Vous êtes sur la page 1sur 17

Gramsci, as origens de seu pensamento e o

limite da política brasileira no capitalismo

“otimismo de vontade e pessimismo de razão” (Gramsci)

José Mario Angeli


Filosofia – UEL
Outono de 2011
angeli@uel.br

1.Falar em Gramsci é sempre muito inspirador e provocativo, pois ele nos leva a refletir, a analisar a
sociedade em que vivemos hoje, e nos força a pensar em alternativas, em possibilidades de mudanças. Falar
em Gramsci e refletir sobre as suas elaborações e sobre a forma como pensou a sociedade de seu tempo. Ele
nos convoca e nos reanima a pensar numa sociedade socialista diferente das experiências socialistas já vividas,
das soluções da social democracia e principalmente diferente das inúmeras estratégias do capitalismo. Este
certamente é o grande desafio que a humanidade tem em sua frente. E para aqueles que estão preocupados
com a transformação desta sociedade e a construção de uma nova o tema que aqui vamos debater é bastante
oportuno.

Nosso objetivo nestas noites é fazer uma discussão critica de algumas interpretações de Gramsci que
tem sido feita no Brasil, no que se refere, particularmente, à compreensão da política, enfatizando o embate
hegemônico e a luta de classe no interior da sociedade brasileira. Para tanto, apresentarei de forma resumida:
a) o pensamento de Gramsci, a importância de seu marxismo e as polemicas instituídas; b) reflexões críticas
sobre a forma política que se desenvolvem no Brasil que contribuem para recuperar o pensamento de
Gramsci; c) como a hegemonia burguesa atravessa os partidos e movimentos populares, divulgando
concepções da “recusa da política”, por meio de formas de políticas publicas focadas e fragmentadas.
Entendemos, que as análises e as categorias gramscianas são importantes para desvendarem, o universo
ideológico que dá forma ao exercício da hegemonia burguesa, presente nos aparelhos privados de hegemonia
limitadores da ação política.

Leandro Konder, em seu trabalho O futuro da filosofia da práxis: o pensamento de Marx no século XXI1,
pergunta se o legado de Marx tem potencialidade para contribuir na compressão dos fenômenos
contemporâneos. Compreende Marx como um pensador do século XIX, com profundas marcas do seu tempo,
de seu ambiente intelectual, mas que marcou de forma inequívoca a reflexão e criação cultural do século XX.
Konder não escamoteia a crise que assolou o pensamento herdeiro de Marx no final do século XX na esteira do
fracasso do socialismo real e conclui que a “Filosofia da práxis” dialogando com outras correntes de
pensamento têm a solidez necessária para compreender as expressões das novas e cada vez mais profundas
crises do capitalismo.

Esta mesma questão deve ser feita reportando-nos a Gramsci. De um lado, porque Antonio Gramsci é
um dos mais notáveis e importantes pensadores Marxistas. Por outro, porque o pensamento de Gramsci
apesar de ter unidade intrínseca aparece em sua obra de forma fragmentada, enfrentando uma diversidade de
temas e, em muitos deles, de forma interrogativa e questionadora, pondo-se como um desafio para a sua
1
KONDER, L., O futuro da filosofia da práxis: o pensamento de Marx no século XXI. Paz e terra. Rio. 1992
1
compreensão. Isto, porque Gramsci – que nasceu em 1891 na Sardenha, localizada em uma ilha ao sul da Itália
– passou seus últimos dez anos de vida no cárcere fascista, onde escreveu grande parte de sua obra, os
“Cadernos do Cárcere” 2 e as “Cartas do Cárcere” 3, e veio a falecer em 1937 sem ter tido condições e tempo
de organizar suas notas e reflexões.

Neste aspecto, ela é uma obra pedagógica. Acima de tudo com claro objetivo pedagógico.
Instrumentalizar a classe operária para que essa assumisse consciência da própria história e fosse protagonista
de sua emancipação.4

Assumir consciência da própria história em Gramsci significa compreender de fato como se estrutura e
se organiza a ideologia de uma classe dominante, isto é, como se dá “a organização material voltada para
manter, defender e desenvolver a frente teórica ideológica”5. Esta questão é nuclear para a filosofia da práxis.
Práxis aqui entendida como a objetivação do homem, domínio da natureza e como realização da liberdade
humana 6. Práxis entendida como elemento labor ativo e existencial: “ela se manifesta tanto na atividade
objetiva do homem, que transforma a natureza e marca com sentido humano os materiais naturais, como na
formação da subjetividade humana, na qual os momentos existenciais como a angústia, a náusea, o medo, a
alegria, o riso, a esperança etc. não se apresentam como experiência passiva, mas como parte da luta pelo
reconhecimento, isto é, do processo de realização da liberdade humana” 7. Filosofia da práxis que Gramsci
definirá como “historicismo absoluto, a mundialização e terrenalidade absoluta do pensamento, um
humanismo absoluto da história” 8.

Assim, a filosofia é a história em ato, a vida mesmo e, por isso, ela é política. Entendida não como ato
puro, abstrato, mas ato apreendido em suas (todas) dimensões “viventes” e por isso ato impuro.

Gramsci tem na Filosofia da Práxis seu principal instrumento teórico-ideológico para pensar a
“realidade vivente” e suas contradições e, mais que isso, para apontar as limitações e acobertamento da
produção intelectual que dá sustentação às formas de representação da realidade. As categorias construídas
por Gramsci para desvendar as mais diferentes expressões da produção cientifica, filosófica e cultural de seu
tempo apontam em vários momentos para o lugar que realiza a incorporação formal dos jovens ao
conhecimento sistematizado das ciências sociais e das ciências da natureza, do universo lingüístico e da lógica
que os ordena. Gramsci realiza esta tarefa dialogando com as correntes de pensamento que expressavam a
representação social de diferentes momentos e avaliando os avanços e retrocessos da luta dos operários.

Ele compreende que a liberdade e a necessidade dos homens é uma questão aberta à ação dos grupos
e dos indivíduos na sociedade. Se, até então o materialismo histórico era entendido como uma filosofia da
história, o mérito de Gramsci, para quem o materialismo histórico era essencialmente uma teoria da história,
foi o de entender que o método de interpretação da história de Marx, não podia ser deduzido dos princípios
elementares, expostos em obras de caráter geral, como era feito habitualmente, mas que era necessário
extraí-los das obras que analisavam situações concretas, por exemplo, o 18 Brumário.

2
GRAMSCI, A., Quaderni del carcere. Edizione critica dell’Istituto Gramsci di Roma (a cura di Valentino Gerratana).
Einaudi. Torino. 1977
3
GRAMSCI, A., Lettere dal cárcere. (a cura di Antonio Santucci). L’Unità. Roma. 1988, opere, in 2 vol.
4
PFAIFER, M, e FRIEDAMANN ANGELI, R, “As contribuições de Antonio Gramsci para a compreensão do ensino médio e
integrado”. Mimeo. Londrina 2010.
5
GRAMSCI, A., p. 332
6
KOSIC, K., Dialética do concreto. Paz e Terra. Rio. 1976
7
Ibid., p. 204
8
GRAMSCI, A., p. 1437
2
2.A análise de situações concretas o levou, primeiramente a refutar o economicismo elementar,
confundido geralmente com o marxismo ortodoxo, da II e III Internacional. É necessário dizia Gramsci,
distinguir as modificações econômicas que afetam profundamente a própria estrutura da sociedade que são
relativamente permanentes e repercutem sobre os interesses das classes sociais inteiras, das que são simples
variações conjunturais que afetam apenas pequenos grupos. Gramsci, afirma que somente em relação às
primeiras tem sentido a afirmação de Marx, na Introdução à Critica da Economia Política, de que “os homens
tomam consciência, no campo da ideologia, dos conflitos que se manifestam na estrutura econômicas”.
Estrutura que, para Gramsci, não é um conceito especulativo, mas uma realidade que pode ser analisada com
os métodos das ciências naturais, mas que não dever ser estudada separadamente, da superestrutura, porque
“a estrutura e as superestruturas formam um bloco histórico: o conjunto complexo, contraditório e divergente,
das superestruturas é o reflexo do conjunto das relações sociais de produção” 9.

