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O(s) Mito(s) do(s) Herói(s) e as Figurações do Poder

Francisco Murari Pires

I - o destino heróico: nascimento e exposição


(aporias humanas e desígnios divinos)

Mitos de heróis narram episódios que retratam vicissitudes envolvendo a história


da realeza em termos padronizados ou canônicos1 de tópica de acontecimentos que
memorizam princípios, preceitos e valores ideológicos configuradores da excelência
heróica porque se fundamente a instituição do poder monárquico.
Heróis são descendentes de reis, originados em ambiências palacianas. Condição
primeira de heroicidade: para ser herói há que ter nascido rei 2. Tensões de disputas e
conflitos conformam os dilemas de continuidade da linhagem dinástica, pois o estigma
da violência marca a lei de sucessão régia por episódios de deposições abruptas. Mitos
dizem de situações críticas envolvendo a figura do rei em interdições anunciadas por
figurações mânticas (oráculos, sonhos, visões, revelações ...), com o advento do
descendente régio, em princípio herdeiro natural ao trono, destinado a por em risco a
estabilidade e mesmo liquidar o poder ancestral fundante da linhagem dinástica. Há
tensões conflitivas antagonizando pai e filho (Laio e Édipo em Tebas; Crono e Zeus no
reino celeste, urânico; Príamo e Páris em Tróia; Agamêmnon e Orestes em Micenas),
avô e neto (Acrísio e Perseu em Argos; Astíages e Ciro na Média; os Baquíadas e
Cipselo em Corinto), sobrinho e tio (Hamlet e Cláudio na Dinamarca).
Adversidades de várias ordens ameaçam o advento do herói ao mundo
inviabilizando sua procriação, nascimento e vida, compondo situações aporéticas a opor
entraves inaugurais porque principie a eleição seletiva da natureza heróica. Dificuldades
e empecilhos estorvam a procriação do herói, pois não raro seu nascimento advém por
concepção, todavia, ou: a) de virgem imaculada: quer jovem que desconhece relações
com homens, ainda mesmo reclusa, inacessível (como Dânae, mãe de Perseu, encerrada
em câmara brônzea subterrânea inviolável), quer esposa que mantém continência de
relações conjugais (os pais de Moisés; Anfitrion e a fidelidade inarredável de Alcmena);
ou b) de casal estéril e mesmo centenário (Abraão e Sara).
Nascimento, então, surpreendente, enigmático, que não deixa de causar certos
embaraços aos humanos mais incrédulos quanto à interferência de prodígios divinos.
Pois, as circunstancias em que se dá a geração situam fatos incomuns, fora da
compreensão racional, além/aquém da normalidade da práxis humana. A mulher objeto
da concepção declara inocência porque se diz amante do Deus, em geral, todavia,
desacreditada pelos familiares que a cercam de perto (Dânae por Acrísio; Antíope por
Nicteu; Corônis por Flégias; Sêmele por sua irmãs mais Penteu 3). Por vários modos,
então, alguma paternidade humana é aventada a racionalizar a misteriosa geração. Quer
por modos de ambígüas paternidades de suas histórias quer por uniões em que se
assinala a inconteste hierogamia, o herói nasce marcado por dualidade de origem,
humana e divina: Aquiles, filho de Peleu e Tétis; Enéias, de Anquises e Afrodite;
Perseu, filho de Preto/Zeus e Dânae; Anfíon e Zeto, de Epopeu/Zeus e Antíope;
1
A bibliografia respeitante ao "padrão heróico" é extensa, aqui indicando-se apenas quais obras foram
diversamente exploradas em nossos ensaios sem qualquer pretensão de dirimir as intrincadas
controvérsias e extensos debates teóricos de ambição etiológica que intente acertar a modalidade gênese
causal ou determinante que racionalize sua universalidade, apenas as alusivamente (pres)supondo em
termos altamente genéricos por nós reduzidos a padrão de memorização narrativa da figuração do
heróico. Então, por tais indicações, confiram-se: Huys (1995: 13-49).
2
Jean Pierre Vernant.
3
Eurípides, Bacas:1-6 e 26-31.
Asclépio, de Ísquis/Apolo e Corônis; Belerofonte, de Glauco/Poseidon e Eurimede;
Teseu, de Egeu/Poseidon e Etra; Helena, de Tíndaro/Zeus e Leda; Héracles, de
Anfitrion/Zeus e Alcmena; Íon, de Xuto/Apolo e Creúsa; Dioniso, de um mortal/Zeus e
Sêmele.
Similarmente, impedimentos ao nascimento do herói se dão em termos das
vicissitudes conjunturais respeitantes ao mosaico de reinos e suzeranias. A proliferação
dos hebreus no Egito suscita pavores no Faraó quanto à preservação de seu poder,
desencadeando a ordem de matança dos meninos, que por sua vêz suscita a abstinência
marital dos pais do virtual herói. Analogamente para o advento de Jesus: a peregrinação
dos Magos em busca do rei salvador, os receios de Herodes e a matança dos inocentes,
ocasionando a fuga da Sagrada Família para o Egito. Variações míticas situam ainda
tensões também por vicissitudes de tramas de agenciamento estritamente humano,
ordinário, igualmente promovendo configurações de crise régia. Tais as intrigas de corte
palaciana como as referidas pelos mitos de: Etearco que move ordem de eliminação de
Bato em Oaxo de Creta; amores de transgressão incestuosa, da filha pelo pai (Pelopéia
por Tiestes, no caso de Egisto; Esmirna por Ciniras, no caso de Adônis).
Complexo de situações, portanto, de impasse (aporia), adversidades com que se
depara a (crise da) linhagem dinástica a (des)concertar a história da realeza por intrigas
respeitantes à instabilidade e (des)continuidade do poder régio. Para que haja, pois, a
concepção do herói, mithistórias imaginaram figurações de hierogamias (Perseu,
Héracles, Anfíon e Zeto, Dioniso, Castor e Pólux, Minos e Radamanto, Rômulo e
Remo) mais cenas de visita(ção) de amores divinos (Isaanc, Jesus), além de episódios
de descuidos, lapsos e falhas que estigmatizam as fraquezas humanas (Ciro, Adonis,
Atalanta, Cipselo, Batos). Em consonância, portanto, com as respectivas naturezas de
poder contra limitações que opõem conceitualmente as figuras de deuses e homens. Por
modos de ambígüas paternidades, o herói nasce marcado por dualidade de origem em
(con)fusão de humano com divino porque se idealize a natureza heróica.

