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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE PSICOLOGIA
CURSO DE GRADUAÇAO EM
PSICOLOGIA

BRUNA TUORTO DE
MORAES

CONSIDERAÇÕES SOBRE O PAPEL DA


BRINCADEIRA DE FAZ DE CONTA NO
DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA
PEQUENA

Niterói
2017
BRUNA TUORTO DE
MORAES

CONSIDERAÇÕES SOBRE O PAPEL DA


BRINCADEIRA DE FAZ DE CONTA NO
DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA PEQUENA

Trabalho de Conclusão apresentado ao


Curso de Graduação em Psicologia do
Instituto de P si col o gi a da
Universidade Federal Fluminense, como
requisito parcial para obtenção do grau
de Bacharel em Psicologia. Orientadora:
Profª. Drª. BERNADETE DE
LOURDES ALEXANDRE MOURÃO.

Niterói
2017
TERMO DE APROVAÇÃO

BRUNA TUORTO DE MORAES

CONSIDERAÇÕES SOBRE O PAPEL DA BRINCADEIRA DE FAZ DE


CONTA NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA PEQUENA

Trabalho de Conclusão de Curso aprovado pela Banca Examinadora do Curso de Graduação


em Psicologia da Universidade Federal Fluminense - UFF

Niterói, ...... de ..............de .............

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________________

Profª. Drª. Bernadete de Lourdes Alexandre Mourão – Orientadora


Universidade Federal Fluminense

____________________________________________________________

Profª. Drª. Luiza Rodrigues de Oliveira


Universidade Federal Fluminense

____________________________________________________________

Profª. Drª. Mary Yale Rodrigues Neves


Universidade Federal Fluminense
AGRADECIMENTOS

À Bernadete, minha orientadora, pelo cuidado e dedicação durante nossos encontros.


Pela disponibilidade, atenção e incansável colaboração, que foram fundamentais para uma escrita
agradável e prazerosa deste trabalho.

Ao Instituto de Psicologia (IPSI) da UFF, seu corpo docente, coordenação e


administração, que me proporcionaram uma base sólida de formação.

Aos amigos que conheci durante este período de graduação, pelos momentos de alegria,
risadas, conversas e de angústias compartilhados. Vocês tornaram esta caminhada muito mais leve.

À minha família, pelo carinho, incentivo e apoio incondicional. Por não medirem
esforços para que eu chegasse até esta etapa da minha vida.

Ao Vinicius, meu namorado, por estar ao meu lado na realização deste trabalho e em
todas as escolhas, conquistas e angústias destes últimos anos.

Às minhas amigas de infância, por estarem sempre presentes, apesar da distância, me


apoiando e torcendo pelo meu sucesso.
Ele tinha no rosto um sonho de ave extraviada.
Falava em língua de ave e de criança.
Sentia mais prazer de brincar com as palavras
do que de pensar com elas.
Dispensava pensar.
Quando ia em progresso para árvore queria florear.
Gostava mais de fazer floreios com as palavras do
que de fazer ideias com elas.
Aprendera no Circo, há idos, que a palavra tem
que chegar ao grau de brinquedo
Para ser séria de rir.
Contou para a turma da roda que certa rã saltara
sobre uma frase dele
E que a frase nem arriou.
Decerto não arriou porque tinha nenhuma
palavra podre nela.
Nisso que o menino contava a estória da rã na frase
Entrou uma Dona de nome Lógica da Razão.
A Dona usava bengala e salto alto.
De ouvir o conto da rã na frase a Dona falou:
Isso é Língua de brincar e é idiotice de criança
Pois frases são letras sonhadas, não têm peso,
nem consistência de corda para aguentar uma rã
em cima dela
Isso é língua de Raiz – continuou
É língua de Faz de conta
É língua de brincar!
Mas o garoto que tinha no rosto um sonho de ave
extraviada
Também tinha por sestro jogar pedrinhas no bom
senso.
E jogava pedrinhas:
Disse que ainda hoje vira a nossa Tarde sentada
sobre uma lata ao modo que um bentevi sentado
na telha.
Logo entrou a Dona Lógica da Razão e bosteou:
Mas lata não aguenta uma Tarde em cima dela, e
ademais a lata não tem espaço para caber uma
Tarde nela!
Isso é Língua de brincar
É coisa-nada.
O menino sentenciou:
Se o Nada desaparecer a poesia acaba.
E se internou na própria casca ao jeito que o
jabuti se interna.

Manoel de Barros: Poeminha em língua de brincar


RESUMO

Este trabalho tem como objetivo traçar algumas considerações sobre o papel da brincadeira de faz
de conta no processo de desenvolvimento das crianças pequenas com base na abordagem histórico-
cultural, bem como explicitar sua importância nas vivências infantis, enquanto forma privilegiada de
expressão. Para tal, são apresentadas noções centrais do pensamento de Vigotski e estudos sobre o
papel e valor da interação entre crianças e seus pares. Além disso, é feita uma análise sobre as
relações entre brincadeira, cultura e processo de significação. Conclui-se que a brincadeira de faz de
conta possibilita à criança pequena apropriar-se, gradualmente, de experiências e fazeres por meio
da observação e interação com os adultos e seus pares, construindo e reconstruindo significados e,
portanto, aprendendo e renovando maneiras de ser e estar no mundo.

Palavras-chave: Brincadeira de faz de conta, crianças pequenas, interação, desenvolvimento.


ABSTRACT

This paper aims to make some considerations about the role of make-believe play in the
developmental process of young children based on a cultural-historical approach, as well as
elucidate its importance in infantile experiences, as privileged means of expression. In order to do
so, central notions of Vigotski‟s thinking are presented, as well as the value of peer interaction.
Besides that, there is an analysis about the relationship between play, culture and the process of
meaning-making. Therefore, it can be concluded that the make-believe play makes possible to
young children to gradually appropriate experiences and activities through the observation and
interaction amongst them and with adults, constructing new meanings and, thus, learning and
renewing ways to be and of being in the world.

Key-words: Make-believe play, young children, peer interaction, developmental process.


ÍNDICE

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................8

2 A PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL............................................................................12
2.1 ALGUNS ELEMENTOS DA CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO NA PERSPECTIVA HISTÓRICO-
CULTURAL.....................................................................................................................................................14
2.1.1 A FALA EGOCÊNTRICA............................................................................................................17
2.1.2 A NOÇÃO DE MEDIAÇÃO.....................................................................................................................................19
2.1.3 ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL...............................................................................................20
2.1.4 BRINCADEIRA E DESENVOLVIMENTO.........................................................................................................22

3 BRINCADEIRAS DE FAZ DE CONTA: IMAGINAÇÃO, INTERAÇÃO E REINVENÇÃO


DA REALIDADE...............................................................................................................................26
3.1 IMAGINAÇÃO E REALIDADE: UMA ARTICULAÇÃO.........................................................27
3.2 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A INTERAÇÃO CRIANÇA-CRIANÇA..................31

4 RELAÇÕES ENTRE BRINCADEIRA E CULTURA................................................................35


4.1 CULTURA LÚDICA, MÍDIA E INFÂNCIA..................................................................................41

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................................................45

REFERÊNCIAS..................................................................................................................................47
8

1 INTRODUÇÃO

A brincadeira de faz de conta, também denominada “jogo simbólico” (Piaget, 1971), “jogo
de papéis” (Oliveira & Rossetti-Ferreira, 1993) ou ainda, “dramatização de papéis” (Corsaro, 2002),
está presente, de forma significativa nas vivências das crianças pequenas. Em que consiste tal
atividade? De que forma participa do processo de desenvolvimento do sujeito em termos de sua
inserção na cultura? Para responder a estas questões, é necessário considerar não somente a criança
que brinca ou o ato de brincar de forma isolada, mas também uma articulação com diversos outros
fatores, tais como o contexto histórico, social e cultural no qual o sujeito está inserido. Apesar de a
brincadeira ser considerada tanto pela psicologia do desenvolvimento, como pela sociologia da
infância uma atividade de extrema importância, o brincar livre, não dirigido, frequentemente, é visto
pelo senso comum como “perda de tempo” em oposição ao trabalho e à produtividade.

No universo infantil, as brincadeiras de faz de conta se manifestam de inúmeras formas:


Brincar de boneca, casinha, carrinho, pique-esconde, amarelinha, polícia e ladrão, bolinha de
gude, pedrinhas, pedra papel e tesoura, chicote-queimado, vivo-morto, quente-frio, rato-na-toca,
estátua etc. Carvalho e Pontes (2003, p. 15) afirmam que esta diversidade expressa,
simultaneamente, a universalidade e especificidade da brincadeira enquanto prática de cultura.
Assim, as brincadeiras podem ser entendidas como rituais que se transmitem, recriados ou
repetidos, em distintos ambientes socioculturais. Em outras palavras, as brincadeiras passam de
geração para geração, transmitidas por adultos para crianças, de irmãos mais velhos para os mais
novos ou entre os pares da mesma idade, com especificidades que variam de acordo com cada
região e tempo de sua ocorrência. Portanto, ao mesmo tempo em que podem ser consideradas
universais estas brincadeiras estão abertas a transformações. Por exemplo, não há uma maneira
específica de brincar de boneca, mas ela aparece de formas diferentes dependendo do contexto em
que se insere. Assim, uma criança, ao brincar de boneca, fazendo de conta ser mãe e a boneca sua
filha, está de algum modo, recriando relações de maternidade e, portanto, de formas de cuidado e de
educação. Entretanto, a brincadeira com a boneca Barbie pode ganhar outro sentido na medida em
que, dificilmente, a Barbie representa o papel de filha. Na brincadeira de Barbie, em geral, a criança
representa, ela própria, a Barbie, relacionando-se com um determinado padrão estético e de
consumo de bens.
9

Coelho e Pedrosa (2000, p. 51) consideram que as brincadeiras de faz de conta são
fundamentais na constituição da criança enquanto sujeito com um tipo de organização e de
funcionamento psicológico próprios. Quando estudada em detalhes, as brincadeiras revelam a forma
como as crianças interagem umas com as outras por meio da construção e do compartilhamento de
significados (idem, p. 52). A criança aparece, então, como um agente ativo de transmissão,
elaboração e recriação de cultura, desde seus primeiros anos de vida.

Um ponto relevante a ser considerado é a transformação do ato de brincar ao longo do


tempo. Na sociedade contemporânea, a brincadeira tem sido relacionada a um padrão de
funcionamento de uma sociedade de consumo, sob a égide de uma lógica de mercado, tal como
exemplificada no filme “Criança, a alma do negócio” (2008), de Estela Renner. O filme aponta que,
neste tipo de sociedade, os brinquedos são comprados prontos, em contraste com sua fabricação
pelas próprias crianças em um passado recente, que ainda resiste em algumas comunidades não
urbanas, tais como: bolas de meia, brinquedos de miriti, bonecas de palha etc. Ao comprar
brinquedos prontos, repletos de atrativos, seria eternizado um ciclo infindo de consumo, voltado para
a busca de novidades. O filme mostra crianças que ao serem indagadas sobre suas preferências,
escolhem, por exemplo, a ida a shoppings e assistir televisão em contraste à ida à praia e
brincadeiras ao ar livre.

