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Revpessoas

As Bras Crescimento
em medida Desenvolvimento
de segurança Hum. 2010; 20(1): 95-105 PESQUISA
Rev Bras Crescimento Desenvolvimento Hum. ORIGINAL
2010; 20(1): 95-105
ORIGINAL RESEARCH

AS PESSOAS EM MEDIDA DE SEGURANÇA E OS HOSPITAIS DE


CUSTÓDIA E TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO NO CONTEXTO
DO PLANO NACIONAL DE SAÚDE NO SISTEMA
PENITENCIÁRIO

PEOPLE IN DETENTION AND THE HOSPITALS OF CUSTODY


AND PSYCHIATRIC TREATMENT IN THE CONTEXT OF THE
NATIONAL HEALTH PLAN IN THE PRISON SYSTEM
Martinho Braga Batista e Silva 1

Martinho Braga Batista e Silva. As pessoas em medida de segurança e os Hospitais de


Custódia e Tratamento Psiquiátrico no contexto do Plano Nacional de Saúde no Sistema
Penitenciário. Rev Bras Crescimento Desenvolv Hum. 2010; 20(1): 95-105

Resumo
No contexto da implantação do Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário, as
pessoas em medida de segurança e os Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico
apontam para um desafio à efetivação dos princípios e diretrizes do Sistema Único de
Saúde. Duas questões se apresentam como os principais nós críticos: o pressuposto da
inimputabilidade, dificultando a assunção de responsabilidade pelos próprios atos; a
hegemonia da perícia, sobrepondo muitas vezes o controle ao cuidado no cotidiano
institucional. Entretanto, as equipes de saúde no sistema penitenciário não tem incumbências
periciais, apontando para um atendimento a pessoas em medida de segurança pautado pela
lógica da atenção básica. Além disso, a responsabilização em pauta pode não dizer respeito
exclusivamente ao cumprimento de obrigações e à busca de garantias, entre outras atribuições
que remetem a uma essência do ser humano, mas à possibilidade de engajamento na
existência em comum, a ponto de fazer caber o risco e a incerteza no cotidiano.

Palavras-chave: pessoas privadas de liberdade; plano nacional de saúde no sistema


penitenciário; sistema penitenciário; SUS

Abstract
In the context of implementation of the National Health Plan in the prison system, people
in detention and the Hospitals of Custody and Psychiatric Treatment pointed to a challenge
to the effectiveness of the principles and guidelines of the Single Health System. Two
questions present themselves as the main critical problems: the concepet of nonimputability,
obeying the rules the assumption of responsibility for their actions, the hegemony of
expertise, often overlapping control of the daily institutional care. However, the health
teams in the prison system have no responsibilities on technical evoluations, pointing to a
call to people in detention ruled by the logic of primary care. Furthermore, the accountability
of staff can not relate exclusively to obeying the rules and seeking guarantees, among other
tasks which refer to an essence of being human, but the extent of engagement in existence
in common, at the point to fit the risk and uncertainty in everyday life.

Key words: persons deprived of freedom; National Health Plan in the prison system; prison
system, single health system.
1 Mestre em Saúde Coletiva. Consultor da Área Técnica de Saúde no Sistema Penitenciário do Ministério da Saúde
Correspondência para: martinho.silva@saude.gov.br / silmartinho@gmail.com

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INTRODUÇÃO metragem denominado “A Casa dos Mortos”


