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Estima-se que 40 por cento da população mundial tomam o animismo como base
de suas crenças. Calcula-se também que entre os 88 por cento daqueles
classificados como povos não alcançados pelo evangelho, 135 milhões são tribos
animistas. Além disso, 1.9 bilhões de pessoas no mundo estão, de alguma forma,
inseridos em uma religião mundial que apresenta formas sincréticas com o
animismo. Pode-se concluir, portanto, que o mundo não alcançado pelo
Evangelho, como um todo, é animista.
O objetivo desta pesquisa é dar um primeiro passo no que diz respeito à produção de
material que venha ajudar missionários brasileiros em seu preparo transcultural,
especialmente na compreensão de conceitos e práticas animistas e na aplicação
contextualizada do Evangelho à realidade animista.
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comunicar o Evangelho de uma forma que cause impacto na mente e no coração do povo
a ser alcançado.
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Quase todas as obras utilizadas foram escritas na língua inglesa, pois, como já
mencionado, quase não se encontra material sobre o tema em língua portuguesa. Além
da pesquisa bibliográfica, incluem-se também informações dadas por missionários que já
atuam com povos animistas, cujos testemunhos dão suporte aos conceitos apresentados.
A pesquisa foi dividida em três capítulos.
No primeiro capítulo, apresenta-se o animismo sob o ponto de vista fenomenológico, sem
qualquer julgamento teológico quanto à sua natureza e o seus fins. Descrevem-se os
principais conceitos e as práticas mais comuns da religião animista.
No segundo capítulo, busca-se uma visão panorâmica do tema “espíritos na Bíblia”. O
principal objetivo é demonstrar que a Bíblia trata a existência dos espíritos de forma
realista, ou seja, os autores bíblicos não tentam provar a existência de seres espirituais,
partem do pressuposto de que eles são reais.
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“fôlego de vida”. Ele traz consigo a idéia de alma ou espírito (Steyne, 1992, p. 36). A
palavra foi usada pela primeira vez pelo antropólogo britânico Edward B. Tylor, em seus
escritos mais antigos. Em 1873, em sua obra Religion in Primitive Culture, ele definiu
animismo como “a doutrina de Seres Espirituais” (1970, p. 9) e afirmou que “Animismo,
em seu desenvolvimento pleno, incluía a crença em almas e em seu estado futuro, em
deidades controladoras e espíritos subordinados (…) resultando em algum tipo de
adoração” (1970, p.
11). Esses espíritos incluem tanto os espíritos dos ancestrais vivos que são “capazes de
existência continuada” após a morte como “outros espíritos, em uma escala ascendente
até ao ranking de deidades poderosas” (Tylor 1970, p. 10). Os escritos de Tylor abriram
precedente para definir animismo como “a crença em um poder sobrenatural
personalizado” (Smalley 1971, p. 24). Tylor partia do pressuposto evolucionista/positivista
e acreditava que o animismo era uma forma primitiva de religião, forma essa que
apresentava um modo de 14 pensamento pré-lógico, desenvolvido posterior e
gradativamente para o politeísmo até chegar às religiões monoteístas. Apesar da rejeição
atual ao seu evolucionismo cultural e de considerar-se incompleta sua idéia sobre
animismo, não se pode ignorar sua contribuição para o estudo desse assunto.
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Com base nos conceitos apresentados acima, antropólogos têm feito uma distinção entre
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Estudiosos têm discutido até que ponto o animismo é de fato uma religião, uma vez que
não possui elementos fundamentais característicos das religiões mundiais, tais como
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escritos sagrados, templos, missionários ou teologia uniforme. Para Kaser, por exemplo,
“é melhor (considerá-lo) uma cosmovisão, com muitos aspectos” (2004, p. 216). Já para
outros autores, esse tipo de pensamento manifesta certo etnocentrismo e preconceito,
pois vê a religião apenas como o aspecto da vida que lida com o “espiritual”, enquanto
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que a ciência lidaria com os aspectos naturais. Essa postura, que elimina fronteiras
rígidas entre ciência e religião, está em consonância com o construto pós-moderno de
ciência, locus que considera as conclusões de um xamã sobre a vida e o cosmo tão
válidas quanto as de um acadêmico com carreira universitária (ver, por exemplo, Ruy
César do Espírito Santo, O Renascimento do Sagrado na Educação. 2a. Ed. Coleção
Práxis. Campinas, Papirus, 2000.) Assim, Hiebert, Shaw & Tiénou afirmam que:
Antropólogos agora definem ‘religião’ como crenças a respeito da natureza última das
coisas, tais como, sentimentos profundos e motivações, valores fundamentais e lealdade.
