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HIDRAULICIDADE
RESUMO DO ARTIGO:
Este trabalho tem a finalidade de apresentar uma análise do comportamento da regulação carga-
frequência das unidades geradoras que são despachadas com baixíssimo carregamento para
acumularem água nos reservatórios, enquanto se utilizam usinas térmicas. Nesse período, alguns
grupos geradores são conectados ao Sistema Interligado Nacional (SIN) com valores de geração de
potência ativa pouco acima de zero megawatt, ficando submetidos às variações naturais de carga e
frequência do sistema. Durante período de sobrefrequência, cujo desvio máximo permitido é de um
décimo de Hertz (60,1 Hz), os reguladores de velocidade fecham automaticamente as palhetas de
seus distribuidores, levando o valor da potência ativa para a faixa negativa, ou seja, colocando as
unidades geradoras em motorização (operação com potência reversa).
Além dos conceitos teóricos relacionados à regulação primária de frequência, são mostrados
nesse artigo eventos reais de motorização, com e sem atuação de proteção, registrados pelo sistema
digital de supervisão e controle (SDSC) e pelos registradores digitais de perturbação (RDPs). Em
complementação das análises teóricas, são realizadas também algumas simulações em um sistema
teste utilizando o programa ANATEM.
Ao final do artigo são recomendadas algumas ações que poderiam evitar o processo de
motorização e suas sérias consequências, como por exemplo, a remoção súbita de várias unidades
geradoras sincronizadas ao SIN, por proteção ANSI 32.
PALAVRAS-CHAVE:
*Rua Real Grandeza, 219, Bloco E, sala 110, Botafogo, Rio de Janeiro-RJ, 22281-035
gdc@furnas.com.br
2
1- INTRODUÇÃO
Em sistemas de potência, as unidades geradoras são os equipamentos capazes de transformar
vários tipos de energia primária em energia elétrica. As cargas correspondem à potência elétrica
demandada pelos consumidores, as quais variam aleatoriamente dentro de intervalos cíclicos diários,
semanais e sazonais. A conexão entre as unidades geradoras e a carga é feita pelo sistema de
transmissão. A potência elétrica deve ser gerada no mesmo instante em que for requerida pela carga.
(1)
onde:
Torque de Aceleração;
Torque Mecânico;
Torque Elétrico;
Velocidade angular do rotor;
Momento de inércia combinado do gerador e turbina;
Tempo;
Em proporções maiores, fenômenos como este acontecem quando ocorrem grandes perturbações
no sistema elétrico tais como a saída súbita de um grande número de geradores, abertura de linhas
de transmissão ou uma grande variação de carga em um intervalo curto de tempo. Para garantir a
segurança da operação é necessário manter uma reserva de potência ativa sincronizada no sistema
que possa ser despachada rapidamente em caso de necessidade. Com a finalidade de trazer de volta
o equilíbrio entre geração e carga, reguladores automáticos de velocidade (de frequência) atuam
diretamente nas máquinas primárias (turbinas), variando a potência mecânica no eixo dos geradores
aumentando ou diminuindo a potência elétrica gerada.
Quando a frequência do sistema aumenta, geradores que estão operando com potência próxima
de zero em regime normal podem sofrer motorização devido à atuação da regulação primária. Essa
operação em motorização pode ocasionar deslocamento axial do grupo gerador, assim como serem
desconectados do sistema devido atuação da proteção ANSI-32, que de uma forma geral são
ajustados pelos fabricantes na faixa de -2% a -5% da potência base do gerador. Além do problema
mecânico no gerador, a medição de faturamento também sofre influência devido à operação
motorizada do gerador com contabilização negativa.
Alguns grupos geradores são dotados com sistemas de rebaixamento que permitem a sua
operação como compensador síncrono. Nesses casos existem equipamentos de ar comprimido que
desafogam a turbina, retirando a água de contato com as pás do rotor.
3
∆
(2)
∆
onde:
Em um sistema de potência de grande porte estas variações de carga ∆PD, instante a instante,
atingem valores consideráveis. Por outro lado, os valores de amortecimento da carga (D) são
relativamente baixos, levando a possibilidade de grandes variações de frequência, operacionalmente
inadequadas, reforçando a necessidade do uso de dispositivos automáticos para o controle da carga
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3- REGULAÇÃO PRIMÁRIA
Uma vez que a autorregulação da carga não é suficiente para manter o sistema elétrico em ponto
operativo adequado (de 59,9 a 60,1 Hz) diante das variações naturais da demanda, são instalados
nas turbinas das usinas hidrelétricas reguladores automáticos que mantém a velocidade síncrona dos
grupos geradores através do controle da vazão d’água na turbina. Além disso, podem também
controlar a quantidade de geração de potência ativa (MW). Esta regulação automática exercida pelos
reguladores de velocidade das máquinas frente às variações de frequência do sistema é denominada
de Regulação Primária.
