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presentes

do
passado
Talvez todo hobby seja também um tipo de fuga. Alguma atividade à qual
recorrer em momentos de tédio, a princípio, e com o tempo algo para desviar
o pensamento de qualquer situação desagradável. Com isso em mente, acho
curioso que os dois maiores hobbies as quais dedico meu tempo tenham sur-
gido mais fortemente na minha vida no ano de 2001: a música e a genealogia.
Esta última é o tema desse texto.
O ano de 2001, dos meus doze anos de idade, foi particularmente propí-
cio para querer pensar em coisas fora do meu cotidiano. Não que tenha sido
um ano de todo ruim, longe disso; os fins de semana continuavam excelentes,
com visitas aos avós e encontrando os amigos no clube, mas não se podia
dizer o mesmo do dia-a-dia escolar. Apesar de sempre ter sido bom aluno,
alguns atritos e implicâncias mútuas com certos professores chegavam a tra-
zer o desejo de amanhecer um pouco doente todos os dias, para evitar ter de
lidar com a situação.
Mas foi em um fim de semana que esse hobby em particular nasceu, em

1 revistababel
um domingo do primeiro semestre. Lembro-me bem: tinha Vitalina estava grávida do segundo filho quando Temisto-
ido almoçar na casa de meus avós paternos, e após a refeição cle resolveu imigrar para o Brasil; a situação econômica deve
ficamos todos à mesa conversando, eu um pouco distraído ter piorado nesse meio tempo. Veio primeiro sozinho, para
em meus pensamentos, sentado à cabeceira (meu lugar cati- testar a vida no novo continente. Conseguiu se estabelecer
vo desde 1993) com a cabeça apoiada sobre uma mão fecha- com uma mercearia, que obteve relativo sucesso; em seguida
da. Pensava sobre meu convívio com meus avós, e de repente uma irmã e um cunhado vieram também, e ficaram cuidando
me ocorreu algo em que eu nunca tinha pensado: será que do negócio enquanto Temistocle ia buscar a esposa, os filhos
meus avós conviveram com os avós deles? Será que eles al- e os pais idosos na Itália. Infelizmente, devido talvez a alguma
moçavam aos domingos? Sobre o que conversavam, como falha de comunicação, na volta a mercearia havia falido ou
eram essas relações naquela época? Aliás, quem foram essas sido vendida, e a família não tinha nada.
pessoas sem as quais eu não estaria aqui? Para sustentar a família, Temistocle passou a desbravar
Assim comecei meu primeiro método de pesquisa, as fazendas e trabalhar em construções pelo interior paulista,
simples perguntas, confiando na memória de meus avós. “Vó, enquanto a família estava estabelecida em Piracicaba. Ti-
você conheceu seus avós? Como eles se chamavam?” Minha veram mais três filhos. Afastado da família a maior parte do
avó respondeu: “Meus avós se chamavam Teresa, Vicente, Vi- tempo, passou a beber, e faleceu tragicamente por volta de
talina...” – até aí muito fácil de lembrar, afinal eram os nomes 1903, trabalhando na construção de uma ponte em Santa
dos três irmãos mais velhos dela, como eu já sabia – “... e The- Bárbara d’Oeste; não tinha mais do que 37 anos de idade.
místocles.” Themístocles? Agora um pouco mais complicado. Vitalina, viúva, corajosamente conseguiu sustentar a fa-
Melhor eu anotar, senão vou esquecer. Peguei uma folha em mília se lembrando do talento que aprendera na longínqua
branco e uma caneta, anotei os nomes, sobrenomes, datas terra natal; passou a costurar para famílias ricas de Piracica-
aproximadas de nascimento e falecimento, e não parei mais. ba, inclusive a família do ex-presidente Prudente de Moraes.
