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Heródoto, Histórias IV.155.1 e IV.161.1.
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Plutarco: Agesilau III.3-5 e Lisandro XXIII.3-6; Xenofonte, Helênicas III.3.2.
A formação do herói envolve estágio de ações diversificadas de instrução
educativa de fundamentos em várias artes e capacitações. No imaginário mítico helênico
a figura do mestre é conceitualizada pela persona de Quíron, a nomear como que o
título de tutor heróico de teleologia régia. Quíron, preceptor modelar de heróis, os
instruía em todas as artes provendo-lhes os segredos por ele conhecidos. Teve sob seus
cuidados diversos heróis bem listados por Xenofonte: Héracles, Peleu e Aquiles, Jasão e
Medéio, Acteon, Nestor, Anfiarau, Télamon, Meleagro, Teseu, Palamedes, Odisseu,
Menesteu, Diomedes, Castor e Pólux, Macáon e Podalírio, Antíloco, Enéias, Milânio,
mais Aristeu.6
6
Xenofonte, Cinegética I.2; Homero, Ilíada IV.219; XI.831-832; Píndaro: Píticas e III.45, IV.100-
103, VI.20-23, Neméias III.52-63; Hesíodo, Teogonia 1000-1002; Pausanias, Description of Greece
II.3.9; Apollonius Rhodius, Argonautica II.510; Apollodorus, The Library III.4.4; Teócrito XIII.9.
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Teogonia, 105.
8
Hesíodo, Teogonia 492-496.
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Hino Homérico a Apolo I 127-134.
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Hino Homérico a Hermes 10-28.
Analogamente em nível heróico, é dito de Héracles11: recém nascido, ainda no
berço, mata por estrangulamento com as próprias mãos as duas serpentes enviadas por
Hera ciumenta, hostil contra o filho de mais uma das muitas amantes de seu marido. E a
rivalizar com Héracles, glória heróica espartana por raça dória, os atenienses
celebravam a de Teseu, seu herói a assinalar estirpe jônia, que igualmente ainda
criança, morando no palácio de Pitteus com sua mãe Etra, não fugiu apavorado, como,
pelo contrário, o fizeram todos seus coleguinhas, diante do espetáculo apavorante (da
pele) do leão que Héracles portava consigo, antes, impetuoso de coragem, foi atacar a
(falsa) fera12.
As histórias míticas dizem ainda acerca de figuras de reis por quem a tópica
integrada à questão do herdeiro da realeza é apresentada por episódios de sinalização de
heroicidade indiciadora de eleição régia precocemente afirmada e reconhecida. Assim o
dizem exemplarmente uma história contada por Heródoto acerca de Ciro criança a
brincar de rei justo, e outra pelo Evangelho de Lucas sobre Jesus menino a debater com
os Doutores do Templo13. E Homero ccorrespondentemente diz da determinação natural
da excelência de Nestor, figura emblemática de ancião prudente.
Pela primeira metade da década de 1910 James George Frazer dá início à sua
monumental edição de O Ramo de Ouro. A obra não trata propriamente do padrão
heróico, tanto fica aquém de sua formulação quanto vai além explorando alguns de seus
ítens ou tópicos constitutivos. Na esteira da metodologia antropológica comparativa de
epistemologia evolucionista, a monumental compilação frazeriana firma, paralelamente
a William Robertson Smith e a Jane Harrison e os (posteriormente) ditos Ritualistas de
Cambridge (Gilbert Murray, Francis Macdonald Cornford e Albert Cook), a tese do
Mito e Rito14, pela qual remetem-se as formulações discursivas daquela primeira
categoria às determinações “dramáticas” (rituais) desta segunda, assim compreendendo
a dialética etiológica que as interconecta mutuamente. “A investigação do ritual se torna
a preocupação central”.15
Como polo temático fundante da investigação: a realeza sagrada e o deus que
morre. As tradições respeitantes ao Rei do Bosque, associado ao culto de Diana
Nemorensis em Arícia (na Itália central, no Lácio, não muito distante de Roma,
cercanias da atual Nemi), revelam a Frazer, por tais formulações mítico-lendárias, os
princípios ideológicos por que os antigos ordenavam a crise da sucessão régia. 16 A regra
de sucessão do rex nemorensis dispunha que o escravo fugido que colhesse, de uma
árvore sagrada do bosque sob estreita e permanente vigilância do rei-sacerdote vigente,
um certo ramo, capacitava-se, por essa seletiva prova singular, como candidato à disputa
daquele sacerdórcio de Diana, então decidida por combate de morte em que ele devia
eliminar seu antecessor. Assim triunfante, tornava-se o (novo) Rei do Bosque até ser, ele
mesmo, por sua vez, eliminado, em ciclo reiterado de sucessões régias.
Dizia-se que o tal ramo era justamente aquele de ouro, que Enéias tivera de colher,
por instruções da Sibila, para ter acesso aos Infernos:
11
Píndaro, Neméias I.33-72.
