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92 A ONTOLOGIZAÇÃO DA LÓGICA EM HEGEL...

A ontologização da lógica em Hegel tável do todo entendido como cosmos. No princípio de


nossa cultura, a filosofia grega interpreta o real como
enquanto resgate da ontologia “cosmos”, isto é, como um todo ordenado, como ordem
em contraposição à desordem, à indeterminação, ao
Regenaldo da Costa “caos”; podemos dizer, então, que no mundo grego a
tarefa do pensamento era tematizar esta ordem, conside-
rada fundamento do conhecimento e da ação do ho-
Neste capítulo, pretendo apresentar uma pequena mem.
introdução à concepção da ontologização da lógica na
compreensão do filósofo alemão Hegel. Esta ontologi- A “fisiologia”, tentando dar uma imagem sensível
zação da lógica em Hegel é uma crítica à crítica kantiana à totalidade, representa os primeiros ensaios na temati-
à ontologia que lhe precedeu. Neste horizonte, tematiza- zação deste todo, tematização esta que se fazia buscando
rei a lógica hegeliana como um resgate da ontologia, en- um princípio ou princípios de onde emergem as deter-
quanto ciência, destronada do reino da ciência por Kant minações do real. Assim, temos como fundamento ori-
e, ao mesmo tempo, a apresentarei como uma nova ginário a água (Tales), o “apeiron” (Anaximandro), o ar
concepção de ontologia, que pressupõe a crítica à onto- (Anaximenes) etc. A fisiologia não pergunta ainda pelo
logia clássica e a crítica à crítica kantiana à ontologia lugar que o ente ocupa na estrutura do todo, mas apenas
clássica, sendo, deste modo, uma metacrítica. pelo todo; será tarefa da metafísica, perguntar pelos en-
tes na estrutura do todo.
I A crítica kantiana à ontologia clássica A metafísica responderá a esta pergunta através da
teoria das essências, sendo estas o que de permanente se
A filosofia surge no ocidente com uma pergunta conserva nas coisas, através de suas mudanças. Assim, a
pelo real enquanto totalidade, ou seja, a filosofia surge metafísica, enquanto ontologia, representa a tentativa de
como ontologia ou teoria do ser. Pois bem, perguntar não só tematizar o todo da realidade e seu princípio, mas
pelo real enquanto totalidade significa perguntar pelo também tematizar o lugar que os entes ocupam neste
que constitui a realidade enquanto unidade, ou seja, per- todo.
guntar pelo idêntico nas diferentes manifestações do re- Segundo Aristóteles: “Há uma ciência que investi-
al. ga o ser como ser e os atributos que lhe são próprios em
A filosofia grega pensou a totalidade do real como virtude de sua natureza”.1 Esta ciência é a metafísica ou
“cosmos”. Pode-se dizer, então, que o pensamento clás- ciência primeira, ou ontologia, que não estuda o ser em
sico se situa num horizonte cosmocêntrico-objetivista e _____
isso significa dizer que o modelo de ser a partir de onde 1. Aristóteles, A Metafísica. Porto Alegre: Editora Globo, 1969, Li-
tudo é pensado e recebe determinações é a ordem imu- vro IV, p. 87.
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particular, mas o ser enquanto tal. O mesmo compreen- estão na base de toda a demonstração – as leis de con-
de a metafísica como uma ciência que estuda o real em si tradição e do terceiro excluído”.5
e que deduza de algum princípio central a natureza deta- A lei de contradição tem, portanto, um caráter on-
lhada do universo. tológico. A mesma é vista como uma lei fundamental do
Porém, uma pergunta fundamental ocupa Aristó- ser, pois “é impossível que asserções contraditórias se-
teles na metafísica, a saber: O que torna possível a meta- jam ao mesmo tempo verdadeiras da mesma coisa”.6
física como ciência? Ora, a ciência emergiu, na cultura Entretanto, esta lei é vista como uma lei fundamental
ocidental, como ciência da natureza e encontrou na filo- também do pensamento, da lógica (ou ciência do pensar
sofia grega a sua sistematização; e seu pressuposto fun- correto), e isto significa dizer que nem no pensamento,
damental é que existe uma natureza imutável que se de- nem no real, existe a contradição; significa dizer, então,
termina por uma essência imutável, que o cientista é ca- que o ser sendo idêntico a si não contém a sua negação e
paz de captar através da razão, que atua de forma emi- que nós não podemos pensar o ser com a negação, mas
nentemente contemplativa diante de uma verdade que se somente com a identidade.