Cientes dos distúrbios porque o nascimento do descendente régio põe em risco e


ameaça a estabilidade dinástica do reino, os reis decidem eliminá-lo. Todavia, terrível
impasse para o procedimento mais simples de uma morte direta e imediata, assim
inviável, pois implicava mácula cruenta de ato sacrílego, homicida de seus próprios
entes familiares. Decide-se, pois, o abandono da criança, sua exposição às forças e
elementos da natureza, totalmente desprovida dos cuidados e proteções familiares que,
pelo contrário, resguardariam tais entes indefesos contra as adversidades que ameaçam
sua sobrevivência. Seu abandono à morte se dá em meio inóspito à sobrevivência
humana, local êrmo, desolado e/ou infestado de feras ou monstros. A criança será
entregue à sua própria sorte ou destino, desamparada de todo concurso humano de
salvação. O herói recém-nascido defronta-se pois com um destino de morte a que é
entregue por seus pais. A (im)piedade do gesto é também satisfeita por procedimento
dado como ato devoto de sacrifício da criança, assim votada aos deuses porque se
entedesse o cumprimento da ordem mântica ditada pelos desígnios divinos diversamente
assinalados aos homens. Da ingrata obra os reis encarregam o servidor de confiança da
casa senhorial, que assim efetua a tarefa de exposição de uma criança enjeitada ao
nascimento, sem que os pais, assim agenciando o acontecimento, maculem suas próprias
mãos.
A criança, entregue ou disposta a uma morte virtualmente certa pelos desígnios
tramados em sua exposição, é, todavia, maravilhosamente salva, contra toda
expectativa. E assim o é, paradoxalmente, por obra da natureza mesma em que,
entretanto, fora abandonada à morte, mas que pelo contrário atua toda acumpliciada no
sentido de operar a sobrevivência da criança que fora rejeitada da esfera humana
comunitária, antes propiciando-lhe acolhimento, sustento e proteção. Para as crianças de
destino heróico agenciado por exposição aquática, quer fluxos de rios quer correntes
marítimas, são as disposições destas forças motrizes naturais que conduzem e, portanto,
decidem as vicissitudes da salvação orientando a finalização dos lugares onde vão dar
os recipientes em que os rebentos heróicos foram jogados nas águas. Em boa parte dos
mitos de exposição terrestre em áreas selvagens, conta-se ainda a intervenção de um
animal salvador que atua como ama-de-leite a nutrir a criança abandonada. Há um certo
espectro mítico de espécies animais de amamentação heróica: a corça (Télefo), a pela
cabra (Egisto), a vitela (Éolo e Boeto, Harpálice), a égua (Hipótoo, Camila, Harpálice),
a loba (Rômulo e Remo), a cadela (Antíloco). Por essa contextualidade marginal de sua
exposição e salvação, a criança contata direto a natureza selvagem, a prova e
experiencia, adquirindo uma natureza complementar/suplementar de sua humanidade
diferenciada.
Já heróis de estatura excepcional que gozam os privilégios do contato direto com
os poderes divinos, têm mitos assinalados por motivos diferenciados de exposição, a
configurar-lhes natureza desde o princípio íntima da divina. Procedimentos
sobrenaturais lhes dispõem os primeiros cuidados por desígnios de projeções
imortalizantes de constituição de uma natureza invulnerável em superando deficiências
precipuamente humanas, intentos todavia frustrados. Assim o dizem os mitos de
Héracles e de Aquiles.
Uma outra anomalia a estigmatizar a figura heróica se dá sinalizada por algum
defeito físico da criança, em geral nos membros inferiores. Várias figuras heróicas são
coxas, ou cambaias, ou com ferimentos nos pés, como Lábdaco, Laio, Édipo. Batos,
oikistes de Cirene, era gago; já seu filho homônimo e herdeiro régio, coxo com defeito
nos pés4. Para Agesilau a inviabilização de sua heroicidade régia se (des)faz pela
ambigüidade da hermenêutica oracular porque Lisandro inteligentemente (re)verteu as
lições da advertência apolínea desviando a implicação literal da denúncia do rei coxo
para a metafórica da realeza manca pela bastardia do rival de Agesilau5.
Por fim a criança salva no ambiente natural é recolhida por alguma figura de
condição servil que frequenta aquelas paragens, assim deslocado o herói para outro
local de criação. Por vezes a criança é inclusive criada nesse ambiente por adoção em
espaço doméstico humilde de pastores, caçadores ou pescadores que têm normalmente
acesso àquelas áreas. Por vezes esse contato humilde reduz-se a mero meio de translado
da criança que já então (re)toma ambiência palaciana (estrangeira) onde é criada por
adoção: Édipo em Corinto por Pólibo e Mérope; Moisés na corte egípcia pela filha do
Faraó.
A exposição se efetua, pois, como ordalio, de modo que a salvação da criança,
entretanto exposta em situação totalmente adversa e hostil, atesta sua excepcionalidade
como eleito, ou predestinado, divino. Integrada à marginalidade desse espaço de
exposição e salvação, a criança, em experiência e prova direta da natureza selvagem de
que sai exitosa, como que assimila suas forças e virtudes, adquire, também assim,
natureza suplementar de humanidade heroicizada.

