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setembro de 2013

NEGOCIAÇÃO NO SETOR PÚBLICO


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Expediente
Esta é uma publicação da Fundação Perseu Abramo.

Diretoria Executiva

Presidente
Marcio Pochmann

Vice-Presidenta
Iole Ilíada

Diretoras
Ariane Leitão, Fátima Cleide

Diretores
Artur Henrique, Joaquim Soriano

Conselho Curador
Hamilton Pereira (presidente), André Singer, Eliezer Pacheco, Elói Pietá, Emiliano José, Fernando
Ferro, Flávio, Jorge Rodrigues, Gilney Viana, Gleber Naime, Helena Abramo, João Motta, José
Celestino Lourenço, Maria Aparecida Perez, Maria Celeste de Souza da Silva, Nalu Faria, Nilmário
Miranda, Paulo Vannuchi, Pedro Eugênio, Raimunda Monteiro, Regina Novaes, Ricardo de
Azevedo, Selma Rocha, Severine Macedo, Valmir Assunção

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Sumário
- FPA Discute - Negociação no setor público 04

- Apresentação, Ângelo D’Agostini Junior 05

- A negociação coletiva no setor público como instrumento para o serviço público de 06


qualidade, Mônica Valente

- Negociação coletiva no setor público: resgatar os princípios, a concepção e a prática, 10


Artur Henrique da Silva Santos

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FPA Discute - Negociação no Setor Público

Fruto de parceria entre a Fundação Perseu Abramo e a Secretaria Sindical Nacional do PT, lançamos
agora o FPA Discute sobre Negociação no Setor Público.

A publicação pretende ser uma ferramenta para gerar um espaço privilegiado para o debate,
apresentação de experiências e proposta para a efetiva implantação de uma política pública que
possibilite a democratização e transparência nas relações de trabalho no setor público por meio da
negociação coletiva.

Se o PT já inovou na gestão pública ao criar mecanismos de participação, transparência e


democratização, como foi a experiência do Orçamento Participativo, também é “essencial criarmos
mecanismo com estes princípios para as relações de trabalho no setor público”, salienta Ângelo
D’Agostini Junior, da Secretaria Nacional Sindical do partido e autor da apresentação deste material.

Os artigos que publicamos neste FPA Discute são de autoria de Mônica Valente, atualmente secretária
sub regional da Internacional de Serviços Públicos (ISP Brasil), e de Artur Henrique da Silva Santos,
diretor da Fundação Perseu Abramo e presidente do IC-CUT.

Mônica Valente, a partir de sua experiência como secretária de Gestão Pública na administração de
Marta Suplicy na Prefeitura de São Paulo (2001-2004), em seu texto “A negociação coletiva no setor
público como instrumento para o serviço público de qualidade” aborda que “os serviços públicos de
qualidade supõem a democratização das relações de trabalho no setor público, com a participação da
sociedade civil no processo e o estabelecimento de mecanismos regulatórios e civilizatórios na gestão
do Estado, como por exemplo as Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT)”.

O texto de Artur Henrique, “Negociação coletiva no setor público: resgatar os princípios, a concepção e
a prática”, relembra as experiências importantes ao longo dos trinta anos de existência da CUT que
foram construídas em conjunto com o Partido dos Trabalhadores e faz sugestões: “é preciso superar
as nossas debilidades organizativas e formativas. Caminhar na construção de sindicatos regionais
de servidores públicos municipais, principalmente nas pequenas e médias cidades; organizar os
trabalhadores a partir do local de trabalho, fortalecendo assim a condição de lideranças sindicais”.

Autores e autoras que desejem encaminhar uma nova contribuição, ou um comentário aos textos já
publicados, poderão fazê-lo por email para fpa_discute@fpabramo.org.br. Os textos e contribuições
deverão conter uma breve apresentação do autor e telefone para contato, e devem ter formato de
ensaio curto, com limite máximo de 40 mil caracteres.

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Apresentação
Ângelo D’Agostini Junior

Regulamentar relações de trabalho no serviço público no Brasil e estabelecer regras para essas
relações têm sido demandas constantes do movimento sindical e das administrações públicas.

Greves prolongadas e desgastes políticos mostram que ainda temos muito a caminhar para
estabelecer processos de negociações saudáveis entre empregadores públicos e sindicatos, com regras
claras e possibilidades efetivas.