encontra no objeto, no ser. Ora, o princípio de identidade, o qual afirma que
Neste sentido, quem estuda o ser deve estudar os todo ser é idêntico a si, exclui do ser a negação e afirma
princípios que a ele pertencem e o princípio mais certo a lei da contradição e também a lei do terceiro excluído,
do ser é a lei de contradição, a qual, se enuncia assim: que excluem a contradição no processo de predicação
“O mesmo atributo não pode, ao mesmo tempo, per- ou conhecimento. Neste horizonte, podemos dizer que
tencer e não pertencer ao mesmo sujeito com relação à estas leis ou princípios se implicam mutuamente e de-
mesma coisa”.2 terminam que o pensamento (a lógica), o ser (o real) e o
Deste modo, para Aristóteles, dois aspectos tor- conhecimento do ser (ontologia) se estabelecem pela
nam possível a metafísica enquanto ciência do real, exclusão da contradição.
ontologia: primeiro, o fato de que “tudo o que é, possui Segundo Aristóteles, “é impossível que sejam ver-
uma certa natureza que lhe pertence apenas como ser, e dadeiras a um tempo a afirmação e a negação, impossí-
isso pode ser conhecido”,3 pois “do próprio não ser di- vel também é a coexistência de contrários no mesmo
zemos que é não ser”.4 Segundo, o fato de que “Existem sujeito”.7 E mais: “por outro lado, não pode haver um
certos princípios verdadeiros de tudo o que é, os quais termo médio entre contraditórios, mas de um só sujeito

_____ _____
2. Aristóteles, Op. cit., p. 92. 5. D. Ross, Op. cit , p. 162.
3. Ross, D. Aristóteles. Lisboa: Dom Quixote, 1987, p. 162. 6. Aristóteles, Op. cit., p. 106.
4. Aristóteles, Op. cit. , P. 68. 7. Idem, ibidem.
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ou devemos afirmar ou negar qualquer predicado que que tem na lógica transcendental o seu centro”.9 Neste
seja”.8 horizonte, a questão fundamental para Kant é indagar
Ora, Aristóteles sistematizou os princípios funda- pela cientificidade do saber metafísico, ou seja, indagar
mentais que nortearam o pensamento anterior e posteri- se é possível estabelecer a via segura da ciência para os
or a si até Hegel, e nesta sistematização tanto o ser (o conhecimentos pertencentes ao domínio da razão.
real) como o pensamento (o lógico) carecem da contra- Nesta perspectiva, Kant afirma que a matemática e
dição. O ser carente de contradição é o ser do princípio a física atingiram o caminho seguro da ciência, pois, para
da identidade, o ser idêntico a si, o ser que exclui a nega- ele, no admirável povo grego, a matemática entrou na
ção e, portanto, o movimento. via segura da ciência e mais, “A física foi ainda mais len-
Nesta perspectiva, a essência do real é vista como ta em encontrar a estrada larga da ciência. Só há século e
o ser sem movimento, o ser substancial e imutável, a meio”.10 Ora, para Kant isso ocorreu devido a uma revo-
forma ou o não sensível. Ora, isto não significa dizer lução no modo de pensar, a qual afirma que nós deve-
que não há movimento, significa dizer que o movimento mos conhecer mediante princípios a priori e “que para
expressa apenas a aparência do ser e não a sua essência conhecer com certeza uma coisa a priori nada [se] deve
imaterial e imutável, que é o primado fundamental na atribuir-lhe senão o que fosse conseqüência necessária
determinação do ser. Assim, é o universal, imaterial e do que nela tinha posto, de acordo com o conceito”.11
imutável, abstraído da particularidade e mutabilidade do Pois bem, os físicos compreenderam que se deve
sensível, que é posto como fundamento do real. procurar na natureza o que a razão nela põe e dela apre-
Podemos dizer, portanto, que foi Aristóteles quem ender o que por si só não alcançaria saber. Assim, a ra-
sistematizou os princípios fundamentais que alicerçaram zão se dirige à natureza com os seus princípios que de-
a ontologia clássica, porém, a filosofia kantiana se in- terminam os seus juízos segundo leis constantes e são os
cumbiu da tarefa de realizar a crítica e a negação da on- princípios da razão que podem dar aos fenômenos a au-
tologia. toridade de leis, sendo que a experimentação se dirige à
Pois bem, Kant fez uma reflexão sobre a metafísi- natureza para que a razão a julgue. A razão é, pois, o juiz
ca de Aristóteles e, portanto, sobre toda a ontologia clás- que pede à natureza que lhe responda.