As contradições destas relações sociais podem ser percebidas “na existência de consciências históricas
de um grupo (com as existências de estratificações correspondentes a diversas fases do desenvolvimento
histórico da civilização e com antíteses entre os grupos que correspondem a um mesmo nível histórico),
manifestando-se nos indivíduos isolados como reflexo desta desorganização vertical e horizontal” 10.

Gramsci rejeita a redução do materialismo histórico a uma concepção de “sociologia abstrata”.


Sociologia abstrata entendida como uma pura teoria ou como um corpo teórico preparado para interpretar
diretamente a realidade, o que implicaria para ele, abandonar toda a sociologia ou mesmo a história abstrata
para se chegar a uma realidade concreta. A preocupação de Gramsci é de superar a versão positivista do
marxismo. A principal característica de sua filosofia dialética e revolucionária, humanista e historicista está em
estabelecer um nexo orgânico das partes e elementos que compõem um complexo, cuja organicidade sustenta
uma relação equilibrada entre um e outro, como também entre a “identidade” e “diversidade”. Ele observou
que “a capacidade de encontrar a identidade real sob a diferenciação e contradição aparente, e encontrar a
diversidade substancial sob a identidade aparente é o mais delicado, incompreendido, mas essencial, dote do
crítico das idéias e do historiador do desenvolvimento social” 11

Conforme observou Baratta, que as coisas sejam assim, Gramsci o demonstrou prática e teoricamente
com o seu empenho em relacionar, em primeiro lugar a sua própria pessoa, na condição de vida de sardo com
a italianidade, com o sentimento nacional e o cosmopolitismo, a consciência de classe e a universalidade do
ser humano12. Segundo Baratta não se trata, portanto de escolher entre o valor do individuo e da coletividade,
mas o mais importante e o mais difícil, é sustentar uma relação dinâmica e equilibrada entre um e outro, como
também entre a identidade e a diversidade.

A polêmica que se estabeleceu por parte dos teóricos interpretes do pensamento de Gramsci, entre
ser historicista e sociologista e entre ser filosófico e historicista, todos tem no “historicismo absoluto” o
elemento de identidade do pensamento de Gramsci. A análise que ele faz da realidade italiana de seu tempo,
que nos remete ao presente na perspectiva de compreender a nossa, nos ajuda a construir a unidade entre
filosofia e política. Ele observa que “a realidade é rica nas combinações mais estranhas e é o teórico que está
obrigado a buscar a prova decisiva de sua teoria nesta mesma estranheza, a traduzir, para a linguagem os
elementos da vida histórica, e não o contrario, que seja a realidade que deva apresentar-se segundo o
esquema abstrato” 13.

9
GRAMSCI, A., Concepção dialética da historia. Civilização brasileira, Rio, 1978, p. 52
10
Idem, p. 871
11
Idem, p. 2268
12
BARATTA, G., Le rose e i quaderni. Gamberetti. Roma. 2000, p. 35
13
GRAMSCI, A., p. 871-872
3
Badaloni afirma que há duas concepções que marcam o pensamento de Gramsci, uma teórico-
filosófica que se liga a Croce e outra, ético-política que vai além de Croce, sobretudo, contraria a Croce.14
Segundo Badaloni, estas duas posições mudaram muito e hoje devemos situá-lo no interior da teoria marxista
da historia. Uma sociologia abstrata vem cedendo o seu lugar para uma compreensão mais historicista que
propriamente a uma leitura teórico-filosófica e, que por sua vez, tende a desprezar uma leitura mais política
de Gramsci. É possível identificar nos seus escritos e particularmente nos “Cadernos do Cárcere” o valor por
ele atribuído à leitura historicista. Segundo Gramsci, com base na riqueza da realidade, o pesquisador da
história não vai da teoria à realidade, à busca de espécies puras que correspondam àquilo que se previu
anteriormente, mas pelo contrario da realidade à teoria.

Na base de sua obra está a cultura italiana e a mediação de um hegelianismo anti-positivista. Eugenio
Garin quando discute a influência do hegelianismo na cultura italiana e da ausência de uma revolução nos
moldes da Revolução Francesa, salientou que “ao fazer a tradução de Hegel, Gramsci afirma que com os
alemães, a “unidade” e a “liberdade da autoconsciência” permanece vinculada a “uma teoria tranqüila”, sem,
no entanto, seguir o modelo Francês. Com os franceses a tradução torna-se uma realidade efetiva e real que
conseguirá fazer caminhar o mundo sobre as pernas, o que significa que na origem da Filosofia da Práxis, para
Gramsci, está o movimento cultural como expressão inerente ao desenvolvimento da sociedade italiana.

Ao afirmar que o que caracteriza seu pensamento é a orientação historicista, cuja base se sustenta na
historicidade dos fatos sociais, e, ao mesmo tempo, se contrapõe às variáveis de um materialismo mecanicista
e positivista, a Filosofia da Práxis se articula dentro de uma totalidade orgânica, em que a teoria não se descola
da práxis. Isto permite articular sua reflexão em varias dimensões. A primeira dimensão é a dialética que se
estabelece entre o sujeito-objeto donde o fator subjetivo tem importância na formação da consciência da
consciência de classe, do papel da hegemonia das classes, dos intelectuais, da negação do materialismo
mecanicista, do economicismo e da ortodoxia do materialismo histórico da II e III Internacional, sem que ele
desprezasse os elementos determinantes das condições materiais.

A segunda dimensão sustenta que o materialismo histórico gramsciano está definido dentro dos
limites históricos da sociedade italiana. Esta tem uma dimensão política, que possibilita afirmá-lo como
“teórico da superestrutura”, porquanto a possibilidade da transformação da realidade italiana transcende o
marco da Internacional Comunista, para a qual os conflitos de classe provocariam uma profunda crise no
capitalismo que acabaria levando-o ao colapso.

Contrariamente, Gramsci analisará o “americanismo e fordismo” (1934), como uma forma de


reestruturação do processo produtivo cuja finalidade é recuperar a queda tendencial da taxa de lucro do
capital. O fordismo não implicou nenhuma grande inovação tecnológica, antes foi um momento de
reestruturação que subordinou o trabalho ao capital, que constrói um novo trabalhador, que atualiza o projeto
social capitalista e não uma mera forma econômica. Ele foi um conjunto de medidas de contra tendências
incorporando uma modalidade de gestão: o taylorismo. Segundo Gramsci é fácil racionalizar a produção e o
trabalho quando se “combina a força (destruição dos sindicatos operários) com a persuasão (altos salários,
benefícios e propaganda ideológicas)15. Esse processo não visa o universal, antes fortalece o particular e
aprofunda a relação universal e particular. E, por analogia, em tempo de globalização da economia,
Hobsbawm chamou de “a nova reestruturação supranacional do globo terrestre” 16, contudo sem possuir uma
concepção racional e positiva da relação entre o “particular” e o “universal”.

14
BADALONI, N., “El fundamento teórico del historicismo gramsciano”,In Gramsci: actualidad de su pensamento y de su
lucha. (org) Instituto de ciências Alejandro Lipschutz e Instituto Gramsci di Italia. Santiago de Chile.1978, p. 159
15
GRAMSCI, p. 2145
16
HOBSBAWM, E.,Nazioni e nazionalismo. Einaudi. Torino. 1991, p. 211 e ss.
4
Gramsci nos ajuda a entender a relação particular – universal. “Na história se o geral triunfa sempre
também o “particular” luta para se impor e, em última análise ele também se impõe, porque determina um
dado desenvolvimento geral e não outro. Mas na historia moderna, o “particular’ não tem o mesmo significado
que tinha em Maquiavel e Guicchiardini, não indica mais o mero interesse individual, porque na história
moderna o “individuo” histórico-politico não é o individuo ”biológico”, mas o grupo social”17.