--- Acabaram vindo para São Paulo, e Vitalina viveu o suficiente
Temistocle Carlo Luigi Agosta nasceu em 27 de junho para ter vários netos, falecendo em 1932; uma minha tia-avó
de 1866 no comune italiano de Gazzuolo, pequena cidade ainda se lembra dela como senhora extremamente elegante.
perto de Mântua, nascida na Idade Média, que mesmo hoje ---
tem apenas pouco mais de dois mil habitantes. Até os quatro Eu tive a sorte de começar minhas pesquisas bastante
anos de idade foi tecnicamente súdito do império austríaco; cedo. Isso significa que além de ter convivido e conviver mui-
em outubro Mântua passou a fazer parte do recém-formado to com meus avós, ainda tive possibilidade de entrevistar al-
Reino da Itália. Deve ter sido batizado na igreja de Santa Maria gumas pessoas da geração de meus bisavós, que adoraram a
Nascente, do século XVII. Seus pais, Antonio e Angela, já ti- rara oportunidade de contar suas histórias e impressões para
nham certa idade para os padrões da época, aos 45 e 38 anos um interessado adolescente. Nessa época a pesquisa ainda
respectivamente, e Temistocle tinha irmãos bem mais velhos; era pouco sofisticada; não sabia ir atrás de muitos documen-
era provavelmente o caçula. O pai e o avô Carlo Agosta, que tos, meus avós tinham alguns, um bisavô interessado no as-
também era vivo na época, eram pescadores; a muitos quilô- sunto tinha deixado vários papeis fascinantes, mas o grosso
metros do mar a leste e a oeste, talvez pescassem no rio Oglio, da pesquisa era na base das conversas e entrevistas.
que banha a cidade. Para mim isso foi muito bom; por mais que eu goste mui-
Não sei se frequentou alguma escola, ou se tinha atritos to da precisão das datas e locais e nomes completos, o mais
com professores; é possível, o governo italiano já previa uma interessante é a história, o lado humano; o trabalho de inves-
mínima escolaridade obrigatória. Imagino o pequeno Temis- tigador, tentando coletar as evidências e montar as cenas,
tocle na frente de uma antiga casa de pedra, vendo o pai e o mas também entender os personagens e suas motivações.
avô saírem para pescar, e observando os moradores da cida- Assim como a leitura de cartas familiares de época, e duas
de em sua rotina; tão poucos, provável que quase todos se providenciais autobiografias de parentes bem antigas, essas
conhecessem. Dentre eles, a menina Vitalina, alguns meses entrevistas me aproximaram dos personagens mais do que
mais nova do que ele, filha do construtor Gennaro Mori, de qualquer documento frio poderia; até hoje às vezes penso
família mais importante e rica no local. em parentes cinco ou seis gerações acima da minha como
Temistocle tinha doze anos quando o avô faleceu. Aca- “tio” e “tia”.
bou por não seguir a atividade da família, e praticou para ser Ao mesmo tempo, a consciência das gerações mais ve-
carpinteiro em vez de pescador. Como exatamente acabou lhas da família, das quais entrevistei e conversei com muitas
se envolvendo com a prendada Vitalina, exímia costureira, é pessoas, me colocou em contato com algumas das primeiras
história que infelizmente ainda não conheço; talvez tenha se mortes de conhecidos na minha vida. Eu conheci dois bisa-
perdido para sempre no tempo, e talvez ainda me apareça de vôs, aliás os dois que me deixaram meus sobrenomes, mas
forma inusitada, como tantas vezes aconteceu. O fato é que era muito novo quando eles faleceram e não sei sequer se
se casaram em Gazzuolo em 6 de julho de 1889. fui informado; devo ter suposto um tempo depois que eles

revistababel 2
não apareceriam mais. Meus avós eram todos vivos e mesmo
meus tios-avós também, com exceção de uma que falecera
antes de eu nascer; mas os tios-bisavós e primos distantes
não.
É estranho pensar na morte, do ponto de vista de um ge-
nealogista; além de todo o aspecto da perda pessoal (e, com
a importância do aspecto pessoal na pesquisa também, é
possível se sentir bastante próximo de parentes bem distan-
tes), perde-se um pouco da história. O objeto da genealogia
é a vida das pessoas; além de um parente, perde-se uma fon-
te, um testemunho. E ao mesmo tempo ganha-se mais uma
motivação para pesquisar: conhecer e se envolver também
é uma forma de honrar a vida dos que se foram. Talvez, um
pouco, uma tentativa de fuga da morte também.
E assim chegamos à segunda fonte de pesquisa que eu
descobri ao longo desses anos: os cemitérios, onde se en-
contram nomes e datas de nascimento e falecimento conve-
nientemente agrupados por família; quando se está lá sem o
prejuízo emocional de estar enterrando alguém, é um lugar
excelente para se coletar dados. Eu devia ter quatorze anos
quando fui pela primeira vez ao Cemitério da Consolação,
com meu pai e meu irmão, que deviam estar achando tudo
estranhíssimo.