II - As Determinações de (Con)formação da Natureza Heróica

4
Heródoto, Histórias IV.155.1 e IV.161.1.
5
Plutarco: Agesilau III.3-5 e Lisandro XXIII.3-6; Xenofonte, Helênicas III.3.2.
A formação do herói envolve estágio de ações diversificadas de instrução
educativa de fundamentos em várias artes e capacitações. No imaginário mítico helênico
a figura do mestre é conceitualizada pela persona de Quíron, a nomear como que o
título de tutor heróico de teleologia régia. Quíron, preceptor modelar de heróis, os
instruía em todas as artes provendo-lhes os segredos por ele conhecidos. Teve sob seus
cuidados diversos heróis bem listados por Xenofonte: Héracles, Peleu e Aquiles, Jasão e
Medéio, Acteon, Nestor, Anfiarau, Télamon, Meleagro, Teseu, Palamedes, Odisseu,
Menesteu, Diomedes, Castor e Pólux, Macáon e Podalírio, Antíloco, Enéias, Milânio,
mais Aristeu.6

Todavia, todo esse complexo de disposições e procedimentos que constituem e


por que se opera a formação pedagógica e educativa do herói antes suplementa a
constituiçao virtuosa de sua natureza prefigurada por determinação já inata, disposta
pelo nascimento, logo comprovada nos (con)sequentes atos inaugurais porque
principiam suas existências.

Para os deuses, o ato do nascimento conforma o tempo de plenificação das


virtudes e poderes, assim congênitos.
Os mitos que contam os nascimentos dos deuses em hinos gloriantes consagram
tal fato. Por seus hinos, diz Hesíodo, as Musas gloriam o sagrado ser dos imortais
sempre vivos.7 Contando primeiro o evento de seus nascimentos, dizem da essência de
seus seres divinos e, pois, delineiam os âmbitos precípuos de seus poderes. Diz
Hesíodo, na Teogonia8: nem bem nascera Zeus com "o girar do ano, crescendo rápido o
vigor e os brilhantes membros", por obras inteligentes "libertou" primeiro os irmãos do
cativeiro no ventre paterno graças a emético ministrado em bebida ao pai que então
"soltou a prole", e assim conquistou a soberania celeste depondo do poder o pai Cronos.
Similarmente o diz o Hino Homérico a Apolo: "Mas assim que tu, Febo, consumiste o
alimento imortal, as faixas douradas não mais conseguiram te conter, tanto que te
debatias; estes entraves não mais te detiveram e cedeu tudo que restringia tua vontade.
Febo Apolo logo disse aos Imortais: Dêem-me minha lira e meu arco recurvo; revelarei
também em meus oráculos os desígnios infalíveis de Zeus. A estas palavras pôs-se em
marcha pelas terras de amplas vias, o Arqueiro Febo de cabeleira virgem" 9. E ainda
também o Hino Homérico a Hermes: "a Ninfa pôs ao mundo um filho engenhoso e
sutil, - o Bandido, o Pilhador de bois, o Introdutor de Sonhos, o Espião noturno, o Vadio
das portas -, que logo manifestaria entre os Deuses imortais ações estupendas. Nascido
de manhã, tocava cítara ao meio-dia e, de tarde, ele furtou as vacas do Arqueiro Apolo:
era o quarto dia da primeira metade, quando a nobre Maia o pariu. Depois que ele jorrou
dos flancos imortais de sua mãe, ele pouco ficaria em seu berço sagrado: pelo contrário,
essa criança, atravessando o umbral do antro elevado, pusera-se já à busca das vacas de
Apolo. Nesse local, ele encontrou uma tartaruga, que lhe proveu alegrias inúmeras:
Hermes foi o primeiro que fabricou um instrumento musical com a tartaruga que ele
encontrou à porta do páteo, quando ela, vagarosa, pastava a erva florida diante da
casa"10.