A novidade constituída por Gramsci em relação ao marxismo ortodoxo é evidente se considerarmos


sua concepção de homem. Para ele tiveram importância os escritos do jovem Marx, embora a real novidade
resida na base democrática da sua abordagem. Nos cadernos ele fornece uma interpretação dialética e
dinâmica do homem. Que coisa é o homem? E responde dessa maneira; “È esta a pergunta primeira e
principal da filosofia (...) O homem é um processo e precisamente é o processo de seus atos. (...) É sobre esse
ponto que ocorre reformar o conceito de homem. Isto é, ocorre conceber o homem como uma série de relações
ativas 9em processo) em que a individualidade tem máxima importância, não é, porém o único elemento a ser
considerado” 18. Essa concepção de homem é, portanto não somente dinâmica, mas também ativa e coerente
com a concepção da práxis humana. O seu ideal é o homem ativo que modifica o ambiente. Ao modificar o
ambiente, ele modifica a “sociedade das coisas” e a “sociedade humana”, assim, natureza não pode ser
destacada do homem.

Gramsci quer dizer que, a unidade do gênero humano não é dada pela natureza “biológica” do
homem. E dessa compreensão que ela aporta ao conceito de nação. A nação não representa um valor em si,
mas uma condição historicamente necessária, mesmo que não definitiva para a participação dos povos na
comunidade mundial. A dialética entre o crescimento da consciência de pertencimento a uma comunidade
mundial e o orgulho de ser nacionalista aponta para a necessidade premente da construção de um socialismo
onde as relações internacionais e nacionais superem as fronteiras da nação.

Gramsci sem perder de vista a concepção marxiana trabalha a relação entre “previsão” e “política”,
como forma de ultrapassar as condições materiais e subjetivas da realidade capitalista italiana e da
historicidade dos fatos sociais desta sociedade. A orientação historicista será enriquecida com outras
categorias importantes na elaboração do pensamento gramsciano. Na medida em que ela permite colher o
“senso comum” e o “bom senso” que estão no fundo da concepção da vida e do homem, difundida no passado
e no presente, de que a linguagem é a portadora, ela tenciona os de baixo, provocando uma iniciativa
autônoma por parte de cada grupo subalterno.

A polêmica instituída entre uma sociologia abstrata e o historicismo absoluto ou como preconiza
Badaloni,”entre o teórico-filosófico e o ético-político”19 aparece superada. Badaloni, afirma que o pensamento
de Gramsci está fundado numa gnoseológica de ordem histórica, sob o modo de produção material e cultural
e de sua formação institucional. O próprio Gramsci desfaz essa polemica, quando afirma que, “coloca-se a
questão, se uma verdade teórica descoberta em correspondência a uma determinada prática pode ser
generalizada e tida como universal em uma época histórica. A prova de sua universalidade consiste pois
naquilo que ela se torna: 1) estimulo para conhecer melhor a realidade efetiva em um ambiente diferente
daquele que foi descoberta, isto é o seu primeiro grau de fecundidade; 2) tendo estimulado e ajudado a
melhor compreensão da realidade efetiva, se incorpora a realidade mesma como se dela fosse expressão
originaria” 20. E logo mais adiante, ele chama atenção do contraste entre pensar e o agir: “Este contraste entre
pensar e o agir, isto é, a coexistência de duas concepções de mundo, uma afirmada em palavra e a outra se
explicitando no efetivo agir, não é devido simplesmente a má fé. A má fé pode ser uma explicação satisfatória

17
GRAMSCI, A., p. 690
18
Idem., p. 1354
19
BADALONI, in opus cit., p. 139
20
GRAMSCI, A., p.1134
5
para alguns indivíduos singularmente tomados ou também por grupos mais ou menos numerosos, não é
satisfatório porém quando o contraste se verifica na manifestação de vida de grandes massas” 21

O contraste entre o pensar e o agir em Gramsci se apresenta na polêmica contra o determinismo da II


e da III Internacional, quando esta entendeu que o movimento das forças produtivas e das relações sociais de
produção seria suficiente para provocar a superação do capitalismo. As condições objetivas se encarregariam
da transformação histórica, sem levar em consideração as subjetividades dos indivíduos e da classe
trabalhadora. Segundo Gramsci a libertação do homem toma a forma da compreensão do grupo social que
tem sua própria concepção de mundo. Esta concepção se articula organicamente para construir uma
hegemonia dominante sobre as classes subalternas. Por isso, o esforço e disciplina intelectual são condições
para que os indivíduos possam elaborar e exprimir uma concepção de classe.

A correção proposta do marxismo em Gramsci está no Partido cuja função é a da elaboração e difusão
de uma concepção de mundo, enquanto elabora essencialmente a ética e a política, conforme a experiência
histórica da classe trabalhadora que vai se forjando na luta d e seu agir. Ele observa que a “autoconsciência
critica significa histórica e politicamente criação e uma elite intelectual: uma massa humana não se “distingue”
e não se torna independente “por si” mesma sem organizar-se (no sentido lactu) e não há organização sem
intelectuais, isto é, sem organizadores e dirigentes, sem que o aspecto teórico do nexo – teoria/prática – se
distinga concretamente num grupo de pessoas “especializadas” de elaboração conceitual e filosófica”22.

A consciência critica deve estar à serviço da organização e da unidade da classe subalterna, até porque
histórica e politicamente, ela não a possui. São desorganizadas e desintegradas e se constitui no principal fator
de subordinação de seu pensamento e de suas práticas o que dificulta a elaboração de sua identidade: seu
pensamento é construído de forma fragmentaria a partir de sua inserção subordinada na estrutura social 23·

Neste sentido o conceito de hegemonia se apresenta como inovador, no pensamento de Gramsci. Ele
mostra os processos pelos quais uma classe pode exercer domínio sobre as outras: estabelecendo a
superioridade não somente pela coerção, mas mediante o consentimento. Ao mesmo tempo, transformando a
ideologia do grupo social num conjunto de verdades que se acredita válido para todo o mundo. Verdades que
são aceitas pelas classes subalternas, até que chegue o momento em que, tendo mudado as condições
econômicas e sociais, a hegemonia se fissura. As classes subalternas tomam consciência de seus interesses
particulares e das contradições que as opõem aos grupos que dominam o aparelho de estado. Isto permite
que elas formulem novos princípios em direção a uma nova etapa de crescimento, com outra situação
hegemônica e de novas relações de produção.

Nesta perspectiva colocamos a importância de se analisar a política que se atualiza na sociedade


brasileira. Distanciando-nos dos paradigmas interpretativos colocados seja pela tentação de pensar um
Gramsci em si mesmo, ou seja, de pensar uma realidade onde Gramsci pode vir a se tornar uma “camisa de
força” para o seu próprio entendimento. Isto nos permite avançar uma hipótese de trabalho diferente daquela
apropriação teórica de Gramsci feita nos anos anteriores que se utilizaram em diferentes momentos históricos
em nossa realidade: de um Gramsci social democrata ou de um Gramsci socialista.

3.Sugerimos uma leitura da política da sociedade brasileira, porque assistimos uma redução da política
ao fator econômico e à “morte das velhas ideologias”. Há um conformismo ativo que vem beneficiando o

21
Idem, p., 1379
22
Idem, p, 1386
23
DIAS , E. F., A liberdade (im)possível na ordem do capital: reestruturação produtiva e passivização. IFDH/Unicamp. 1997,
p. 20
6
individuo em prejuízo do coletivo. Mais do que interpretar Antonio Gramsci “em si mesmo” parece-nos
importante compreender a realidade em que vivemos. Compreender o cotidiano dos indivíduos, das classes e
em que sociedade esses sujeitos estão atuando. O que o marxismo gramsciano tem a nos dizer sobre os dias
de hoje? Fazemo-nos valer de um modo de leitura e de compreensão de Gramsci, como forma histórica, não
depurada da política e cujo objetivo é de adotá-lo como uma lente através da qual se poderia reavaliar as suas
categorias, seja do marxismo em particular, seja da política em geral, que se manifestam em nossa sociedade.