12
Pausânias, Description of Greece I.27.7
13
Heródoto, Histórias I.114-116.
14
Confiram-se as indicações de Walter Burkert, Greek Religion, p. 2-3.
15
Ide, ibidem, p. 2.
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Para as vicissitudes por que passa a pertinência maior ou menor das lendas do Rei do Bosque entre
a primeira e a terceira edição da obra de Frazer, especialmente em decorrência das críticas de Albert
Cook, vejam-se as considerações de Ackerman
...ele oculta-se sob uma árvore copada consagrada a Juno infernal. Todo o bosque a
protege e o vale escuro a envolve com a sua sombra. Mas é impossível penetrar as
profundezas da terra antes de ter arrancado da árvore o ramo de folhagem dourada. É o
presente que Prosérpina exige para a sua beleza. Arrancado o ramo, outro nace, de ouro
como o primeiro, e cuja haste se cobre das mesmas folhas de metal precioso. Assim,
levanta os olhos e busca. Quando o tiveres encontrado, colhe-o com a mão segundo o rito:
ele se soltará facilmente por si mesmo, se o destino te chama; se não, não haverá força
que o possa dobrar nem ferro que o possa arrancar ".17
Contava-se também, mito etiológico, que fora Orestes quem instituira
originariamente aquele culto de Diana e sua regra de escolha sacerdotal, quando de sua
fuga da Trácia após ter matado o rei Toante, trazendo então do Quersoneso Táurico,
junto com sua irma Ifigênia, a estátua da Deusa. Também contava-se que
Vírbio/Hipólito fora o primeiro Rei do Bosque, amante divino/humano de Diana,
similarmente a Áttis, o amante de Cibele, e a Adônis, o de Vênus.
Os princípios de defininição da sucessão régia reclamavam, pois, duas provas:
uma, a colheita do ramo, por habilidades excepcionais a distinguir um eleito; e outra, o
assassinato do rei vigente, a também comprovar superioridade de força física,
competência de poder violento. Definição régia então plenamente consumada pela
hierogamia, princípio por que terminava a crise da sucessão.
A ideologia da realeza sagrada fundamentava os princípios por que se definia a
sucessão régia. O rei é sagrado, e como tal honrado pela comunidade, dada a crença em
seus poderes de ordenação cósmica, a controlar os fenômenos atmosféricos e ritmos
sazonais da natureza, conseqüentemente promovendo todas suas modalidades de vida
em propiciando consoantes modos de fertilidade e fecundidade. Face reversa dessa
ideologia: a inadmissibilidade de um rei impotente, ou porque fraco (velho ou doente,
força vital desvanecida) ou porque estigmatizado por mácula de ímpiedade ou sacrilégio
(ruína da eleição pelo favor divino), com seus poderes comprometidos em termos de
eficácia de promoção da prosperidade do reino, a antes arruiná-lo. Tempo de crise do
poder régio, momento de sua sucessão: substituir o rei velho por rei novo, vigoroso,
viril, potente e virtuoso. Assim, a minimizar os efeitos deletérios do rei degenerado, a
manifestação de quaisquer mostras de velhice, ou mazelas de doença ou quais outros
tantos sinais indíciadores de sua impotência, dá ensejo a atualizar os modos de salvação
do reino: a eliminação por morte violenta. Ainda por melhor cautela, delineia-se a
ideologia do reinado temporário, de vigência por prazo de anos delimitado de princípio,
e mesmo curto (não mais de uma década), intentando desviar o reino da
degenerescência do rei, a eliminá-lo, pois, ainda vigoroso. Mas também certas astúcia
do poder régio com que contornar tais modos drásticos, assim vislumbrando-se rituais
de deslocamento por que se atualizava a eliminação: os reis de (alguns) dias, de
escárnio, a gozar primeiro todas as regalias honoríficas do cargo, mas logo a terminar tal
jornada régia vilipendiado, vergastado e morto. Assim também, similarmente, os ritos
do bode expiatório.18
Pelo que sugerem as proposições inauguradas por Frazer, o padrão mais comum
de realização plena da obra heróica inclui combinatória de provas de força e valor físico
de qualidade guerreira (ou cinegética conexa, especialmente a matança de feras e
monstros) com provas de excelência intelectiva ou espiritual (inteligência, sabedoria,
domínio de ciências e artes, inclusive mágicas). Por variadas provações a distinguir a
17
Virgílio, Eneida, VI.133-148.
18
Para estas considerações vejam-se as exposições do prórpio Frazer, como também primorosamente
sintéticas feitas por Ackewrman (p. 95 a 107; mais os desdobramentos da reflexão de Frazer
enquandrada pela tríade de categorias conceituais de magia, religião e ciência às páginas 166 a 246).
figura heróica se efetua e decide a crise de sucessão do poder régio-dinástico, pois o rei
velho, cuja impotência é denunciada por crise que arruina o reino, não só é eliminado
porque superado pelo herói em tais virtudes, como também o herói consequentemente
salva o reino da desgraça que o abatia e é, assim, definido como o novo rei.