6
Xenofonte, Cinegética I.2; Homero, Ilíada IV.219; XI.831-832; Píndaro: Píticas e III.45, IV.100-
103, VI.20-23, Neméias III.52-63; Hesíodo, Teogonia 1000-1002; Pausanias, Description of Greece
II.3.9; Apollonius Rhodius, Argonautica II.510; Apollodorus, The Library III.4.4; Teócrito XIII.9.
7
Teogonia, 105.
8
Hesíodo, Teogonia 492-496.
9
Hino Homérico a Apolo I 127-134.
10
Hino Homérico a Hermes 10-28.
Analogamente em nível heróico, é dito de Héracles11: recém nascido, ainda no
berço, mata por estrangulamento com as próprias mãos as duas serpentes enviadas por
Hera ciumenta, hostil contra o filho de mais uma das muitas amantes de seu marido. E a
rivalizar com Héracles, glória heróica espartana por raça dória, os atenienses
celebravam a de Teseu, seu herói a assinalar estirpe jônia, que igualmente ainda
criança, morando no palácio de Pitteus com sua mãe Etra, não fugiu apavorado, como,
pelo contrário, o fizeram todos seus coleguinhas, diante do espetáculo apavorante (da
pele) do leão que Héracles portava consigo, antes, impetuoso de coragem, foi atacar a
(falsa) fera12.
As histórias míticas dizem ainda acerca de figuras de reis por quem a tópica
integrada à questão do herdeiro da realeza é apresentada por episódios de sinalização de
heroicidade indiciadora de eleição régia precocemente afirmada e reconhecida. Assim o
dizem exemplarmente uma história contada por Heródoto acerca de Ciro criança a
brincar de rei justo, e outra pelo Evangelho de Lucas sobre Jesus menino a debater com
os Doutores do Templo13. E Homero ccorrespondentemente diz da determinação natural
da excelência de Nestor, figura emblemática de ancião prudente.