A afirmação de Carlos Nelson Coutinho sobre a “universalidade” de Gramsci consiste em sua


capacidade de penetrar e compreender a história italiana, tão profundamente, que a transforma em
paradigma a ser aplicado, criticamente a uma realidade social como a brasileira, que aparece bem distante da
Itália camponesa e pré-burguesa como Gramsci a conheceu 24, quando analisou o Risorgimento italiano. Esse
paradigma tem sido largamente utilizado por muitos teóricos brasileiros. No entanto, o nosso objetivo aqui
não é fazer a tradução de suas categorias indicadas na análise do Risorgimento, para a realidade social
brasileira simplesmente, mas tomá-lo como um teórico capaz de fazer a crítica ao sistema que domina a cena
brasileira. Entendemos Gramsci, assim, como Osvaldo Coggiola, “quando se pensa em explicar os conceitos de
Gramsci deve-se levar em conta não só as críticas de que esses conceitos foram objetos, mas também que
toda utilização de um marco teórico-conceitual deve ser criativo suficiente para reagir sobre o conjunto da
teoria”25

É perceptível, do ponto de vista econômico, nesta última década, a transformação social que vem
sofrendo a sociedade brasileira. É do senso comum a afirmação de que “uma parte da pobreza saiu deste
estado e ingressou na classe média” e hoje que esta possui um poder de compra muito maior. Mas, ainda o
atual governo fala-se de combater a extrema pobreza, por meio de uma política de inclusão social, reflexo de
uma sociedade fundada em profundas desigualdades sociais. Do ponto de vista político, as análises feitas pela
esquerda colocaram no cenário a ausência de uma “revolução burguesa” em que as mudanças sociais e
econômicas não tiveram um caráter nacional-popular. Preferiram falar de uma “revolução conservadora”,
feita pela “via prussiana” ou de “revoluções passivas“, como indicava Gramsci quando analisou o Risorgimento
italiano. Segundo Nogueira as mudanças tiveram como base o predomínio do Estado como agente político; a
marginalização das massas; o conservadorismo das elites dominante brasileira; as transformações feitas pelo
“alto”; e, o uso intensivo da violência e da cooptação 26.

Para esse autor, a vida política nacional foi prenhe de golpismo, autoritarismo e imediatismo, e,
contaminada por essas práticas burguesas27, a esquerda também sofreu as suas conseqüência não sabendo
evitá-las. Esta referencia atualizada nos dias de hoje, confirma o imediatismo, depois de um longo período de
ditadura militar, onde a vida política era controlada pela polícia de Estado.

A partir de meados da década de 70 começava a abertura do regime militar. Por um lado devido a
vitoria da oposição em 1974 quando o regime percebeu a tática de aglutinar toda a oposição num único
partido e por outro a articulação crescente da sociedade através dos sindicatos, da Ordem dos Advogados
(OAB), da Comissão Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e da abertura do regime de outros países na América
Latina. No movimento sindical surge a Central Única dos Trabalhadores (CUT) com a proposta de um “novo
sindicalismo” principalmente no sindicato dos metalúrgicos. A outra invenção foi a formação e constituição do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que recolocou a questão da reforma agrária. E, no
início de 1978 surge aquele que seria a principal figura o PT (Partido dos Trabalhadores provavelmente a maior

24
COUTINHO, C.N., Gramsci: um estudo sobre o seu pensamento político. Civilização brasileira. Rio. 1999, p. 183 ss.
25
COGGIOLA, O., et. al., O outro Gramsci, SP., Xamã, 1996, p. 104
26
NOGUEIRA, M.A., “Gramsci e Il debattito político-culturale in Brasile”. In Critica Marxista. 1991.a.29, p.52
27
Idem, ibidem
7
invenção política da historia brasileira do século XX depois do Partido Comunista Brasileiro, PCB, em 1922) até
hoje.

Seu programa foi a tentativa de criar uma política que fosse a tradução dos novos interesses criados
pela intensa expansão capitalista, recuperando as linhas de forças entre classes e representação o que
conferia a previsibilidade à política. Lula discutia a possibilidade da criação de um partido de trabalhadores.

No contexto das mobilizações sociais na região do ABCD28. Lula em 1979 já compreendia a necessidade
do PT, 29 como um partido aberto a todos aqueles comprometidos com a causa dos trabalhadores e com o seu
programa: defender as idéias do socialismo e da democracia como valores permanentes.

Concomitantemente às mobilizações sociais havia um debate pela formação de novos partidos


políticos. Acreditava-se que haveria uma mudança na legislação que permitisse a essa formação distintos dos
existentes: o oposicionista MDB (Movimento Democrático Nacional) e o governista ARENA (Aliança
Renovadora Nacional). Segundo Singer, “o PT emerge pela percepção de sindicalistas acerca da necessidade da
organização política como algo fundamental para a transformação das relações sociais no Brasil”30. Surge
neste momento uma “nova esquerda” segundo Sader, com uma ideologia muito bem definida: a opção ao
socialismo, diferente do modelo Soviético, mas não necessariamente anti-capitalista31. Ele rompe com o
regime, isto é com a antiga política paternalista, que pairava sob as classes trabalhadoras. Ele possui uma base
solida uma vez que está constituído no meio operário e ao mesmo tempo nos movimentos sociais
organizados: Comunidade Eclesial de Base (CBS), os dissidentes dos partidos comunistas e de esquerda,
intelectuais e do setor sindical. Em resumo, o vinculo com o mundo do trabalho foi que deu identidade social
ao novo partido que estava nascendo, embora ele defendesse uma ruptura com a ordem vigente ele não
possuía uma definição ideológica muito clara.

No seu 5 Encontro Nacional em 1987, o caráter de frente de esquerdas foi aos poucos rejeitado.
Definiu-se como um partido classista amplo e massivo, uma organização autônoma e independente dos
trabalhadores. Ele afirmava a necessidade da realização de “tarefas eminentemente antimonopolistas,
antiimperialistas, antilatifundiaristas, de democratização radical do Estado e da sociedade. Tarefa estas que se
articule com a negação da ordem capitalista e com a construção do socialismo” 32. Ao longo de sua história –
foram feitos muitos encontros nacionais e congressos onde se discutia a conjuntura econômica o movimento
das classes sócias na conjuntura e definia a estratégica e a tática para alcançar determinados objetivos - ele
irá sofrer mutações culminando com a “Carta ao Povo Brasileiro” em 2007 cuja inflexão em sua trajetória
apresenta um caráter conciliador em relação as obrigações domo a divida , contratos, acordos internacionais
com o Fundo Monetário Internacional e com o Banco Mundial .

Ao suprimir do seu programa, a organicidade, um programa socialista, as bandeiras por terra, trabalho
e liberdade ele aparecer mais palatável pela burguesia brasileira. Importante frisar a forma como o PT nasceu:
de baixo para cima. Era compreendido como um partido de massa. A atividade do partido se desenrola em
razão da existência de um Estado representativo, mas não se colocando em correlação exclusiva com a
existência de corpos representativos. Porque se colocou do ponto de vista daqueles que historicamente são

28
Essa região compreende os municípios de Santo Andre, São Bernardo do Campo, São Caetano e Diadema. Nesta região
concentravam-se as empresas multinacionais que comeram a instalar-se no Brasil ao final da década de 1950 e, nos anos
1970, a região foi o palco de grandes mobilizações sindicais. ANTUNES, R. A rebeldia do trabalho o confronto operário no
ABC paulista: as greves de 1978-1980. Campinas. Unicamp. 1988
29
GADOTTI, M &PEREIRA, O., Pra que PT, origem, projeto e consolidação do Partido dos Trabalhadores. SP. Cortez. 1989,
p. 20
30
SINGER,A., O PT, SP., publifolha, 2001
31
SADER, E., A vingança da história. SP., Boitempo. 2003
32
Apud Garcia, 2000, p. 74
8
explorados e injustiçados pelo capitalismo. Um programa socialista como programa referencial estreitamente
articulado com os problemas da existência e da luta dos trabalhadores, seja do campo como da cidade.

Na origem estava a criação da nucleação da militância política em seus locais de trabalho. Elemento
de organicidade partidária enquanto entendia-se que a presença nos movimentos sociais vitalizaria o partido.
Mas, quando se vislumbrou a chegada ao poder, o partido abandona as estratégias que estava na base de seu
programa e consequentemente sobrevalorizando a ocupação de espaços de poder seja no executivo, seja no
legislativo, adéqua-se à dinâmica comum dos partidos burgueses. A crítica deixa de ser política e passa a ser
ética. Talvez em virtude do crescente peso dos quadros atrelados as estruturas administrativas, partidárias,
parlamentares e de governos.