Nas administrações de governos do Partido dos Trabalhadores temos importantes experiências, porém
ainda vivenciamos uma situação negativa em todas as esferas de governo. A Secretaria Sindical do PT
constantemente tem que acompanhar greves no setor público para ajudar na solução de conflitos.

Os oito anos de governo Lula são um bom exemplo positivo. Segundo estudo do Dieese, entre
1995 e 2002 (período dos mandatos de FHC) foram realizadas 133 greves na esfera pública federal
(funcionalismo e empresas estatais), já entre 2003 e 2010 (período dos mandatos de Lula) foram
realizadas 248 greves. A diferença foi que nos governos Lula houve processo de negociação evitando
desgastes políticos e durante as gestões FHC foram confrontos sem solução conjunta (a greve dos
petroleiros foi um grande exemplo). A diferença central foi à instituição de um sistema de negociação
formal.

Outro exemplo foi no município de São Paulo. Durante a administração Marta Suplicy foi instituído
processo de negociação formal. Durante os governos Serra/Kassab o processo foi boicotado e
retomando agora no governo Haddad.

Esta situação mostra que devemos aprofundar o debate sobre as relações e as negociações no setor
público como um mecanismo de gestão pública, que respondam as demandas dos trabalhadores
e dos gestores como uma política de Estado que se mantenha independente da administração em
curso.

O PT inovou a gestão pública ao criar mecanismos de participação, transparência e democratização


como, por exemplo, o Orçamento Participativo. É essencial criarmos também mecanismos com estes
princípios para as relações de trabalho no setor público.

A promulgação da Convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre as Relações de


Trabalho na Administração Pública, incluindo a instituição de processos de negociação pela presidenta
Dilma Rousseff, por meio do Decreto 7.944, de 6 de março de 2013, definiu a negociação como uma
obrigatoriedade legal.

A parceria da Fundação Perseu Abramo com a Secretaria Sindical Nacional do PT, com a publicação
deste FPA Discute com o tema “Negociação no Setor Público” possibilita um espaço privilegiado
para que os atores envolvidos (gestores e sindicalistas) e todos que se interessam pelo tema possam
debater e apresentar experiências e propostas para a efetiva implantação de uma política pública
que possibilite a democratização e transparência nas relações de trabalho no setor público através da
negociação coletiva. Incentivamos a todos e todas a participarem deste projeto.

Ângelo D’Agostini Junior é sociólogo, Secretário Sindical Nacional do PT e diretor do SindSaúde-SP.

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A negociação coletiva no setor público como instrumento para o
serviço público de qualidade
Mônica Valente

A recente crise financeira mundial demonstrou que a experiência do neoliberalismo dos últimos 30
anos fracassou. Antes da crise, a teoria do Estado Mínimo e a tese de que o mercado tudo regularia
eram amplamente aceitas pelo mundo. As condicionalidades impostas pelas instituições multilaterais,
como Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional (FMI), seguiam – e ainda seguem! – diretrizes
que exigem o ajuste do Estado, diminuindo-o, impondo privatizações, flexibilização de direitos, dentre
outras mudanças. Entidades sindicais e os movimentos sociais de todo o mundo as questionam, de
maneira forte e veemente. Exemplo disso foram as sucessivas reuniões do Fórum Social Mundial,
defendendo uma outra globalização, com justiça social e desenvolvimento econômico sustentável, em
que o Estado teria um forte papel de indutor, regulador e civilizatório.

Na atual crise, o Estado é chamado e comparece com medidas fortes por meio dos diferentes governos,
mas em sua maioria, voltadas exclusivamente a socorrer o mercado financeiro e as empresas. Ainda
vicejam casos em que governos, sob a justificativa da crise, tomam medidas de redução de direitos e
remuneração dos (as) trabalhadores e trabalhadoras, como em Porto Rico, onde o governo propõe a
demissão de cerca de quarenta mil trabalhadores; ou em Latvia, República Báltica, em que se propõe
um corte de 50% dos salários. Medidas que ao invés de ajudar a solucionar a crise e preservar um
mínimo de capacidade de ação do Estado e de suas políticas públicas, protegendo os trabalhadores e
as populações mais carentes, aprofundam a pobreza e dificultam o acesso a serviços públicos básicos
como saúde e educação, fundamentais para a superação da crise e para a inclusão social.