Os grandes túmulos de mármore sombreavam os estrei-
Antônio Penteado estabeleceu seu engenho e teve seus dez
tos corredores, nos quais se acumulavam folhas secas. Passei
filhos; Antônio Paes de Barros foi o sexto.
por alguns túmulos da família, reconhecendo um ou outro
Mesmo em uma família com boa condição econômica e
nome, e anotei algumas informações em meu bloco de notas
relativamente longeva para a época, a mortalidade infantil
do Asterix (até hoje o bloquinho que uso em cemitérios, por
alguma razão), mas o túmulo que eu queria mesmo encon-
era extremamente elevada. Quando Antônio tinha entre 4 e 6 p
anos de idade suas irmãs mais velhas, ngela, Ana e Genebra,
trar era o dos avós de meu bisavô, cuja prima falava bastante
se casaram, e alguns de seus primeiros sobrinhos faleceram
deles em sua autobiografia; mas a data de falecimento de mi-
na infância. Quando tinha 11 anos nasceu seu irmão José, que
nha tetravó era antiga demais e ainda não era possível con-
também deve ter falecido cedo, até onde eu saiba o único dos
sultar por ela o local na secretaria.
irmãos a falecer antes dos pais, uma raridade em uma família
Andamos ao léu pelo imenso cemitério, sabendo que a
grande na época.
chance de encontrar ao acaso um túmulo específico era míni-
Em uma época e lugar em que ainda não se dava muito
ma. Eventualmente meu pai quis ir embora, e eu saí correndo
valor à educação, buscou instruir-se por conta própria, assim
para dar mais uma olhada nos túmulos, ver se achava algu-
como seu primo e amigo próximo o futuro Conselheiro do
ma coisa antes de ir. E encontrei: um belo e alto mausoléu de
Império Francisco de Paula Souza e Mello, que se tornaria
mármore branco, rente ao muro da rua da Consolação, com
eventualmente seu cunhado ao se casar com sua irmã mais
o monograma de meu tetravô e os dizeres “Jazigo da Família
nova, Maria. Estudou latim, francês e um pouco de filosofia.
do Barão de Piracicaba”. Do outro lado do cemitério, já tinha
Junto com o primo foi ainda instruído pelo padre jesuíta José
encontrado um túmulo mais antigo, de seu pai, o primeiro
de Campos Lara, aprendendo italiano e estudando letras, ma-
Barão.
temática, história e geografia. Começou a vida no comércio,
---
e logo comprou algumas terras onde estabeleceu a Fazenda
Antônio Paes de Barros nasceu em 4 de março de 1791
Santo Antônio, sua principal propriedade, um engenho de
na Villa de Ytu, um dos polos de engenhos de açúcar no es-
açúcar.
tado de São Paulo. Um dos maiores produtores da região era
Em 1817, aos 26 anos, decidiu conhecer a Europa, e foi
seu pai, Antônio de Barros Penteado, paulista que após ficar
para Lisboa acompanhando um carregamento de açúcar;
órfão muito cedo foi com os irmãos mais velhos para as mi-
demorou-se um pouco pelo velho continente, residindo na
nas do Mato Grosso, onde um tio lhes deixara terras. Ao longo
cidade do Porto. Voltando, se casou em 29 de junho de 1819
de muitos anos conseguiu acumular fortuna razoável; voltou
com Gertrudes Eufrosina de Aguiar, de importante família so-
para São Paulo e se casou aos 36 anos com Maria Paula Ma-
rocabana, uma das quatro irmãs do brigadeiro Raphael Tobias
chado, a filha do capitão-mor de Itu, Salvador Jorge Velho. Lá

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com a Marquesa de Santos, com quem já tinha seis filhos.
Com a derrota da revolução, foram presos os três, e eventual-
mente perdoados por Dom Pedro II, que em 1854 o nomeou
Barão de Piracicaba, em reconhecimento à sua caridade e aos
seus empreendimentos (foi, por exemplo, um dos fundado-
res da Companhia Ytuana de Estradas de Ferro).