Esta realidade expressa as relações de força historicamente produzidas e objetivadas pelos grupos
sociais dominantes cuja estratégia está pautada nos princípios liberais. Historicamente ele é profundamente
avesso ao associativismo e aposta na fragmentação dos partidos políticos. Não poderia ficar fora da
corporação desagregada da unidade partidária nacional. Gramsci destaca que para além das condições
materiais objetivadas historicamente há um conjunto de forças em luta pela hegemonia. É nesse espaço de
luta que se forjam projetos políticos, que se lançam mão de instrumentos de convencimento, de conquista de
“corações e mentes”. Gramsci fala do partido “como um embrião de uma estrutura estatal”, no sentido de
superar a parte e de se constituir num partido para todos. O partido combina os seus interesses com os
interesses de caráter geral e se liga com outros estratos da sociedade e com o desenvolvimento futuro da
organização geral e política.

O fato do PT aceitar a representatividade, ele irá formar o conjunto possível do novo consenso
estabelecido na sociedade brasileira. Antunes observou que “a “esquerda” ao aceitar o projeto social
democrático, aberto no pós-guerra, emaranhou-se numa teia de compromissos, em tal intensidade que
acabou por levá-la ao beco sem saída do intitucionalismo, do eleitorismo e sua conversão em partido da
ordem”33.

As categorias gramscianas são importantes chaves políticas e interpretativas que permitem


compreender como se constroem e se reproduzem as relações de poder, de domínio e de direção política e
econômica, assim como apontam uma saída ao “fim da história” – como já disseram uns - , sua teoria política
afirma uma possibilidade de estratégia para a mudança de projeto societário.

Como já dissemos anteriormente, o marxismo gramsciano é fundamentalmente anti-positivista34.


Lowy quer nos dizer que, ele é antidogmático, antieconomicista e critico, ou seja, a não redução das forças
operantes e das transformações à mera causa econômica. Assim, quando se pensa a “recepção” 35 de suas
idéias no Brasil e “dos usos”36 das categorias gramscianas pela nossa América Latina, o objetivo parece-nos que
é aportar ao seu pensamento como estratégia e tática de adaptação ao partido.

Os escritos de Gramsci pedem um interlocutor vivo, que apresente a idéia, que assuma uma atitude
não somente filológica e crítica, mas processual e herética. Ele nos adverte com suas leituras pormenorizadas
sobre o modo de ler Marx - um autor que lhe é afim, por causa do movimento perpétuo e do caráter não
sistêmico nem puramente teórico de seu pensamento -, a exercer o máximo de escrúpulo e de honestidade
cientifica, a não forçar nunca os textos.

33
ANTUNES R.. A., 2006, p,39
34
LOWY, M., Gramsci e Lukács: verso um marxismo antipositivista. In, Gramsci e Il marxismo contemporâneo. Riuniti.
Roma. 1990
35
SECCO, L., Gramsci e o Brasil: recepção e difusão de suas idéias. Cortez. SP. 2002
36
PORTANTIERO, J.C., “los usos de Gramsci”, in Cadernos de pasado y presente, n. 54, 1997
9
Pressuposto que nos é valido para pensar a política. Pensar a política implica em pensá-la como uma
esfera do todo. Uma esfera real e não como uma mera determinação do econômico, caso contrario cairemos
num discurso vazio exterior à totalidade social. Pensar o real a partir das práticas e dos discursos dos
dominados e das ideologias dominantes buscando a superação destas e a construção do campo hegemônico
daquelas forças até então dominadas. Pensar a política significa pensar essa dialética, isto é, pensar para quem
e com qual projeto político, podemos construir uma nova “civiltà”. Então, ela fica mais clara quando se reflete
os limites do modo produção capitalista e suas formas de socialização da política. A política se apresenta de
forma institucionalizada na complexidade do desenvolvimento da sociabilidade capitalista e, então, para quem
pretende se colocar no campo da superação das formas de exploração e opressão, das classes trabalhadoras,
será preciso compreender a sua institucionalidade.

O capitalismo brasileiro aparece para os teóricos liberais como uma conseqüência lógica, como uma
racionalidade, cujos progressos têm trazido frutos para toda sociedade. No entanto, a sociedade brasileira cuja
história foi brutalizada por anos e anos de domínio burguês, isto aparece como retórica, uma forma de
acobertar as suas desigualdades sociais.

Gramsci constrói a sua visão de política na luta contra as idéias e práticas do liberalismo. Liberalismo
que é a contra-revolução. É a reforma da gestão do processo produtivo maximizada pela individualização.
Contraditoriamente, Gramsci apresenta outras visões de mundo, onde o embate hegemônico deve ser
realizado e superado, jamais como horizonte intransponível às reflexões e às práticas das classes subalternas.
Ele tem consciência que a cotidianidade das classes subalternas é o horizonte-limite na qual e contra qual ela
deve lutar. Mas, ele vai mais além do cotidiano das classes subalternas, ao analisar a institucionalidade
construída na sociedade socialista, no momento em que recusa a política como pura forma institucional e a
cidadania como algo natural e imutável.

Como pensar a política hoje para além dos mecanismos apresentados pelos liberais? Qual a
importância de se construir um aparelho teórico-prático que explicite a identidade e o projeto das classes
subalternas?

4. A discussão feita por parte da esquerda no que toca os momentos de transição política desta sociedade faz
sempre menção à “via prussiana” e à “revolução passiva” como forma encontrada para assegurar o domínio
do poder econômico e político. Esta forma do desenvolvimento capitalista produziu e requer uma formidável
coerção estatal, que se mostra por um lado nas fortíssimas empresas estatais e por outro no controle da classe
trabalhadora. A esquerda entendeu a história brasileira como sendo a expressão do predomínio do Estado
burguês como o agente político que ao fazer as transições faziam um arranjo pelo alto com os grupos
dominantes e dirigentes desta sociedade. Ao recusar uma visão puramente instrumental do Estado, o reduz à
pura vontade dos dominantes, e, deixa de captar as contradições da sociedade. Concebendo o Estado como
expressão da mera vontade dos dominantes nega as contradições de classes e a possibilidade de formas de
fazer política. Dessa forma, as classes subalternas ficam prisioneiras por um “politicismo desistoricizado, irmão
gêmeo do economicismo”37, o que acabou dificultando a construção da hegemonia dos de baixo.

Para Gramsci, hegemonia significa a crítica prático-teórica da estruturação das formas de dominação; a
condição de possibilidade de alterar “as regras do jogo”; nisso reside a importância de pensar a política como
processual, o que significa a não aceitação do capitalismo como horizonte único.

37
DIAS, E.F., “Gramsci e a política hoje”. in Universidade e Sociedade.UNB.1991
10
Gramsci define a hegemonia como sendo “combinação da força e do consenso, que se equilibram de
modo variado, sem que a força suplante em muito o consenso, mas ao contrário, tanto fazer com que a força
pareça apoiada no consenso da maioria, expresso pelos chamados órgãos da opinião publica – jornais e
associações” 38. Esta reflexão aparece no processo de afirmação e reafirmação de hegemonias burguesas nas
sociedades contemporâneas com destaque para a compreensão do Estado, sem perder de vista a tomada do
poder.

Gramsci chama atenção para o avanço da sociedade civil impulsionado pelo Estado, porque nos
Estados ocidentais a “sociedade civil tornou-se uma estrutura muito complexa e resistente às irrupções
catastróficas”, o Estado não é apenas uma trincheira avançada e que por trás dele esteja, uma robusta cadeia
de fortaleza e casamatas. Gramsci com isso pretende diferenciar os tipos de Estados: “no Oriente o Estado era
tudo, a Sociedade Civil era primitiva e gelatinosa, no Ocidente, havia entre o Estado e Sociedade Civil uma justa
relação e, ao oscilar o Estado, podia-se imediatamente reconhecer uma robusta estrutura da Sociedade Civil. O
Estado era apenas uma trincheira avançada, por trás da qual se situava uma robusta cadeia de fortalezas e
casamatas” 39.