Uma outra mundialização é preciso, com trabalho decente, justiça social e serviço público de qualidade
para todos e todas, no centro da estratégia de combate à crise. O principal desafio é o fortalecimento
do Estado como produtor de bens e serviços de qualidade, para o enfrentamento dos efeitos da crise e
para a modelagem de um novo Estado. Esse “Novo Estado” deve ter um papel civilizatório, garantidor
de direitos, do acesso a serviços públicos de qualidade, que são direitos humanos: saúde, educação,
acesso à água potável, igualdade de oportunidades.

Serviços públicos de qualidade supõem a democratização das relações de trabalho no setor público,
com a participação da sociedade civil no processo e o estabelecimento de mecanismos regulatórios e
civilizatórios na gestão do Estado, como por exemplo as convenções da Organização Internacional do
Trabalho (OIT). Destaco dentre elas a Convenção 151, relativa às relações de trabalho na função pública,
que garante a negociação coletiva no setor, mas também a proteção contra atos de ingerência dos
governos na formação, funcionamento e administração dos sindicatos de trabalhadores, contra atos de
violação da liberdade sindical, com garantias dos direitos civis e políticos essenciais ao exercício normal
da liberdade sindical. Os mecanismos propostos pela Convenção 151, para além do âmbito dos direitos
sindicais, também colaboram para um estado mais ético, mais transparente, mais protegido contra atos
de corrupção e clientelismo.

No espírito da Convenção 151, algumas experiências locais vêm conseguindo avançar na construção
de metodologias de negociação coletiva no setor público de forte caráter participativo, promovendo
a democratização das relações de trabalho de maneira conjugada à valorização dos trabalhadores
públicos e a busca da eficiência dos serviços prestados à população, no rumo da construção de serviços
públicos de qualidade. Destaco principalmente a experiência na cidade de São Paulo, no período de

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2001 a 2004, que inclusive tem inspirado a diversos processos negociais em curso no Brasil, como por
exemplo no âmbito do governo federal brasileiro.

A experiência de São Paulo instituiu uma metodologia de negociação de conflitos e demandas que
interferem na qualidade e na eficiência dos serviços municipais de tal maneira que foi criado um
sistema de negociação articulado, descentralizado, transparente e participativo. Além da participação
das tradicionais partes envolvidas, governo municipal e sindicatos de trabalhadores, tinha expressiva
participação da sociedade civil, por meio de suas entidades representativas.

O sistema proporcionou a criação de Mesas de Negociação, de âmbito geral e setoriais e/ou locais,
compostas por representação do governo municipal - bancada governamental -, e dos sindicatos
de trabalhadores - bancada sindical. A Mesa Central de Negociação se destinava a temas e questões
de interesse geral: salários, planos de carreira de âmbito geral, avaliação de desempenho, regimento
interno, definições de competências e das formas de representação e funcionamento, temas relativos
à liberdade de organização sindical, implementação de mesas setoriais e/ou locais. As mesas setoriais,
como Saúde, Educação, Segurança Urbana, tratava de temas relativos às carreiras especificas, à
liberdade sindical nos locais de trabalho e condições de trabalho gerais nos setores. As mesas locais
eram espaços para tratar das condições locais de trabalho, assuntos relativos à qualidade dos serviços
prestados, em alguns casos com a participação dos conselhos gestores de unidades de saúde, que têm
forte participação dos usuários e usuárias.

O funcionamento do processo negocial foi inteiramente regrado de maneira pactuada, com a construção
de procedimentos formalizados, regimento interno, liberdade de pauta, prazos regimentais, acesso a
informações, publicidade dos atos e acordos formalizados em protocolos.

Em todas as mesas, de caráter deliberativo, cada bancada – governamental e sindical – tinha um voto
cada, e nos seus âmbitos respectivos construíam mecanismos internos de decisão e de consenso. No
caso da bancada sindical, todas as entidades criaram um Fórum Sindical, que elegia seus representantes
para as diversas bancadas sindicais – da mesa central e das mesas setoriais -, e definia os mecanismos
internos de decisão para deliberar o voto da bancada sindical. Esse Fórum foi regulamentado por
um Regimento Interno definido exclusivamente por seus representantes, sem a interferência
governamental.

