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ABSTRACT: From an homologous form to the brasilian society general reality, using a
production systems diagnostic, in the 2004/2005 harvest, for a sample of 13%from the total
population, we observed in the Rio Grande do Sul settlements, adifferential income (in this
case, agricultural) between whiteand non-white people. Thediscussion results haspermitted
to perceive that the simbolic domination process (the racism) in agrary reform works by
means of a settled ideal-type construction (the european origin farmer), tending to promote
the desmoralization, individual and coletive, of the called “brazilians” – more inclined to an
provisioning economy –, as thedestiny effect that engender among the stigmatizated, even
in the same (non) action of the development agents. Such situation has proportioned to
develop adiscussion turned to analysis of the universalistic public policy contraditions that
has ignored the ethnic bias.
KEYWORDS: Racism. Agrarian reform. Agricultural income
AR TIGO 125
PAULO FREIRE MELLO - JOSÉ CARLOS GOMES DOS ANJOS
desfavorável aos assentados, cada vez mais estigmatizados. Assentados são vistos,
em regra geral, como pessoas que não têm afinidade com a terra, seja por serem
“urbanos”, por não disporem de uma “cultura” para a agricultura ou por falta de
afinidade mesmo com o trabalho.
Preliminarmente, colocaremos em dúvida esta ideia do fracasso dos
assentados. Num segundo momento discutiremos o perfil típico do assentado em
correlação com os pressupostos da ineficiência dos assentamentos. No fim
retomaremos as discussões sobre os conceitos de raça e de etnia.
Com base nos números que, num primeiro olhar, parecem confirmar a
ideia do fracasso étnico, passamos a explorar alguns caminhos analíticos possíveis
ao entendimento da razão pela qual as etnias estigmatizadas têm renda agrícola
menor. Frente ao postulado explicativo das diferenças étnicas na intensidade e na
eficiência do trabalho, buscamos analisar a construção social do discurso
embranquecedor da reforma agrária por meio do desvelamento das categorias de
percepção que são forjadas ao longo desse processo para demarcar a diferença
entre os “verdadeiros colonos” e os “ilegítimos”.
agrícola no norte do Estado, onde, aliás, surgiu o MST. Isto não impediu que
essas famílias, diante das contingências e das oportunidades, optassem (mesmo
que em meio ao sofrimento que implica uma clivagem de seu habitus camponês)
por atividades não agrícolas, mais do que agrícolas (MELLO; BASTOS, 2007).
Evidentemente, há outras formas de se constatar um modo de ser camponês,
entre elas, a própria observação da hexis corporal, esta materialização do mundo
social no corpo (BOURDIEU, 2007). Camponeses possuem uma forma peculiar
de se vestir, de falar, gestos sutis, por vezes, que revelam as ações cotidianas de
inculcação de limites sociais, e das classificações, erigindo uma “categoria” ou
um tipo social, em alguma medida, visualizável. Deve-se tomar, contudo, os
cuidados necessários para que não se tirem, apressadamente, conclusões somente
com base nesta via. Jovens recém-assentados num outro município da região
metropolitana de Porto Alegre, facilmente confundidos com rapazes da periferia
da região metropolitana, são, na verdade, filhos de assentados do norte do Estado,
revelando o que parece ser um crescente processo de rurbanização do público da
reforma agrária, fato constatado em outros locais do país também (CASTRO, 2004).
O outro argumento recorrente é o ponto de partida para a reflexão deste
texto. “Assentados não gostam ou não sabem trabalhar”. Aqui se deve dar lugar à
assertiva que está por trás desta: “[...] caboclos, negros, índios, luso-brasileiros
(enfim, todas as categorias raciais forjadas na alteridade com os grupos ‘realmente
trabalhadores’, a saber, os de origem branco-européia) não gostam ou não sabem
trabalhar”. Há longa literatura histórica (e sociológica) que invisibiliza o trabalho
agrícola destas categorias estigmatizadas. A própria abertura do Estado à imigração
apresentou um desejo explícito de “embranquecer” o Estado como pressuposto
para ampliar a produção agrícola (ZARTH, 2002).