Este avanço é perceptível na sociedade brasileira graças à política em virtude de uma permanente
mudança de qualidade da política. A força de uma invenção se expressa na capacidade de manter o adversário
nos limites de uma sociedade capitalista criado pela proposta do governo e da resposta dele garantindo
estabilidade na governança. Gramsci define isto como hegemonia. Então há sim uma hegemonia – Petista,
Sindical e oligárquica – representada pelo PMDB e partidos da coligação, no sentido de uma cultura
indeclinável à questões propostas que obriga o adversário a jogar com a linguagem, uma cultura inventada as
quais se tornam assim uma cultura dominante. Segundo Francisco de Oliveira a hegemonia é produção
conflitiva do consenso.40

Mas, ela é também expressão do transformismo político de indivíduos e grupos sociais. Uma classe ou
um grupo fundamental pode se tornar hegemônicos através do transformismo. Este é marcado pela
integração gradual e continua por meio de “critério interpretativos das modificações moleculares” dos
elementos ativos que haviam surgido das classes ou frações aliadas e até de oposição (o caso da revolução
passiva). Ao contrário, a hegemonia será expansiva se fundada no consentimento ativo (vontade coletiva)
produto de uma genuína adoção dos interesses das demais classes subalternas por parte da classe
hegemônica. Gramsci ainda observa que no interior do conceito de hegemonia, o processo revolucionário não
se dá pelo assalto ao Estado como forma de se constituir o poder, mas pela disputa de força presente na
sociedade. O PT entendeu isto, ele se desencorajou do vinculo com os subalternos, quando ele abandona a sua
concepção de mundo, se integra com a fração de um grupo maior no seu interior e ele passa a entender o
governo tecnicamente possível, permitindo um afrouxamento dos laços teóricos ideológicos,

Se por um momento as classes subalternas se encontram “desorganizadas” e “despossuídas” de sua


unidade e identidade, como conseqüências das investidas ideológicas e das doutrinas – estamos pensando no
neoliberalismo -, a luta de classe aparece na forma de guerra de posição antes que de guerra de manobra. Ora,
como Gramsci próprio diz que o Estado não pode ser reduzido à mera vontade dos dominantes, como se as
contradições classistas não existissem e elas não determinassem o sentido das formas de fazer política,
Introduz um elemento importante na prática política que são os “aparelhos privados de hegemonias”,
instrumentos de embate hegemônicos, que em última instancia, são as trincheiras na guerra de posição. O
aparelho privado de hegemonia é um instrumento da burguesia para assegurar a luta de classe, mas ele é

38
GRAMSCI, A., Maquiavel, a política e o estado moderno. Civilização Brasileira. Rio. 2001, p. 95
39
GRAMSCI, A., p 866
40
De Oliverira, Fr., “Política numa era de indeterminação: opacidade e reencantamento” in. A era da indeterminação. (org
Oliveira, Fr., Cibele & Rizek) Boitempo. SP., 2007, p. 16
11
também um instrumento de uma fração da classe burguesa, utilizado para fortalecer suas posições nos
embates dentro dessa mesma classe.

O aparelho privado de hegemonia se apresenta como um elemento novo para as classes subalternas,
espaço de embate de projetos políticos, da qual as classes subalternas poderão se valer, até porque, o Estado
é compreendido como relação social. Isto é, ele condensa relações sociais numa dada sociedade, portanto
como afirmou Gramsci. “o Estado é um educador”. Ele é um formador de idéias. Logo, um formador de
ideologias. A ideologia não aparece como “falsa consciência”, como “visão de mundo” e ilusão deformadora
da realidade, mas, como sistema irresistível de idéias armado pelos governantes para manipular indivíduos
que se deixariam enredar passivamente nas “idéias dominantes da classe dominante” 41.

Gramsci não consegue imaginar que esta população esteja mergulhada inteiramente numa nevoa
ideológica homogênea e paralisante. Segundo ele, a ideologia não é “reflexo” das estruturas materiais, por ter
a sua autonomia relativa, ela também não é uma ilusão, uma pura criação da imaginação deformada das
pessoas, uma vez que é “um fato histórico real”. Ela tem uma função “orgânica”, de consciência e de cimento
aglutinador das diversas lutas dispersas no universo popular. É por meio dela que determinados grupos sociais
“tomam consciência do próprio ser social, da própria força, das próprias responsabilidades, do próprio devir” 42.

A ideologia, para Gramsci, é um universo contraditório. Ela é “progressiva” e “regressiva”, “orgânica” e


“desorgânica”, “construtiva” e “deteriorada”, “racional” e “irracional”, “aberta” e “dogmática”. Por um lado,
ela se torna uma força na mão da burguesia que não representa o conjunto da sociedade, mistifica e
desagrega as relações sociais, porque apresentam interesses particulares como sendo de toda a sociedade;
por outro, por ela ser arbitrária, é necessário desnudar e combater esta ideologia porque expressa
diretamente uma hegemonia que visa naturalizar as relações sociais e universalizar a crença na sua
inevitabilidade. A ideologia dissimula a realidade enquanto busca legitimar subliminarmente o poder pela
manipulação e pelo consenso passivo 43.

A ideologia coloca no centro do debate político a questão da hegemonia. Os liberais potencializam o


desenvolvimento das classes dominantes e das práticas capitalistas impondo uma falsa universalidade, uma
abstração da sociabilidade capitalista que atua como subsunção das classes subalternas e que obstaculiza a
possibilidade de uma teoria e prática do ponto de vista das classes subalternas. O exemplo claro dessa questão
parece ser a criminalização dos movimentos sociais no momento em que eles se confrontam com o poder
instituído na sociedade. Transformar esse terreno ideológico na perspectiva de uma nova hegemonia implica
numa nova visão de um mundo que servirá de principio unificador para uma nova vontade coletiva, ou seja,
através de uma “reforma intelectual e moral”. Para ele ideologia é positiva, no sentido de que os homens
adquirem “consciência de suas contradições no terreno das superestruturas “44

Para fazer frente às investida do poder, as classes subalternas deverão dispor de “intelectuais
orgânicos” que se apresentam como desmistificadores, impulsionadores e engajados em suas organizações e
lutas, contrariando os aparelhos privados de hegemonia. Esses afirmam uma determinada visão de mundo,
uma racionalidade com o objetivo de estabelecer o horizonte ideológico de uma época, um projeto político da
totalidade da sociedade, que não correspondem aos interesses dos subalternos. Contrariamente o PT
apresentava-se como um intelectual orgânico cuja militância estava profundamente vinculada com os
movimentos sociais, e, ao mesmo tempo fazia-se a critica aos ideologismos dogmáticos que operava como
doutrina no interior da sociedade.

41
GRAMSCI, A., p. 1508
42
Idem, p. 1349
43
Idem, ibidem., p. 1345
44
MARX, K., Prefacio à contribuição à critica da economia política. In, Pensadores, Victor Civita. SP, 1978, p. 130
12
A compreensão do conceito de hegemonia gramsciana está profundamente ligada ao conceito de
“Estado Integral”. Ele se estabelece dialeticamente com a sociedade civil. Sociedade civil e sociedade política
devem ser compreendidas através do nexo unidade-distinção para não cair na leitura liberal que se faz da
sociedade civil nos dias de hoje. Por um lado, é preciso pensar a sociedade civil do ponto de vista dos
trabalhadores, isto é, articulada com os movimentos sociais organizados, pois no momento em que o
movimento social está no centro da luta social, percebe-se o seu alcance como forma de articulação social e
de enfrentamento com o Estado. Somente, assim, ela se revela espaço de luta e não cenário de pactos sociais
que tem como objetivo fragilizar a tão desorganizada e desunida sociedade civil. Sob essa referência desfaz-se
a ilusão de uma sociedade civil progressista ou que precisa ser fortalecida, e ao mesmo tempo, desfazendo a
compreensão unitária dela, enfraquece-a ainda mais45.