(produzido pela equipe da ANIS/DF, grupo de
Segundo informações do Sistema Inte- pesquisa em bioética, gênero, sexualidade e
grado de Informações Penitenciárias / direitos humanos). Todas essas atividades acon-
INFOPEN, em janeiro de 2009 havia 31 regis- teceram por meio de convênios com esfera fe-
tros de Hospital de Custódia e Tratamento Psi- deral de gestão do SUS.
quiátrico / HCTP, sendo que desses registros 2 Desta maneira, encontramos tanto recu-
eram alas psiquiátricas em unidades prisionais os quanto avanços em relação ao tema das pes-
e 6 eram hospitais penais, de modo que soas em medida de segurança nesses últimos
totalizavam efetivamente 23 HCTP. Anos an- anos, algo que pode terminar por sedimentar
tes, em 2002, dados divulgados no relatório de algum redirecionamento dos recursos e reco-
um evento nacional sobre o assunto1 aponta- mendações do Estado Brasileiro em relação a
vam a existência de 19 HCTP. Dois estados da essa parcela da população, ínfima em relação
federação criaram HCTP ao longo desse pe- ao conjunto da população penitenciária: das
ríodo, entre 2002 e 2009: Piauí e Pará. aproximadamente 470 mil pessoas reclusas em
Ainda segundo dados do INFOPEN, os penitenciárias no país, em torno de 4.600 de-
23 HCTP estão em 18 dos 27 estados da fede- las estão em HCTP.
ração: Alagoas, Amapá, Amazonas, Bahia, Pessoas em medida de segurança, pes-
Ceará, Espírito Santo, Minas Gerais, Pará, soas privadas de liberdade, pessoas: essa no-
Paraíba, Pernambuco, Piauí, Paraná, Rio de menclatura não é ocasional, pois poderia usar
Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do também “internos”, “reeducandos”, “presos”
Sul, São Paulo, Sergipe e Santa Catarina. A e “portadores de transtorno mental”, entre ou-
grande maioria deles está na região Sudeste do tras, para não falar de “paciente judiciário” e
país (10 em 4 estados), embora haja muitos “louco infrator”. Será que é possível conceber
também na região Nordeste (8 em 8 estados). uma diretriz, norma ou recomendação no âm-
O HCTP com o maior número de pessoas está bito das políticas públicas considerando-se a
no estado do Rio Grande do Sul. trajetória de vida dessas pessoas, poucas em
Deve-se levar em conta, na leitura des- relação à população como um todo (inclusive
sas informações acima, que: o INFOPEN é um a prisional), mas cuja história remete a nós di-
sistema de informação do Departamento Peni- fíceis de desatar com nossos recursos bio-psico-
tenciário Nacional (DEPEN-MJ), em fase de sociais, bem como com nossas prerrogativas
aperfeiçoamento desde o ano de sua criação, ligadas à defesa dos direitos humanos?
em 2004, de modo que não oferece dados pre- Há dois pontos, pelo menos, que nos aju-
cisos e não abrange a totalidade da população dariam a encontrar respostas a essa questão.
carcerária; os HCTP são, oficialmente, insti- Um deles diz respeito à responsabilidade pe-
tuições penais, ou seja, não necessariamente nal, ao estatuto jurídico da inimputabilidade,
são regidos pelas normas e diretrizes do SUS, ao fato de que decreta-se a medida de seguran-
nem possuem leitos hospitalares (exceto no ça a pessoas que não são consideradas capazes
estado do RJ). de responder pelos próprios atos, tendo como
Ao mesmo tempo, três censos destino costumeiro o HCTP. O outro diz res-
psicossociais aconteceram nos últimos anos, peito ao dispositivo médico da perícia, através
nos estados do Rio de Janeiro, da Bahia e de do qual se determina quem está ou não em con-
Goiás, do mesmo modo que um vídeo sobre os dições de responder pelos próprios atos, quem
pacientes do Hospital de Custódia e Tratamento se mantêm ou não perigoso, condicionando a
de Salvador-BA foi fabricado, um curta- entrada e a saída dos HCTP. Veremos a seguir

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em que medida o Plano Nacional de Saúde no bres e superlotadas, facilitando a transmissão


Sistema Penitenciário aponta caminhos para de doenças infecto-contagiosas (hanseníase,
lidar com tais estatutos e dispositivos. tuberculose, DST / AIDS e hepatites, por exem-
plo), entre outras.2
O Plano Nacional de Saúde no Sistema
O PLANO NACIONAL DE SAÚDE NO Penitenciário / PNSSP foi uma estratégia go-
SISTEMA PENITENCIÁRIO vernamental para organizar o acesso de pes-
soas privadas de liberdade às ações e servi-
Com base em dados de diferentes siste- ços de saúde, contemplando uma parcela da
mas de informação consultados no início do população carcerária, aquela dita penitenciá-
ano de 2009, tais como aqueles do Instituto ria, já julgada e condenada.2 Em continuida-
Brasileiro de Geografia e Estatística / IBGE e de com a Lei de Execução Penal / LEP de
do Sistema de Informações Penitenciárias / 1984, com a Constituição de 1988 e com a
INFOPEN, pode-se dizer que dos quase 190 Lei 8.080 de 1990, todas enfatizando a ga-
milhões de habitantes no Brasil, espalhados em rantia do direito à saúde para o conjunto da
27 estados e mais de cinco mil municípios, população brasileira, inclusive aquela confi-
aproximadamente 470 mil estão presos. Eles nada em presídios3, esse Plano foi instituído
estão confinados em mais de 1.700 unidades a partir da Portaria Interministerial nº 1.777
prisionais / UPs, distribuídas em todas as re- de 2003. Foi criado tendo em vista principal-
giões e estados do país, dentre as quais aproxi- mente a alta incidência de doenças infecto-
madamente 700 são unidades penitenciárias, contagiosas entre essa população reclusa em
ou seja, destinadas à reclusão de pessoas estabelecimentos, na maioria das vezes,
julgadas e condenadas. superlotados e insalubres.
A partir desses números, pode-se pen- O Ministério da Saúde e o Ministério da
sar que se trata de uma parcela pequena da Justiça concordaram em pautar a atenção à saú-
população, algo equivalente a uma cidade de de no sistema penitenciário em 3 dos princípios
médio porte no Brasil. Em termos de popula- do SUS4: a universalidade, a equidade e a
ção a ser coberta pelo Sistema Único de Saúde intersetorialidade, ou seja, todos devem ter aces-
/ SUS, com unidades básicas de saúde / UBS e so às ações e serviços de saúde, inclusive popu-
equipes da Estratégia de Saúde da Família / lações vulneráveis, operando junto a outros se-
ESF em muitas das localidades brasileiras, tores – como a justiça e a segurança pública –
poderíamos, de relance, imaginar que a popu- para alcançar uma atenção integral em saúde.
lação carcerária representa um conjunto mo- O PNSSP não é um meio de prover ações
desto de pessoas a quem oferecer acesso aos e serviços de saúde à população penitenciária,
serviços e ações de saúde. pois geralmente já existem atendimentos em
Tanto não é esse o caso que criou-se, no saúde nas unidades prisionais.5 Com mais fre-
ano de 2003 (quando a população carcerária qüência acontece dos estados que solicitam a
era pouco mais de 200 mil), um plano (não uma adesão a esse Plano passarem a orientar suas
política) voltado a essa população privada de ações na direção da promoção e prevenção em
liberdade, entre outras coisas por conta das di- saúde, consolidando atividades de atenção bá-
ficuldades de acesso aos serviços e ações de sica dentro das unidades prisionais, através da
saúde: o Plano Nacional de Saúde no Sistema inserção das equipes mínimas de saúde no sis-
Penitenciário / PNSSP. As UPs – sejam elas tema penitenciário (médico, odontólogo, enfer-
presídios, penitenciárias, colônias, cadeias, de- meiro, psicólogo, assistente social, auxiliar de
legacias ou HCTP – são muitas vezes insalu- enfermagem e auxiliar de consultório dentário).

