por entes que não têm a qualidade de órgão competente”. Por exemplo, quando o
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doutrinador emite a sua interpretação acerca de certo texto de lei. Em suma, a interpretação
doutrinária não é vinculante, não obriga, ao passo que a interpretação autêntica tem este poder.
Nas palavras de Wittgenstein, “sobre o que não se pode falar, deve-se calar”. Mas, qual
é a compreensão de Miguel Reale em torno do problema hermenêutico?
De acordo com Miguel Reale, a norma jurídica deve ser entendida pela hermenêutica
jurídica atual em termos de:
A norma deve ser entendida como modelo operacional, ou seja, como modelo útil a
decidir conflitos. Este modelo, por sua vez, é hábil ou a controlar comportamentos (normas de
conduta) ou a regular outras normas (normas de organização). Logo, como quer Hart, não há
apenas normas de comportamento, mas, também, normas de organização, normas de normas.
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ser interpretada em tiras. E, além disso, o intérprete deve levar em consideração os fatos e
valores que, originariamente, constituíram a norma.
Em outras palavras, a norma deve ser interpretada a partir dos fatos e valores relevantes
no momento de sua constituição, isto é, de acordo com a vontade do legislador.
Porém, segundo Miguel Reale, a norma deve ser interpretada não apenas segundo a
vontade do legislador, mas, também, em função dos fatos e dos valores supervenientes à sua
elaboração. Ou seja, a norma deve ser interpretada também segundo a vontade da lei, segundo
os fatos e os valores relevantes no momento em que ela é aplicada. Logo, a partir da lição de
Miguel Reale, a hermenêutica jurídica atual deve combinar as duas correntes acima
explicitadas, voluntas legis e voluntas legislatoris.
Em suma, a hermenêutica jurídica atual, de acordo com Miguel Reale, deve possuir uma
dupla visão da norma, retrospectiva (voluntas legislatoris) e prospectiva (voluntas legis). É a
partir dessa dupla visão que deve aparecer o significado concreto da norma, “reconhecendo-se
ao intérprete um papel ativo e criador no processo hermenêutico, o que se torna ainda mais
relevante no caso de se constatar a existência de lacunas no sistema legal”. Mas será que o
melhor caminho é esse? Será que interpretar é uma questão de descobrir alguma coisa? Será
que a linguagem tem a capacidade de representar algo? Não seria a interpretação uma tradução?
Traduzir é transpor o texto de uma língua para outra. Admitindo que o legislador se
utilize de uma língua e que o conflito a ser decidido seja derivado de um ruído na comunicação
realizada a partir de outra língua, nota-se a contribuição que a teoria da tradução pode prestar à
hermenêutica jurídica. O legislador se utiliza de uma linguagem técnica ou normativa. Os
participantes do conflito se valem de uma linguagem normal ou cotidiana, língua natural.
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No entanto, neste último caso, é possível uma transposição indireta. Ou seja, lança-se
mão de uma terceira língua que possa ser utilizada como um canal de acesso entre as duas
outras. O que é preciso é que esta língua contenha, entre as suas regras secundárias, as regras
básicas das outras.
Segundo Alysson Leandro Mascaro, até mesmo “a teoria de Kelsen, quando trata a
respeito da interpretação, expõe o problema nevrálgico da hermenêutica jurídica: ela é um
procedimento de poder”. Não se pode negar que o profissional do Direito não se desvencilha
da sua biografia de vida.
Além disso, convém lembrar que o intérprete da norma também não é um ser sem
experiências e condicionantes. “O jurista interpreta a norma a partir de sua situação existencial,
de seu tempo, de suas circunstâncias sociais”. Em suma, “toda compreensão é uma pré-
compreensão. Compreender é um aprender-com, ou seja, é uma tomada de entendimento a
partir de uma determinada situação, construída socialmente”. Logo, não se interpreta primeiro
para decidir depois, antes o contrário, decide-se primeiro para depois se interpretar.
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6 FUNÇÃO SOCIAL DA HERMENÊUTICA
Portanto, não as oculta propriamente, mas as disfarça, trazendo-as para o plano de suas
conceptualizações”. Em suma, a hermenêutica jurídica “conforma o sentido do comportamento
social à luz da incidência normativa. Ela cria assim condições para decisão”.