Em outro documentário “Tarja Branca: a revolução que faltava” (2014), dirigido por Cacau
Rhoden, o brincar é uma expressão própria do ser humano, que aparece de diversas formas ao longo
da vida, se estendendo para além da infância. Um dos participantes, Antônio Nóbrega, reconhecido
artista brasileiro que trabalha com cultura popular através de música, dança e teatro, afirma que
“brincar é o modo que temos de organizar nosso mundo, criando outro paralelo ao que a gente vive
mergulhado cotidianamente”. No mesmo “Tarja Branca”, o documentarista David Reeks, que dirigiu
o aclamado “Territórios do brincar”, lança a hipótese de que quando uma criança deseja um
brinquedo e tenta, ela mesmo, criá-lo, aconteceria o início do ciclo do brincar. Um exemplo disso
pode ser a criação de brinquedos artesanais a partir do reaproveitamento de embalagens, como uma
lata de sardinha que se transforma em um carrinho. Em contrapartida, na sociedade contemporânea,
este ciclo seria aproveitado pela criança apenas em seu final, uma vez que o desejo já estaria dado
pela indústria e a criação, pelos inventores e engenheiros que fabricaram o brinquedo. A criança, por
sua vez, apenas adquire o produto pronto e com pouco tempo de uso no brincar, já estaria pensando
em adquirir um novo, anunciado pelo mercado publicitário.
10

Embora a relação entre brincadeira, mídia e consumo não seja o foco deste trabalho, tais
documentários, ao tratarem criticamente da pluralidade do ato de brincar, revelam a importância da
temática geral da brincadeira, sendo um elemento que inspirou esta escrita.

Atrelado ao anteriormente exposto, como estudar a brincadeira enquanto atividade


interpessoal que envolve a criação de novos modos de ser e estar no mundo? De que maneira o
brincar expressa o que há de singular em cada sujeito? Frente ao desafio de compreender como as
crianças pequenas constroem e organizam seus próprios mundos por meio da brincadeira de faz de
conta, este trabalho tem como objetivo central compreender as características da brincadeira
enquanto forma privilegiada de expressão infantil, além da relevância da experiência lúdica no
desenvolvimento da criança pequena, a partir de uma perspectiva histórico-cultural. Para isso, no
decorrer dos capítulos, será realizada uma análise sobre como a brincadeira participa da constituição
do sujeito em um contexto cultural, relacionando-a com o desenvolvimento da imaginação, da
moralidade e da aprendizagem.

Outra motivação para a escolha do tema em questão foi uma identificação com o assunto,
adquirida ao longo do curso de graduação em Psicologia, especialmente, através da participação no
projeto de extensão “Psicologia e Educação Infantil: interações e significações”. Nesta, pude ter a
oportunidade de adentrar no estudo do desenvolvimento infantil, por meio da leitura e discussão de
textos de autores como Vigotski e Piaget. Além disso, participei de encontros semanais com crianças
em uma Unidade Municipal de Educação Infantil em Niterói durante, aproximadamente, um ano.
Em tais encontros, através de brincadeiras, interagi com elas e, neste fazer, pude refletir sobre seu
valor enquanto forma de expressão, conhecimento e interação. Assim, a escolha do tema desta
monografia se deu gradualmente, a partir de um interesse pessoal em pesquisar, compreender e
vivenciar o universo infantil e suas peculiaridades, que têm como principal via de expressão a
brincadeira. A seguir, apresentarei o modo como o trabalho está organizado.

O primeiro capítulo consiste em uma apresentação da perspectiva histórico-cultural que


fundamenta a monografia. Para tal, são apresentadas suas principais noções, em especial aquelas
propostas por Lev Semenovitch Vigotski. Posteriormente, são abordados alguns elementos da
constituição do sujeito nesta abordagem, através de uma articulação com as noções de fala
egocêntrica, mediação simbólica e zona de desenvolvimento proximal.

No segundo capítulo, são apresentadas algumas análises e reflexões sobre a brincadeira de


faz de conta e como realidade e imaginação estão intimamente articuladas durante o ato de brincar.
11

Além disso, a partir dos estudos de Oliveira e Rossetti-Ferreira, são traçadas considerações acerca do
papel e valor da interação entre as crianças e seus pares para o processo de desenvolvimento.

O terceiro capítulo enfoca o tema das interações entre crianças e seus pares, situadas em
um contexto cultural, de modo a analisar a forma como participam da inserção e recriação cultural.
Este capítulo está elaborado com base em Brougère, Huizinga, Corsaro e Borba. Além disso,
também são traçadas considerações sobre como os modos de brincar presentes na sociedade
contemporânea encontram-se fortemente pautados em uma lógica de consumo.

Nas considerações finais, procede-se a uma síntese do trabalho como um todo, enfatizando
o valor da brincadeira de faz de conta no desenvolvimento da criança pequena.
12

2 A PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL

A perspectiva histórico-cultural, também denominada sócio-histórica, sócio-cultural ou


sócio-interacionista, desenvolveu-se na Rússia no período pós-revolução socialista de 1917, entrando
em cena como uma das principais correntes da Psicologia contemporânea. O bielorusso Lev
Semenovitch Vigotski1 (1896-1934) destaca-se como precursor desta abordagem. Nascido em 5 de
novembro de 1896, em Orsha, uma pequena cidade localizada na Bielorrússia, Vigostki era de uma
família judaica, financeiramente estável e culta. Foi educado em casa, até os 15 anos, por tutores
particulares e desde cedo manifestou uma grande capacidade intelectual e autodidatismo. Durante sua
graduação em Direito e na Universidade de Moscou, onde se formou em 1917, Vigotski também
frequentou cursos de História e Filosofia na Universidade Popular de Shanyavskii, onde aprofundou
seus estudos em Psicologia, Filosofia e Literatura. Anos depois, devido ao seu interesse em trabalhar
com problemas neurológicos como forma de compreender o funcionamento do psiquismo humano,
cursou também medicina (Oliveira, 2007, pp. 18-19). Foi a partir de 1924 que iniciou um sistemático
trabalho na área de Psicologia. Dez anos mais tarde, aos 38 anos, morreu de tuberculose. Suas
pesquisas e produções em Psicologia do Desenvolvimento, Educação e Psicopatologia, realizadas em
conjunto com estudantes e colaboradores da época, foram vastas e intensas, apesar de seu curto tempo
de vida (Bruner, 2013, p.7).

Podemos perceber uma valorização do trabalho de Vigotski no Ocidente, principalmente,


nas áreas da Psicologia e da Educação. Vale ressaltar que grande parte das produções escritas do
autor é densa, complexa e de difícil compreensão. Com base nos apontamentos de Rego (1995,
p.16), isto se deve ao fato de que a maior parte de sua obra foi editada tardiamente e, em alguns
casos, de forma incompleta. Além disso, nos períodos em que sua doença se agravava, o discurso de
Vigotski era transcrito por outras pessoas, o que muitas vezes resultava em redações pouco claras.
Outro ponto importante é que a trajetória profissional de Vigotski teve início juntamente com a
mudança radical ocorrida na sociedade soviética. Uma parte significativa de sua obra foi realizada
durante o regime totalitarista de Stalin. De acordo com o historiador Guillermo Blanck (2003, p.17),
dois anos após sua morte, as obras de Vigotski foram proibidas durante 20 anos pela ditadura
Stalinista. Em 1956, Luria e Leontiev, colaboradores de Vigotski, começaram a republicá-las de

1A transliteração do nome deste autor assume diversas formas: Vigotski, Vygotsky, Vigotskii, Vigotskji, Vygotski e Vigotsky.
Neste trabalho, optou-se pela grafia Vigotski, como tem sido adotada mais recentemente no Brasil.
13

forma gradual. Em 1980, conforme aponta Blanck, nasceu o “fenômeno Vigotski” (p.18), que
cresceu até os dias atuais.

Rey (2001, p. 194) aponta que, diferentemente de outras correntes da Psicologia, o enfoque
histórico-cultural nasceu e se expressou no campo da Psicologia Geral, Escolar e do
Desenvolvimento. No entanto, este enfoque surge dentro de um contexto ideológico na União
Soviética, em que se produziu uma negação mecanicista do subjetivo, onde se classificava como
burguesa toda produção do pensamento que não coincidisse com a visão de homem dos grupos
políticos hegemônicos, ou seja, que se baseasse na consciência como reflexo da realidade exterior.
Toda teoria que se afastasse desta visão era considerada subversiva.

Para Vigotski, o grande problema das teorias psicológicas era justamente a sua divisão em
duas metades irreconciliáveis: Uma com características de “ciência natural”, objetivista, que tornava
possível uma explicação dos processos sensoriais e reflexos, e outra com características de “ciência
mental”, subjetivista, que descreveria as propriedades emergentes dos processos psicológicos
superiores. Vigotski estava em busca de uma abordagem abrangente, que englobasse uma descrição
e explicação das funções psicológicas superiores em termos aceitáveis para as ciências naturais
(Cole & Scribner, 2012, p. 23-24). Dessa forma, a abordagem de Vigotski ganha conotações
político-ideológicas e se expande dos laboratórios experimentais para as aplicações sociais (Toassa,
2006, p. 60).

O materialismo histórico-dialético de Marx teve um papel fundamental no pensamento de


Vigotski. Nesta concepção marxista, todos os fenômenos são estudados como processos em
movimento e mudança. Assim, o principal desafio de Vigotski era pôr a psicologia em bases
materialista-marxistas e criar uma nova abordagem dos processos psicológicos estritamente
humanos, de modo a construir uma “síntese” entre as duas abordagens psicológicas predominantes
naquele momento da Rússia pós-Revolução (Oliveira, 2006, p. 23). A autora citada destaca o
significado de “síntese” para Vigotski como um termo central na compreensão dos processos
psicológicos: a síntese entre dois elementos, não seria apenas uma soma ou justaposição, mas a
emergência de algo novo, que não existia anteriormente. O surgimento do novo componente só é
possível em decorrência da interação entre os elementos, em um processo de transformação que gera
novos fenômenos. Com isso, a abordagem histórico-cultural engloba, em uma mesma perspectiva, o
homem enquanto corpo e mente, isto é, enquanto ser biológico e ser social. Isto quer dizer, conforme
aponta Oliveira (idem), que nesta abordagem as funções psicológicas têm um suporte biológico, pois
14

são produtos da atividade cerebral, ao mesmo tempo em que se fundamentam nas relações sociais
entre o indivíduo e o mundo exterior, as quais se desenvolvem em um processo histórico.

Toassa (2011, p.87), destaca que o enfoque histórico-cultural de Vigotski estruturou-se nos
últimos anos de sua vida (1928-1934) com a participação de diversos colaboradores, especialmente,
Luria. Para a autora, a abordagem de Vigotski tem um tecido complexo, fundado em uma lógica
dialética, em que cada problema, conceito e método relacionam-se a um diferente domínio de
fenômenos psíquicos a que o autor se propõe estudar. Ainda de acordo com Toassa (idem, p.88),
Vigotski considera a infância como momento privilegiado para a observação ontogenética. Isto
porque é nesta época que as funções psicológicas superiores começam sua organização progressiva,
a partir do imbricamento entre cultura e biologia, tema que será tratado mais detalhadamente nos
tópicos seguintes, juntamente a apresentação de alguns elementos referentes à constituição do
sujeito.

2.1 ALGUNS ELEMENTOS DA CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO NA PERSPECTIVA


HISTÓRICO-CULTURAL

A constituição do psiquismo humano é um tema recorrente nas teorias psicológicas. Este foi
um dos temas centrais do trabalho de Vigotski. O intuito do autor era explicar o processo de
constituição do ser humano enquanto ser capaz de produzir cultura. Para obter respostas a esta
questão, Vigotski aprofundou-se na produção da psicologia de sua época, uma ciência marcada por
tendências materialistas mecanicistas ou subjetivistas, em que não havia espaço para uma explicação
não dicotômica da relação sujeito-sociedade (Zanella, 2004, p. 127).