Essa definição fornece a maneira como as pessoas percebem a realidade. Nesse sentido,
o ateísmo budista Theravada, Marxismo, e cientificismo também são religiões (1999, p.
35). Conclui-se, portanto, que o animismo é uma religião, pois reflete uma forma
específica de interpretação da realidade.
1.3.1 Holismo
Segundo Steyne (1992, p. 58), holismo é um termo filosófico cuja visão é de que a vida é
maior do que a soma de suas partes. Ainda segundo Steyne, “o mundo interage consigo
mesmo. O céu, os espíritos, a terra, o mundo físico, o vivente e o falecido, todos agem,
interagem e reagem em consonância” (1992, p. 59). Portanto, não há distinção própria
entre o indivíduo e o mundo. Por essa razão, o animista não faz separação entre o
sagrado e o profano, ou entre o secular e o religioso. Conclui-se que o animismo é, em
última instância, uma forma de panteísmo.
1.3.2 Espiritualismo
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conceito encontrado no cristianismo, não é um estágio a ser atingido pelo animista. Antes,
é um axioma, sendo simplesmente a natureza da realidade. Nas palavras de Mircea
Eliade (2001, p. 142), o homem “participa da santidade do mundo”. Essa é precisamente
a razão pela qual o animista leva tanto a sério o mundo dos espíritos, sob pena de sofrer
as conseqüências naturais de quem ignora a realidade.
O homem das sociedades arcaicas tem a tendência de viver o mais possível nosagrado
ou muito perto dos objetos consagrados. Essa tendência é compreensível. Pois para os
“primitivos”, como para o homem de todas as sociedades pré-modernas, o sagrado
equivale ao poder e, em última análise, à realidade por excelência (…) É,portanto, fácil de
compreender que o homem religioso deseje profundamente ser, participar da realidade,
saturar-se de poder (2001, pp. 18-19).
Com freqüência, missionários que atuam entre povos indígenas do Brasil se defrontam
com situações em que esse poder se evidencia de forma bem perceptível. Em 1995, na
aldeia Tembé do Gurupi, no estado do Pará, onde eu e minha esposa trabalhávamos
como missionários, após orar por um indivíduo possesso por um espírito mau e este ser
liberto, a pessoa que nos auxiliava na tradução do Novo Testamento naquela época1, ao
presenciar o fato, afirmou: “É por isso que tenho medo de vocês missionários, porque
vocês têm esse poder”.
Segundo Van Rheenen (1991), o uso secreto de poder espiritual por parte de um
indivíduo tem quase sempre intenção maléfica, isto é, intenta causar sofrimento a alguém.
Por outro lado, o uso público de poder espiritual, feito por líderes respeitados de uma
determinada sociedade, é considerado benigno e tem a intenção de descobrir quem
trouxe o mal sobre aquela sociedade.
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Uma outra característica de um povo animista é a sua prática de vida comunitária. Sobre
isso, Steyne comenta: Ele (o animista) não vê a si mesmo como um indivíduo, mas
acredita que sua verdadeira vida está na vida comunitária com os seus. Ele acredita que
estará incompleto e se tornará inadequado sem eles. Ele necessita do apoio da
comunidade e só se sente normal quando está em relacionamento com ela. Na verdade,
um relacionamento quebrado é algo muito sério no pensamento teológico animista. Se há
algo que pode ser considerado pecado na religião animista é a quebra de relacionamento
entre as pessoas de um mesmo grupo (1992, p. 61).