Além das mesas de negociação, de caráter deliberativo, existiam no sistema instâncias de caráter
consultivo, compostas por entidades da sociedade civil indicadas pelas partes, sendo três indicadas pela
bancada governamental e três pela bancada sindical (Câmara Municipal, conselhos municipais de Saúde,
Educação e Assistência Social, entidades de assessoria sindical, universidades, Ouvidoria Municipal), além
de um ombudsman do sistema. A figura do ombudsman, escolhido de comum acordo pelas partes,
tinha por tarefa assegurar a eficácia do processo, zelar pelo funcionamento do sistema, realizar avaliação
de desempenho e propor mudanças e ajustes caso fosse necessário.

Às instâncias consultivas cabiam um papel moderador, não deliberativo, ao contrário das mesas de
negociação. Em momentos de impasse nas mesas de negociação, eram essas instâncias as responsáveis
por mediações e arbitragens, que poderiam ou não ser aceitas pelas partes. As instâncias consultivas
tinham também assento nas mesas de negociação, direito a voz, prerrogativa de requerimento de pauta
e de proceder as consultas.

Os resultados positivos da implantação e do funcionamento do sistema foram muito significativos.


Estabeleceu um processo sistemático e permanente de negociação que resultou em três acordos gerais
nos anos de 2002, 2003 e 2004. Estes acordos versaram não apenas sobre temas salariais (reajustes

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gerais, reajustes do piso salarial, reajustes de carreiras específicas), sobre planos de carreira (carreira do
nível básico e do nível médio), avaliação de desempenho do funcionalismo e liberdade de organização
sindical. Também foi graças ao sistema implantado de negociações que foram alcançados acordos
setoriais nas áreas da saúde, educação e da segurança urbana – neste caso garantiu um novo Plano
de Carreiras para os trabalhadores da segurança urbana, área bastante delicada que em uma grande
metrópole como São Paulo é essencial para a vida urbana.

O sistema também construiu uma alternativa de mediação do conflito nos momentos de impasse,
através das entidades da sociedade civil. De maneira geral, as greves no setor público ocorrem para
a obtenção de abertura de espaço de negociação dos conflitos. No caso de São Paulo, houve baixa
ocorrência de greves, seja pela existência de um processo sistemático de negociação, seja pela existência
de alternativa de mediação das instâncias consultivas. É preciso que se ressalte que a administração
municipal, à época, respeitava o direito ao exercício da greve no setor público como um direito garantido
pela Constituição Federal e pela legislação internacional. No entanto, no caso do setor público, é preciso
desenvolver mecanismos de solução dos conflitos que precedem a greve, e um processo sistemático,
pactuado e permanente de negociação é um dos instrumentos por excelência nesse sentido. No período
em que vigorou o sistema de negociação na cidade de São Paulo, por duas vezes ocorreram impasses
para os quais as instâncias consultivas foram chamadas a mediar. Em um deles, a solução proposta
pelas instâncias consultivas foi que a administração municipal recuasse de suas posições e reabrisse as
negociações sobre o tema em debate, solução que foi aceita pela bancada governamental. No outro
caso, ocorreu o oposto, com o mesmo resultado.

Um outro aspecto a ser ressaltado é que os acordos produzidos sempre estiveram dentro dos princípios
legais que regem a administração pública brasileira, inscritos na Constituição Federal e nas leis
municipais. Vale ressaltar que todos os acordos foram, depois de pactuados nas mesas de negociação,
debatidos e aprovados no Legislativo municipal.

Há que se ressaltar ainda, no caso de São Paulo, o novo Sistema de Avaliação de Desempenho para o
funcionalismo municipal, pactuado na Mesa Central de Negociação depois de um amplo e profundo
processo de negociação. No novo sistema de avaliação de desempenho se construíram instrumentos
conjugados e com pesos ponderados de avaliação das metas de desempenho da unidade prestadora
de serviços, com avaliação de desempenho de equipes, de chefes e dos trabalhadores individualmente.
Com esse novo sistema, a avaliação de desempenho deixou de ser uma prerrogativa unilateral e passou
a ser um processo coletivo de construção de metas de quantidade e qualidade, com o respectivo
comprometimento de chefias e de trabalhadores, tendo em vista a construção de um serviço público
de qualidade. Além disso, contribuiu para iniciar a construção de uma nova cultura institucional para os
gestores, fortalecendo instrumentos de planejamento e de gestão democrática e participativa.