A resolução normativa da ANEEL nº 697, de 16 de dezembro de 2015, define em seu Art. 2º, item
III, o controle primário de frequência como sendo “o controle realizado por meio de reguladores
automáticos de velocidade das unidades geradoras, para limitar a variação da frequência quando da
ocorrência de desequilíbrio entre a carga e a geração”. No Art. 7º, define que “o controle primário de
frequência deverá ser provido por todas as unidades geradoras integrantes do SIN, sem ônus para os
demais agentes e consumidores”.
Para uma divisão de carga estável entre duas ou mais unidades geradoras operando em paralelo,
os reguladores de velocidade devem possuir uma característica de estatismo permanente (R),
também conhecido como droop ou slope, para que não haja “briga de controle” entre os diversos
reguladores automáticos de velocidade que observam a mesma frequência, comum para toda a rede
elétrica em regime permanente.
A característica do estatismo permanente de velocidade pode ser obtida pela adição de uma
malha de realimentação de abertura dos distribuidores (reguladores mecânicos, mais antigos) ou da
medição de potência ativa através de transdutores (reguladores eletro-hidráulicos, mais modernos).
Figura 2 - Modelo de regulador de velocidade mecânico baseado em realimentação de velocidade e abertura do distribuidor
5
∆ ∆
% . 100; (3)
∆
!"# $ ∆ %
&' (
% = )'
.100 (4)
*
onde:
∆ Desvio de velocidade;
∆ Desvio de frequência;
∆ Variação da potência de saída;
+, Velocidade de regime permanente na condição da máquina a vazio;
-, Velocidade de regime permanente na condição da máquina a carga nominal;
% Velocidade nominal da máquina.
O droop ou estatismo R pode ser entendido como sendo o desvio de frequência ou velocidade do
gerador que causa uma mudança de 100 % na sua potência de saída ou na posição do gate. Por
exemplo, um estatismo de 5% significa dizer que um desvio de 5% na frequência ou na velocidade do
gerador causa uma variação de 100% na potência de saída ou na posição do gate.
No sistema elétrico brasileiro, por definição, o estatismo permanente padrão adotado é de 5% na
base do gerador, seguindo o modelo dos EUA. O padrão europeu de estatismo é 4%.
Dois ou mais geradores conectados em paralelo, observando a mesma frequência elétrica da
rede, irão dividir a variação da carga segundo o estatismo de seus respectivos reguladores de
velocidade. A Figura 4 apresenta como exemplo duas unidades geradoras com estatismo diferentes.
6
O montante de carga tomado por cada unidade dependerá da sua característica de estatismo e
será definido por:
∆
∆ / (5)
/
∆
∆ 0 (6)
0
∆ / 0
(7)
∆ 0 /
O desvio de frequência de regime permanente após uma mudança de carga ΔPL é dado por:
7
∆ , ∆ ,
∆ 11 / / /
(8)
/
2 5 5 ⋯5 95 : =5
34 36 38 3;<
onde
1
> / / /
(9)
5 5 ⋯5
34 36 38
(∆ ' /
? = 5 (10)
∆ @@ 3;<
Figura 6 – Resposta composta do sistema considerando a ação do regulador de velocidade e a característica da carga
4- SIMULAÇÕES
As simulações desenvolvidas nesse item têm a finalidade de demonstrar as análises teóricas
abordadas nesse artigo. As simulações foram feitas no programa ANAREDE e ANATEM.
A Tabela 1 mostra uma relação entre a potência total gerada e a carga total do sistema.
Tabela 1 – Valores de despacho dos geradores e carga usados no sistema teste da Figura 7
Geração (MW) Carga (MW)
BUS01_Marimbondo 145 110
BUS02_Corumbá 105 100
BUS03_Funil 50 90
Total (MW) 300 300
Figura 8 – Resposta da frequência do sistema teste para uma variação de carga de 10%
Para uma mesma variação de carga no sistema, considerando valores diferentes de damping, a
estabilização da frequência ocorre em diferentes patamares. Quanto maior o valor do damping
aplicado na carga, menor será a variação da frequência em relação ao seu valor de regime. No caso
em que o damping é igual a zero (vermelho) é possível visualizar que o sistema se torna instável para
essa mesma redução de carga, pois não há amortecimento no sistema.
Figura 9 – Frequência do sistema para uma variação de carga de -10% com estatismo de 5% em cada máquina
Observa-se que a variação do damping não afeta o erro a frequência em regime permanente,
apenas a dinâmica transitória. Este fato pode ser entendido pela (8) e pelo fato do inverso do
estatismo ser bem maior que o damping em p.u..
Figura 11- Frequência da rede – Caso 02, remoção de 10% da carga; D=1,5; R_Funil=5% e 10%;
Figura 12- Carga e Geração – Caso 02, remoção de 10% da carga; D=1,5; R_Funil=5% ;
Figura 13- Carga e Geração – Caso 02, remoção de 10% da carga; D=1,5; R_Funil=10%
11
Pela comparação entre a Figura 12 e Figura 13 observa-se que o aumento do estatismo da UHE
Funil (de 5% para 10%) no sistema teste, tornou-a menos sensível à variação de frequência,
realizando menos regulação primária, movimentando menos sua geração, evitando que entrasse em
faixa de potência reversa. As duas outras máquinas modificaram sua geração por conta disso.