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Em agosto de 2009, 18 dos 27 estados se de um Plano, não uma Política. Não existe
da federação já haviam sido qualificados ao uma Política Nacional de Saúde no Sistema
PNSSP: Distrito Federal, Minas Gerais, Mato Penitenciário, como existe uma Política Nacio-
Grosso, Pernambuco, Rio de Janeiro, Bahia, nal de Saúde Mental, ou uma Política Nacio-
Goiás, Rondônia, São Paulo, Tocantins, Cea- nal de Saúde da Mulher, ou uma Política Na-
rá, Mato Grosso do Sul, Acre, Amazonas, Es- cional de Atenção Básica: o que existe é um
pírito Santo, Paraíba, Paraná e Rio Grande do Plano Nacional de Saúde no Sistema Peniten-
Sul, ou seja, todos os da região sudeste e cen- ciário, ou seja, um meio de fazer chegar essas
tro-oeste e uma parcela daqueles das demais políticas a pessoas reclusas em unidades peni-
regiões do país. São 209 equipes de saúde no tenciárias – presídios, penitenciárias, colônias
sistema penitenciário em 184 unidades agrícolas e outras unidades prisionais para pes-
prisionais do país, nas quais em torno de 150 soas julgadas e condenadas. É um Plano, insti-
mil das 300 mil hoje reclusas em unidades pe- tuído por uma portaria interministerial, que sela
nitenciárias se encontram (CNES e INFOPEN, um acordo, entre Ministério da Saúde e Minis-
agosto de 2009). Até essa data, ainda não ha- tério da Justiça, para que, de um lado, a orga-
via sido possível estender à totalidade das pes- nização das ações e serviços de saúde no siste-
soas privadas de liberdade essas ações, entre ma penitenciário seja cada vez mais pautada
outras razões pela dificuldade de contar com pela lógica da atenção básica e pelos princípi-
informações acerca da população reclusa em os do SUS, de outro lado, o SUS faça valer os
cadeias e mesmo sobre os presos provisórios, princípios da universalidade, equidade e
devido ao envio irregular e precário de infor- intersetorialidade e faça chegar inclusive a pes-
mações por parte das secretarias municipais de soas privadas de liberdade a atenção integral
segurança pública. em saúde.
Segundo o CNES, existem hoje apenas Então, não há uma Política Nacional de
5 equipes de saúde no sistema penitenciário Saúde no Sistema Penitenciário, como não há
nos HCTP, nos estados da Bahia, de Minas uma Política Nacional de Saúde voltada para
Gerais, de Pernambuco e de São Paulo. Ainda Pessoas Privadas de Liberdade, voltada para
seriam necessárias muitas outras equipes para os agravos decorrentes do confinamento, como
atender a esse conjunto de aproximadamente as doenças infecto-contagiosas que predomi-
4.600 pessoas, espalhadas em 23 HCTP em 17 nam nos estabelecimentos com características
estados da federação. Hoje, essas equipes de de depósito de gente, superlotados e insalubres,
atenção à saúde no sistema penitenciário não sejam eles prisões ou não.
poderiam ser estendidas à totalidade dos HCTP, Então o Plano Nacional de Saúde no Sis-
pois nem todos os estados em que há HCTP tema Penitenciário surge para fazer frente a
estão qualificados ao PNSSP: são eles Alagoas, esses problemas estruturais do sistema peni-
Amapá, Pará, Piauí, Rio Grande do Norte, tenciário, a superlotação e a insalubridade, por
Sergipe e Santa Catarina. No entanto, nos es- isso as equipes de saúde no sistema penitenci-
tados do Amazonas, do Ceará, do Espírito San- ário estão voltadas prioritariamente para ações
to, da Paraíba, do Paraná e do Rio Grande do de promoção e prevenção em saúde, por isso a
Sul isso seria possível. lógica da atenção básica deve balizar o pro-
Desta maneira, a Área Técnica de Saú- cesso de trabalho em equipe, embora se saiba
de no Sistema Penitenciário surgiu no Minis- que as demandas do sistema prisional sejam
tério da Saúde por conta de um Plano, o Plano de pronto-atendimento, cura e internação, em-
Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário, bora se saiba que o que predomina nas prisões
instituído pela portaria 1.777, de 2003. Trata- é a perícia e não a clínica, embora se saiba que