A implantação do sistema apresentou, ainda, características inovadoras que merecem destaque. Ampliou
o objeto e o foco da negociação, que se tornou permanente. Introduziu novos atores no processo, com
as entidades da sociedade civil e dos usuários. Abriu possibilidades para a mediação de conflitos, que são
naturais em todas as relações de trabalho. Possibilitou uma via tríplice de identificação de demandas: da
administração, do funcionalismo e dos usuários e usuárias. Assegurou a organização sindical nos locais
de trabalho, essencial para as mesas locais de negociação. Criou a figura do ombudsman das relações de
trabalho, que junto com o estabelecimento do próprio sistema negocial, contribuiu sobremaneira para
a maior transparência no setor público, favorecendo a ampliação da ética e o combate ao clientelismo
no setor público. Desta forma, foi possível demonstrar na prática que a negociação coletiva no serviço
público, para além de significar o atendimento a uma demanda sindical, é um valioso instrumento de
gestão para todos aqueles comprometidos com o serviço público de qualidade.

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Temos, como trabalhadores públicos, imensos desafios no século 21: é hora de construir um mundo
melhor. Um desafio imenso é construir serviços públicos de qualidade para todos e todas, que
contribuam para combater a pobreza, a exclusão social, a discriminação, a degradação do meio
ambiente. Para isso, a democratização das relações de trabalho no setor público é instrumento essencial.
Esperamos que a experiência relatada possa contribuir para essa reflexão.

Mônica Valente é secretária sub regional da Internacional de Serviços Públicos – ISP Brasil e foi secretária
de Gestão Pública na gestão de Marta Suplicy na Prefeitura de São Paulo (2001-2004).

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Negociação coletiva no setor público: resgatar os princípios, a
concepção e a prática
Artur Henrique da Silva Santos

1 - Um breve resgate histórico

Dos muitos desafios que temos pela frente enquanto atores responsáveis pela implantação de um
projeto democrático e popular para o país, sem dúvida um dos mais importantes é o da democratização
das relações de trabalho no Brasil, e nesse contexto a garantia da negociação coletiva do setor público é
um dos pilares fundamentais.

Desde o nascimento da CUT, em 1983, essa já era uma das principais bandeiras da Central. Avançamos
na Constituição Federal de 1988, com todas as dificuldades da correlação de forças naquele momento,
para o reconhecimento da liberdade de organização sindical dos servidores públicos, mas não a garantia
da negociação coletiva.

Várias experiências importantes ao longo destes trinta anos de existência da nossa Central foram cons-
truídas em conjunto com o Partido dos Trabalhadores e administrações municipais ou Estaduais, mes-
mo sem a garantia da lei: mesas de negociação permanente, fóruns de diálogo e negociação com os
servidores, etc... Mas foi somente com a eleição de Lula para a Presidência da República, em 2002, que
conseguimos colocar esse tema como uma das principais reivindicações das marchas da classe trabalha-
dora: a ratificação da Convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata da nego-
ciação coletiva no setor público.

Não foi fácil convencer as várias visões existentes dentro de um Governo de aliança, com interesses
contraditórios, com preocupações extremamente “legalistas”, como por exemplo: a dificuldade de su-
perar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que coloca limites aos “gastos” de custeio; ou a dificuldade
de aprovar uma regulamentação que fosse de abrangência nacional, visto que haveria fortes posições
contrárias, principalmente dos municípios; ou ainda, a dificuldade de regulamentar uma legislação que
desse conta de atender o preceito constitucional da independência dos três Poderes (Executivo, Legisla-
tivo e Judiciário).

Apesar dos obstáculos colocados por várias assessorias jurídicas e parte da burocracia estatal que sem-
pre vem com aquela visão conservadora: “isso não vai dar certo”; “sempre foi assim, por que mudar?”;
“não devíamos mexer nisso agora, vai trazer mais problemas do que solução”. Prevaleceu o bom senso, a
sensibilidade de um líder sindical que tinha claro que havíamos ganhado a eleição para mudar as coisas,
para fazer diferente e não simplesmente administrar o que sempre foi feito, para enfrentar as dificul-
dades e seguir avançando, para perceber que ali, naquela mesa de negociação no Palácio do Planalto,
estávamos aplicando na prática aquilo que foi a característica histórica do novo sindicalismo: aliar o
processo de mobilização com negociação, para avançar na democratização das relações de trabalho no
Brasil. Estava autorizado o encaminhamento, pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional, da proposta
de Ratificação da Convenção 151 da OIT.