Tomando por base referencial marxista, o autor entende a pessoa como, simultaneamente,
produtora e produto das relações sociais. Isto quer dizer que a subjetividade só é possível de ser
compreendida a partir de sua constituição em contextos sociais. Tais contextos, por sua vez, são
resultantes da ação dos homens sobre o meio em que vivem. Cole e Scribner (2012, p. XXV)
ressaltam que, para Marx, mudanças históricas na sociedade e na vida material produzem mudanças
na “natureza humana”, ou seja, na consciência e comportamento. Vigotski foi o primeiro a tentar
correlacionar esta proposta geral a questões psicológicas concretas. Com isso, o autor baseia-se nas
concepções de Engels sobre o trabalho humano e uso de instrumentos como os meios pelos quais o
homem transforma a natureza e, ao fazê-lo, transforma a si mesmo. Ainda de acordo com Cole e
15

Scribner (idem, p. XXVI), Vigotski estende a noção de mediação na interação homem – ambiente
pelo uso de instrumentos ao uso de signos (linguagem, escrita, sistema de números), os quais, assim
como o sistema de instrumentos, são criados pela sociedade e mudam a forma social e nível de seu
desenvolvimento cultural. Vigotski, então, abre caminhos de pesquisa sobre o modo como a cultura
e o social são atravessados pela história e constituem o sujeito.

Nesta perspectiva, o processo de constituição do sujeito ocorre em um processo histórico e


dialético. De acordo com os apontamentos de Machado (1996, p. 28), a dialética implica em uma
concomitância no tempo e no espaço, vinculada a uma combinação de forças e contradições, em
movimento permanente. Assim, pode-se dizer que a dialética é interminável e decorrente do
acúmulo de forças em contradição, que se confrontam e se transformam.

Primeiramente, é importante discorrer acerca da noção de subjetividade. Rossetto e Brabo


(2009, p. 2-3), apontam que para compreendê-lo, devemos nos remeter à história do mesmo: a noção
de subjetividade que servia de orientação para a Psicologia do século XIX referia-se às experiências
pessoais, íntimas e únicas vivenciadas pelos indivíduos, isto é, totalmente originais e intransferíveis.
Com isso, desenvolveu-se uma idéia de “subjetividade privatizada”, que ressaltava um sujeito capaz
de decidir por si mesmo, com autonomia, iniciativa, emoções e sentimentos privados. No entanto,
isto acabou tendo seu valor reduzido diante do questionamento com relação a uma suposta
singularidade e liberdade do indivíduo, visto fundamentar-se na idéia de um sujeito abstrato,
desconectado de sua inserção na história e emrelações sociais.

Ainda de acordo com Rossetto e Brabo (idem, p. 3), a ascensão da Psicologia enquanto
ciência surgiu da necessidade de controle e previsão do comportamento individual. Dessa forma, a
subjetividade passou a ser vista como uma interioridade não dizível e inacessível, enquanto o sujeito
somente poderia ser compreendido enquanto uma exterioridade observável, por meio do
comportamento. É a partir deste reducionismo conceitual que adentramos no século XX: o sujeito
cognoscente, ou seja, capaz de construir um conhecimento, reduz-se a um sujeito empírico, baseado
em experiências e observações. Ao mesmo tempo, a subjetividade dá lugar à objetividade (sendo
esta observável pelo comportamento). É justamente neste panorama que Vigotski entra em cena,
numa tentativa de sair do círculo das psicologias reducionistas do século XX.

Molon (2011, p. 615) aponta que, na obra de Vigotski, a constituição do sujeito acontece no
confronto eu-outro das relações sociais. Nesse sentido, a subjetividade e o sujeito são compreendidos
na realidade social e na vida social, vista como, primordialmente, histórica. A autora (1999, p. 3)
16

observa que, na concepção Vigotskiana, a subjetividade constitui-se não como comportamento


observável, assim como também não introspectiva, mas como uma conformação de um sistema de
reflexos (a consciência), na qual os estímulos sociais desempenham um papel fundante na
constituição do eu, já que o contato com os outros sujeitos permite o reconhecimento do outro e,
consequentemente, o auto-conhecimento:

Temos consciência de nós mesmos porque a temos dos demais e pelo mesmo procedimento
através do qual conhecemos os demais, porque nós mesmos em relação a nós mesmos
somos o mesmo que os demais em relação a nós. Tenho consciência de mim mesmo
somente na medida em que para mim sou o outro, ou seja, porque posso perceber outra vez
os reflexos próprios como novos excitantes. Entre o fato de que eu possa repetir em voz alta
a palavra dita em silêncio e o fato de que possa repetir a palavra dita por outro não existe
nenhuma diferença, como tampouco existe, em princípio, nos mecanismos: ambos são um
reflexo reversível, um excitante (Vigotski, 2004, p. 82).

Dessa forma, nota-se que o autor considera que a constituição do sujeito é permeada pelo
reconhecimento do outro, mas, fundamentalmente, pelo autoconhecimento do eu, uma vez que esses
processos são idênticos e acontecem pelo mesmo mecanismo: os reflexos reversíveis. Para Vigotski
(2004), os chamados reflexos reversíveis são compostos fundamentalmente pela palavra:

A palavra escutada é um excitante, a palavra pronunciada é um reflexo que cria esse mesmo
excitante. Esses reflexos reversíveis que originam uma base para a consciência
(entrelaçamento de reflexos), servem de fundamento para a comunicação social e para a
coordenação coletiva do comportamento, o que indica, entre outras coisas, a origem social
da consciência (p. 81).

Assim, Vigotski anuncia a origem social da consciência, ressaltando a importância da


linguagem. Toassa (2006, p. 64), reforça que a consciência de si implica numa relação de alteridade
da pessoa para consigo mesma, adquirida através da autoestimulação produzida pela palavra.
Portanto, a palavra e o signo são definidos como excitantes sociais, ou seja, que provêm das pessoas,
que criam a base do comportamento social e da consciência, tendo em vista que funcionam como
reguladores do próprio sujeito.

Conforme nos alerta Pino (2000, p. 62), a introdução das relações sociais como definidoras
da natureza das funções mentais superiores, constitui uma “subversão” do pensamento psicológico
tradicional. Vigotski desloca de forma definitiva o foco da análise psicológica do campo biológico
para o campo da cultura, ao mesmo tempo em que introduz uma discussão sobre o que constitui a
“essência do social” enquanto produção humana. A questão das relações sociais, segundo Pino,
torna-se o eixo dos trabalhos de Vigotski dedicados à análise do desenvolvimento humano.
17

Nos subtópicos seguintes serão abordados algumas das noções da obra de Vigotski
relacionados com a constituição do sujeito.

2.1.1 A FALA EGOCÊNTRICA

Vigotski (2012, p. 12-16), através da observação de crianças numa situação similar à do


experimento de Köhler com macacos antropóides, chega à conclusão de que, diferentemente dos
macacos, as crianças, além de agir para alcançar um determinado objetivo, também falam. Esta fala
é fundamental para a solução do problema em questão, na medida em que cria maiores
possibilidades de ação e envolve o planejamento de ações futuras. Com isso, a fala possibilita que a
criança adquira a capacidade de controlar seu próprio comportamento, tornando-se tanto sujeito
como objeto de seu próprio comportamento. Piaget foi o primeiro a prestar atenção a esta fala e
perceber sua importância. Ao observar crianças realizando atividades em um mesmo local, este autor
(1986) percebe que cada uma fala consigo mesma, em uma espécie de “monólogo coletivo”. Em
outras palavras, mesmo estando em grupo, as crianças permanecem com a atenção voltada para elas
mesmas, como se estivessem pensando em voz alta, ou seja, não há uma troca de ideias entre os
componentes do grupo. Dessa maneira, Piaget conclui que as crianças não falam somente às outras,
mas falam consigo próprias em voz alta, incessantemente, em monólogos variados que acompanham
seus jogos e atividades, de forma a auxiliar sua ação imediata. Ainda de acordo com Piaget, estes
monólogos constituem mais de um terço da linguagem espontânea entre crianças de três e quatro
anos, diminuindo por volta dos sete anos. Diante da impossibilidade de sair de seu próprio ponto de
vista e coordená-lo com os demais, a criança permanece inconscientemente centralizada em si
mesma. Tal egocentrismo, na visão de Piaget, reproduz e prolonga o que pode ser notado no lactente
frente ao universo físico. Em ambos os casos, há uma indiferenciação entre o eu e a realidade
exterior, representada pelos outros indivíduos.

Em sua obra, Vigotski utiliza como base estes estudos e experimentos de Piaget para
elaborar suas pesquisas sobre a fala egocêntrica. No entanto, há divergências na forma como os dois
autores a compreendem. Para Vigotski (2013, p.164), Piaget não levou em consideração a
característica mais importante desta fala: a sua relação genética com a fala interior. Enquanto Piaget
considera que a fala egocêntrica não tem nenhuma função no pensamento ou na atividade realista da
criança (apenas limita-se a acompanhá-los) e declina ao longo do tempo, Vigotski enfatiza sua
18

constante evolução durante o desenvolvimento da criança e a posterior transformação em fala


interior:

Os resultados de nossos experimentos indicam que a função da fala egocêntrica é


semelhante à da fala interior: não se limita a acompanhar a atividade da criança; está a
serviço da orientação mental, da compreensão consciente; ajuda a superar dificuldades; é
uma fala para si mesmo, íntima e convenientemente relacionada com o pensamento da
criança. O seu destino é muito diferente daquele que foi descrito por Piaget. A fala
egocêntrica desenvolve-se ao longo de uma curva ascendente, e não descendente; segue
uma evolução, não uma involução. Ao final, transforma-se em fala interior. (Vigotski,
idem)

Segundo Vigotski, então, diferente de Piaget, apenas um dos aspectos da fala egocêntrica
diminui ao longo do desenvolvimento: a vocalização. Isso indica, para o autor (idem, p. 168), a
aquisição da capacidade de abstrair o som e “pensar palavras”, ao invés de pronunciá-las. Através
de seus estudos e experimentos, Vigotski observa que a fala egocêntrica aumenta na medida em que
a tarefa que precisa ser solucionada complica-se. Diante deste desafio, a criança busca verbalmente
um novo plano de ação, que revela uma conexão íntima entre as falas egocêntrica e socializada. Isso
ocorre a partir do momento em que a criança descobre que não é capaz de resolver um problema por
si mesma e, então, dirige-se a um adulto (fala socializada). No entanto, Vigotski ressalta que a maior
transformação na capacidade das crianças em usar a linguagem como um instrumento 2 para a
solução de problemas, ou seja, como um meio para atingir um fim, ocorre um pouco mais tarde em
seu desenvolvimento, no momento em que a fala socializada é internalizada. As crianças passam a
apelar a si mesmas, ao invés de apelarem para o adulto, impondo a si próprias uma atitude social.
Assim, afirma que “a história do processo de internalização da fala social é também a história da
socialização do intelecto prático da criança” (Vigotski, 2012, p. 16). Com isso, pode-se perceber
que, no ponto de vista de Vigotski, as histórias individuais e sociais estão profundamente
interligadas, ambas se atravessam e constituem-se mutuamente.

A relação entre linguagem e instrumento será apresentada a seguir.


2
19

2.1.2 A NOÇÃO DE MEDIAÇÃO

A teoria vigotskiana, conforme apontam Loos e Sant‟ana (2007, p.12), supõe a existência
de um sujeito “interativo”, uma vez que a gênese de seu conhecimento não está assentada somente
em recursos externos, como também, não apenas em recursos individuais. É na interação social que
a criança entrará em contato e utilizará instrumentos mediadores. Machado (1996, p. 28) aponta que,
talvez, o primeiro destes instrumentos seja o seio materno. O desejo e necessidade de decifrar o
universo de significados que a cerca, leva a criança a coordenar ideias e ações, de modo a tentar
solucionar os problemas que se apresentam. Logo, há uma dimensão social que não se restringe
apenas à dimensão do outro, mas refere-se a uma dimensão pautada na “relação” com o outro e com
os demais aspectos do meio externo. Esse outro, no início da vida, pode ser o pai, a mãe, avós, tios,
vizinhos, educadoras, professoras, etc. Estes são os vários outros que, agindo como mediadores,
completam e interpretam a criança para o mundo e mundo para ela, de forma a favorecer certas
condições e direções para o desenvolvimento da criança em questão (Rossetti-Ferreira, Amorim e
Silva, 2004, p.24).