Viúvo, perto dos 80 anos mudou-se para São Paulo, onde
já viviam os descendentes de sua irmã Genebra com o briga-
deiro Luiz Antônio de Souza. Adquiriu a antiga casa paroquial
para sua residência. Lá ainda foi sócio de seu filho, o major
Diogo Antônio de Barros, na primeira fábrica de tecidos de
São Paulo, na rua Florêncio de Abreu. O Barão faleceu na cida-
de de São Paulo aos 85 anos, idade extremamente avançada
para a época. Em seu testamento libertou todos os escravos
que ainda possuía, deixou 200 ações da Companhia Ytuana
para o Instituto d. Anna Rosa, outras 200 para o Instituto do
Novo Mundo em Itu, e mais 20 para a Santa Casa de Misericór-
de Aguiar, no que deve ter sido uma aliança
dia da mesma cidade. Foi sepultado no cemitério da Conso-
familiar cuidadosamente planejada; nos anos
lação, em túmulo perpétuo de mármore, hoje com algumas
seguintes, dois de seus irmãos se casariam
rachaduras, que visitei pela primeira vez em 2003.
com mais duas irmãs do brigadeiro; quando
---
um deles enviuvou, casou-se com a última
Se uma das vantagens da pesquisa genealógica é a possi-
das irmãs Aguiar.
bilidade do trabalho solitário – e, graças à internet, a qualquer
Antônio representou São Paulo nas Cor-
momento, o que facilita a dedicação ao trabalho e a imersão
tes de Lisboa de 1821. Provavelmente à épo-
nas pesquisas, certamente uma das desvantagens é que a
ca de seu regresso iniciou o cultivo do café na
maior parte das pessoas não tem o menor interesse pelo as-
“É estranho Fazenda Santo Antônio, que dizem ter sido a
primeira propriedade a aderir a esse tipo de
sunto, e mesmo as que têm estão naturalmente interessadas

pensar na morte cultura no estado de São Paulo. Os muitos


nas próprias famílias, e não na pesquisa alheia. A chance de
uma mesma família próxima ter dois entusiastas da genealo-
do ponto de proprietários de terras locais trouxeram a ne-
cessidade das visitas de um padre; e logo foi
gia não é muito alta; dificilmente alguém compartilhará seu

vista de um construída uma pequena igreja, que trouxe


sentimento vitorioso ao encontrar, depois de horas procuran-
do em livros antigos, o registro de batismo de um irmão do
genealogista” mais movimento para a região. Quando se
quis transformar o local em capela curada
seu tetravô que faleceu aos dois anos no Primeiro Reinado,
embora descobertas maiores possam de vez em quando ani-
(passo fundamental para o surgimento de
mar os parentes também.
uma cidade), coube a Antônio definir o local;
Por outro lado, você acaba conhecendo algumas pessoas
e em 1827 foi fundada a capela curada de
distantes que não conheceria de outra forma. Evidentemen-
São João Batista do Ribeirão Claro, elevada a
te, após um pouco de pesquisa ficou muito complicado man-
paróquia em 17 de janeiro de 1832, origem
ter no papel todo o material que eu tinha, e precisei utilizar
da atual cidade de Rio Claro.
programas de computador para organizar minha árvore ge-
Os dois filhos mais velhos de Antônio
nealógica. Cheguei a usar vários programas e sites (hoje uso
morreram cedo, um no dia do nascimento e
um chamado Ancestry), e a maioria disponibiliza ao menos
um aos 9 anos; outra filha faleceu com essa
parte das informações para pesquisas on-line, de modo que
mesma idade. Os seis que chegaram à idade
é possível encontrar gente interessada nas mesmas informa-
adulta felizmente sobreviveriam aos pais. Em
ções.