Entretanto, um recente trabalho de Osório (2004), baseado em sua tese
de doutorado e valendo-se de uma documentação até então inexplorada, demonstra
que havia uma grande frequência de agricultura, na metade sul do Estado, praticada
pelos peões, agregados e cativos negros. A autora dá conta, também, que o termo
estância não era sinônimo de grande propriedade, ou seja, havia muitas propriedades
com semelhanças ao que se chama hoje de pecuária familiar, mas que também
praticavam a agricultura. Maestri (2006), igualmente, confirma a presença de negros
na agricultura em estâncias e em chácaras de periferias urbanas. Fenômeno
semelhante também se deu na metade norte do Estado: os “brasileiros”, mesmo
quando não tinham propriedade, trabalhavam (e trabalham) em cantos dentro da
propriedade de agricultores familiares, ou seja, em alguma medida, gerenciando
uma fração do terreno, deixando espaço para que caracterizemos, pelo menos
parte deles, como camponeses.
O público da reforma agrária é, em parte, sucedâneo étnico e cultural
desses agricultores-criadores do século XVIII e XIX. Esse público ingressa nos
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Etnicidade em Assentamentos do Rio Grande do Sul
assentamentos por três vias básicas: pelo MST, participando das lutas; pela “via
legal”, caso dos peões das fazendas desapropriadas que têm direito a um lote; ou
pela via “informal”, quando, residindo nas vizinhanças dos assentamentos, acabam
estabelecendo relações que lhes permitem “adquirir” um lote, nem que, para isso,
passem pela “obrigação” de acampar junto ao MST (MELLO, 2006a). Assim, diante
do histórico deste grupo, das experiências concretas fora da reforma agrária e das
diferentes estratégias pró-ativas de “entrada” nos assentamentos, parece apressada
a consideração de que os não imigrantes não têm tradição de plantio, por isso sua
propalada “apatia” nos assentamentos.
Se o argumento da falta de conhecimento, no que tange ao cultivo e à
criação, não se sustenta (o que não quer dizer, evidentemente, que não exista
espaço de aperfeiçoamento, embora não seja privilégio dos “brasileiros”), então
passamos à análise dos efeitos do racismo no Brasil.
NOTAS
1
Engenheiro agrônomo do INCRA-RS, mestre e doutorando emDesenvolvimento Rural, PGDR/
UFRGS. pfreiremello@yahoo.com.br.
2
Antropólogo, pós-doutor emSociologiapelaEcole Normale Spuerieurede Paris, ENSP, França.
Professor Adjunto da UFRGS na pós-graduação da Sociologia e do Desenvolvimento Rural.
jcdosanjos@gmail.com.
3 Empresa que prestaassistência técnica paraaproximadamente 40%das famílias assentadas.
4 Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, órgão de terras do Brasil.
5 Baseamo-nos em Guimarães (2000), que propõe reunir as diferentes etnias num mesmo
estatuto, no que tangeàsdesigualdadessociais, conformeaoposição central brancos/não brancos.
Não desconhecemos a existênciade processos de hierarquização entre os imigrantes, onde os
polonesestendemaser consideradoscomo inferioresaosoutrosdoisgrupos, masnadacomparável
àoposição entre imigrantes (brancos) e não imigrantes (não brancos).
6 Não se trataaqui de estabelecer qualquer referênciadireta àconotação mais recente do termo
rio-grandense, nascido no Rio Grande do Sul, o qual só surge no início do século XX, muito
menos às definições do movimento tradicionalista, nascido nadécadade 1940, ou do movimento
nativista, este, da década de 1970 (MACIEL, 1994).
REFERÊNCIAS
BOURDIEU, P. 2003: “A ordemdascoisas”. In: A misériado mundo. 5. ed. Petrópolis, RJ: Vozes.
p. 81-85.
_____. 2005: A dominação masculina. 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.
_____. 2007: Meditações pascalianas. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.
CANDIDO, A. 2001: Osparceirosdo Rio Bonito: estudo sobre o caipirapaulistae atransformação
dos seus meios de vida. São Paulo: Duas Cidades: Ed. 34.
CASTRO, E. G. de. 2004: Sonhos, desejos e a “realidade”: herança, educação e trabalho de