sica, de forma que esta sofre uma transformação radical. Para Kant, “O destino não foi até hoje tão favorá-
Ora, para Manfredo Oliveira, “Entender esta reforma da vel que permitisse trilhar o caminho seguro da ciência à
‘Metafísica clássica’ em Kant significa entender a trans- _____
formação da ‘metafísica’ em ‘filosofia transcendental’, 9. Oliveira, M. Lógica Transcendental e Lógica Especulativa. Brasília: Ca-
dernos da UNB, p. 6- 8.
_____ 10. Kant, I. Op. cit., p. 17.
8. Aristóteles, Op. cit. , p. 107. 11. Idem, ibidem.

A razão exige da natureza aquilo que está nela propria. Para Heidegger, o que pergunta
está num projeto ontológico e, quando pergunta, já se decidiu conforme o projeto em que se
insere constituido historicamente.
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metafísica”.12 Ora, a metafísica é um conhecimento da Ora, é aqui que se situam as investigações da nos-
razão à parte e acima da experiência e opera mediante sa razão, geralmente consideradas mais importantes do
simples conceitos. Para Kant, então: “Não há dúvida, que o entendimento pode nos ensinar no campo dos
pois, que até hoje o seu método tem sido um mero ta- fenômenos. Pois bem, “Estes problemas inevitáveis da
teio e, o que é pior, um tateio apenas entre simples con- própria razão pura são Deus, a liberdade e a imortalida-
ceitos”.13 de”,14 e a ciência que os investiga é a metafísica.
Kant investiga, então, se é possível estabelecer o Quanto ao método da metafísica, Kant afirma metodico,
abandona a exper.
modelo de saber da matemática e da física para a metafí- que: “O seu proceder metódico é, de início, dogmático, = lógica.
sica com o intuito de elevá-la à ciência. Ora, a metafísica isto é, aborda confiadamente a realização de tão magna
pensava que o nosso conhecimento deveria ser regulado empresa, sem previamente examinar sua capacidade ou
pelos objetos e que através da razão poderíamos con- incapacidade”.15 Importa, pois, saber como na metafísica
templar a verdade do objeto, ou essência; na concepção o entendimento, abandonando o terreno da experiência,
kantiana isso impedia de se descobrir a priori, mediante atinge seu conhecimento a priori e qual a sua extensão e
conceitos, algo que ampliasse nosso conhecimento, daí limites, e o valor que possuem.
por que importa, pois, melhor resolver as tarefas da me- A Crítica da Razão Pura terá a tarefa de alterar o
tafísica. método da metafísica segundo o exemplo dos geômetras
Ou seja, a forma, Kant o fez, admitindo que os objetos devem se e dos físicos, operando nela uma revolução completa.
a faculdade de regular pelo nosso conhecimento e não o nosso conhe- Ela é, pois, “um tratado acerca do método, não um sis-
conhecer é ativa
e constitui e regula
cimento pelos objetos, como na metafísica, o que possi- tema da própria ciência; porém, circunscreve-se total-
os objetos. O eidos bilitaria sabermos a possibilidade de um conhecimento a mente, não só descrevendo um contorno dos seus limi-
regula a priori a priori. Kant também tenta o mesmo no que diz respeito à tes, mas também toda a sua estrutura interna”.16 Kant
experiência possivel.
intuição e aos conceitos, a saber, os objetos devem se quer, portanto, delinear um plano total de um sistema da
guiar por nossa intuição e conceitos e não o contrário. metafísica, o que é possível à razão, pois “a razão pura
Nesta perspectiva, Kant aponta para a necessidade especulativa tem em si mesma a particularidade de medir
de uma ciência que determine a possibilidade, os princí- exatamente a sua capacidade em função dos diversos
pios e a extensão de todo o conhecimento a priori, pois modos como escolhe para o pensar”.17
há certos conhecimentos que mediante conceitos apa-
rentam estender os nossos juízos para além dos limites _____
da experiência. 14. Idem, p. 40.