1842, Antônio foi um dos protagonistas das
Nesses dezesseis anos, já encontrei primos distantes que
revoluções liberais em São Paulo, com seu
também fazem suas próprias genealogias, me correspondo
irmão Bento e o cunhado brigadeiro Tobias,
com uma parente suíça que tem um site sobre a família Paes
buscando combater o que viam como abu-
de Barros (descobri por meio dela que existe um ramo da fa-
sos do partido conservador, enfrentando os
mília lá desde o fim do século XIX), ciceroneei em São Paulo
riscos das lutas armadas e do pouco conhe-
um casal de ingleses descendentes da irmã da esposa polo-
cimento da época. Antes de uma batalha,
nesa de um tio-trisavô meu, e já fui até reconhecido em um
temendo a morte, o brigadeiro Tobias se casa
cemitério (“Não é você que escreve coisas sobre a família no

revistababel 4
Facebook?”). Conheci também genealogistas e pesquisado- Brigadeiro Galvão, possuía fortuna própria e recebeu consi-
res profissionais, que chegaram a elogiar minhas pesquisas; derável dote.
o que começou como um distraído hobby estava se transfor- Casou-se no dia seguinte, 31 de outubro, na catedral da
mando, se não numa profissão, certamente em um trabalho Sé, passando a morar na célebre Casa dos Quatro Cantos, re-
de qualidade. sidência do Brigadeiro Jordão na esquina das Ruas Direita e
Mas as maiores vitórias só são vitórias para o próprio ge- São Bento. Nessa casa, em agosto e setembro de 1822, hospe-
nealogista. Um dos ramos da família que pesquiso há mais daram o príncipe Dom Pedro em sua viagem por São Paulo;
tempo são os Jordão, pois quando comecei esse estudo mi- deixando a cidade, ainda em terras do Brigadeiro, o príncipe
nha avó me deu o livro que já havia sido escrito sobre a família proclamou a Independência do Brasil.
pelo célebre genealogista Frederico de Barros Brotero. O livro, O Brigadeiro já tinha um filho ilegítimo reconhecido,
de 1948, cobre a descendência do alferes português Manuel Antônio Rodrigues de Almeida Jordão; com Gertrudes, teve
Rodrigues Jordão. O alferes teve sete filhos, dos quais o único mais seis filhos: Anna Eufrosina, Manoel, Amador, Maria (que
homem era o caçula, homônimo do pai, Brigadeiro Manuel faleceu antes do pai), Gertrudes e meu tetravô Silvério Rodri-
Rodrigues Jordão. O livro estima a data de nascimento de sua gues Jordão. Após uma breve doença, o Brigadeiro faleceu
esposa pelas declarações do registro do casamento, mas não em São Paulo aos 46 anos, em 27 de fevereiro de 1827. O in-
traz a data do batismo. Após vários anos, a persistência e o ventário foi longo e litigioso. Em março faleceu sua filha Ger-
insight de procurar no lugar certo me levaram a encontrar o trudes, de um ano e meio, de modo que a mãe herdou sua
registro que nem Frederico de Barros Brotero havia encontra- parcela da fortuna. O filho reconhecido do Brigadeiro, Antô-
do – e isso nunca será particularmente impressionante para nio, estava havia pouco tempo em Coimbra estudando direi-
ninguém além de mim. Mas faz parte do trabalho; continua- to. Seu primo mais velho, Antônio da Silva Prado, futuro Barão
mos pesquisando. de Iguape, tinha rixas comerciais com o irmão de Gertrudes, e
--- escreveu para Coimbra insinuando que o primo seria rouba-
Foi na terça-feira, dia 7 de dezembro de 1784, onde hoje do pela madrasta de seus direitos.
é a Catedral da Sé, em São Paulo, o batismo de minha penta- Silva Prado e Gertrudes trocaram cartas bastante ofen-
vó Gertrudes Tereza Galvão de Oliveira e Lacerda. O registro sivas; a obra de Frederico de Barros Brotero traz trechos de
não traz sua data de nascimento, mas o fervor religioso e a uma das respostas de Silva Prado. Antônio Jordão voltou para
alta mortalidade infantil da época não encorajavam batismos o Brasil (posteriormente se formaria na terceira turma da Fa-
tardios, de modo que é seguro estimar que tenha nascido em culdade de Direito do Largo de São Francisco) e conseguiu
São Paulo no próprio ano de 1784. Era filha de José Pedro Gal- a guarda e o direito de administrar o patrimônio dos meios-
vão de Moura Lacerda, o Brigadeiro Galvão, militar santista de -irmãos menores. Depois, porém, inclusive em função da efi-
brilhante carreira, comandante por vinte anos da Fortaleza da ciência que demonstrou na gestão de seus próprios negócios
Barra Grande de Santos, e de sua esposa Gertrudes Tereza de e terras, Gertrudes conseguiu recuperar a guarda dos quatro
Oliveira Montes, filha do tenente José Rodrigues Pereira, um filhos.