A noção de mediação revela aproximações com o materialismo histórico-dialético de


Marx, conforme mencionado anteriormente. Partindo dos princípios marxistas de que é através do
trabalho que o homem transforma a natureza e a si próprio, Vigotski faz uma analogia entre a
utilização de instrumentos como auxílio nas ações concretas e os signos (instrumentos psicológicos),
que têm a função de auxiliar o homem nas suas atividades psíquicas:

A invenção e o uso de signos como meios auxiliares para solucionar um dado problema
psicológico (lembrar, comparar coisas, relatar, escolher, etc.) é análoga à invenção e uso de
instrumentos, só que agora no campo psicológico. O signo age como um instrumento da
atividade psicológica de maneira análoga ao papel de um instrumento no trabalho. Mas essa
analogia, como qualquer outra, não implica uma identidade desses conceitos similares.
(Vigotski, 2012, p.52)

Desse modo, pode-se observar que, nesta concepção, a fala atua como um instrumento da
atividade psicológica de forma semelhante ao papel de um instrumento no trabalho. A analogia
básica entre ambos é a função mediadora que os caracteriza. A relação do sujeito com o ambiente é
mediada, pois este, enquanto sujeito do conhecimento, não tem acesso imediato aos objetos, mas sim
a sistemas simbólicos que representam a realidade. Por esta razão, Vigotski atribui um papel
fundamental à linguagem falada (principal sistema simbólico de todos os grupos humanos), que se
interpõe ao sujeito e objeto de conhecimento (Rego, 1995, p.62).
20

Na perspectiva histórico-cultural, então, o desenvolvimento das funções intelectuais é


mediado socialmente, pelos signos e pelo outro. Em outras palavras, a constituição do sujeito
envolve a participação de um outro, que implica em uma reciprocidade e mutualidade, em um
cenário situado num mundo de significações. Neste sentido, o sujeito precisa do reconhecimento do
outro para se constituir enquanto tal em um processo de constante transformação. Ele é um ser
significante, ou seja, é um ser que diz, pensa, faz, sente e compreende o que acontece em seu
entorno, de modo a refletir todos os eventos da vida humana (Molon, 1999, p. 17).

2.1.3 ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL

Ao estudar a relação entre aprendizado e desenvolvimento, Vigotski propôs uma noção que
se tornou amplamente difundida de sua obra, que é a de zona de desenvolvimento proximal. Para o
autor (2012, p. 94-95), a aprendizagem e o desenvolvimento estão intimamente relacionados desde o
primeiro dia de vida da criança, ou seja, muito antes do período escolar. Na visão de Vigotski, o
aprendizado das crianças em situações cotidianas difere consideravelmente do aprendizado no
contexto escolar. Nas experiências do dia a dia, a criança aprende o que ele chama de “conceito
cotidiano”, que possui uma concretude, como o de irmão, por exemplo. Referindo-se aos estudos de
Piaget, Vigotski lembra que a criança pequena que já possui o conceito cotidiano de irmão, fica
confusa ao lidar com questões abstratas relativas a este conceito. Assim, apresenta dificuldade em
responder à pergunta sobre o nome do irmão do seu irmão. Em contraste a isto, Vigotski propõe a
noção de “conceito científico”, isto é, aquele que é ensinado em ambiente escolar e que, geralmente,
começa por sua definição verbal e “envolve, desde o início, uma atitude mediada em relação ao seu
objeto” (Vigotski, idem, p.93). Ou seja, ao diferenciar os conceitos “cotidianos” dos “científicos”,
Vigotski não está atribuindo a estes últimos a característica de conhecimentos relacionados à
produção científica acadêmica, mas ao caráter de conhecimento advindo da elaboração intelectual
dirigida à resolução de problemas. Para Machado (1996, p. 35), o conhecimento articulado à
experiência concreta e imediata (conceitos cotidianos) fornece concretude ao conhecimento de
natureza abstrata (conceitos científicos), estando ambos inter-relacionados. Um exemplo disto pode
ser uma criança que aprende a somar e subtrair ao ajudar seu responsável a fazer compras no
supermercado. Assim, a partir de uma experiência concreta de fazer compras, a criança estabelece
um sentido para as contas de adição e subtração aprendidas em um contexto escolar. Van der Veer e
21

Valsiner (2000, p.9) observam que os conceitos “científicos” introduzidos na escola vão além do
desenvolvimento dos conceitos “cotidianos”, mas, ao mesmo tempo, estão baseados nestes. Para
estes autores, é importante adaptar a apresentação dos conceitos “científicos” na escola de modo que
se adequem à prévia prontidão potencial da criança (conceitos cotidianos). Isto quer dizer que a
interação entre ambos é fundamental ao desenvolvimento.

Em suas pesquisas, Vigotski (2013, p. 128) notou que na maior parte das investigações
psicológicas referentes ao aprendizado escolar, o nível de desenvolvimento mental da criança era
medido por meio da resolução de certos problemas padronizados. Em tais investigações, supunha-se
que os problemas que a criança consegue resolver por si mesma indicariam seu nível de
desenvolvimento mental. No entanto, o autor considera que, nesta forma de proceder, é possível
medir apenas uma etapa já concluída do desenvolvimento da criança, o que estaria longe de
representar o processo em sua totalidade. Por outro lado, ao comparar duas crianças com a mesma
idade mental (oito anos), oferecendo-lhes uma pequena assistência na resolução de problemas mais
difíceis do que seriam capazes de resolver sozinhas, Vigotski percebe que uma das crianças
conseguia, com cooperação, ir além da outra na resolução de tais problemas. Com isso, o autor
(idem, pp. 128-129) infere que “A discrepância entre a idade mental real de uma criança e o nível
que ela atinge ao resolver problemas com o auxílio de outra pessoa indicam a zona de seu
desenvolvimento proximal”. Assim, pode-se perceber que Vigotski leva em consideração tanto as
funções mentais já desenvolvidas quanto aquelas que ainda estão em processo de desenvolvimento.
Mais uma vez, Vigotski enfatiza a relevância das interações sociais na medida em que o aprendizado
é responsável por criar zonas de desenvolvimento proximal. É por meio do diálogo, da colaboração e
interação com outras pessoas que a criança coloca em movimento vários processos de
desenvolvimento que, sem a ajuda externa, não poderiam ocorrer. Tais processos se internalizam e
passam a fazer parte das aquisições do desenvolvimento individual, ou seja, tornam-se nível de
desenvolvimento real.

Para Vigotski (2013, p. 129), a existência da zona de desenvolvimento proximal só é


possível por conta da capacidade de imitação das crianças. Tal capacidade é tomada em um sentido
amplo, que implica não meramente o ato de copiar, mas uma imitação de modelos socialmente
dados. Qualquer situação social cria oportunidades para a imitação. De acordo com Oliveira (2010,
p. 45), o processo de aprender ocorre na proporção em que as capacidades ainda não amadurecidas
de uma criança recebem um impulso de ações de outros parceiros. Ao imitar as ações destes
parceiros na realização de determinada atividade, a criança passa a adquirir novos saberes. Para
ilustrar esta questão, Vigotski (2012, p. 100) menciona os experimentos de Köhler com macacos, em
22

que os primatas, ao contrário das crianças, não podem ser ensinados por meio da imitação, tampouco
são capazes de ter o intelecto desenvolvido, uma vez que não possuem zona de desenvolvimento
proximal. Com isso, o autor (idem) chega à conclusão de que “o aprendizado humano pressupõe
uma natureza social específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida
intelectual daqueles que a cercam.” Então, pode-se dizer que a aprendizagem é permeada pela
imitação, que ocorre por meio da interação entre a criança e as pessoas de seu ambiente. Vigotski
(2013, p. 130), portanto, esclarece que o aprendizado caminha à frente do desenvolvimento,
servindo-lhe de guia. Isto é, deve-se considerar a orientação do aprendizado para o futuro, ou seja,
para as funções que estão em processo de amadurecimento.

Machado (1996, p. 29-30) acrescenta que na perspectiva histórico-cultural, aprendizagem,


ensino e desenvolvimento são processos distintos que interagem dialeticamente. Eles não podem
existir de forma independente, mas estão intimamente relacionados. Ou seja, a aprendizagem
promoveria o desenvolvimento e este, por sua vez, criaria novas possibilidades de aprendizagem. No
entanto, a presença de parceiros (indivíduos que se unem em torno de objetivos comuns, dispostos a
trocar algo entre si) é o que torna a aprendizagem possível, uma vez que o conhecimento passa,
necessariamente, pela mediação do outro. A zona de desenvolvimento proximal, então, resulta desta
articulação entre aprendizado e desenvolvimento, em um processo de contínua transformação. Este é
o ponto essencial da análise de Vigotski. Outro ponto igualmente importante para a compreensão da
zona de desenvolvimento proximal é o estudo da brincadeira e sua participação no desenvolvimento,
que será apresentado no próximo subtópico.

2.1.4 BRINCADEIRA E DESENVOLVIMENTO

O desenvolvimento afetivo da criança, assim como o cognitivo, está relacionado ao ato de


brincar, que participa ativamente do processo de subjetivação da criança pequena, de forma
articulada como o meio cultural no qual se insere. Vigotski (2008, p. 24) considera que a brincadeira
não pode ser caracterizada apenas em termos de sua relação com uma satisfação, visto existirem
atividades que também proporcionam isto, como o ato de chupar chupeta, por exemplo. Além disso,
algumas brincadeiras só provocam prazer quando seu desfecho se revela interessante para a criança,
como nos jogos esportivos.
23

Para Vigotski (2012, p. 109) o que diferencia o brincar das demais atividades infantis é a
criação de uma situação imaginária. Não somente os jogos, mas também a brincadeira de faz de
conta, ambos estão sempre atravessados por regras. Entretanto, no segundo caso, as regras se
originam da própria situação imaginária. Assim, quando uma criança pequena brinca de mãe e filha
com uma boneca, por mais que não haja regras claras formuladas previamente, ela obedece às regras
do comportamento maternal que vivencia em seu ambiente cotidiano. Assim, o que passa
despercebido pela criança em sua vida cotidiana, apresenta-se como uma regra de comportamento na
brincadeira. O autor considera que, apesar de haver uma liberdade no brincar, esta liberdade é
ilusória, justamente por conta da existência de regras. Por outro lado, os jogos baseados em regras
explícitas e previamente estabelecidas, comuns para crianças maiores, como os jogos esportivos e de
tabuleiro, também contém situações imaginárias. Vigotski (2002) cita como exemplo o jogo de
xadrez, no qual embora as regras sejam evidentes, nem sempre a participação da imaginação é
notada. Ao manejar uma peça, Peão, Bispo ou Rei, por exemplo, o jogador opera em um mundo
ilusório. Dessa forma, o autor argumenta que, tanto as situações imaginárias quanto as regras estão
presentes em todo e qualquer tipo de brincadeira.