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as 470 mil pessoas hoje presas no país estão cisa manter o local em que a equipe vai aten-
em estabelecimentos que não foram der em condições de salubridade adequadas,
construídos para caber nem 300 mil e que o bem como delimitar onde a pessoa reclusa vai
Plano surgiu quando havia 200 mil pessoas ser atendida quando for necessário encaminha-
presas no país. mento para atenção ambulatorial ou hospita-
Então o PNSSP é o resultado de um com- lar. Até agora, entre 2003 e 2009, todos os es-
promisso do SUS, de estender as ações de saú- tados da federação solicitaram adesão ao Plano,
de a todos, inclusive às populações mais vul- embora apenas 18 estejam qualificados ao Pla-
neráveis, em ações conjuntas com outros no, ou seja, em condições de organizar suas
setores, como a justiça, efetivando os princípi- ações de saúde no sistema penitenciário com
os da universalidade, equidade e intersetoria- base na lógica da atenção básica.
lidade. A intersetorialidade, tomada como ideal
e desejável em muitas políticas públicas no
âmbito do SUS, é absolutamente necessária no PERÍCIA
contexto do PNSSP: é saúde e justiça, há ne-
cessidade de uma composição entre saúde e Ao invés de investigar os processos so-
segurança a todo o momento nas ações de saú- ciais de rotulação, através da escuta dos
de no sistema penitenciário, não há como fa- “desviantes” e dos seus familiares, como é co-
zer saúde de outro modo nesse contexto. mum na literatura das ciências sociais sobre o
Como dizia a antiga coordenadora da fenômeno da loucura, outro caminho se dese-
Área Técnica de Saúde no Sistema Penitenciá- nhou investigando os processos históricos de
rio, Maria Cristina Ferreira, são eles – “a justi- institucionalização de especialidades médicas,
ça” – que tem as chaves. Assim, fica difícil através da análise dos textos daqueles que pro-
pensar na elaboração e planejamento de ações duzem as classificações que permitem apontar
sem o Departamento Penitenciário Nacional, alguém como “louco”, “criminoso” ou outros
o DEPEN/MJ. Assim, esse Plano tem como termos de forte cunho pejorativo. Eis o caso
pressuposto a intersetorialidade trata-se de uma das contribuições de Peter Fry7 sobre os deba-
necessidade, não é nada decorativo ou para fi- tes entre médicos e juízes ao longo do proces-
car bonito na foto. Assim, esse Plano parte do so criminal que condenou Febrônio Índio do
pressuposto de que a saúde não se basta, ela Brasil, considerado “louco moral”, a passar a
não é auto-suficiente, como nós não nos basta- maior parte de sua vida em um manicômio ju-
mos, não somos auto-suficientes, precisamos diciário.
dos outros e precisamos construir coisas com Esse autor reuniu tanto as contribuições
os outros. de M. Gluckman sobre análise de situações e
Uma última nota sobre esse Plano, que dramas sociais quanto aquelas de M. Foucault
não é Política, não é voltado para todas as pes- e R. Castel sobre a institucionalização da psi-
soas privadas de liberdade e não é auto-sufi- quiatra em meio aos conflitos com as institui-
ciente: ele só acontece por adesão dos estados ções judiciárias, acerca do grau de responsabi-
da federação, é o estado que opta por organi- lidade do indivíduo. A partir daí, Peter Fry7
zar as ações e serviços de saúde de suas peni- esboçou uma metodologia para tornar possí-
tenciárias com base na lógica do SUS, não é vel enxergar ação e representação social ope-
uma obrigação. Além disso, ainda que estado rando conjuntamente, através da análise de si-
opte por aderir ao Plano, recebendo um incen- tuações dramáticas específicas, onde o papel
tivo financeiro para custeio das ações das equi- dos “criadores de regras e rótulos” ou “empre-
pes de saúde no sistema penitenciário, ele pre- sários morais”, ou seja, dos psiquiatras e juris-