_____ 15. Idem, ibidem.
12. Idem, p. 18. 16. Idem, p. 23.
13. Idem, p. 19. 17. Idem, ibidem.
Heidegger: o regulador não é o eidos, a forma, mas o juízo, a proposição, a linguagem. Modos de pensamento
(lógica) depositados na linguagem. O modo de conhecer não depende mais de uma lógica transcendental, mas
da projeção do entendimento, do projeto da compreensão que é Dasein.
Ideia, forma é identidade de si consigo mesmo. Sem contradição o ser e o pensamento. Sem movimento. A proposição,
o enuciado estrutura a lógica e é encontrado na gramática, na linguagem.
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Assim, então, a primeira parte da Crítica da Razão Ora, a totalidade é para Kant incognoscível, pois
Pura tem a tarefa de explicar a possibilidade de um co- ele separa o “em si” e o “para si”, a “essência” e o “fe-
nhecimento a priori e dotar de provas as leis a priori que nômeno”, limitando-nos a só podermos conhecer as
fundamentam a natureza enquanto objeto da experiên- coisas enquanto fenômeno e não como elas são em si
cia, o que na sua concepção seria impossível com o mé- mesmas, ou seja, como essência. Assim, todas as vezes
todo anterior. Já a segunda parte tratará da impossibili- que a razão tenta pensar o todo, ou seja, todas as vezes
dade de se ultrapassar os limites da experiência, o que é que a razão pura assenta-se sobre raciocínios dialéticos,
uma questão vital para a metafísica. cai em contradição. Estas contradições são as antinomi-
Pois bem, Kant procura demonstrar que nosso as, os paralogismos da razão pura, nos quais se pode a-
conhecimento se refere apenas aos fenômenos e não às firmar e negar a proposição com o mesmo grau de con-
“coisas em si”, pois os princípios da razão pura têm co- sistência, de modo que, estas contradições são insolú-
mo limites a sensibilidade, de modo que, não podemos veis.
conhecer o supra-sensível, ou essência, como pretendia a Após o exposto, podemos concluir que, para
metafísica clássica Kant, é impossível a ontologia enquanto ciência. Ora, a
Na parte analítica da Crítica da Razão Pura, Kant metafísica por excluir do real e do pensamento sobre o
demonstrará que espaço e tempo são formas da intuição real, a contradição, nos distanciou do real e do pensa-
A faculdade de sensível, ou seja, condição da existência das coisas en- mento sobre o real, nos levando a pensar o real essenci-
conhecer é ativa, quanto fenômenos e que só possuímos conceitos do en- almente como substância imóvel, portanto, sem proces-
produz conceitos.
tendimento, logo, juízo, conhecimento, quando nos for so, sem contradição. Por sua vez, o pensamento kantia-
dada a intuição correspondente a estes conceitos. A par- no, por excluir a contradição do pensamento sobre o
tir daí se conclui que não podemos conhecer os objetos real, nega o caráter ontológico do conhecimento, nega
como “coisa em si”, mas apenas como objetos de intui- que a razão seja capaz de dar conta do real e limita o
ção sensível. A razão, entretanto, quer ultrapassar estes campo do conhecimento ao fenomênico, ao aparente, ao
limites, pois: não-contraditório.
Com efeito, o que nos leva necessariamente a
II A ontologização da lógica e o resgate da
transpor os limites da experiência e de todos os fe-
nômenos, é o incondicionado, que a razão exige ne- ontologia
cessariamente e com plena legitimidade nas coisas
em si, para tudo o que é condicionado, a fim de a- Hegel pretende superar a ontologia clássica e a fi-
cabar, assim, a série de condições.18 losofia crítica. Segundo Manfredo Oliveira:
A conexão entre metafísica, filosofia transcendental
_____ e lógica especulativa é pensada por Hegel, como um
18. Idem, p. 22.
processo de superação progressiva: Kant transfor-
Espaço e tempo: formas da intuição sensível = possibilitam a experiência do objeto. Porém,
deve haver correspondência entre os conceitos, determinados pelo juízo, e a intuição sensível dada.