Vigotski (2002) considera que há um estímulo ao desenvolvimento do autocontrole durante


a brincadeira e, portanto, da moralidade. Assim, a criança se submete às regras do brincar ao
controlar seus impulsos imediatos em nome de uma satisfação maior que reside na própria
manutenção desta atividade. Ele cita um experimento onde uma criança deixou de comer um doce
porque na estória de faz de conta da qual participava, ele estaria enfeitiçado. Submeteu-se, portanto,
à regra do faz de conta sem nenhum agente externo, ao impor um autocontrole sobre seu
comportamento. Neste caso, as regras da brincadeira se tornaram mais fortes que o impulso imediato
da criança de comer doce. A partir disso, Vigotski chega à seguinte conclusão:

A subordinação às regras é quase impossível para a criança na vida real, porém, na


brincadeira isto se torna uma possibilidade; assim, a brincadeira também cria a zona de
desenvolvimento proximal. No brincar, a criança está sempre acima de sua média de idade,
acima de seu comportamento diário. Na brincadeira, é como se a criança fosse maior que na
vida real. Assim como o foco de uma lente de aumento, a brincadeira contém todas as
tendências de desenvolvimento em uma forma condensada; ao brincar, a criança age como
se estivesse tentando ultrapassar o nível de seu comportamento normal (Vigotski, 20023).

Dessa forma, pode-se perceber que, na visão de Vigotski, há uma íntima conexão entre a
brincadeira e a zona de desenvolvimento proximal, que participa de forma ativa no desenvolvimento.

3 Tradução livre.
24

Ao brincar, a criança imagina, cria e interage, comportando-se para além do habitual em sua idade.
Por exemplo, ao desempenhar o papel de professora em uma brincadeira de faz de conta, a criança
atua de maneira diferente da qual se comporta em seu dia a dia, com base nas formas de agir de
professores que observa em suas vivências cotidianas.

Vigotski (2008, p. 26) ressalta que a essência da brincadeira não é a realização de desejos
isolados, mas sim de afetos generalizados, isto é, o que há de subjetivo e singular em cada criança
emerge durante o papel que ela desempenha em uma determinada brincadeira. Por exemplo, diversos
sentimentos da criança, como a admiração por um membro da família ou gosto por determinada
música, podem se expressar de forma generalizada ao brincar. Para Vigotski (idem), no entanto, a
presença de tais afetos generalizados na brincadeira não indica que a criança tenha um entendimento
claro e objetivo dos motivos pelos quais a brincadeira é inventada, não agindo, portanto, de forma
deliberada. Logo, a criança brinca sem ter consciência dos motivos desta atividade. Segundo o autor,
é isso que, essencialmente, difere a brincadeira de outros tipos de trabalho.

Vigotski considera que por trás da brincadeira se localizam as alterações das necessidades e
as alterações de caráter mais geral da consciência:

A brincadeira é fonte do desenvolvimento e cria a zona de desenvolvimento proximal. A


ação em uma esfera imaginária, em uma situação imaginária, a criação de intenções
voluntárias, a formação de planos de vida e motivos volitivos – tudo isso surge na
brincadeira, o que a coloca em um nível superior de desenvolvimento (Vigotski, 20024).

Isto quer dizer que ao brincar, mesmo que sozinha, a criança comporta-se de maneira mais
avançada do que nas atividades da vida real, além de aprender a separar objeto e significado. Brincar
dá a criança uma oportunidade de refletir acerca das regras sociais e reconhecer não somente seu
papel, como também o de seus parceiros, na medida em que interage com eles durante a brincadeira,
criando novas relações e experimentando diversos modos de ser. Vigotski (2008, p. 33) cita como
exemplo a ação de cavalgar num cavalo sem a possibilidade de fazer isso com um cavalo de verdade.
Neste caso, a criança necessita de um pivô (cabo de vassoura) para substituir a situação real. Com
isso, a ação é passada para segundo plano e transforma-se no pivô. Ou seja, a partir da ação de
cavalgar em um cabo de vassoura (pivô) como se fosse um cavalo de verdade, o sentido desprende-
se da ação de cavalgar em um cavalo real através de uma ação imaginativa. Logo, na brincadeira, a
ação substitui outra ação assim como um objeto substitui outro. Este, segundo Vigotski, é um dos

4 Tradução livre.
25

caminhos para o desenvolvimento do pensamento abstrato, no qual se opera com o sentido das
coisas.

No capítulo seguinte, serão apresentados alguns desdobramentos sobre o papel e valor


brincadeiras de faz de conta para o desenvolvimento infantil a partir do olhar de outros autores que
complementam a visão de Vigotski.
26

3 BRINCADEIRAS DE FAZ DE CONTA: IMAGINAÇÃO, INTERAÇÃO E REINVENÇÃO


DA REALIDADE

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas


No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
Como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-lo cair no chão

Fernando Pessoa (2016)

A análise do ato de brincar permite uma compreensão sobre seu papel e valor no processo
de desenvolvimento psíquico da criança e, conforme visto no final do capítulo anterior, esta é uma
questão que Vigotski valorizou intensamente.

Primeiramente, cabe uma indagação sobre o que é o faz de conta e como este ato se
caracteriza. Considera-se que a brincadeira de faz de conta é uma forma privilegiada de expressão,
conhecimento e interação das crianças consigo mesmas e com o mundo que as cerca. No faz de
conta, uma criança representa personagens e animais, trata objetos inanimados como animados,
transforma recantos e objetos do ambiente físico de acordo com sua atividade. Por exemplo, bonecas
são tratadas como bebês, caixas de fósforo são utilizadas como carrinhos, um canto do quarto se
transforma em um salão de beleza, etc. Neste processo de imaginação e fantasia, as crianças utilizam
os meios que dispõem em seu próprio corpo: posturas, gestos, vocalizações, palavras isoladas e
frases. Para Coelho e Pedrosa (2000, p. 54), é através desses recursos que as crianças retomam, no
espaço da brincadeira, significados já experimentados em seu cotidiano, assim como também
constroem novos significados e sentidos variados para estes durante o momento do brincar. Dessa
forma, recriam-se novas relações entre objetos e situações, entre recursos do próprio corpo e
momentos já vivenciados ou observados pelas crianças. Ainda conforme Coelho e Pedrosa (2000, p.
55), estes laços são construídos pelas crianças e se apoiam, muitas vezes, em objetos que elas
pretendem representar. Assim, uma boneca representa um bebê, almofadas empilhadas representam
uma casa, um pedaço de madeira representa um carro, etc. Alguns desses laços podem ser
subjetivos, enquanto outros são arbitrários. Em sua maioria, têm uma íntima relação com alguma
vivência importante. Por exemplo, uma criança que ficou hospitalizada e passou por procedimentos
médicos, começa a brincar de dar medicamentos e injeções para suas bonecas. Nesta situação, o faz
27

de conta possibilita que seja construído um novo sentido à vivência de hospitalização e faz com que
a criança a reelabore, reconhecendo-se como sujeito pertencente a um grupo social e a um contexto
cultural.

Todo este movimento produzido pelas crianças durante a brincadeira torna possível transitar
em busca de outros mundos, de outros sabores e de outras cores, cujos objetos encontrados são
imediatamente recriados, o que proporciona às crianças possibilidades para fazer fluir fantasias
intermináveis (Faria, 2009, p. 15). Nos tópicos seguintes, através de uma análise bibliográfica, serão
abordados e discutidos os principais fatores que compõem a brincadeira de faz de conta, através de
um olhar sobre a interação entre crianças pequenas.

3.1 IMAGINAÇÃO E REALIDADE: UMA ARTICULAÇÃO

Muitas vezes, uma criança brincando pode ser vista como se estivesse em um mundo só
seu, um mundo de sonhos e fantasia, separado da realidade. No entanto, através de uma observação
atenta das sutilezas das ações infantis durante as brincadeiras, é possível perceber que o faz de conta
não se restringe a um mundo imaginário, desconectado do é real. Pelo contrário, conforme será
explicitado no decorrer deste tópico, o brincar, assim como a atividade imaginativa em geral, estão
fortemente relacionados com a realidade.

Vigotski (2010, p. 14), aponta que, comumente, entende-se por imaginação ou fantasia5
algo diferente do que a ciência denomina com estas palavras. No senso comum, designa-se com
estes termos tudo aquilo que não corresponde à realidade e, portanto, não pode ter nenhum
significado prático. Por outro lado, para o autor, a imaginação é a base de toda a atividade criadora
humana e manifesta-se em todos os campos da vida cultural, o que torna possível, também, a criação
científica, técnica e artística. Dessa forma, Vigotski (idem) considera que “tudo o que nos cerca e foi
feito pelas mãos do homem, todo o mundo da cultura, diferentemente do mundo da natureza, tudo
isso é produto da imaginação e da criação humana que nela se baseia”. Isto quer dizer que, na
história da humanidade, a realidade é constituída e atravessada pela imaginação, assim como esta
também se constitui por elementos da realidade. Em todo momento, o homem imagina, cria, inventa

5 Na obra citada, os termos fantasia e imaginação são tratados indistintamente.


28

e constrói algo novo, ainda que este novo pareça insignificante quando comparado às grandes
invenções. Logo, a criação é vista por Vigotski (2010, p. 16) como a “condição necessária da
existência”.

A partir deste entendimento, Vigotski (idem) considera que os processos de criação


manifestam-se com grande força já na tenra infância. Conforme visto no capítulo anterior, é possível
identificar nas crianças pequenas processos autênticos e verdadeiros de criação que se expressam
durante a brincadeira. Apesar de haver uma reprodução de vivências no ato de brincar, tal
reprodução nunca ocorre de forma idêntica à experiência real. Assim, a brincadeira não é apenas
uma imitação ou reprodução, mas consiste na construção de uma nova realidade baseada na
combinação das impressões vivenciadas pelas crianças em determinada situação.

Cerisara (2010, p. 124), apoiada em Vigotski, afirma que tanto a atividade lúdica quanto a
atividade criativa surgem marcadas pela cultura e mediadas pelos sujeitos com quem a criança se
relaciona, ou seja, as crianças só podem inventar se já conhecem previamente todos os elementos
que compõem determinada invenção. Para esclarecer o mecanismo psicológico da imaginação e sua
importância enquanto uma atividade vital, Vigotski (2010, p. 20-30) destaca algumas formas de
vinculação existentes entre a imaginação e a realidade na conduta humana. A primeira delas,
conforme mencionado, se manifesta no fato de que o ato de imaginar está sempre relacionado com a
experiência vivida, isto é, a realidade é a base da criação. Para ele, quanto mais rica a experiência da
pessoa, mais material estará disponível para sua imaginação. A segunda forma de vinculação amplia
e dá um novo significado à anterior: sua essência consiste na combinação, pela atividade
imaginativa, de elementos da realidade adquiridos não pela experiência direta do sujeito, mas por
meio da experiência alheia ou social, adquirida através de relatos, notícias, histórias, descrições, etc.
Assim, o que a criança vê e escuta, são pontos de apoio para sua futura criação. Ela acumula material
com base no qual, posteriormente, será construída sua fantasia. A terceira forma refere-se ao enlace
emocional entre imaginação e realidade, que pode se apresentar de duas maneiras: de um lado, os
sentimentos influenciam o ato de imaginar, por exemplo, quando estamos em um momento de
alegria, tendemos a ter um olhar diferente sobre as coisas do que quando estamos passando por uma
situação triste. Por outro lado, a imaginação influencia os sentimentos. Um exemplo disto seriam as
obras de arte que provocam sentimentos de melancolia ou um filme de terror ao provocar medo. Por
fim, a quarta forma de vinculação entre realidade e imaginação consiste no fato de que a nova
criação pode representar algo totalmente novo, que não existe na experiência do homem. Um
exemplo atual do que Vigotski denominou de imaginação “cristalizada” ou “encarnada” (ou seja,
que se tornou objeto concreto) poderia ser o telefone celular, que, a partir do momento em que foi
29

criado, traz consigo uma força nova, capaz de gerar grandes transformações na forma de viver
humana. O telefone celular foi criado pela imaginação combinatória do homem e não corresponde a
nenhum modelo existente na natureza.