Por outro, a sociedade civil não está desprendida da visão classista, de tal forma que o sujeito da
transformação seja a classe operária. Na perspectiva hegemônica, a classe precisa se fazer Estado. Segundo
Gramsci “Estado é todo o complexo de atividades práticas e teóricas com as quais a classe dirigente não só
justifica e mantém seu domínio, mas consegue obter o consenso ativo dos governandos” 46, porque o “por
Estado deve-se entender, além do aparelho de governo, também o aparelho privado de hegemonia ou
sociedade civil” 47. Ele aparece como “equilíbrio da sociedade política com a sociedade civil – ou hegemonia de
um grupo social sobre toda a sociedade nacional, exercida através das organizações privadas: como igreja,
sindicatos escolas etc...” 48.

Gramsci indica como a sociedade política vai subsumindo na sociedade civil, uma vez que “na noção
geral de Estado entram elementos que devem ser remetidos à noção de sociedade civil no sentido de Estado=
sociedade política+sociedade civil” 49. Ele fixa dois grandes “planos superestruturais: o que pode ser chamado
de “sociedade civil” (o conjunto de organismos vulgarmente “privados”) e o da “sociedade política ou Estado”,
planos que correspondem, respectivamente, à função de “hegemonia” que o grupo dominante exerce em toda
a sociedade e àquela de “domínio direto” ou de comando que se expressa no Estado e no governo “jurídico””
50
. Gramsci configura assim a sociedade civil e indica o erro dos Liberais, por terem construído uma oposição
entre Estado e sociedade civil, que não é verdadeira.

Assim chegamos a compreensão da sociedade civil como espaço da luta de classe. Então, volta-se à
questão: Quais são – tem sido – os elementos da sociedade civil que correspondem aos sistemas de defesa na
guerra de posição? Concretamente, na sociedade brasileira estabeleceu com o processo de democratização,
que Dagnino chama de “confluência perversa” de dois processos políticos distintos, de um lado o alargamento
da democracia que se expressa na criação do espaço público e na crescente participação da sociedade civil nos
processos de discussão e de tomada de decisão relacionados com as questões de políticas publicas; e por
outro, a partir dos anos 90, como parte da estratégia do Estado para a implementação do ajuste neoliberal, há
uma emergência de um projeto de Estado mínimo que se isenta progressivamente de seu papel de garantidor
de direitos através do encolhimento de suas responsabilidades sociais e sua transferência para a sociedade
civil 51.

Há uma tensão no processo de democratização da sociedade brasileira. Esta tensão está crivada pelo
avanço das Organizações não-governamentais (ONGs) e das (Organizações Sociais de Interesses Públicos

45
DIAS, E.F., “Sobre a leitura dos textos gramscianos: usos e abusos”,in O outro Gramsci, Xamã. SP. 1996, p.114
46
GRAMSCI, A., p. 331
47
Idem, p., 801
48
LIGUORI, G., Roteiros para Gramsci. UFRJ. Rio 2007, p.20
49
GRAMSCI, A., p. 764
50
Idem, ibidem
51
DAGNINO, E., “Sociedade civil, participação e cidadania: de que estamos falando? Mimo. Campinas, 2004, p. 95, ss.
13
(OSIPs), da institucionalidade das centrais sindicais e da criminalização dos movimentos sociais, configurando
assim a forma não estatal, instituída para comporem parcerias entre o Estado e o Mercado. O processo de
confluência perversa provocou um deslocamento do conceito de sociedade civil que até então ela estava
instituída como forma burguesa de produção e a partir do processo de democratização ela irá se constituir
numa sociedade ativa e propositiva, eliminando assim o conflito existente naquela sociedade.

Coincidentemente ou não, a sociedade civil agora ausente de projetos antagônicos apresenta-se de


fato, emblematicamente, com uma serie de outras coincidências no nível do discurso, referencias comuns que
examinadas com cuidados escondem distinções e divergências fundamentais que se encontram no seio das
classes trabalhadoras.

Uma dessas distinções e divergências é a negação das classes social como subjetividade histórica de
uma sociedade. As classes subalternas aparecem neste cenário como uma totalidade homogênea e sem
contradições. A identidade da classe parece dessa forma impedida o que limita seus projetos e se ajuda a
perpetuar aquele, que em teoria, é seu inimigo. Em última instancia, o predomínio dessas instituições expressa
a difusão de um paradigma global vinculado ao modelo neoliberal, na medida em que responde às exigências
dos ajustes estruturais determinado pelo Estado, por um lado, e, por outro, com o crescente abandono de
vínculos orgânicos com os movimentos sociais que as caracterizava em períodos anteriores, a autonomização
política dessas instituições cria uma situação peculiar no momento em que elas são chamadas à participação
social. Além do que, devemos ponderar que essas organizações são responsáveis perante as agencias
internacionais que as financiam e o Estado que as contratam como prestadoras de serviços. Mas, não perante
a sociedade civil, da qual se intitula representante, nem tampouco perante setores sociais de cujos interesses,
elas são portadoras.

O significado da participação está profundamente comprometido e foi ao longo desses anos


radicalmente redefinido e reduzido à gestão: empreendedorismo social, gerenciamento compartilhado,
responsabilidade social da empresas, parcerias, direito e cidadania, expressões que estão hoje no interior da
sociedade civil. Essa nomeclatura é a forma encontrada pelo Estado para “partilhar efetivamente o poder”
cujo conteúdo despolitiza as relações sociais no processo de participação da sociedade civil. Atilio Boron
afirmou que nos últimos anos a hegemonia ideológica do neoliberalismo deixou uma sociedade fragmentada e
heterogênea, marcada por profundas desigualdades sociais que foram exacerbadas com a aplicação das
políticas neoliberais52.

Agravada pelo capitalismo que impõe um predomínio ideológico sobre a sociedade que ao invés de
uma elevação político e moral das massas subalternas acaba impondo uma unidade instrumental entre
governo e as classes subalternas. Uma das características dessa configuração é o papel dos “intelectuais
orgânicos” nesta sociedade. Os intelectuais do PT deixaram de ser vistos pelo partido como elementos de
prestigio, mas não como elementos integrados à sua vida íntima, isto é, não mais participa de um processo de
elaboração, construção coletiva do novo projeto - até porque não se pode dizer - que está em curso. Ora,
colocados à margem por uma decisão política, isto dificulta ainda mais a elaboração da identidade das classes
subalternas. Pois um dos principais elementos, de subordinação do pensamento e das práticas das classes
subalternas, é a enorme dificuldade de elas elaborarem a sua própria identidade.

Neste sentido, a articulação da forma social produtiva capitalista em curso na sociedade brasileira está
profundamente cimentada – na expressão gramsciana – à superestrutura, ou seja, no Estado (sociedade
política) que se consubstancia na perspectiva neoliberal. Segundo Gramsci, é impossível pensar esta duas
sociedades de forma cindida, pois isto implicaria desconhecer a natureza do Estado. Como Marx observou no

52
BORON, A., “A sociedade civil depois do dilúvio neoliberal” in, Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o estado
democrático. (orgs. Gentili, P. & Sader E.) Paz e Terra. Rio. 1995, p.104
14
18 Brumário, a forma pelo qual o Estado atuava como organizador do consenso e, ao mesmo tempo, da
dominação, reflete a sociedade brasileira nos dias de hoje. Da articulação, entre o consenso e a coerção, o
Estado brasileiro para garantir o predomínio do capital financeiro aos grandes grupos e das políticas focadas
para atender aos pobres, reaparece como produtor da organização e desorganização da totalidade da
sociedade.

O Estado utiliza dos “aparelhos privados de hegemonias” como uma forma de se contrapor à luta de
classe e às frações de classes desta sociedade, ele acaba organizando o poder e desorganizando as classes
subalternas. A política para Gramsci está estabelecida por uma composição mista: “de força e de consenso”.
Uma força pode dirigir sem consenso. Uma força política capaz de agregar consenso, ela pode ir se
consolidando. O caso do PT aqui analisado, não parece como uma força capaz de dirigir o consenso, antes com
uma força que agrega consenso e que dá sinal de solidez, primeiramente pelo transformismo, processo de
cooptação, e depois pela forma governo que estabeleceu um consorcio partidário para governar.