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mou a metafísica (sob a forma de ontologia geral no interna”.21 Ora, o princípio de contradição, que servia de
sistema de Wolff) em lógica transcendental; Hegel sustentáculo para a metafísica, se expressa em nível do
supera ambas em sua lógica especulativa.19 conhecimento através do princípio do terceiro excluído,
Para Hegel, a metafísica considera as determina- que formula a carência de contradição para a forma do
ções do pensar como determinações das coisas, ou seja, juízo, logo, da predicação, do conhecimento.
Em Kant o pensam.
cai em contradições, ela parte do pressuposto de que o pensamento é capaz Em relação a isso, Hegel afirma o seguinte: “A
não é possível de dar conta do real. Neste sentido, as determinações do meta-física tornou-se dogmatismo, porque, segundo a
alcançar o indeterm., pensar eram tomadas como válidas e consideradas capa-
a identidade.
natureza das determinações finitas, teve de assumir que,
zes de predicar o real, o verdadeiro. Assim: de duas afirmações opostas, como eram essas proposi-
dizer
A Metafísica pressupõe que o conhecimento do ab- ções, uma devia ser verda-deira, e a outra falsa”.22 Para
soluto podia ter lugar mediante o atribuir-lhe predi- Hegel, portanto, a metafísica partia de um ponto de vista
cados e não indagava nem as determinações do en- especulativo, na medida em que considerava as determi-
tendimento segundo o seu peculiar conteúdo e va- nações do pensar como determinações das coisas, entre-
lor, nem também a forma de determinar o absoluto tanto, ela foi incapaz de pensar o real adequadamente,
pela atribuição de predicados.20 por excluir a contradição do real e da forma da predica-
Ora, na predicação somente interessava saber se o ção (o pensar).
predicado (conceito) era ou não adequado ao sujeito Hegel também critica a lógica transcendental de
pressuposto, de modo que seria considerado verdadeiro Kant ou filosofia crítica. Ora, a filosofia crítica considera
o predicado que não entrasse em contradição com o su- a experiência como o único campo de conhecimentos e
jeito, portanto, o predicado era pensado analiticamente, se a percepção sensível não nos dá a universalidade e a
por identidade, sem contradição. necessidade, esta provém de espontaneidade do pensar,
Hegel critica a metafísica na sua forma de enten- ou seja, a priori. Deste modo, então, os conceitos do en-
der a predicação, portanto, na sua forma de determinar o tendimento constituem a objetividade dos conhecimen-
real, excluindo a contradição. O mesmo afirma que “Se, tos de experiência.
pois, a verdade nada mais fosse que a carência de con- É, portanto, tarefa da filosofia crítica examinar os
tradição, deveria primeiramente considerar-se, em cada conceitos do entendimento utilizado na metafísica e nas
conceito, se ele não conterá, para si, uma tal contradição outras ciências. Para Hegel, a filosofia crítica não reali-
zou esta tarefa, pois “não entra no conteúdo e na relação
_____ determinada que as determinações do pensar entre si
19. Oliveira, M. Lógica Transcendental e Lógica Especulativa, p. 6-8. _____
20. Hegel, G. W. F. Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Epítome. 21. Idem, p. 19.
Volume I. Lisboa: Edições 70, 1988, p. 96-97. 22. Idem, p. 98.
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têm, mas considera-os em geral segundo a oposição de objeto, mas na razão cognoscente, nas categorias do
subjetividade e objetividade”.23 pensar.