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Outras tribos indígenas brasileiras, como os Bororo, por exemplo, acreditam que não
somente os humanos mas também os animais, vegetais e até os minerais possuem alma
O animista vive com medo dos poderes espirituais. Em função de temor de represálias,
ele tenta apaziguar os espíritos antes e depois da colheita. Além disso, busca o mundo
espiritual para garantir o sucesso do casamento de sua filha, ou até mesmo veste o seu
filho como uma garota para que ele não sofra o mau olhado do seu vizinho invejoso. A
tribo indígena Tembé, do sudeste do Pará, cola uma pena de arara vermelha na cabeça
das crianças menores, na região junto à testa, para desviar o olhar das pessoas,
protegendo-as assim de um possível mau olhado. É comum entre tribos indígenas
brasileiras colocar-se espinhos ou outro amuleto vegetal nas portas e janelas da casa
após a morte de um indivíduo afim de se protegerem contra o espírito do mesmo, pois
crêem que o espírito do morto poderá voltar e fazer mal às pessoas. Houve um caso entre
os Arara do Pará onde uma senhora alegou ter recebido visita sexual noturna de seu
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esposo falecido e um dia depois disso manifestou infecção vaginal4. Hiebert, Shaw e
Tiénou parecem estar corretos quando afirmam que “em um mundo cheio de espíritos,
feitiçaria, magia negra, pragas, maus pressentimentos, tabus quebrados, ancestrais
irados, inimigos humanos, e falsas acusações de vários tipos, a vida é raramente
tranqüila e segura” (1999, p. 87). A necessidade que o animista tem de integrar-se à
natureza faz com que ele busque e lute por poderes que lhe conceda as forças
necessárias para “equilibrar” a sua vida. Isso faz com que o animista seja, em geral, mais
cuidadoso para com a preservação da natureza. Isaac Souza, missionário entre o povo
Arara, conta que certa vez houve incêndio involuntário de floresta virgem após queimada
de uma roça Arara. O espírito dono dos macacos pregos, um dos alimentos mais
desejados entre esses indígenas, solicitou que houvesse trégua na matança desse símeo
até que ele liberasse a caça dos mesmos. O xamã comunicou isso ao povo, que
só retornou à caçada do animal após segunda ordem do espírito proprietário dos
macacos. Nesse caso, o xamã é o único com poder para negociar com os espíritos donos
dos animais. A infração pode provocar morte de parentes do infrator5. A necessidade de
equilíbrio ambiental foi determinada pelo espírito-dono dos animais.
O coração da religião animista está no ritual (Hiebert, Shaw & Tiétou, 1999, p. 283).
Segundo Steyne, ritual ou rito “é a fórmula para elicitar a ajuda do mundo espiritual
e manipulação da natureza para servir aos propósitos do homem” (1992:93). Ele é uma
atividade especial que busca produzir um determinado efeito (Kaser, 2004, p. 199).
Segundo Júlio Cezar Melatti, para o homem animista, há uma estreita relação entre o mito
e o rito (1970, p. 128). Como essas sociedades chamadas primitivas estão repletas de
mitos, é de se esperar, portanto, que também manifestem um número considerável de
ritos. Em geral, para cada rito há um mito que narra como o povo o aprendeu. Melatti,
cita, por exemplo, o mito Timbira que está por trás da proibição das mulheres tocarem
certos instrumentos musicais. Conta a lenda que um certo espírito mal chamado Uakti
violava e pervertia as mulheres. Os Timbira decidiram matá-lo e o seu corpo foi enterrado.
No local em que ele fora enterrado, cresceram três palmeiras que abrigam o seu espírito.
É desse tipo de palmeira que os Timbira confeccionam seus instrumentos musicais. O
som emitido pelos instrumentos é o mesmo que Uakti emitia quando era vivo. Assim, as
mulheres que ao menos virem os instrumentos ficarão imundas e doentes. Outro exemplo
vem do povo Yawanawa. Certa vez, o cacique desse povo me contou a razão pela qual o
Yawanawa não come carne de javali. Segundo ele, em um passado distante, os javalis
eram Yawanawa e por alguma razão se transformaram em animais. Assim, os Yawanawa
não podem matá-los e comê-los por causa de sua relação de parentesco. Os ritos,
portanto, têm função importante para manter o povo e sua cultura em funcionamento e
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Rituais
dão
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reforça
m as
estrutur
as
sociais,
informa
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ções
comuni
cativas a respeito das crenças culturais compartilhadas, sentimentos e valores, e
provêem um sentido individual e corporativo de identidade para aqueles envolvidos,
sejam como participantes ou como espectadores. Em o fazendo, os integram em uma
poderosa experiência de realidade. É essa integração de todas as dimensões da vida nas
atuações rituais que tornam os rituais tão poderosos tanto para renovar, como para
transforma sociedades, culturas e pessoas individuais em curtos períodos de tempo
(1999, p. 290). O ato de praticar o ritual de forma correta, conforme prescrita, garantirá o
sucesso na vida. Concomitantemente, a quebra de um ritual trará desequilíbrio e punição
àqueles que infringiram as normais rituais. O exemplo bíblico de Moisés batendo na rocha
quando o Senhor havia dito a ele para não tocá-la ilustra bem essa relação entre algo
prescrito e sua desobediência. Há também um caráter emocional nos ritos. Através deles
os homens podem expressar os seus sentimentos, suas emoções, sentir-se parte de um
todo orgânico, experimentar o sentimento de pertencer a algo ou alguém. Esse
sentimento de pertença parece fazer a diferença entre o “indivíduo” e a “pessoa”, onde o
primeiro termo refere-se apenas ao aspecto físico e o outro ao ser integral do gênero
humano.