No momento do nascimento do PT., a sociedade se colocava para si a questão da “direção intelectual e


moral” sobre esta liderança e sua capacidade de força hegemônica. Ao chegar ao governo a direção da
sociedade brasileira pelo PT não se deslocou no sentido das classes subalternas. Ficou preza ao comando do
aparato do Estado e à burocracia sindical oriunda do “novo sindicalismo”. Evidenciando que a ordem burguesa
mostrava-se mais robusta do que nunca. A esse curioso fenômeno em que parte “dos de baixos” dirige o
Estado por intermédio do programa “dos de cima” foi chamado “hegemonia às avessas“53.

5.Para concluir, no nosso entendimento a sociedade civil brasileira não é, nem forte e progressiva,
como prega alguns teóricos e, nem fraca e reacionária, como prega outros teóricos. Ela é um conjunto de
contradições estabelecidas historicamente pela forma como se produz a riqueza nesta sociedade capitalista e
pelo agravamento do Estado, que paulatinamente, vê se retirando do processo de regulação da produção. O
governo brasileiro exercita na prática a política de sustentação do capital financeiro e na teoria prega a
possibilidade de eliminar a pobreza por meio de uma inclusão, que em última instancia, se dá na forma
excludente do capitalismo. Ele o faz com base no acordo político estabelecido entre o governo e os partidos da
base aliada com a finalidade de garantir a sustentação da governabilidade.

Para agravar o movimento social (Centrais sindicais) e partidos ditos de esquerda, PT, PCdo B, PDT,
PCB etc... tem feito uma leitura que negam o antagonismo classista e. dessa forma, naturaliza o antagonismo
da luta social por meio de um processo de despolitização da luta. Partidos que antes eram tidos como
socialista transformaram-se num partido da ordem. O transformismo para Gramsci “é uma prática de
corrupção aliada à prática da revolução passiva, forma histórica daquilo que foi observado sobre a revolução-
restauradora ou passiva, a propósito da formação do Estado Italiano”54. Na unificação italiana tivemos uma
incorporação do partido democrático de oposição à classe política conservadora-moderada, enquanto que no
Brasil a incorporação é de partidos ditos socialista, um exemplo aquilo que acontece com o PT, à uma prática
social-liberal.

O PT deixou de ser dirigente e tornou-se um comandante da política econômica em curso no Brasil de


caráter liberal. Ele não teve a preocupação de fundar um novo Estado, antes ele se fez Estado, conduzindo
uma política econômica concentradora e passou a ver a relação Estado e sociedade como uma questão de
gerenciamento através das parcerias públicas e privadas. Gramsci tinha profeticamente previsto a

53
OLIVEIRA, F., BRAGA, R.,RIZEV, C., (orgs) Hegemonia às avessas: economia, política e cultura na era da servidão
financeira. SP., Boitempo, 2010, p. 8
54
GRAMSCI, A., p.962-3
15
possibilidade da degeneração do partido que se faz Estado, antes de constituir um novo Estado. Nos anos 30,
Gramsci colocava-se a questão da direção “o velho morre e o novo não pode nascer”, preocupado com as
transformações da sociedade italiana, ele não podia mais ser um combatente em ato, mas permanecia
preocupado com as massas que serviam de manobra para uma elite oligárquica.

O desafio de Gramsci está em construir uma relação virtuosa entre a classe dirigente e classe social. O
PT no seu inicio desenvolveu essa iniciativa, a história do partido concretamente mostra a importância e as
vantagens da elaboração coletiva, o seu crescimento com suas vitorias e derrotas, diferenças e deficiências, é
movido pela fidelidade de seus militantes às conclusões e definições de seus encontros. Neste sentido o PT era
muito próximo as idéias gramsciana, basta lembrar as discussões sobre o caráter do partido, a importância da
preparação dos novos dirigentes, a necessidade de elaboração coletiva e democrática e de incorporação das
massas ao projeto partidário, tarefas necessárias para a disputa de hegemonia e para a consolidação do PT.
Gramsci caracteriza o partido como sendo “o moderno príncipe, o mito, não pode ser uma pessoa real, um
individuo concreto; pode ser somente um organismo; um elemento da sociedade complexa na qual já tem
inicio o concretizar-se de uma vontade coletiva, reconhecida e afirmada na ação” 55, na sua origem havia uma
vontade coletiva que compreendiam as transformações sociais e econômicas tendo em vista a universalidade
e a totalidade dos homens.

Hoje parece muito distante disto. Há uma distancia enorme de sua inserção social. Ficou prisioneiro do
“mito do moderno príncipe”, sem ser capaz de organiza a vontade coletiva, não fala mais da política, mas de
ações simples e materiais ou de organização e comunicação, até porque quanto mais no poder, menos
avançadas são as propostas do partido. Seu programa se transformou em programa de governo
consequentemente abandonando a utopia socialista de sua fundação.

Numa sociedade complexa, como única força capaz de contrastar com os autoritários e os liberais
democráticos, Lula foi a expressão da continuidade da forma social capitalista. Sua ascensão é profundamente
marcada pelo acordo de estabilidade monetária e ajustes econômicos, capazes de garantir a governabilidade.
Ele não ousou instituir uma nova sociabilidade. Prisioneiro da sociedade capitalista fez a política dos “dois
senhores” um tanto a deus, ao sistema financeiro e um tanto ao demônio, políticas social focadas à pobreza56.

Neste cenário o limite da política do governo Lula está circunscrita na lógica do capitalismo, O Partido
dos Trabalhadores que se apresentava como um construtor do “sujeito histórico” abandonou essa perspectiva.
Neste mundo globalizado tem sentido em falar de sujeito histórico? Castell defende a tese de uma revolução
tecnológica caracterizada pela tecnologia da informação está acobertando, em ritmo acelerado, a base da
sociedade.57 As economias de todo o mundo se tornaram globalmente interdependentes, mostrando uma
nova relação entre o Estado e a Sociedade, em um sistema com geometria vertical. Segundo esse autor e
outros pós-modernistas, o “fim da história“ e o “fim da razão” juntamente com o fenômeno da globalização
teria obstaculizada a formação de sujeitos históricos.

Certamente, que este fenômeno mudou profundamente a pauta e as metas dos movimentos sociais e
dos partidos. A internacionalização dos mercados financeiros, a consolidação das corporações multinacionais e
a imigração de grandes grupos, mudaram a divisão internacional do trabalho. Esta mudança que aconteceu, a
partir dos anos 80 e 90, acelerou o papel do Estado e a capacidade da política de regular conflitos sociais. No
momento que ela deixou de regular os conflitos sociais, os movimentos sociais e os partidos de esquerda
também deixaram de enfrentarem o fenômeno globalizante. Não fosse pouco para contrabalancear a

55
Idem., p. 1558
56
MARQUES, M.R.,& MENDES,A., “Servindo a dois senhores: as políticas sociais no governo Lula” in Katalysis. vol10,n1.,
2007
57
CASTELL, M., The rise of network society. Oxford. Blackwell. 1996
16
influência da economia global, diversos grupos constituíram-se em ONGs (internacional e nacional), tornando
atores, sujeitos históricos contra o fenômeno do liberalismo. Poderia ser elas o mesmo sujeito histórico do
passado? Ou seja, teriam as ONGs um papel revolucionário?

Então, o problema de Gramsci é ainda nosso. Porque essa é a velha pergunta de Gramsci sobre o
“automatismo histórico” que se expressa no mercado determinado, ou seja, numa determinada estrutura do
aparelho produtivo que está garantida numa determinada estrutura política, moral e jurídica. Se esse
fenômeno teria acontecido de modo automático, não se poderia fazer nada para mudar a sua caminhada,
como ele não chegou de modo automático é possível influenciar a sua caminhada.

A polêmica sobre o papel do sujeito histórico durante todo o século XX é muito instrutiva para
entender nossa situação hoje. No entanto, o papel que a classe trabalhadora ocupou, que o partido
representante dessa classe ocupou, está mudando muito e não parece dar fundamento ao otimismo.

17

Vous aimerez peut-être aussi