Além dos vínculos existentes entre a atividade imaginativa e a realidade, Vigotski (2010, p.
35-41) descreve os momentos que compõem os processos da primeira, revelando a complexidade
desta atividade. Primeiramente, destaca a dissociação e associação das impressões percebidas pelo
sujeito em seu entorno, importantes no processo de reelaboração do material com base no qual será
construída a imaginação. Para o autor, qualquer impressão representa em si um todo complexo,
composto de múltiplas partes separadas. A dissociação, então, consiste na fragmentação em partes
desse todo complexo. Algumas destas partes destacam-se das demais, enquanto outras são
esquecidas. Vigotski considera que, saber destacar traços específicos de um todo complexo é de
grande relevância para qualquer trabalho criativo humano com impressões. Por exemplo, em uma
obra de arte, é preciso saber realçar alguns traços e rejeitar outros. Em seguida, ocorre um processo
de modificação a que se submetem os elementos dissociados, a partir de um movimento sob a
influência de fatores internos que os distorcem e reelaboram. Um exemplo citado pelo autor é a
exacerbação e atenuação de alguns elementos das impressões, cujo significado é enorme tanto para a
imaginação em geral quanto para a da criança. Ao observar crianças brincando, é possível notar uma
paixão pelo exagero que, segundo Vigotski, tem um fundamento interno muito profundo. Em uma
brincadeira de faz de conta, a criança pode imaginar ser um gigante do tamanho de um prédio
lutando com um dinossauro, por exemplo. O autor nota, inclusive, que o exagero, assim como a
imaginação são igualmente necessários nos campos das artes e ciências, por exemplo, como a
astronomia, que levita no tempo e no espaço. A geologia também pode ser citada como exemplo,
uma vez que acompanha o desenvolvimento do planeta por meio de uma série de mudanças e
cataclismos. O momento subsequente que compõe os processos da imaginação, segundo Vigotski
(2010, p. 39), é a associação, ou seja, a união dos elementos dissociados e modificados. A
associação pode ocorrer tanto como uma união subjetiva de imagens quanto objetiva. Uma união
subjetiva ocorre quando certa paisagem remete a determinado sentimento ou memória, por exemplo.
Já, a união objetiva pode corresponder aos conceitos geográficos, que se referem a inúmeros locais
do planeta. Por fim, “o último momento é a combinação de imagens individuais, sua organização
num sistema e a construção de um quadro complexo” (idem). No entanto, Vigotski sinaliza que a
atividade criadora não para aqui. O autor passa a tratar, então, do processo de cristalização ou da
passagem da imaginação para a realidade. Vigotski destaca a necessidade de o homem se adaptar ao
meio que o cerca como um fator psicológico essencial neste processo:
30

Se a vida ao seu redor não o coloca diante de desafios, se as suas reações comuns e
hereditárias estão em equilíbrio com o mundo circundante, então não haverá base alguma
para a emergência da criação. O ser completamente adaptado ao mundo nada desejaria, não
teria nenhum anseio e, é claro, nada poderia criar. Por isso, na base da criação há sempre
uma inadaptação da qual surgem necessidades, anseios e desejos (Vigotski, 2010, p. 41)

Assim, pode-se inferir que, na visão do autor, o processo de cristalização surge a partir de
um desequilíbrio com relação à determinada situação, o que faz aparecer uma necessidade ou anseio
por mudança e a busca por algo novo. Logo, desafios e adversidades da vida são indispensáveis para
a emergência da atividade criadora.

Outro fator de extrema importância, enfatizado por Vigotski (idem), é o meio circundante e
sua ação. Conforme anteriormente mencionado, a imaginação tende a ser vista como uma atividade
exclusivamente interna, desconexa da realidade exterior. Na melhor das hipóteses, é retratada como
dependente das condições externas apenas na medida em que estas determinam o material com o
qual a imaginação opera. No entanto, Vigotski (idem, p. 42) afirma que nenhuma invenção ou
descoberta pode emergir antes que as condições materiais e psicológicas necessárias para seu
surgimento sejam favoráveis. Em outras palavras, por mais subjetiva que seja uma criação, ela
sempre será constituída por questões sociais e culturais.

Diante do exposto, é possível compreender os constantes movimentos dialéticos entre as


esferas da realidade e da imaginação. Cerisara (2010, p.128), com base em Vigotski, considera que a
discussão em torno da atividade imaginativa e da capacidade criadora torna possível uma reflexão
acerca da especificidade do mundo da brincadeira de crianças pequenas, isto é, um mundo pautado
no ilusório e imaginário, onde os desejos não realizáveis podem se realizar, tornando-se afetos
generalizados, conforme explicitado no capítulo anterior.

No universo do brincar, o faz de conta pode ser realizado de forma individual ou em grupo.
Ambas as formas possuem um papel de extrema relevância no desenvolvimento infantil. De forma
convergente com Vigotski, Brougère (2010a, p. 30) aponta que o brincar está longe de ser a
expressão livre de uma subjetividade, mas situa-se no intercruzamento das interações sociais. Ou
seja, são necessárias as dimensões social e cultural para a brincadeira emergir. Portanto, conforme
será abordado no próximo tópico, o compartilhamento entre crianças pequenas dos sentidos e
significados construídos durante uma brincadeira é fundamental para que possam criar um vínculo,
interagir, trocar ideias, partilhar sentimentos e, assim procedendo, reinventarem novos modos de ser
e estar no mundo.
31

3.2 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A INTERAÇÃO CRIANÇA-CRIANÇA

O que é interação e qual sua importância no processo de desenvolvimento? De acordo com


o dicionário consultado6, interação consiste na influência recíproca entre dois ou mais elementos. Do
ponto de vista da Psicologia, caracteriza-se como um fenômeno que permite a certo número de
pessoas constituírem-se em um grupo e pelo fato de o comportamento de cada indivíduo funcionar
como estímulo para o outro. Na perspectiva histórico-cultural, a noção de interação possui um
valioso significado, que complementa e traz novos sentidos para as definições encontradas no senso
comum. Segundo uma pesquisa realizada por Franchi, Vasconcelos e outros (2003, p. 294), verifica-
se que, ao longo das quatro últimas décadas, ocorreu crescente interesse no estudo das capacidades
interativas da criança pequena. Há tempos atrás, parte da literatura científica questionava a
existência de interação criança-criança nos primórdios da infância, centralizando o foco de estudo
nas relações adulto-criança e, particularmente, nas interações mãe-bebê. No entanto, no decorrer das
últimas décadas, tendo em vista as modificações nas formas do viver e o crescimento da entrada de
mulheres no mercado de trabalho, um maior número de crianças passou a frequentar creches, pré-
escolas, abrigos, dentre outros espaços destinados a uma educação coletiva de crianças, acarretando
um novo olhar sobre a interação criança-criança, de forma a incluir o primeiro ano de vida.

Este tópico será baseado, principalmente, nas ideias de Oliveira e Rossetti-Ferreira (1993),
pesquisadoras da área de Desenvolvimento Humano e Educação Infantil, que focalizam o valor da
interação criança - criança no desenvolvimento. A concepção de interação elaborada por estas
autoras baseia-se na noção de que há uma constituição recíproca do indivíduo e do meio, que origina
situações sempre novas e singulares, construídas pelas interações dos parceiros entre si. Neste
processo, os significados são estabelecidos pelos indivíduos por suas ações no momento da
interação, por meio dos papéis que desempenham e confrontam continuamente. Assim, a noção de
papel é um ponto central:

Consideramos que, como as ações humanas têm seus significados negociados e definidos
em experiências socioculturais, comportamentos recortados constituem papéis associados a
contra papéis desempenhados por cada parceiro. (Oliveira & Rossetti-Ferreira, p. 65)

Isto quer dizer que, um simples gesto pode ter diversos significados, dependendo do papel e
contra papel desempenhado por cada indivíduo envolvido. Por exemplo, quando uma criança segura

6
Vide referências.
32

a mão de outra, isto pode significar um convite para brincar de roda, assim como indicar que as
crianças são amigas e gostam de estar juntas ou, ainda, uma resposta ao pedido dos pais para que
segurem as mãos enquanto andam na rua. Dessa forma, os papéis emergem na experiência
interpessoal e sua principal característica, de acordo com as autoras, é uma polaridade intersubjetiva.
Isto quer dizer que mesmo quando o indivíduo está sozinho, seu comportamento pressupõe o de um
parceiro, ou seja, mesmo na brincadeira solitária, a criança, através do faz de conta, imagina falar
com alguém ou com seus próprios brinquedos.

Assim, considera-se que as interações humanas podem ser caracterizadas como um


processo de confrontação e coordenação de papéis desempenhados pelos indivíduos, ou seja, como
um “jogo de papéis”. A análise da interação criança-criança em um contexto histórico-cultural
possibilita compreender a construção partilhada de suas ações e apreender de que forma as crianças
negociam os significados que atribuem à sua ação em diferentes etapas de seu desenvolvimento. No
entanto, Oliveira e Rossetti-Ferreira fazem uma sinalização a respeito do risco de se cair em um
individualismo se a análise do processo interacional considerar cada indivíduo envolvido na
interação como um agente independente, que estabelece algum tipo de relação com os parceiros.
Contrariamente a isto, deve-se levar em conta um caráter de transação e de relações de troca no
processo de interação nas quais os parceiros estão sempre se constituindo por suas ações recíprocas
com significados partilhados.

Nos primeiros momentos da vida, (idem, p.68), o bebê possui seus papéis e contra papéis tão
mesclados, sua experiência interpessoal com o adulto que lhe oferece cuidados é tão integrada, que
se faz necessário um trabalho ativo para que o bebê possa apreender sua própria parte neste todo
indiferenciado e, aos poucos, conseguir diferenciar as características dos outros de suas próprias.
Através do vínculo afetivo construído, o adulto, além de garantir a sobrevivência da criança, também
se comunica com ela e intermedeia suas relações com o mundo. Imerso num universo simbólico, o
adulto apresenta o mundo ao bebê e lhe atribui significações, através do uso de instrumentos
culturais, como a linguagem (Amorim e colaboradores, 2012, p. 311). O bebê humano é um ser que
nasce bastante imaturo do ponto de vista motor, porém, conforme afirmam Franchi e Vasconcelos et
al (2003, p. 293), suas características perceptuais já estão bastante desenvolvidas. A imaturidade
motora faz com que a criança continue por um longo período de tempo vulnerável e sem condições
para sobreviver sem a ajuda de um adulto. Apesar disso, de acordo com a obra citada, seu
equipamento sensorial e expressivo facilita a comunicação, a interação e a aprendizagem com o
outro desde o nascimento. Com o desenvolvimento de suas habilidades exploratórias e motoras, as
crianças se movem e alcançam outras crianças, entrando em contato físico com elas. Assim, por
33

volta dos dois anos de idade, têm a possibilidade de lidar com situações, nas quais seus parceiros
privilegiados são não somente os adultos, mas também outras crianças.

Em uma pesquisa que deu origem ao documentário “Bebê interage com bebê?”, Anjos,
Amorim e Rossetti-Ferreira (1994), consideram que as interações bebê-bebê possuem características
diferentes daquelas observadas tanto nas interações adulto-criança, como entre crianças maiores. Por
meio de vídeo gravações do cotidiano de crianças em uma creche, estas pesquisadoras percebem
que, de forma diferente das crianças maiores, as interações bebê-bebê costumam ser mais
fragmentadas e, por vezes, acaba ocorrendo por meio de um desajeitamento motor. Nestas
interações, os bebês podem comunicar-se entre si e realizar trocas de gestos e afetos. A partir de uma
observação atenta, notam que existe um interesse precoce de um bebê pelo outro, havendo inclusive
empatia, como mostra o exemplo de uma cena do documentário, onde o choro de um bebê atrai
outro bebê, que tenta prontamente consolá-lo, passando a mão em sua cabeça.