III -- Os Fundamentos Heróicos da Sucessão Régia

Pela primeira metade da década de 1910 James George Frazer dá início à sua
monumental edição de O Ramo de Ouro. A obra não trata propriamente do padrão
heróico, tanto fica aquém de sua formulação quanto vai além explorando alguns de seus
ítens ou tópicos constitutivos. Na esteira da metodologia antropológica comparativa de
epistemologia evolucionista, a monumental compilação frazeriana firma, paralelamente
a William Robertson Smith e a Jane Harrison e os (posteriormente) ditos Ritualistas de
Cambridge (Gilbert Murray, Francis Macdonald Cornford e Albert Cook), a tese do
Mito e Rito14, pela qual remetem-se as formulações discursivas daquela primeira
categoria às determinações “dramáticas” (rituais) desta segunda, assim compreendendo
a dialética etiológica que as interconecta mutuamente. “A investigação do ritual se torna
a preocupação central”.15
Como polo temático fundante da investigação: a realeza sagrada e o deus que
morre. As tradições respeitantes ao Rei do Bosque, associado ao culto de Diana
Nemorensis em Arícia (na Itália central, no Lácio, não muito distante de Roma,
cercanias da atual Nemi), revelam a Frazer, por tais formulações mítico-lendárias, os
princípios ideológicos por que os antigos ordenavam a crise da sucessão régia. 16 A regra
de sucessão do rex nemorensis dispunha que o escravo fugido que colhesse, de uma
árvore sagrada do bosque sob estreita e permanente vigilância do rei-sacerdote vigente,
um certo ramo, capacitava-se, por essa seletiva prova singular, como candidato à disputa
daquele sacerdórcio de Diana, então decidida por combate de morte em que ele devia
eliminar seu antecessor. Assim triunfante, tornava-se o (novo) Rei do Bosque até ser, ele
mesmo, por sua vez, eliminado, em ciclo reiterado de sucessões régias.
Dizia-se que o tal ramo era justamente aquele de ouro, que Enéias tivera de colher,
por instruções da Sibila, para ter acesso aos Infernos:
11
Píndaro, Neméias I.33-72.
12
Pausânias, Description of Greece I.27.7
13
Heródoto, Histórias I.114-116.
14
Confiram-se as indicações de Walter Burkert, Greek Religion, p. 2-3.
15
Ide, ibidem, p. 2.
16
Para as vicissitudes por que passa a pertinência maior ou menor das lendas do Rei do Bosque entre
a primeira e a terceira edição da obra de Frazer, especialmente em decorrência das críticas de Albert
Cook, vejam-se as considerações de Ackerman
...ele oculta-se sob uma árvore copada consagrada a Juno infernal. Todo o bosque a
protege e o vale escuro a envolve com a sua sombra. Mas é impossível penetrar as
profundezas da terra antes de ter arrancado da árvore o ramo de folhagem dourada. É o
presente que Prosérpina exige para a sua beleza. Arrancado o ramo, outro nace, de ouro
como o primeiro, e cuja haste se cobre das mesmas folhas de metal precioso. Assim,
levanta os olhos e busca. Quando o tiveres encontrado, colhe-o com a mão segundo o rito:
ele se soltará facilmente por si mesmo, se o destino te chama; se não, não haverá força
que o possa dobrar nem ferro que o possa arrancar ".17
Contava-se também, mito etiológico, que fora Orestes quem instituira
originariamente aquele culto de Diana e sua regra de escolha sacerdotal, quando de sua
fuga da Trácia após ter matado o rei Toante, trazendo então do Quersoneso Táurico,
junto com sua irma Ifigênia, a estátua da Deusa. Também contava-se que
Vírbio/Hipólito fora o primeiro Rei do Bosque, amante divino/humano de Diana,