2 - A luta continua - O desafio da regulamentação

Começavam então novas batalhas e novos desafios para concretizar a decisão. No âmbito do Congresso
Nacional, convencer as lideranças partidárias que aquela proposta havia sido fruto de uma negociação

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entre as centrais sindicais e o governo, porque como historicamente acontece, o espaço da Câmara e do
Senado é palco de inúmeros interesses, negociações, “trocas”: eu te apoio aqui, mas tenho uma deman-
da aqui, etc.; e uma enorme dificuldade, a meu ver, de entender que o parlamento não é o único que
tem legitimidade para formular propostas, apesar de ser legalmente e constitucionalmente o espaço
onde determinadas políticas públicas devem ser aprovadas e transformadas em lei. Além disso, sempre
temos de conviver com a necessidade de alguns de “aparecer” como “patronos” da ideia.

No âmbito de alguns setores do governo, reapareciam as propostas de que primeiro precisávamos regu-
lamentar o direito de greve dos servidores, para depois discutir a regulamentação da negociação coletiva,
afinal não podíamos continuar convivendo com inúmeras greves que se prolongavam durante meses,
“atrapalhando a ordem e o bom encaminhamento dos serviços públicos”.

Já se vão vários meses de negociação e de convencimento de que o processo de regulamentação da


negociação coletiva do setor público não pode ser tratado de forma separada, pois são sistêmicas, ou
seja, fazem parte de um mesmo sistema: a livre organização sindical, o direito à negociação coletiva e os
mecanismos de solução de conflitos caso a negociação não chegue a um acordo. Estamos nessa fase da
regulamentação.

3 - São muitos os desafios do Projeto Democrático e Popular

A aprovação da ratificação da Convenção 151 da OIT e sua regulamentação são um primeiro passo, abso-
lutamente fundamental, para a democratização das relações de trabalho no Brasil, mas os desafios ainda
são muito grandes.

Começo pelas formações política e sindical que são imprescindíveis. Tanto para o movimento sindical
como para os partidos e também para os gestores públicos. As experiências recentes mostram o quanto
ainda temos que avançar.

O processo que culmina com inúmeras vitórias em várias cidades e estados brasileiros cria contradições
que precisam ser tratadas como estratégicas, pela formação e pelos dirigentes sindicais e partidários.

Quando ganhamos uma eleição, uma parte dos dirigentes mais experientes, sejam eles partidários, sindi-
cais ou de movimentos sociais acaba por assumir posições importantes dentro da estrutura de governo.

Cria-se então uma dupla contradição: por um lado, em vários casos, permanece no sindicato um grupo
de dirigentes que, por inexperiência ou ingenuidade, imagina que a vitória eleitoral põe fim à luta de
classes ou aos conflitos de interesses, e pode cair no erro de que “agora que temos pessoas que estavam
junto conosco neste lado da trincheira, todas as nossas reivindicações serão aceitas”.

Por outro lado, aqueles que vão para o governo têm uma tendência a imaginar que, em nome da tal
“governabilidade” e do “nosso projeto”, os dirigentes sindicais e partidários têm que entender que não
podemos atender às reivindicações, pois afinal governamos para o conjunto da população e não somen-
te para uma parte.

É preciso superar essas visões maniqueístas e caminhar no sentido de que os conflitos de interesses
fazem parte da disputa democrática. Cada um tem seu papel e precisa ser respeitado por isso, o que não
significa querer cooptar o outro.

Recentemente tivemos exemplos de problemas reais que mostram a nossa incapacidade e o nosso
despreparo para tratar de conflitos e de disputas políticas e isso deve ser debatido profundamente nos
espaços de formação, de diálogo e participação, envolvendo os atores que têm responsabilidade com
um projeto político estratégico de transformações.

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Do lado dos governantes, reiteradas vezes ouvimos frases do tipo: “não negocio em greve”; “só tenho
quatro (ou no máximo oito) anos de mandato e tenho que dar respostas rápidas a inúmeros problemas”;
“a lei de Responsabilidade Fiscal não me permite ter flexibilização para atender às reivindicações”; “Não
vou negociar porque não tenho proposta para apresentar”; “Para atender a reivindicação dos sindicatos
vou ter que tirar de outro lugar”; “Não existe milagre, os números do orçamento estão aí para todo mun-
do ver”.