Ainda com base no documentário em foco, as pesquisadoras entendem que a interação entre
crianças pequenas não é apenas um “fazer juntos”. Muitas vezes, uma criança tem seu
comportamento regulado por outra, mesmo que não saiba da ocorrência desta regulação. Com
frequência, ocorre uma interrupção destas interações pelos adultos, pelo fato de acreditarem que é
um determinado objeto que chama a atenção do bebê que interage com outro quando, na verdade, a
criança está interessada no sistema “bebê-objeto-bebê”, ou seja, na interação construída com outro
bebê e o objeto. As autoras destacam a importância destas interações, na medida em que é a partir
delas que papéis são apreendidos, reações são conhecidas e significados são construídos.

Oliveira e Rossetti-Ferreira (1993, p. 65) denominam de “jogos de papéis” as brincadeiras


de faz de conta que ocorrem no contexto de interação entre crianças pequenas. Segundo elas, este
tipo de brincadeira é construído conjuntamente aos papéis que as crianças assumem, atribuindo
significados à situação. Estes papéis, baseados em uma imitação ou oposição ao que aparece em seu
ambiente cotidiano, podem ser assumidos por uma ou mais crianças em determinado grupo e
constituem os modos pelos quais as crianças confrontam-se umas com as outras de forma a obter
seus objetivos, que emergem a cada instante. Por exemplo, ao brincar, a criança pode assumir o
papel de um personagem de seu desenho animado favorito, enquanto seu parceiro assume outro
personagem deste mesmo desenho e ambos interagem a partir da criação desta situação imaginária.
O contato diário com parceiros da mesma idade em uma creche possibilita a construção, pelas
crianças, de brincadeiras partilhadas, em que ocorrem relações de troca, colaboração e envolvimento
mútuos (idem, p. 66). As ações das crianças pequenas, compostas pela fala, canções, gestos e ritmos
34

são mais expressivas do que dirigidas a um objetivo pré-determinado, ou seja, são mais voltadas para
o momento presente, no qual a brincadeira está ocorrendo. Em contrapartida, as crianças mais velhas
utilizam a linguagem verbal de forma mais efetiva, apresentam um maior planejamento das
brincadeiras e as representações são negociadas de forma mais clara. Assim, a regulação das ações,
inicialmente dominada pela esfera afetiva, é assumida gradualmente pela esfera cognitiva. As
autoras ressaltam que esse processo verbal de atribuição de papéis, presente no faz de conta, ilustra o
processo de internalização das relações sociais pelas crianças.

Oliveira e Rossetti-Ferreira (1993, p.67-69) consideram importante fazer uma comparação


entre a interação adulto-criança e criança-criança, com o intuito de esclarecer o valor das mesmas no
desenvolvimento. Na interação adulto-criança, há uma assimetria, que torna possível uma maior
complementação do papel do adulto, que procura ser sensível às sutilezas das pistas fornecidas pela
criança, com a intenção de responder a elas de forma apropriada. Isto quer dizer que, enquanto o
adulto geralmente age buscando complementar a ação da criança, as crianças de idades semelhantes
agem de um modo mais recíproco. Na visão das autoras, as interações criança-criança e adulto-
criança devem ser discutidas como processos integrados. Durante as brincadeiras, as crianças
pequenas têm a oportunidade de representar e examinar situações que usualmente envolvem uma
interação adulto-criança. Para tal, as crianças desempenham o papel de um adulto no faz de conta,
especialmente ao reproduzir cenas de cuidado, vividas por elas cotidianamente. Por exemplo, ao
pentear o cabelo de uma boneca, alimentá-la ou fazê-la dormir, a criança explora, apropria-se de sua
experiência em determinada cultura e a transforma.

Assim, pode-se afirmar que para uma análise adequada da brincadeira de faz de conta não
basta apenas considerar a interação entre os pares, mas é preciso, também, direcionar um olhar para
o contexto social e cultural no qual está inserida. No próximo capítulo, serão abordadas as relações
entre brincadeira e cultura para uma visão complementar deste processo interativo.
35

4 RELAÇÕES ENTRE BRINCADEIRA E CULTURA

Isto porque a gente foi criada


em lugar onde não tinha brinquedo fabricado.
Isto porque a gente havia que
fabricar os nossos brinquedos:
eram boizinhos de osso,
bolas de meia,
automóveis de lata.
Também a gente fazia de conta que sapo
é boi de sela e viajava de sapo.
Outra era ouvir nas conchas
As origens do mundo....

Manoel de Barros (2003)

Compreende-se que a brincadeira de faz de conta se desenvolve com base no meio


sociocultural onde a criança está inserida, tal como exposto anteriormente. No entanto, cabe ainda
apresentar algumas considerações sobre as relações entre brincadeira e cultura, o que será feito neste
capítulo com base nas obras de Huizinga, Corsaro, Brougère e Borba.

Em primeiro lugar, é necessário considerar que as brincadeiras, jogos e brinquedos ocupam


um lugar relevante nas mais diversas culturas. Desde a antiguidade, os brinquedos refletem relações
culturais, políticas e econômicas travadas nas sociedades, remetendo às diferentes formas de
organização da vida das crianças. Neste trabalho, contudo, o enfoque será dado à cultura
contemporânea. Conforme aponta Volpato (2002, p.218), é preciso haver uma abertura e atenção a
possíveis transformações que possam estar ocorrendo no contexto das relações sociais de uma dada
cultura, visto que estas podem interferir em mudanças de valores, de conceitos e de atitudes em
relação ao jogo e ao brinquedo.

De acordo com Huizinga (1980, p. 6), o jogo é encontrado na cultura como um elemento
dado existente antes mesmo da própria cultura, uma vez que os animais também brincam. Para ele, o
jogo acompanha e marca a cultura desde suas as mais remotas origens até a fase de civilização na
qual agora nos encontramos. O jogo está presente em toda parte, como uma qualidade de ação
distinta e bem determinada da “vida comum”. Huizinga, assim, reconhece o jogo como uma forma
específica de atividade, uma forma “significante”, ou seja, que confere um sentido à determinada
ação. Todo jogo significa alguma coisa, o que implica na “presença de um elemento não material em
sua própria essência” (idem, pp. 3-4). Além disso, sinaliza que o jogo também possui uma função
36

social, isto é, sua importância não está restrita ao individual, mas estende-se à sociedade como um
todo. Dessa forma, Huizinga considera que o jogo compõe amplamente a existência do homem,
estando presente em seu cotidiano de modo forte e onipresente.

Para o referido autor, as grandes atividades arquetípicas da sociedade humana são marcadas
pelo jogo, cita como exemplo a linguagem, um “instrumento” criado pelo homem, que torna possível
a comunicação, o ensino e o comando:

Na criação da fala e da linguagem, brincando com esta maravilhosa faculdade de designar, é


como se o espírito estivesse constantemente saltando entre a matéria e as coisas pensadas.
Por detrás de toda expressão abstrata se oculta uma metáfora, e toda metáfora é jogo de
palavras. Assim, ao dar expressão à vida, o homem cria um outro mundo, um mundo
poético, ao lado da natureza (Huizinga, 1980, p. 7).

Dessa forma, o autor considera a linguagem como uma expressão abstrata, por trás da qual
se oculta uma metáfora ou “jogo de palavras” (idem). É por meio dela que o homem cria outro
mundo, ao lado da natureza. Além da linguagem, o autor também traz como exemplo o mito e o
culto, a partir dos quais se originam as grandes forças instintivas da vida civilizada: o direito e a
ordem, o comércio e o lucro, a indústria e a arte, a sabedoria, a poesia e a ciência. Huizinga observa
que todas estas forças têm raízes no solo primevo do jogo. Em todas as invenções da mitologia, por
exemplo, há um espírito de fantasia que joga no “extremo limite entre a brincadeira e a seriedade”
(idem), em que ocorre uma “imaginação” ou transformação do mundo exterior. Ao observar o
fenômeno do culto, o autor verifica que as sociedades primitivas celebram seus ritos sagrados, suas
consagrações e sacrifícios em um espírito de puro jogo.

Ainda com base em Huizinga (1980, p. 11), uma das características fundamentais do jogo é
o fato de ser livre, de ser ele próprio liberdade. Outra característica, relacionada com a primeira, é
que o jogo pode ser considerado como uma evasão da vida “real” para uma atividade temporária
com orientação própria. Para ele, a característica de “faz de conta” presente no jogo pode expressar
uma inferioridade desta atividade com relação à seriedade da vida “real”. Todavia, ressalta que não
há um contraste nítido entre a seriedade e o jogo: “É possível ao jogo alcançar extremos de beleza e
de perfeição que ultrapassam em muito a seriedade” (idem). Com isso, pode-se notar que Huizinga
faz um estudo aprofundado do jogo como um fenômeno fundamental da cultura, através da análise
de suas relações com a linguagem, poesia, culto, mitologia, dentre outras grandes atividades da
cultura humana.

Brougère (2010b, p. 96), menciona a mudança de perspectiva sobre a concepção de criança


e, consequentemente, da brincadeira no início do século XIX. O autor relaciona esta mudança com o
37

período histórico do Romantismo. Antigamente, a brincadeira era considerada, muitas vezes, como
fútil, tendo como única função a distração, recreio (Daí o papel delegado à recreação), assim como
também era julgada nefasta. No período do Romantismo, ao contrário, Brougère aponta que:

são exaltados os comportamentos naturais que expressam uma verdade mais essencial do
que as verdades racionais dos conhecimentos constituídos. A criança surge como se
estivesse em contato com uma verdade revelada que lhe desvenda o sentido do mundo de
modo espontâneo e o contato social pode destruir esta primeira verdade. A criança, que está
próxima do poeta, do artista, exprime um conhecimento imediato que o adulto terá
dificuldades para encontrar (idem, pp. 96-97).

Neste sentido, a espontaneidade natural da criança passa a ser valorizada, de forma a


conduzir a uma reavaliação da brincadeira, que aparece como o comportamento por excelência
dessas crianças com grande potencial interior. Segundo o autor, o aparecimento da valorização da
brincadeira se apoia no mito de uma criança portadora de verdade. Ressalta que não foi a razão que
colocou a brincadeira no centro da educação da criança pequena, mas a exaltação da naturalidade,
uma filosofia que se impôs em ruptura com o racionalismo das Luzes. Assim, infere-se que foi o
Romantismo que ofereceu o cenário que possibilitou pensar numa valorização da brincadeira
infantil.