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tas, se destaca. Segundo ele, na categoria “lou- tantes da psiquiatria e da medicina legal, em
co moral” (monomania, conhecida como lou- torno da responsabilidade individual sobre os
cura sem delírio), tal qual descrita e colocada próprios atos.
em operação pelos psiquiatras do início do sé- Esses embates podem ser resumidos sob
culo XX no Brasil, caberia tanta gente que a forma de duas concepções conflitantes sobre
poderia ser a matriz de um processo de o indivíduo com efeitos diversos em termos de
psiquiatrização de comportamentos de ampla responsabilidade, concepções estas que se
escala (Fry, 1982: 80). superpõem no caso das intervenções sociais
Sérgio Carrara6 discorre sobre o apare- relativas ao louco criminoso: o modelo jurídi-
cimento do manicômio judiciário na passagem co-punitivo e o modelo psiquiátrico-
do século XIX e XX no Brasil, o Heitor terapêutico. Assim:
Carrilho, no Rio de Janeiro-RJ. Aguçando a “De um lado, há a versão que poderia
metodologia já esboçada por Peter Fry7, dedi- ser chamada jurídico-racionalista e que
cou o primeiro período de sua pesquisa à ob- vê o indivíduo como sujeito de direitos
servação da rotina de trabalho do próprio esta- e de deveres, capaz de adaptar livremen-
belecimento: hospital psiquiátrico e cadeia ao te seu comportamento às leis e normas
mesmo tempo, o manicômio judiciário manti- sociais, capaz de escolher transgredi-las
nha muitas décadas depois de sua criação a fi- ou respeitá-las, capaz, enfim, de ser
losofia que o inspirava. moral e penalmente responsabilizado
O autor apresenta o Caso Custódio por suas ações. De outro lado, há a ver-
Serrão tal como Peter Fry7 o fez com Febrônio são que poderia ser denominada psico-
Índio do Brasil, reunindo um conjunto de li- lógico-determinista, que vê o indivíduo
vros, jornais e documentos que permitem com- (principalmente o indivíduo alienado)
preender o debate entre médicos e juízes no não enquanto sujeito, mas enquanto ob-
início do século XX, sendo que a instalação jeto de seus impulsos, pulsões, fobias,
do manicômio judiciário e a concomitante con- paixões e desejos. Nessa última versão,
solidação do estatuto da curatela do louco fo- as estruturas determinantes do compor-
ram consideradas por ele uma vitória da medi- tamento, estando aquém da consciência
cina sobre o direito: era consenso que alguns e da vontade, não permitem que o indi-
cidadãos deveriam ser considerados tuteláveis víduo seja moralmente responsabiliza-
tendo em vista indícios de alienação mental, do no sentido do modelo anterior, não
mas não que este era o caso de Custódio Serrão sendo, portanto, passível de punição
que, assim como Febrônio, reunia em si as ca- (pág. 46-47)6.”
racterísticas que muitas vezes os aproximavam Esse estudo tematiza a dimensão jurídi-
da categoria “louco moral”. ca e moral da responsabilidade dos atores so-
Seu estudo fornece muitas vias de com- ciais, procurando destacar a ambigüidade com
preensão das representações acerca da respon- que se lida com a responsabilidade desse ente
sabilidade individual e das decisões judiciais “limítrofe” entre a psiquiatria e a justiça, desig-
acerca de indivíduos que são considerados ir- nado ora louco criminoso, ora psicopata e ora
responsáveis de um ponto de vista legal. A pes- monomaníaco na época da criação dos manicô-
quisa sobre o caso de Custódio Serrão, ao lon- mios judiciários. As disputas entre Nina
go do qual emerge a disputa entre essas Rodrigues e Teixeira Brandão, eminentes mé-
disciplinas por conta de um assassinato e uma dicos do início do século XX, no sentido de de-
suspeita de alienação mental, procura dar visi- terminar o grau de periculosidade e de respon-
bilidade aos debates concretos entre represen- sabilidade de Custódio ilustram tal formulação:

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“Neste sentido, os manicômios judiciá- Então, podemos tirar como lições que:
rios não deixam de ser uma espécie de o surgimento dos manicômios judiciários co-
monumentos ao triunfo da psiquiatria, incidiram com a consolidação de um dispositi-
pois, pelo menos no caso brasileiro, de- vo, a perícia psiquiátrica, e com o alastramen-
pois do surgimento da nova instituição, to de uma categoria diagnóstica, a monomania
será aos médicos do manicômio que os (ou loucura sem delírio); segundo, que mais
juízes se voltarão preferencialmente em do que o dispositivo da clínica e seus efeitos
busca de um parecer sobre responsabili- nefastos, tão bem sublinhados por M. Foucault,
dade penal. Perícia e custódia passam que todos conhecemos bem - a privatização da
portanto a ficar nas mesmas mãos...” existência, o reducionismo operado pelo olhar
(pág. 220)6 médico, entre outros – talvez a perícia seja um
O que a obra desses autores6,7 sublinha desafio ainda mais difícil de ser enfrentado por
é que o surgimento desse tipo de estabeleci- nós, por todos nós comprometidos com a im-
mento – o manicômio judiciário – remete a um plantação do Sistema Único de Saúde no país.
limite classificatório de nossas sociedades oci- Então a gente nota que os manicômios
dentais modernas, já que as pessoas em medi- judiciários coincidiram com a consolidação da
da de segurança não poderiam ser acomoda- perícia psiquiátrica, para dizer quem tem e
das nem nos hospícios nem nos presídios, não quem não tem condições de responder pelos
caberiam de todo nem nos sistemas diagnósti- próprios atos, quem é ou não cidadão, quem
cos da psiquiatria nem naqueles da pode ou não ser tutelado: em outras palavras,
criminologia. O manicômio judiciário, hoje nessa época consolida-se um potente disposi-
HCTP, é o lugar para o qual aponta-se um es- tivo, que valida ou invalida pessoas, diz que
paço para esse limite classificatório, é o esta- uns são capazes e outros incapazes para traba-
belecimento para o qual ainda hoje enviam-se lhar, conviver ou mesmo ter sentimentos, é um
egressos de uma situação definidora de desti- dispositivo médico cujas conseqüências são de
nos: a perícia. forte cunho moral. Esse dispositivo continua
A perícia médica assume papel preponde- em vigor, seja no exame criminológico, seja
rante nessa situação, mais do que os clínicos e os na perícia para concessão de benefícios, seja
membros do sistema judiciário, já que cabe aos naquela perícia psicossocial em formação, que
peritos tanto determinar em que casos caberia uma valida ou invalida não pessoas, mas famílias e
medida de segurança e não uma pena, assim como vizinhanças, que diz quem é ou não capaz de
realizar o exame de cessação de periculosidade.8 conviver e cuidar, que contribui para rotular
Continua-se criando HCTP no país, embora tam- uma família de manicomial, desestruturada, ou
bém tenham-se construído mecanismos para tor- uma vizinhança de intolerante ou refratária ao
nar o decreto de medida de segurança signo de ideário da reforma psiquiátrica, ou uma socie-
tratamento, seja ele ambulatorial ou hospitalar. dade de desabilitada para tolerar o fenômeno
Essa vitória da medicina sobre o direito no início da loucura. Diferente da clínica, a perícia não
do século XX, um estabelecimento que reconhe- pressupõe manutenção do contato interpessoal
ce que aqueles que comentem infrações podem para produzir efeitos, diferente da clínica, na
precisar de tratamento e não de castigo, hoje, no perícia o diagnóstico não serve para formular
início do século XXI, é um impasse para o SUS, um projeto terapêutico ou qualquer outra con-
permitindo que instituições médicas sejam cria- dução terapêutica no sentido de restaurar a saú-
das à revelia da lógica da integralidade, de do indivíduo.
intersetorialidade e interdisciplinariedade, entre A gente nota também que os manicômi-
outras. os judiciários coincidiram com a difusão de

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uma categoria médica, a monomania, tornan- pode-se resumir essa “manifestação de


do esse diagnóstico de loucura sem delírio mais irresponsabilidade de pessoas supostamente
freqüente do que antes, contribuindo para responsáveis” como um conflito e incerteza da
categorizar de alienados mentais ou ainda psi- racionalidade das decisões.*9
copatas pessoas que não seriam consideradas Com base na questão “de que somos res-
como tais anteriormente, favorecendo que ponsáveis?”, esse autor9 nos apresenta uma in-
muita gente se tornasse classificável como al- teressante reflexão acerca da experiência con-
guém com problemas de ordem médica e não temporânea da responsabilidade, na qual
jurídica. Esse processo de transição entre ca- “chama-se à responsabilidade mesmo no mo-
tegorias de acusação, rótulos e classificações mento em que não se sabe mais o que ser res-
médicas continua em vigor, fico pensando em ponsável significa” (Idem: pág. 59). O autor
que medida na categoria portador de transtor- desenvolve uma abordagem filosófica do pro-
no mental ou mesmo de pessoa em sofrimento blema, exercitando uma atividade crítica que
psíquico intenso não cabe tanta gente quanto se quer mais próxima da ética do que da lei ou
antes na categoria monomania. da jurisprudência. Nos interessa sublinhar al-
Dito isso, esse ponto de partida do de- gumas de suas contribuições, mais do que ade-
bate, que acentua o desafio da perícia no con- rir à sua perspectiva teórica.
texto do Sistema Único de Saúde – seja a perí- Pode-se definir responsabilidade como
cia que concede direitos, como aquela do INSS, “... um modo de regulação social e uma técni-
seja a que estipula o grau de periculosidade, ca de sanção das infrações e de reparação de
como o exame criminológico – e destaca a ne- danos, estando fundada sobre uma certa cons-
cessidade de se falar de pessoas em medida de ciência das obrigações(pág. 60)”.9 A experiên-
segurança em processo de inserção social, va- cia contemporânea dessa noção remete ao ris-
mos passar a outro ponto sobre as pessoas em co, na medida em que, segundo o autor,
medida de segurança e os HCTP no contexto estamos vivendo uma consciência da impotên-
do Plano Nacional de Saúde no Sistema Peni- cia de nossa vontade objetivada no saber téc-
tenciário: a responsabilidade. nico, ou seja, uma falência de nossa esperança
de controle técnico do acaso e da incerteza.
Algo como um conflito entre a técnica e a éti-
RESPONSABILIDADE ca, em um contexto onde a vida no planeta se
encontra em risco mas há muita incerteza com
François Ewald9 nos fala de uma crise relação ao modo pelo qual é possível encarre-
da responsabilidade no mundo contemporâneo, gar-se disso:
sublinhando não só a dimensão jurídica mas “... o risco se encontra num halo de
também política e filosófica dessa crise. Even- incerteza correspondente a isso que
tos como o escândalo do sangue contaminado nós sabemos não saber. É a partir deste
e da “vaca louca” são manifestações da mes- retorno da incerteza que se formula
ma, assim como o maior proveito indenizatório hoje o apelo à responsabilidade, mas
dos danos civilizatórios e o silêncio do parla- com uma dificuldade constitutiva: é o
mento em relação a temas como meio ambien- próprio princípio da ignorância ino-
te e acidentes de trabalho. Segundo esse autor, cente que hoje torna responsável, e