dos homens mais ricos de seu tempo. Gertrudes continuou a residir em São Paulo. Em 1835, sua
A vida de Gertrudes foi muito pouco usual para a épo- filha Anna Eufrosina se casou com Rafael de Araújo Ribeiro.
ca. Seria de se imaginar que as filhas de uma família rica e Os filhos Amador (futuro Barão de São João do Rio Claro) e
tradicional tivessem inúmeras possibilidades de casamento. Silvério foram estudar na França nos anos 1840. Em 1846, o
Talvez o Brigadeiro por qualquer razão não quisesse que as fi- jovem imperador D. Pedro II e sua esposa Teresa Cristina pas-
lhas se casassem; Anna Joaquina (1773-1860), Joanna Baptis- saram pela cidade de São Paulo; a Imperatriz, fatigada pela
ta (1783-1878) e Escolástica (1794-1867) faleceram solteiras, e viagem, não quis prosseguir para o interior, e ficou hospe-
a própria Gertrudes só se casou aos 36 anos, idade em que as dada na casa de Gertrudes, que 24 anos antes recebera seu
mulheres de sua geração em geral estavam tendo os últimos sogro na Casa dos Quatro Cantos.
filhos e os primeiros netos. Durante esse período, sei apenas O Imperador retornou a São Paulo, para partir para San-
que vivia em São Paulo com os pais e irmãos. tos em 12 de abril; na véspera, dia 11, Gertrudes ofereceu ao
Encontrei o registro do batismo de sua filha mais velha, casal imperial suntuoso baile, “ao qual compareceu o escol da
Anna Eufrosina, ocorrido em 6 de agosto de 1820 na Sé, por- sociedade paulistana, tudo quanto havia de seleto e distinto
tanto quando Gertrudes ainda era solteira; estava grávida entre civis e militares, estudantes, professores e agricultores”,
do segundo filho quando foi acertado seu casamento com o segundo Brotero. Gertrudes nessa época recebeu o título de
Brigadeiro Manuel Rodrigues Jordão, comerciante e latifundi- Dama Honorária da Câmara de S. M. a Imperatriz. Menos de 2
ário, então o homem mais rico da província de São Paulo. Em anos depois, em 1º de fevereiro de 1848, faleceu aos 63 anos
30 de outubro de 1820 foi assinado severo pacto antenupcial em São Paulo, sendo sepultada na Igreja da Ordem Terceira
de separação total de bens; Gertrudes não teria direito a nem de São Francisco.
um centavo do vasto patrimônio do marido. Porém, filha do ---

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A busca pelos registros de batismo traz à cena mais uma das formas de pois devem ter-se mudado para Cravinhos,
pesquisa que adotei com o tempo, a busca por documentos estatais ou re- onde nasceu a maioria de seus filhos. Foram
ligiosos; os documentos de muitas localidades estão hoje acessíveis no site pelo menos onze filhos: Virgílio, Ida, Antônio,
FamilySearch, que os disponibiliza gratuitamente. Muitos já estão cadastra- José, ngela, Armando, João, Atílio, ngelo, Le-
dos e acessíveis pela busca textual; o cadastro é um trabalho voluntário que tícia e Maria.
pode ser feito por qualquer um acessando o registro de imagens. Os demais Em setembro de 1910 a família
estão somente escaneados, e portanto sua pesquisa demanda um pouco mais toda foi para São José do Rio Preto, passando
de paciência e boa memória. Eu tenho anotado um índice de todos os livros novamente pela Hospedaria do Imigrante, o
paroquiais que já li; isso não impede que eu tenha passado por registros de que gerou certa confusão nas pesquisas com
pessoas que eu então não sabia que eram da minha família. relação a quando a família teria vindo da Itá-
O site disponibiliza documentos de diversos países; o problema pode ser lia. Permaneceram na região, no que depois
ler uma caligrafia rebuscada do século XIX em um idioma estrangeiro. Ape- se tornou a cidade de Ourinhos; lá os filhos se
sar dessa dificuldade, foi a fonte pela qual mais consegui informações sobre casaram e Pietro deve ter falecido por volta
meus antepassados italianos. Devo dizer que hoje sou fluente em caligrafia de 1920.