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7.2 Quanto ao Método ou Meio utilizado
Quanto à natureza a interpretação poderá ser literal, lógica, sistemática, histórica ou teleológica.
A interpretação ontológica: busca-se a essência da lei, sua razão de ser, a ratio legis
ou o propósito da edição da norma. Ex.: O Código de Defesa do Consumidor (CDC), o Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA) e o Estatuto da Pessoa com Deficiência, têm como objetivo
a proteção destas pessoas em especial.
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incidência nas provas). Até porque há uma previsão, ainda que indireta, no próprio art. 5°,
LINDB. Este dispositivo indica o caminho que o Juiz deve seguir: “Na aplicação da lei, o juiz
atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. Portanto, deve
o Juiz buscar o real sentido da lei e não se ater a um texto frio e literal da lei. Deve ele aplicar
o que for mais justo, o que atende melhor ao bem comum, evitando-se situações absurdas.
Exemplo: nas cláusulas duvidosas prevalece o entendimento de que se deve favorecer quem se
obriga (ou seja, devedor).
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A interpretação restritiva: o intérprete restringe o sentido da norma ou limita sua
incidência, concluindo que o legislador escreveu mais do que realmente pretendia dizer. O
intérprete elimina a amplitude das palavras. Ex.: não se pode subentender vinculado o fiador ao
contrato de locação que foi renovado pelo locatário se ele não foi consultado expressamente
sobre isso, ainda que haja uma cláusula no contrato prevendo sua responsabilidade “até a
entrega das chaves”.
Atenção: é importante deixar claro que todas essas espécies de interpretação não se
operam de forma isolada e nem se excluem. Na realidade elas se completam, pois todas trazem
alguma contribuição para a descoberta do sentido e alcance da norma. O intérprete
simplesmente deve lançar mão daquela que melhor produza resultado no caso concreto.
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A primeira delas foi a noção de direitos individuais, que surgiu em oposição ao arbítrio
do monarca absolutista. Ao Estado foi atribuída a função de zelar pela observância das leis.
Portanto, a segurança jurídica pela prescrição de Direito, que somente poderia ser
instituída pelo Poder Legislativo, em respeito à separação dos poderes, especificou a tarefa dos
operadores do Direito. O Poder Judiciário, nesse contexto, torna-se um simples revelador da
norma jurídica.
Essa concepção, a princípio pensada para as ciências exatas, passou a ser cogitada nas
ciências humanas. Houve, portanto, uma influência do pensamento científico no Direito. O
exemplo mais claro dessa influência é o positivismo jurídico, que objetivou retirar todo e
qualquer sentido valorativo ou subjetivo da compreensão jurídica.
A sentença judicial, nesse contexto, foi pensada como o resultado de uma operação
lógica dedutiva, uma atividade mecânica na qual o aplicador do direito deve procurar no sistema
jurídico a solução para o caso concreto por intermédio da subsunção.
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não traz qualquer inovação, pois o resultado na sentença, em realidade, encontra-se estabelecida
na premissa menor, compete ao aplicador do Direito apenas identificá-la.
Apenas para deixar claro, os “axiomas da razão pura” são máximas gerais de conduta
moral. São exemplos expressões como: cada um deve reparar o dano causado; as promessas
devem ser cumpridas; deve-se dar cada um o que é seu.
Essa concepção foi desenvolvida por Savigny, para quem a ciência do direito deveria
tomar o caminho de um sistema lógico no estilo de uma pirâmide de conceitos. Esses sistema
de conceitos seria organizado segundo rígidas regras de lógica formal, que permitiria interpretar
as regras a partir de um padrão pré-determinado.
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A gramatical representa o início de toda interpretação, como forma de compreender o
pensamento do legislador, segundo as regras gramaticais de morfologia e sintaxe da norma.
A interpretação lógica, por sua vez, indica a relação lógica entre as partes e os elementos
do discurso.
Por fim, a interpretação sistemática leva em consideração não apenas as regras jurídicas
da norma interpretada, mas todo o sistema jurídico, hierarquicamente organizado. Por exemplo,
para a interpretação do Código Civil é fundamental compreender as regras fundantes
estabelecidas na Constituição Federal.