* Desse ponto de vista, a crise contemporânea da responsabilidade é uma crise da decisão, uma crise da racionalidade
das decisões, uma crise do conflito das racionalidades das decisões. É ao mesmo tempo uma crise, um conflito,
dos valores que aí estão envolvidos e da hierarquia a ser estabelecida entre eles.

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isso em condições onde, por princípio, os outros, que estão também numa certa
não podemos nos remeter ao saber de relação de dependência (pág. 70)”.9
um expert (pág. 61).”9 Penso que esse autor nos indica outra
O tema da responsabilidade, segundo possibilidade de pensar nosso tema, no qual
esse autor, não foi sistematizado por nenhum quem responde o faz por comprometimento e
autor das ciências humanas, no entanto, os es- envolvimento com o outro no interior de uma
tudos jurídicos sobre ele são muitos. Esse con- relação de poder: responde aquele que se
junto de estudos forneceu elementos para sua engaja, não necessariamente aquele que teve a
investigação, como por exemplo a necessida- intenção ou que tem consciência do ato. A dí-
de de definir o modo pelo qual esse conceito vida está ligada a um engajamento ao invés de
costuma ser investigado na tradição jurídica: uma falta, segundo essa concepção.
responsabilidade como falta. O PNSSP funciona por adesão dos esta-
A idéia segundo a qual há uma obriga- dos, não por obrigação. O PNSSP prevê um
ção legal de reparação do prejuízo, estabele- envolvimento paulatino dos gestores e traba-
cendo-se uma dívida entre indivíduos, contri- lhadores da saúde no sistema penitenciário com
bui para que a responsabilidade seja pensada a população prisional, ao longo do processo
como causalidade e falta. Um indivíduo deve de formulação dos POE (2). Ou seja, mais do
responder por seus atos na medida em que é que exigências, obrigações e cobranças tratam-
causa de sua ação. Além disso, tem obrigação se de engajamento paulativo, adquirido depois
para com suas atitudes em um contexto no qual de um pedido de adesão.
elas causam dano, prejuízo. Para François
Ewald9 é a dimensão de engajamento o princi-
pal motor da obrigação de reparar o dano, de CONSIDERAÇÕES FINAIS
maneira que mais do que uma relação de cau-
salidade – indivíduo responde porque é a cau- As equipes de saúde no sistema peniten-
sa do ato – a responsabilidade é uma relação ciário atuam dentro das unidades prisionais, já
de poder, onde alguém responde por laços de que essa população, privada de liberdade, não
dependência, obediência ou dever com o ou- pode procurar atendimento em saúde no SUS.10
tro. Segundo ele, o responsável não é aquele a São equipes de atenção básica, voltadas prin-
quem podemos eventualmente imputar a carga cipalmente para atividades de prevenção e pro-
de um dano, é aquele que se engaja numa certa moção em saúde. Tendo em vista a
forma de ser na qual a existência de um outro superpopulação e a insalubridade, problemas
está imediatamente presente: estruturais do sistema prisional, essas equipes
“Resumindo: indivíduo responsável, no procuram particularmente lidar com doenças
sentido filosófico, não tem nada a ver infecto-contagiosas, como a tuberculose, em
com a noção de falta, à qual a tradição número muito maior na população prisional que
jurídica por muito tempo a associou. Ser no resto da população. Elas não respondem às
responsável descreve uma figura ética, demandas do sistema penitenciário, de pron-
um trabalho de si sobre si, uma ascese to-atendimento, atenção 24 horas e urgências /
graças a qual um indivíduo se distingue emergências, para tanto contando com a orga-
dos outros pelo seu engajamento em sua nização de uma rede de serviços ambulatoriais
palavra, que arrisca o futuro levando a e hospitalares de referência.
incerteza do presente. O peso da respon- Mas para que incluir essas equipes mí-
sabilidade está em que, nessa palavra, nimas de saúde no sistema penitenciário nos
não se engaja somente a si mesmo, mas HCTPs? De que adiantaria, para o atendimen-