oitocentista, bem como em decifrar informações pelos trechos não apagados Vittoria passou as décadas seguin-
de um registro. Outra ferramenta extremamente útil é a Hemeroteca Digital tes como matriarca da família Marquezini em
Brasileira da Fundação Biblioteca Nacional, que disponibiliza on-line diversos Ourinhos, uma das mais antigas moradoras
periódicos encerrados do Brasil todo desde o início do século XIX. do local, segundo seu obituário. Ajudou ain-
Mesmo assim, algumas vezes chega-se a um beco sem saída. Alguma in- da a cuidar dos netos quando os filhos ou no-
formação extremamente importante para você parece perdida para sempre; ras tinham alguma dificuldade; faleceu aos
todos os que podiam saber já são falecidos, os documentos se perderam, não 76 subitamente, enquanto jogava cartas.
há cartas, não há nada nos jornais da época. De repente, o que era a atividade ---
prazerosa passa a ser a fonte de estresse. Talvez seja o momento perfeito para Com todos esses pontos, parece-
se dedicar um pouco menos, focar em alguma outra atividade de distração, -me que a pesquisa genealógica é uma ati-
até que algo ocorra com a nova atividade também (a reprovação em uma au- vidade particularmente interessante para
dição de canto, por exemplo). Voltando à genealogia, sempre há novos ramos qualquer tipo de “fuga”, talvez principalmen-
para se pesquisar, e às vezes basta colocar a atenção em outra coisa para que te porque não funcione; não deixa de ser um
a resposta original apareça. estudo da vida, com todos os seus problemas
Foi assim quando eu procurava algum registro dos pais de meu bisavô e todos os seus aprendizados, e não se dar
ngelo Marquezini, que tinham se casado na Itália provavelmente por volta de conta disso leva a contradições como acredi-
1888. Meu bisavô, um dos filhos mais novos, já nasceu no Brasil, em Cravinhos. tar em uma fuga da morte enquanto realiza
Eu voltava continuamente a esse ponto; afinal, é o ramo da família que me deu pesquisas no cemitério.
meu último sobrenome, gostaria de saber o máximo possível sobre ele; mas Assemelha-se muito também ao
sequer sabia onde na Itália eu deveria procurar. trabalho investigativo do jornalista. Trata-se,
Nesse meio tempo, continuava pesquisando os outros ramos da família. A afinal, de uma busca de fatos que devem ser
avó paterna de meu avô materno era de uma família muito grande da cidade encaixados para formar uma história, e da
de Araras, os Lacerda Franco, então de vez em quando eu adiantava minha forma de se contar essa narrativa, encontrar
análise dos livros paroquiais da cidade em busca de tios e primos distantes do as características mais marcantes dos perso-
lado Lacerda Franco e das famílias mais próximas a esse ramo. Até que me de- nagens, os pontos mais curiosos dessa histó-
paro com o casamento de “Pietro Marquezini e Victoria Tercialiori” (as grafias ria.
erradas sem dúvida por confusão com os nomes estrangeiros), em 20 de julho Ainda assim, devo confessar que
de 1889, na cidade de Araras. não me incomoda a possibilidade de, daqui
--- a 150 anos, alguma publicação dizer: “Meu
Vittoria Maddalena Terzariol nasceu em 7 de março de 1869, no tetravô, Felipe de Barros Marquezini, nasceu
comune de Rovarè, perto de Veneza na Itália, filha de Antonio Terzariol, agri- em 13 de janeiro de 1989...”
cultor, e Domenica Magnoler. Era a terceira filha do casamento de ambos, que
já eram viúvos. Na Itália nasceram seus três irmãos mais novos, Luigi, Alessan-
dro e Carlo. Com eles e os pais, veio ao Brasil pelo vapor Bearn, que chegou a
Santos em 9 de setembro de 1887, para trabalhar para o fazendeiro Theodoro
por Felipe Marquezini
Marques.
Pietro Marchesini, também agricultor, chegou ao Brasil em 11 de
novembro de 1888. Não sei se se conheciam da Itália, ou se conheceram bre-
vemente no Brasil, mas casaram-se em Araras no ano seguinte e não muito de-

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