Do lado do movimento sindical também merecem atenção algumas frases das lideranças, como: “O
governo está traindo o nosso apoio e o nosso voto”; “Quando precisam da gente para ganhar a eleição
eles pedem o nosso apoio, depois, nem nos recebem”; “Estamos sendo pressionados pela oposição, se
não chamarmos greve, vamos perder as nossas bases”; “Temos que aproveitar o momento de ter um
governo mais democrático, que não criminaliza o nosso movimento, para conquistar o máximo, porque
depois...”.

Estes são exemplos de conflitos que mostram que ainda temos fragilidades no nosso projeto estratégi-
co, ou pior, que existe uma mudança de princípios e de concepção que caracterizou a fundação do PT e
da CUT na década de 1980. Sobre isso, vale salientar a renovação existente nos quadros da esquerda no
Brasil que refletem, de alguma maneira, essas contradições.

Uma grande parte dos atuais dirigentes sindicais cutistas não viveu o nascimento do novo sindicalismo
no final da década de 1970, não teve que montar uma oposição sindical e tirar um pelego sindical que
tinha ficado vinte ou trinta anos dentro do sindicato. Nós que caminhamos para vinte ou trinta anos de
movimento sindical nos nossos sindicatos, da mesma forma, temos muitos trabalhadores das bases dos
nossos sindicatos que também não viveram parte dessa história. Ou seja, para muitos, as conquistas ob-
tidas são fruto de “liberalidade” das empresas ou dos gestores públicos, mas não fruto da luta, da mobili-
zação dos trabalhadores em torno do sindicato para que aquelas vitórias fossem possíveis.

Da mesma forma é grande o número de novos filiados ao Partido dos Trabalhadores que também não
vivenciaram a rica história de construção do partido. Um exemplo do que isso significa pode ser visto
nas últimas eleições municipais. Dos mais de seiscentos prefeitos eleitos pelo PT nessas eleições, quase
60% deles têm menos de cinco anos de filiação partidária.

Notem, não estamos falando apenas da necessidade de fazer com que os dirigentes e militantes conhe-
çam a história, o que é fundamental e imprescindível, mas principalmente estamos falando de princí-
pios, de concepção e de práticas políticas.

4 - O princípio da democracia

Como este é um princípio fundamental para nós, resgato as palavras do ex-presidente Lula em evento
recente, em Montevidéu, promovido pela Confederação Sindical das Américas (CSA), onde Lula e Mujica,
presidente do Uruguai, falaram sobre os desafios da esquerda latino-americana e sobre a democracia:

O exercício da democracia, a confiança na participação do movimento social, a participação do movimento


sindical na produção de propostas de políticas públicas e sociais, representou uma parte do êxito do meu
governo.

A proposta adotada em nosso governo, de uma política de valorização do salário mínimo, provém de propos-
ta do movimento sindical brasileiro; como também a proposta de concessão de crédito para os trabalhadores
brasileiros a juros mais baixos. Consolidamos, portanto, uma nova relação entre Estado e sociedade, e entre
governo e movimentos sociais e por que? Porque não podemos tratar o movimento sindical de forma utilita-
rista. Somente quando enfrentamos as eleições, e na campanha eleitoral todo mundo simpatiza com o povo
e com o movimento social, depois de vencer as eleições aquelas pessoas que ajudaram a ganhar as eleições

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não participam do processo de definição das políticas públicas.

Os dirigentes devem saber que não há nenhuma conquista que satisfaça os trabalhadores cem por cento. E
assim, cada vez que se conquista algo, quer outra conquista, desejamos um melhor salário e nos damos por
satisfeitos por três meses. Logo se quer mais. É normal do ser humano e, portanto, nós temos que entender
que o movimento social sempre vai demandar tudo que possa, e os movimentos social e sindical também
devem entender que o governo não pode dar tudo, nem sempre pode responder a todas as demandas do
movimento sindical. Se existir essa compreensão mutua, creio que estaremos em condições de consolidar
nossa democracia.

Luiz Inácio Lula da Silva

E a democracia precisa de interlocutores sérios, representativos e de confiança para ser fortalecida.