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to de pessoas em medida de segurança, uma governamental? Algo a partilhar ou a asse-


equipe pautada pela lógica da atenção básica, gurar?
que em situações de urgência ou quando há O sentido do termo responsabilidade
necessidade de um especialista encaminha para aparece como algo que remete ao governo, sen-
a atenção hospitalar ou ambulatorial? O que do que responsável seria o governo capaz de
acontece é que não são profissionais, são equi- assegurar eventos futuros, ofertando garanti-
pes. O que acontece é que essas equipes não as. Essa é a visão tradicional do termo, ligado
têm incumbências periciais. à segurança, à prevenção e a previsibilidade.9
Apesar das demandas de pronto-aten- Entretanto, o diálogo com François
dimento e de perícia do sistema prisional, Ewald9 aqui estabelecido nos abre a possibili-
apesar da tendência de encapsulamento, blin- dade de conceber a responsabilidade como algo
dagem e auto-suficiência das penitenciárias, de âmbito existencial, não essencial. Não ne-
do desejo freqüente de aparatos para emer- cessariamente responsabilizar-se é algo da or-
gência e isolamento por parte dos diretores dem da obrigação a cumprir, que caberia a to-
de unidades prisionais, não cabe a nenhum dos, mas do processo pelo qual alguns, vários
profissional que compõe essas equipes qual- ou muitos adquirem compromissos crescentes
quer atividade de ordem pericial, como o exa- com a existência dos outros, fazendo caber em
me criminológico por exemplo, embora não suas vidas o risco e a incerteza, ao invés de
seja incomum encontrar psicólogos e assis- buscar garantias. Trata-se de algo da ordem do
tentes sociais trabalhando separado do resto engajamento, do envolvimento com o outro a
da equipe quando visitamos unidades peni- ponto de tornar-se paulatinamente mais impli-
tenciárias, ou seja, embora os diretores de cado com a existência em conjunto.
unidades prisionais continuem atribuindo in- É isso que gostaria de grifar: as equipes
cumbências periciais a uma parcela dos pro- não tem atribuições periciais, estando voltadas
fissionais dessas equipes, que nem sempre para ações de prevenção e promoção em saúde
recusam esse mandato social e tendo sido concebidas em uma perspectiva
De todo modo, quando essas equipes intersetorial, de articulação de setores e lógi-
atuam em HCTP, junto a pessoas em medida cas de ação governamental; as equipes preci-
de segurança, tem que lidar com o impasse sam lidar com a questão da responsabilidade,
gerado pela inimputabilidade, ou seja, pelo fato não tanto pela via das obrigações e deveres
dessas pessoas não serem consideradas capa- cumpridos, mas do engajamento e compromis-
zes de responder pelos próprios atos, de um so adquiridos.
ponto de vista jurídico. A questão da responsa- A intersetorialidade é um princípio cha-
bilidade é algo bastante presente no cotidiano ve no processo de consolidação do SUS, bas-
essas equipes de saúde no sistema penitenciá- tante apropriado para as ações em saúde no sis-
rio que trabalham no interior de HCTPs, bem tema penitenciário. Parte-se do pressuposto de
como de equipes que atendem pessoas em me- que a efetivação dessas ações não é uma in-
dida de segurança. cumbência exclusiva do setor saúde, nem do
Mas do que se trata responsabilida- setor justiça ou mesmo do setor segurança ou
de? Uma atribuição, um papel, uma função? assistência social, mas algo que exige articula-
Uma falta a compensar, um dano a reparar, ção, parceria. Parte-se do pressuposto de que
um erro a corrigir? Garantir eventos futu- não nos bastamos, não somos auto-suficientes,
ros, encarregar-se por algo ou alguém, as- precisamos agir em conjunto para chegar a al-
sumir compromissos? Seria a responsabili- gum ponto na condução dessas ações governa-
dade algo de ordem individual, grupal ou mentais.

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AGRADECIMENTOS: Galbinski, bem como ex-participantes des-


sa equipe que muito contribuíram para ga-
Agradecimentos a toda a equipe da rantir atenção integral a pessoas em medida
Área Técnica de Saúde no Sistema Peniten- de segurança no âmbito do SUS, como Ale-
ciário / DAPES / SAS / MS, Maria Thereza xandra Trivelino, Tatiana Estrela, Leonardo
de Freitas, Daniela Gontijo e Kátia Guirao e Lany Valente.

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3. BRASIL / MS / MJ. Portaria psiquiatria, justiça e cidadania do louco
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setembro de 2003. 1992.
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Poder Executivo, Brasília, DF, 20 set. em Política Social) – Departamento de
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