Kant alarga a tal ponto esta oposição de subjetivi- Ora, para Hegel, se a razão é assim reduzida a uma
dade e objetividade, que na subjetividade se apreende o identidade vazia, ela se liberta da contradição mediante a
fenômeno e do outro lado, nada resta a não ser a “coisa perda de todo conteúdo e valor. E a isto ele se contra-
em si”, o real como ele é. As categorias são, portanto, põe, pois:
consideradas subjetivas e vazias, devendo adquirir con- O pensamento de que a contradição, posto no ra-
teúdo mediante intuições sensíve-is, e são ao mesmo cional pelas determinações do entendimento, é es-
tempo incapazes para determinar o real, logo, o enten- sencial e necessária, deve considerar-se como um
dimento é incapaz de conhecer o real em si, mas somen- dos mais importantes e mais profundos progressos
te o fenômeno. da filosofia da era moderna.25
Para Manfredo Oliveira, “Hegel questiona esta Podemos compreender, portanto, que a lógica
contraposição entre subjetividade e objetividade e pre- formal clássica e a lógica transcendental de Kant excluí-
tende pensar as categorias como adequadas, isto é, como ram a contradição. Para Kant, é esta contradição existen-
expressão da identidade entre sujeito e objeto, que ele te na razão que a impede de formular um conceito ade-
considera o princípio da especulação”.24 Para Kant, en- quado do real; o pensamento neste caso se restringe ao
tretanto, não podemos conhecer o real em si, mesmo campo do fenômeno, não podendo realizar a grande
tendo uma faculdade chamada razão, que tenta ultrapas- pretensão do pensamento, da ciência, que é ser capaz de
sar os limites do entendimento, da experiência. Para pensar o real como ele realmente é.
Kant, a razão quer pensar o real em si, mas ao conheci- Hegel pretende superar esta concepção dualista
mento por ela formulado, nada lhe corresponde objeti- das lógicas anteriores. Como ilustração disso, Roger Ga-
vamente. raudy cita a introdução da ciência da Lógica de Hegel
Há, portanto, no pensamento kantiano um dua- onde este afirma o seguinte:
lismo entre pensamento e real, sujeito e objeto. Ora, pa- O conceito de Lógica em vigor até aqui apoia-se na
ra Hegel, se o pensamento e o real não se ajustam ade- separação feita, de uma vez por todas, pela consci-
quadamente, podemos considerar um ou outro deficien- ência ordinária, entre a verdade e a certeza. Supõe-
te. Pois bem, no idealismo de Kant a deficiência se des- se, de um lado, que a matéria do conhecimento e-
loca para os pensamentos e a contradição não existe no xiste como um mundo intei-ramente acabado, fora
do pensamento, que este é vazio em si, que vem,
_____ enquanto forma, a se aplicar exteriormente a esta
23. Idem, p. 103. _____
24. Oliveira, M. Op. cit., p. 5-7. 25. Hegel, G. W. F. Op. cit., p. 108.
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matéria, preencher-se, e somente assim adquirir um pois na filosofia transcendental o pensar exclui a contra-
conteúdo e um conhecimento real.26 dição.
Ora, além de pretender superar esta concepção Nesta perspectiva, a ontologia que Hegel quer res-
dualista do pensamento ocidental, Hegel pretende pen- gatar é uma ontologia na qual há identidade de sujeito e
sar o real como processo, como automovimento. Na objeto, pensar e ser, e em que ambos são movimento; e
compreensão de Marcelo Aquino, “O programa filosófi- isto ele o faz, repensando a lógica, ou seja, ontologizan-
co de Hegel pode ser condensado na sua afirmação: ‘tu- do a lógica, pois a lógica hegeliana não só tem como
do depende de entender e compreender o verdadeiro ponto de partida a identidade entre pensamento e ser,
não como uma substância, mas decididamente como mas também é concebida como um movimento de au-
sujeito’”;27 e, para Paulo Menezes: “Quem diz substância todeterminação do “real racional ou racional real”, que
diz ser, que é o objeto imediato para um saber, também tem como motor de seu movimento a contradição.
imediato, de um universal. Uma dupla imediatez, portan-
to”.28 Assim, então, o ser que é sujeito é negatividade, Referências bibliográficas
cisão que dilacera a imediatez, desdobrando-se para tor-
nar-se concreto, de modo que todo conteúdo é reflexão ARISTÓTELES. A Metafísica. Porto Alegre: Editora
sobre si mesmo e o saber não pode refletir em si fora Globo, 1969.
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