Para alguns antropólogos, os rituais podem ser divididos em dois tipos, a saber: ritos de
transformação e ritos de intensificação6. Poderíamos ilustrar os dois tipos com dois
exemplos das Escrituras. O batismo representa um rito de transformação, enquanto a
Ceia do Senhor representa um rito de intensificação. Preferimos aqui a classificação
presentada por Kaser (2004, p. 199) que aponta para a existência de quatro tipos
básicos de ritos, todos definidos pelo propósito ou finalidade que almejam alcançar.
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São rituais cujos atos têm o objetivo de afastar o mal. Segundo a cosmovisão animista, o
mal pode se manifestar de várias maneiras e ter formas bastante diferenciadas. O ritual
Tembé de colar uma pena de arara na testa da criança, descrito anteriormente, ilustra
bem esse tipo de ritual. No interior da Bahia, quando chove muito com trovões e
relâmpagos, as crianças aprendem que se repetirem continuamente a expressão “pára
chuva que a bateria acabou”, a chuva irá parar. Os católicos Romanos fazem o sinal da
cruz quando passam próximo a um cemitério e os espíritas tomam banho de ervas para
afastar o mau olhado. Os indígenas Guajajara, do interior do Maranhão, fumam um
cigarro feito da fibra de uma árvore chamada tauari durante os seus rituais para impedir
que espíritos indesejados tomem posse dos participantes.
Nem sempre os rituais apotropáicos são suficientes para afastar o mal e ele pode
penetrar repentinamente em uma determinada sociedade ou família. Os ritos de
eliminação, portanto, são os rituais para eliminar os males que, porventura, tenham
passado. A figura vétero-testamentária do “bode expiatório” é um exemplo de um ritual de
eliminação. O povo Mundurucu, do oeste do Pará, costuma matar os pajés de sua tribo
que se enquadram na categoria “pajé brabo”, isto é, pajés que, em vez de curar as
pessoas, as matam. Já os Tembé, têm o que chamam de puhàg, traduzidos por eles como
“remédio”, mas que são na verdade certos segredos para eliminar o azar de um caçador
que não consegue abater a sua presa.
Esses ritos são semelhantes aos ritos de eliminação em que a intenção é expurgar o mal,
porém, este o elimina do indivíduo, enquanto o outro o elimina da sociedade. É comum se
utilizar elementos tais como o fogo, a água, o sangue ou o sal nesse tipo de ação.
Emoutras sociedades, utilizam-se a oração (meditação) e o jejum como elementos de
purificação.
Como o próprio termo já indica, ritos de passagem são ritos praticados em situações de
mudança de estágio na vida, na situação social, na idade etc. Vários ritos de passagem
são também ritos de iniciação, uma vez que a passagem indica o início de uma nova fase.
É assim que os Guajajara comemoram o wira ‘u haw “festa das moças”, ritual que indica
a passagem das jovens da tribo à vida adulta. Nos ritos de passagem, é comum a
reclusão dos iniciados. Os jovens Felupes, de Guiné-Bissau, por exemplo, ficam reclusos
na mata por mais de 30 dias em preparação para o rito da circuncisão7. Em outras
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O termo magia não é usado aqui em seu sentido popular hodierno de um efeito
meramente ilusionista, praticado para entreter uma determinada platéia. Ele é usado em
seu sentido antropológico, definido como “a tentativa de se controlar as forças
sobrenaturais desse mundo por meio de fórmulas, amuletos e rituais automáticos”
(Hiebert, Shaw & Tiétou, 1999, p. 69). É também indicativo de uma forma de causar no
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mundo físico um efeito sobrenatural de natureza boa ou má (Steyne, 1992, p. 107). James
Frazer (Apud Steyne, 1991) observou dois princípios básicos por trás da prática da
magia. Ele chamou o primeiro princípio de “lei de simpatia”. Segundo essa lei, elementos
iguais causam efeitos iguais. Os seguintes exemplos ilustram esse fenômeno: um
feiticeiro derrama um pouco de água para chamar a chuva, perfura um boneco
semelhante a um indivíduo com uma agulha para causar a sua morte; ou ainda um
caçador que carrega em sua bolsa de munição uma miniatura do animal que deseja
abater. O segundo princípio ele chamou de “lei de contágio”. É o princípio de que coisas
