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1 Outros materiais · Textos informativos complementares Sequência  3.

Gil Vicente

  Manual · p. 127

Classificação do teatro vicentino


A primeira classificação metódica das peças de Gil Vicente deve-se ao filho e editor do poeta,

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que as dividiu em autos de devoção, farsas, comédias, tragicomédias e obras menores.
Esta classificação é arbitrária, pelo menos quanto às obras profanas. Nenhuma diferença se
descobre entre a comédia (palavra que Luís Vicente usa, não no sentido que lhe dava o teatro
5 clássico, mas na aceção mais sumária de Torres Naharro: peça de enredo com remate alegre) e
a tragicomédia. O facto de os autos vicentinos alinharem, em geral, diversas estruturas dificulta
as classificações. Podem, no entanto, distinguir-se grupos de peças sem grande rigor de critério.
Deixando de lado os simples monólogos […], podemos considerar os seguintes grupos:
Em primeiro lugar, os autos pastoris, que se estruturam como éclogas encenadas, à maneira
10 de Juan del Encina. Trata-se de diálogos cómicos de pastores, como o Auto Pastoril Castelhano ou
o Auto Pastoril Português. […]
Em segundo lugar, encontramos o teatro religioso, que poderemos caracterizar pelos autos
de moralidade. É um grupo vasto em que se podem distinguir dois tipos.
Há, com efeito, autos que, a propósito do nascimento ou da ressurreição de Cristo, resumem
15 a teoria teológica da Redenção: a vinda de Cristo para redimir o pecado original é anunciada ou
prefigurada por profetas e por episódios do Velho Testamento, ou até da literatura e da história
pagãs. Eis o tema do Auto da Sibila Cassandra […], do Auto dos Quatro Tempos, do Auto da Mofina
Mendes […]. Outro tipo constituem-no aquelas peças que, sob forma mais pronunciadamente
alegórica, nos dão um ensinamento religioso ou moral: tal o caso do […] Auto da Feira, onde se
20 mercam virtudes e vícios; o dos três Autos das Barcas, onde estes são castigados e aquelas pre-
miadas. Estas peças estruturam-se como alegorias; as personagens são personificações alegó-
ricas ou tipos reais caricaturados. […]
Em terceiro lugar há a considerar a farsa. Na forma mais simples, a farsa reduz-se a um
episódio cómico colhido em flagrante na vida da personagem típica. Tal o caso de Quem Tem Fa-
25 relos?, onde se conta o percalço sucedido a um triste escudeiro namorador, corrido pela mãe da
requestada, sob uma chuva de troças e maldições. Por vezes estes quadros sucedem-se, sem
haver qualquer relação entre a cabeça e o cabo da peça. É o caso da Farsa dos Almocreves, ou de
O Clérigo da Beira. […] Enfim, há a considerar certas farsas mais desenvolvidas que são histórias
completas, com princípio, meio e fim. É o caso do Auto da Índia, onde se apresenta o caso de uma
30 mulher que engana o marido, alistado no ultramar; ou do Auto de Inês Pereira, que ilustra com
uma história picante o dito popular “antes quero burro que me leve que cavalo que me derrube” […].
Nestes autos, a história corre em diálogos e ações que se sucedem sem transição; são como
contos dialogados no palco, sem qualquer preocupação de unidade de tempo, e sem qualquer
compartimentação de quadros ou atos a marcar a descontinuidade dos tempos. […] Poderíamos
35 talvez classificá-los como autos de enredo. Trata-se da forma mais desenvolvida, mas excecio-
nal, da farsa vicentina.
Normalmente, Gil Vicente fica nos pequenos quadros ou flagrantes, e estes aparecem fre-
quentemente enquadrados em esquemas que lhes são exteriores, nomeadamente em alegorias.
Por exemplo, alegorias religiosas, como o Auto da Feira, e a Barca do Inferno e do Purgatório, en-
40 cerram várias pequenas farsas.
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Em quarto lugar, há a considerar os autos cavaleirescos, como o Amadis de Gaula, o D. Duar-


dos, a Comédia do Viúvo, meras encenações de episódios sentimentais cavaleirescos, então em
grande voga na Corte. Estas peças têm de comum com as farsas desenvolvidas, como a Inês Pe-
reira, o serem autos de enredo, histórias dialogadas e monologadas no palco. […]
45 Enfim, um quinto e último grupo a considerar é o das alegorias de tema profano, que ofere-
cem formas variadas. Há uma alegoria de conjunto que serve de tema central ou de quadro, à
roda ou dentro do qual se desenvolvem episódios de farsas, cenas de amor, cânticos e até baila-
dos. […]
Esta classificação do teatro vicentino em autos pastoris, moralidades, farsas, autos cavalei-
50 rescos, autos alegóricos (de tema profano) não passa de simples tentame aproximativo. […]
[…] Se analisarmos a estrutura das peças, verificamos que os autos pastoris são farsas de
assunto caracterizadamente campestre; que as farsas mais desenvolvidas, como a Inês Pereira,
constituem, exatamente como os autos cavaleirescos, formas de teatro de enredo; que, enfim, só
quanto ao tema se distinguem facilmente as alegorias profanas das moralidades. Assim, pode-
55 mos dizer que encontramos em Gil Vicente três formas de estrutura cénica: a farsa, simples
episódio característico de um caso ou um tipo social-moral, que tem talvez o seu melhor exem-
plo em Quem Tem Farelos? (autêntica Farsa do Escudeiro); o auto de enredo, com modalidades
exemplificáveis pela Inês Pereira e pelo Amadis de Gaula; e o auto alegórico, quer religioso, como o
dos Autos das Barcas, quer profano, como a Frágua do Amor ou o Triunfo do Inverno. Destas três
60 estruturas, a mais comum e a que integra maior número de elementos é a do auto alegórico,
aquele que talvez melhor represente a conceção vicentina do teatro. […]
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Diferentemente do que sucede com o teatro clássico, o teatro vicentino não tem como propó-
sito apresentar conflitos psicológicos. Não é um teatro de caracteres e de contradições entre (ou
dentro de) eles, mas um teatro de sátira social ou um teatro de ideias. No palco vicentino não
65 perpassam caracteres individualizados, mas tipos sociais agindo segundo a lógica da sua condi-
ção, fixada de uma vez para sempre; e outros entes personificados.
SARAIVA, António José, e LOPES, Óscar, 2005. História da Literatura Portuguesa.
17.ª ed. Porto: Porto Editora (pp. 194-199) (1.ª ed.: 1955)
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