As duas teorias que estudamos acima afirmam que o Direito é uma ciência. E com base
nessa premissa desenvolvem métodos interpretativos fixos e rígidos. Essa compreensão do
Direito foi muito criticada, pois não atendia satisfatoriamente às necessidades vivida pela
sociedade e, em determinadas situações, implicava em conclusões contraditórias e inaceitáveis.
Com o tempo construiu-se o argumento de que o Direito não é e nunca poderá ser
científico, fundado em premissas fixas e absolutas, dedutíveis e racionais.
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1º Fator
2º Fator
Contudo, sabemos que a “intenção” daquela frase é permitir que as pessoas ingressem
vestidas. Como sabemos disso? Chegamos a essa conclusão pela valoração. Ao se questionar
qual a finalidade da norma, concluímos facilmente o objetivo pretendido.
3º Fator
Também é apontado como fator para o fracasso das correntes interpretativas tradicionais
a reação irracionalista, que destacam a irrealidade e ineficácia das leis.
Nesse contexto teórico, destaca-se a obra de Jhering, segundo para quem a teoria calcada
nos conceitos jurídicos (jurisprudência dos interesses ou formalismo) não é capaz de estruturar
todo o pensamento jurídico. De acordo com o autor, toda norma possui uma finalidade bem
delimitada. Isso significa dizer que toda norma jurídica possui um fim social (ou função social),
destacando a interpretação teleológica do Direito.
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Portanto, podemos destacar três correntes do pensamento denominadas de irrealistas:
4º Fator
Por exemplo, existem valores, experiências de vida, toda interpretação possui limites,
com certa vagueza e, por vezes, controversa. Desse modo, pelo dato de o conhecimento humano
ser incompleto e carregado de incertezas é impossível se cogitar que os métodos tradicionais
atendam plenamente à finalidade.
8 MÉTODOS CONTEMPORÂNEOS
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A Hermenêutica Jurídica, ao analisar os problemas relacionados à interpretação do
Direito, evidenciou as insuficiências das regras interpretativas tradicionais e destacou, entre
outros:
a interpretação não pode estar atrelada apenas à vontade do legislador, deve levar em
consideração o contexto, de forma que a norma terá “vida própria”, amoldando-se à evolução
da sociedade. Aqui nós temos o que a doutrina denomina de revalorização da interpretação
objetiva, segundo a qual o texto normativo tem vida própria e não está atrelado apenas à vontade
do legislador (interpretação subjetiva).
Desse modo, podemos apontar algumas teorias desenvolvidas para interpretar o Direito
em crítica ao pensamento tradicional. Todas essas teorias caracterizam-se por compreender o
Direito de forma flexível e não como uma ciência rígida, lógica, racional e formalista:
Lógica do Razoável
Compreende que a lei possui um sentido próprio, que independe do autor. Em última
análise, entende que a norma desvincula-se do legislador e atrela-se ao fim atual da lei.
Acredita-se que essa concepção tem melhores condições de trabalhar com problemas
gerados por mudanças da sociedade e das condições sociais.
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Essa realidade propicia enorme poder ao magistrado o que poderá resultar em sentenças
arbitrárias, sem critérios e segundo a vontade do julgador.
De acordo com essa teoria que o fenômeno jurídico decorre de um fato social, recebe
inevitavelmente uma carga de valoração humana, antes de tornar-se norma. Dessa forma, fato,
valor e norma em momentos distintos, mas interligados, tornam-se o fundamento do fenômeno
jurídico.
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e a norma propriamente dita. A questão fundamental é que o Direito sempre foi analisado sob
enfoque unilateral, isto é, enfatizando apenas um dos três itens. Porém, na Era Contemporânea,
o Direito critica essa forma unilateral de apresentação das normas e passa a considerar o
fenômeno jurídico era fruto das relações sociais ou do espírito cultural de determinada época.
Esses três elementos devem ser considerados para fins de interpretação do Direito. A
interpretação, de acordo com a teoria tridimensional, é um processo de integração dialética que
implica ir do fato à norma e da norma ao fato, sem desconsiderar os valores subjacentes ao caso
concreto.
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