similarmente a Áttis, o amante de Cibele, e a Adônis, o de Vênus.
Os princípios de defininição da sucessão régia reclamavam, pois, duas provas:
uma, a colheita do ramo, por habilidades excepcionais a distinguir um eleito; e outra, o
assassinato do rei vigente, a também comprovar superioridade de força física,
competência de poder violento. Definição régia então plenamente consumada pela
hierogamia, princípio por que terminava a crise da sucessão.
A ideologia da realeza sagrada fundamentava os princípios por que se definia a
sucessão régia. O rei é sagrado, e como tal honrado pela comunidade, dada a crença em
seus poderes de ordenação cósmica, a controlar os fenômenos atmosféricos e ritmos
sazonais da natureza, conseqüentemente promovendo todas suas modalidades de vida
em propiciando consoantes modos de fertilidade e fecundidade. Face reversa dessa
ideologia: a inadmissibilidade de um rei impotente, ou porque fraco (velho ou doente,
força vital desvanecida) ou porque estigmatizado por mácula de ímpiedade ou sacrilégio
(ruína da eleição pelo favor divino), com seus poderes comprometidos em termos de
eficácia de promoção da prosperidade do reino, a antes arruiná-lo. Tempo de crise do
poder régio, momento de sua sucessão: substituir o rei velho por rei novo, vigoroso,
viril, potente e virtuoso. Assim, a minimizar os efeitos deletérios do rei degenerado, a
manifestação de quaisquer mostras de velhice, ou mazelas de doença ou quais outros
tantos sinais indíciadores de sua impotência, dá ensejo a atualizar os modos de salvação
do reino: a eliminação por morte violenta. Ainda por melhor cautela, delineia-se a
ideologia do reinado temporário, de vigência por prazo de anos delimitado de princípio,
e mesmo curto (não mais de uma década), intentando desviar o reino da
degenerescência do rei, a eliminá-lo, pois, ainda vigoroso. Mas também certas astúcia
do poder régio com que contornar tais modos drásticos, assim vislumbrando-se rituais
de deslocamento por que se atualizava a eliminação: os reis de (alguns) dias, de
escárnio, a gozar primeiro todas as regalias honoríficas do cargo, mas logo a terminar tal
jornada régia vilipendiado, vergastado e morto. Assim também, similarmente, os ritos
do bode expiatório.18

Pelo que sugerem as proposições inauguradas por Frazer, o padrão mais comum
de realização plena da obra heróica inclui combinatória de provas de força e valor físico
de qualidade guerreira (ou cinegética conexa, especialmente a matança de feras e
monstros) com provas de excelência intelectiva ou espiritual (inteligência, sabedoria,
domínio de ciências e artes, inclusive mágicas). Por variadas provações a distinguir a
17
Virgílio, Eneida, VI.133-148.
18
Para estas considerações vejam-se as exposições do prórpio Frazer, como também primorosamente
sintéticas feitas por Ackewrman (p. 95 a 107; mais os desdobramentos da reflexão de Frazer
enquandrada pela tríade de categorias conceituais de magia, religião e ciência às páginas 166 a 246).
figura heróica se efetua e decide a crise de sucessão do poder régio-dinástico, pois o rei
velho, cuja impotência é denunciada por crise que arruina o reino, não só é eliminado
porque superado pelo herói em tais virtudes, como também o herói consequentemente
salva o reino da desgraça que o abatia e é, assim, definido como o novo rei.

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