que antes tenham tido contato entre si continuarão agindo uma sobre a outra para
sempre (apud Hiebert, Shaw &e Tiétou, 1999, p. 69). Por exemplo, o mágico pode fazer a
sua magia em um pedaço de pano ou em algum outro objeto da pessoa causando-lhe
alguma
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técnico de futebol que usa sempre a mesma camisa em jogos decisivos, por ser a sua
camisa da sorte. No Brasil, há um técnico de futebol famoso que vê no número treze o
seu número de sorte e procura usá-lo sempre em situações competitivas, de todas as
formas possíveis. Um outro elemento característico da magia a ser mencionado é a sua
natureza amoral. Isto é, pode ser usada com intenções positivas ou negativas, para o bem
ou para o mal. Por exemplo, o “pai de santo” do espiritismo brasileiro pode aceitar
“trabalhos” para promover o casamento ou a separação entre duas pessoas. Tudo
dependerá da intenção de quem encomenda os serviços. À magia cuja finalidade é
causar o mal, costuma-se chamar de magia negra. Mágica não é um elemento exclusivo
de religiões animistas. Wander Proença, em seu livro Magia, Prosperidade e
Messianismo (2003), analisa a natureza mágica de algumas práticas do movimento neo-
pentecostal brasileiro, tais como o uso de sal grosso, água consagrada, fogueira santa e
outros elementos. Não raras vezes, cristãos recém-convertidos do animismo interpretam
as Escrituras de forma mágica. Por exemplo, há pessoas que deixam a Bíblia aberta, em
suas casas, em um determinado capítulo do livro dos Salmos, como forma de protegê-la
do mal. Ou ainda, há aqueles que carregam orações escritas no bolso de forma a se
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Acredita-se que o xamã está em contato direto com os espíritos. Espera-se deles que
usem rituais apropriados para manipular os poderes sobrenaturais, usando palavras
mágicas, encantações e música (normalmente usando tambores) para conseguir
a atenção dos espíritos. Eles agem como médiuns, entrando em transe, ou usam outros
para canalizarem mensagens (1977, p. 154). Acredita-se que os xamãs são capazes de
efetuar viagens, em transe, a outros mundos inferiores ou superiores e encontrar as
causas de doenças e desastres. Em geral, acredita-se que as causas dos males podem
advir de feitiçaria, praga ou violações de certos tabus. Uma vez que a causa é
diagnosticada, o xamã prescreve o tratamento específico (Hiebert, Shaw & Tiétou, 1999,
p. 324). Compete aos xamãs conhecer a vontade específica dos espíritos e comunicar ao
povo suas insatisfações e desejos. Atribui-se também aos xamãs a capacidade de
guerrearem no mundo espiritual pela alma das pessoas. O pajé yanomami, por exemplo, é
capaz de visitar, em espírito, aldeias inimigas e matar crianças com o poder dos espíritos
que o possuem . Em algumas culturas, quando o xamã está velho e não tem maior
serventia aos espíritos, estes o abandonam, ou até o matam, e vão à procura de um outro
pajé mais jovem10. Não é raro o caso de xamãs que morrem de causa violenta.
Evidencia-se assim uma relação inconstante do pajé com o mundo sobrenatural,
caracterizando-se por momentos de paixão e pura devoção, enquanto em outros
momentos, experiência de medo e punição.
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1 Essa tradução é na verdade uma adaptação da tradução do Novo Testamento feita por Carl Harrison para a
língua Guajajara. Como as línguas Guajajara e Tembé são muito próximas, optou-se por adaptar o Novo
Testamento Guajajara para os Tembé.
2 Don Richardson, em seu livro O Fator Melquisedeque, Editora Vida Nova, 2001, cita vários exemplos de grupos
que, coletivamente, tomaram a decisão de seguir a Cristo.
4 Ibid.
5 Ibid
8 Tocandira é uma formiga grande, comum em toda a Amazônia, cuja picada causa dor insuportável.
9 Ouvi de várias pessoas da tribo Tembé que seus pajés eram capazes de passar dias e até semanas no fundo
do rio com os espíritos das águas.
10 Ver o livro Spirit of the Rain Forest - a yanomamö shaman’s story (Espírito da Floresta Tropical - a história de
um xamã yanomamö). Nele encontramos a linda história de um pajé yanomami que dedicou toda a sua vida aos
espíritos, mas que na velhice se sente enganado e traído por eles.
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