Para a definição dessa margem de segurança (M%) podem ser feitas simulações considerando a
variação de frequência de 0,1 Hz, aprovada pela ANEEL, ou um pouco mais, por critério de
segurança, em vários cenários de geração, com quantidades de geradores conectados diferentes e,
portanto, com o estatismo equivalente do SIN variando em cada caso.
Observações feitas pelo sistema supervisório (SDSC) da potência de cada gerador podem apontar
os casos de motorização real com necessidade de aumento da margem de segurança. Para tal, as
medidas analógicas de potência SDSC devem estar escalonadas para medir abaixo de zero
megawatt.
6- CONCLUSÕES
Conforme abordado nesse artigo, a operação de geradores síncronos em potência reversa tem
ocorrido com maior frequência devido ao despacho em baixa potência com a meta de aumentar os
armazenamentos de água nos reservatórios nos períodos de maiores restrições hídrica. Essa
operação motorizada é danosa para o grupo gerador causando desgastes nos componentes
mecânicos, extrai energia da rede elétrica que tem que ser fornecida por outros geradores, diminui a
medição de faturamento da usina (MWh), além de trazer um risco implícito de desconexão de várias
máquinas do SIN por proteção direcional de potência (ANSI 32) durante as sobrefrequências.
Motorizações devido à regulação primária com baixa geração podem ser revertidas desde que se
aumente a referência de potência a ser despachada.
A margem de segurança de geração mínima deve ser coordenada com as informações de faixa
operativa, oriundas das curvas de colina (hill chart) das turbinas de cada unidade geradora.
Observações feitas através do SDSC da medição de potência de cada gerador podem apontar os
casos de motorização real com necessidade de aumento da geração e da margem de segurança.
Para tal, as medidas analógicas de potência dos sistemas de supervisão e controle (SDSC) devem
estar escalonadas para medirem valores abaixo de zero megawatt.
As motorizações devem ser anunciadas em tela do SDSC e por alarme, assim que ocorrerem,
para que a operação da usina fique ciente, e possa tomar providências.
O ajuste do relé 32 deve ser temporizado adequadamente, de modo que o trip recorrente de
unidades não dificulte os processos de recomposição (black-start), ao mesmo tempo, deve-se
garantir que unidades não fiquem indefinidamente motorizando, extraindo energia do SIN. e sujeitas a
danos mecânicos . As informações do fabricante são fundamentais em cada projeto.
Toda vez que se sincroniza uma unidade geradora ao SIN, recomenda-se a tomada de alguma
quantidade de carga, evitando que a unidade fique ajustada em zero, ou muito próximo, pois por
regulação primária ela pode motorizar e ser desconectada precocemente por trip. São conhecidas
ocorrências desse tipo, de máquinas que foram conectadas zeradas e motorizaram, evoluindo para
trip, enquanto se aguardava a coordenação da tomada de carga total com o Centro de Operação do
Sistema (COS).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1] Xisto Vieira Filho, Operação de Sistema de Potência com Controle Automático de Geração, Rio de
Janeiro, Eletrobrás – Editora Campus, 1984.
[3] Working Group on Primer Mover and Energy Supply Models for System Dynamic Performance
Studies, "Hydraulic turbine and turbine control models for system dynamics studies", IEEE Trans. on
Power Systems, vol.7, no. 1, February 1992, pp. 167-179.
[4] Apostila de curso da Reivax – Regulação de Geradores Síncronos – Módulo II, Junho 2014.
PAULO MAX MACIEL PORTUGAL é engenheiro eletricista, graduado pela Universidade do Estado
do Rio de Janeiro em agosto de 2002, com especialização em Sistemas de Potência. Possui os
títulos de M.Sc. e D.Sc. em Auto Excitação de Geradores Síncronos e Eletrônica de Potência,
respectivamente. Trabalhou na empresa Eletrobras de 2002 até 2015 na área do planejamento dos
sistemas de transmissão. Trabalha atualmente na empresa Furnas desde 2015, atuando na área de
estudos elétricos da operação. Possui experiência nas áreas de sistemas de transmissão, estudos de
estabilidade eletromecânica e eletrônica de potência.
E-mail: pmaxpo@furnas.com.br
Fone: (21) 2528-4698
RAMIL CARVALHO TEIXEIRA é técnico em eletrônica, graduado pela Escola Técnica de Eletrônica
Francisco Moreira da Costa em Santa Rita do Sapucaí em 1981. Trabalha em Furnas Centrais
Elétricas desde 1981 atuando no setor de Controle e Automação de Geradores Elétricos com
equipamentos de Sistemas de Excitação, Reguladores de Velocidade, Compensadores Síncronos e
Estáticos nas funções de modernização, comissionamento e manutenção elétrica e eletrônica, projeto
e aceitação de novos produtos.
E-mail: ramill@furnas.com.br
Fone: (35) 3523-5866