5 - O princípio da liberdade, independência e autonomia dos atores sociais

Este é outro elemento crucial para nosso debate interno. O dirigente sindical foi eleito para representar
os interesses imediatos e históricos da classe que ele representa; portanto, é preciso entender que essa é
a prioridade do dirigente sindical, até porque ele não pode perder a confiança de sua base. Isso é funda-
mental de ser compreendido pelo partido e pelos governos. O que não significa que esse mesmo diri-
gente não tenha lado nas disputas política, ideológica e de projetos. Ser independente não significa ser
indiferente, como diriam nossos companheiros uruguaios.

Os dirigentes nos governos têm que compreender que é preciso, primeiro, respeitar o dirigente sindical,
fortalecer a participação, o diálogo e a negociação; e segundo, que fomos eleitos para fazer mais, fazer
diferente, ou seja, se é para administrar da mesma forma que os outros, olhando para as “planilhas” e
afirmando que não tem condição de atender a nenhuma das reivindicações, qual é a transformação?
Qual o sentido de ser eleito se não for para fazer mudanças? É preciso usar a criatividade e fazer esco-
lhas, definir prioridades e saber que vai ter que enfrentar interesses, mas nunca perder a concepção e os
princípios.

Por fim, os dirigentes partidários não podem abandonar a base social do partido em nome de seus man-
datos ou da governabilidade dos eleitos. O partido tem que ter voz própria, não pode perder sua identi-
dade, ainda mais nem um cenário de alianças com outras forcas políticas. É preciso aprofundar o debate
entre nós sobre o diferente papel de cada ator, sem perder o objetivo estratégico: o papel dos governos,
do partido, o papel das bancadas de vereadores ou de deputados estaduais e federais que devem dar
sustentação aos nossos governos e o papel dos movimentos sociais.

6 - Conclusão

Sem a pretensão de neste curto espaço abarcar todas as nuances que o tema apresenta, concluo dei-
xando algumas questões e sugestões que, me parecem, precisam ser aprofundadas nas reuniões do
partido, do movimento sindical, nos espaços de formação etc.

Do lado do partido político, não é raro ver a influencia de determinados gabinetes de deputados es-
taduais ou federais nas eleições sindicais. Uma grande parte das disputas sindicais hoje existentes diz
respeito à essa péssima interferência que precisa ser corretamente tratada por nós da esquerda. Nossos
deputados ou vereadores não devem interferir, de forma a tentar “enquadrar” a direção dos sindicatos
em torno de uma determinada candidatura.

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Do lado do movimento sindical, é preciso superar as nossas debilidades organizativas e formativas.
Caminhar na construção de sindicatos regionais de servidores públicos municipais, principalmente nas
pequenas e médias cidades; organizar os trabalhadores a partir do local de trabalho, fortalecendo assim
a condição de lideranças sindicais; ser líder e enfrentar aqueles que apostam no quanto pior, melhor; não
devemos ter medo de “perder” uma ou outra assembleia; ser dirigente sindical e ter posição clara, defen-
der as propostas da direção e não simplesmente apresentar a proposta e a “base decide”. A assembleia
é soberana, mas o sindicato tem que ter posição e, perdendo ou ganhando, vai encaminhar a decisão da
assembleia: seja a greve, seja o acordo, seja o dissídio coletivo.

E nada de terceirizar a ação sindical. Comando de greve é para organizar a greve no dia seguinte, para
fazer piquete, para convencer os trabalhadores a aderirem e não para negociar “em nome” dos traba-
lhadores. Quem “negocia” é a direção do sindicato. Foi eleita para isso. Se não estiver contente, a base
muda na próxima eleição.

Do lado dos governos e gestores públicos é preciso formação, criatividade, paciência e respeito. A pior
prática é aquela que considera que é preciso derrotar o movimento, como se isso fosse lhe render algo
de positivo.

Tudo isso é mais fácil falar (ou escrever) do que fazer, mas se não tivermos capacidade de dialogar aber-
tamente sobre essas contradições nunca vamos caminhar para superá-las e para fortalecer a liberdade, a
democracia e a participação social, tão essenciais para o nosso projeto de sociedade.

Artur Henrique da Silva Santos é diretor da Fundação Perseu Abramo, presidente do IC-CUT.

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http://www.fpabramo.org.br

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