Em suas pesquisas sobre o funcionamento social e simbólico do brinquedo, Brougère


considera o mesmo como produto de uma sociedade dotada de traços culturais específicos:

Por um lado, o brinquedo merece ser estudado por si mesmo, transformando-se em objeto
importante naquilo que ele revela de uma cultura. De outro lado, antes de ter efeitos sobre o
desenvolvimento infantil, é preciso aceitar o fato de que ele está inserido em um sistema
social e suporta funções sociais que lhe conferem razão de ser. Para que existam brinquedos
é preciso que certos membros da sociedade deem sentido ao fato de que se produza,
distribua e consuma brinquedos. (Brougère, 2010b, pp. 7-8)

Com isso, o autor enfatiza a dimensão social do brinquedo, a partir da qual se produz um
sentido para sua fabricação, distribuição e consumo. Para ilustrar esta dimensão, Brougère cita os
presentes, em particular o presente de natal. Caso a comemoração natalina não existisse, este objeto
teria a mesma função social? Uma das funções sociais do brinquedo, para o autor, é a de ser o
presente destinado à criança, independentemente do uso que ela fará dele. O sistema de produção e
distribuição social, por sua vez, concebe e difunde o brinquedo, de modo que ele possa responder a
esta função. Um exemplo pode ser a intensa propaganda e divulgação em torno dos brinquedos
durante a época do Natal, que ocorre nas lojas, televisão, outdoors, dentre outros meios.
38

Brougère (idem, p. 12) considera importante delimitar o que é legítimo denominar de


brinquedo, tomando como apoio o uso comum da palavra. Ao contrário dos jogos, o brinquedo não
parece ser definido por uma função precisa: trata-se de um objeto que a criança manipula livremente,
sem condicioná-lo às regras ou a princípios de utilização de outra natureza. Além disso, de acordo
com o autor, o brinquedo caracteriza-se como um objeto infantil, então, falar em brinquedo para
adultos torna-se, quase sempre, um motivo de “zombaria”. Por outro lado, o jogo não se restringe a
uma faixa etária, isto é, pode ser destinado a crianças e adultos. Pode-se dizer que a função do
brinquedo é a brincadeira, deste modo, define-se seu uso com precisão. Contudo, conforme
ressaltado por Brougère, a brincadeira escapa a qualquer função precisa e, é justamente este fato que
a definiu, tradicionalmente, em torno de ideias de futilidade ou gratuidade. A brincadeira, por ser
uma atividade livre, não pode ser delimitada, ou seja, lhe falta uma definição precisa de utilidade.
Por exemplo, é possível definir, a priori, qual é a função de uma brincadeira de “casinha”? Assim,
Brougère (idem, p. 14) chega à seguinte proposição: “no brinquedo, o valor simbólico é a função”,
que define a lógica da brincadeira, uma vez que o brincar associa ação e ficção. A brincadeira
estende seu valor à dimensão simbólica, isto é, ao sentido dado à ação no brincar. O brinquedo, por
sua vez, estimula a brincadeira abrindo possibilidades de ações coerentes com a representação.
Conforme demonstrado no texto (idem, p. 16), uma boneca que representa um bebê pode despertar
atos de carinho, de cuidado, de trocas de roupa, banho, dentre outros atos relacionados à
maternidade. Porém, não há no brinquedo uma função de maternidade, o que está em jogo é uma
representação que ocorre em um meio social de referência. É justamente por isso, que o autor
considera o brinquedo como um objeto “extremo”, tendo em vista que o valor simbólico ultrapassa
sua função.

Brougère (2010b, p. 65) destaca, ainda, o papel na da brincadeira na socialização das


crianças, ao apontar que esta atividade permite a apropriação dos códigos culturais. Vale ressaltar
que o autor (idem) entende a socialização como:

o conjunto dos processos que permitem à criança se integrar ao „socius‟ que a cerca,
assimilando seus códigos, o que lhe permite instaurar uma comunicação com os outros
membros da sociedade, tanto no plano verbal quanto no não verbal (p. 66).

Dessa forma, os brinquedos são considerados, por Brougère, vetores importantes no


processo de socialização e, consequentemente, de apropriação e recriação da cultura.

Outro pesquisador central ao tema da brincadeira no cenário contemporâneo é William


Corsaro, que estuda o processo de socialização e realiza pesquisas referentes à sociologia da
39

infância, cultura de pares, relações adulto-criança e criança-criança. Este autor desenvolve uma
abordagem interpretativa da socialização da infância, que denomina de reprodução interpretativa.
Em tal abordagem:

as crianças começam a vida como seres sociais inseridos numa rede social já definida e,
através do desenvolvimento da comunicação e linguagem em interação com outros,
constroem seus mundos sociais (Corsaro, 2002, p. 114).

Assim, seria por meio destes “microprocessos” (idem), ou seja, por meio de uma interação
das crianças com seus cuidadores / responsáveis e com seus pares, que uma noção de
desenvolvimento social poderia se tornar visível. Em sua abordagem, o autor considera a
socialização como um processo “produtivo-reprodutivo” (idem), isto é, ao mesmo tempo em que
produz algo novo, a socialização também reproduz modos de ser já existentes. Para Corsaro, o
movimento das crianças para fora de seu meio familiar é uma mudança de grande importância:

Através da interação com os colegas no contexto pré-escolar, as crianças produzem a


primeira de uma série de culturas de pares nas quais o conhecimento infantil e as práticas
são transformadas gradualmente em conhecimento e competências necessárias para
participar do mundo adulto (Corsaro, 2002, p. 114).

O termo cultura de pares, empregado pelo autor, refere-se a uma criação e produção, pelas
crianças, de seus próprios mundos coletivos. Embora sejam afetadas pelo mundo adulto, na cultura
de pares as crianças possuem sua própria autonomia. Entrevistado por Müller (2007, p. 275),
pesquisadora da infância em contextos urbanos, Corsaro aponta que qualquer grupo coletivo de
crianças, que constitui uma cultura de pares, representará uma geração particular em determinado
período histórico. Então, o autor define a cultura de pares como um conjunto de atividades ou
rotinas, valores, artefatos e interesses que as crianças produzem e compartilham no momento de
interação com seus pares.

Assim, ao interagirem entre si, as crianças pequenas apropriam-se criativamente das


informações do mundo adulto para produzir a sua própria cultura. Segundo Corsaro (2002, pp. 114-
115), tal apropriação é criativa na medida em que expande a cultura de pares, ou seja, transforma a
informação proveniente do mundo adulto de acordo com as necessidades do mundo dos pares, como
também contribui para a reprodução e recriação da cultura adulta. Assim, na visão deste autor, o
processo de socialização infantil caracteriza-se por ser reprodutivo, uma vez que as crianças não só
internalizam individualmente a cultura adulta que lhes é externa, mas também se tornam parte dessa
cultura. Entretanto, não se trata apenas de uma mera imitação de papéis desempenhados pelos
adultos, mas sim de uma reprodução que compõe a atividade criativa da criança. Isto quer dizer que
40

as brincadeiras de faz de conta ou o “brincar sociodramático”, na terminologia de Corsaro, permitem


que as crianças possam se perceber como integrantes da sociedade: pais, mães, filhos, professores,
motoristas, médicos, entre outros. Dessa forma, para o autor em foco, as crianças reproduzem a
cultura adulta por meio da produção criativa de uma série de culturas de pares com outras crianças.
Quando uma criança brinca de escolinha, por exemplo, ela representa papéis de professores, alunos e
outras figuras importantes presentes na escola. É assim que a criança se apropria e, simultaneamente,
recria o mundo adulto, uma vez que, através do empenho em tal atividade, ela tem a possibilidade de
compreender e vivenciar as relações sociais. Conforme aponta Faria (2009, p. 53), é possível
perceber que a criança necessita agir em relação aos objetos e ao mundo adulto, porém, diante da
impossibilidade de executar estas ações, é no faz de conta que tais ações podem se concretizar.
Assim, se a criança deseja ocupar o lugar de professor, pode imaginar-se como tal em uma
brincadeira de faz de conta, enquanto desempenha o papel de ensinar seus bonecos ou companheiros
de brincadeira. No entanto, é importante relembrar que, conforme aponta Vigotski (2008, p. 26), a
brincadeira de faz de conta não se trata apenas de uma mera substituição mecânica de um desejo não
realizado, mas deve-se levar em consideração a existência de afetos generalizados, isto é, uma
expressão geral de características pessoais e singulares de cada brincante durante o faz de conta.

Em convergência com os autores citados, Borba (2009, p. 71) considera o brincar como
uma experiência de cultura, na medida em que valores, conhecimento, habilidades e modos de
participação social são constituídos e reinventados pela ação de um grupo de crianças:

A brincadeira é em si mesma um fenômeno de cultura, uma vez que se configura como um


conjunto de práticas, conhecimentos e artefatos construídos e acumulados pelos sujeitos nos
contextos históricos e sociais em que se inserem. Representa, dessa forma, um acervo
comum sobre o qual os sujeitos desenvolvem atividades conjuntas. Além disso, o brincar é
um dos pilares da constituição das culturas da infância, compreendidas como significações
e formas de ação social específicas que estruturam as relações das crianças entre si, bem
como os modos pelos quais interpretam, representam e agem sobre o mundo. (Borba,
idem).

Assim, nesta visão, o ato de brincar é entendido como, simultaneamente, produto e prática
cultural, ou seja, é uma ação constituída pelo meio cultural no qual está inserida e, ao mesmo tempo,
age sobre este meio e o transforma. Isto quer dizer que, para Borba, a cultura infantil torna a
brincadeira possível, porém, é neste mesmo espaço social do brincar que ela emerge e é enriquecida.

Ainda de acordo com Borba (2007, p. 34), a criança incorpora a experiência cultural e
social do brincar por meio das relações que estabelece com os outros (adultos e crianças). Tal
experiência não é simplesmente reproduzida, mas recriada a partir do poder da criança em produzir
41

cultura, reinventar, criar e imaginar. Dessa forma, a criança traz uma real possibilidade de mudança
e renovação da experiência humana que, muitas vezes, é negligenciada pelos adultos.

A partir do exposto, nota-se o quanto as relações sociais e a cultura estão diretamente


relacionadas com o brincar. A criança aparece, então, como um sujeito ativo e competente para
transformar e recriar o mundo que a cerca. Além disso, é importante considerar que os diferentes
espaços culturais e geográficos podem implicar em diferentes formas de brincar. O modo de brincar
das crianças de cidades grandes, muitas vezes, difere-se do modo das crianças de cidades rurais, por
exemplo. Pode-se dizer, também, que a brincadeira é marcada, ao mesmo tempo, por uma
continuidade e mudança, que se expressam ao longo das gerações. No tópico a seguir, será analisada
a forma como o modo de funcionamento da sociedade contemporânea participa e modula as
brincadeiras das crianças.

4.1 CULTURA LÚDICA, MÍDIA E INFÂNCIA

Com o passar das décadas, a cultura se transforma e, portanto, também, a infância e as


formas de brincar. Por mais que a essência do ato de brincar possa permanecer, os afazeres e
brincadeiras das crianças contemporâneas diferem em diversos aspectos das brincadeiras e
atividades das crianças de décadas atrás. Com o surgimento da televisão, computador, vídeo game,
dentre outros aparelhos eletrônicos, por exemplo, foi proporcionada às crianças uma diferente
relação com o brincar, muitas vezes, pautada no consumo. Diante de tantas inovações tecnológicas,
brinquedos industrializados, coloridos e repletos de atrativos, qual o lugar da brincadeira de faz de
conta nos dias de hoje?

Brougère (2010b, p. 18), ressalta que o aspecto simbólico do brinquedo está sempre
atrelado ao contexto econômico no qual evolui. O fato de o brinquedo ser objeto de publicidade em
diversos países influencia o que ele representa e o significado que possui para seu público alvo. Por
exemplo, um simples carrinho pode ter um enorme significado para as crianças quando vinculado
pela publicidade a determinado filme ou desenho animado. Nas últimas décadas (idem, p. 53), a
mídia tem desempenhado um papel significativo na sociedade contemporânea, tanto entre os adultos
quanto entre as crianças. Brougère (idem) utiliza o termo cultura lúdica para designar:
42

uma estrutura complexa e hierarquizada, constituída (essa lista está longe de ser exaustiva)
de brincadeiras conhecidas e disponíveis, de costumes lúdicos, de brincadeiras individuais,
tradicionais ou universais (se isso pode ter sentido) e geracionais (próprias a uma geração
específica). Essa cultura inclui, ainda, um ambiente composto de objetos e, particularmente,
de brinquedos. (p. 53-54)

Assim, a cultura lúdica não é fechada em torno de si própria, mas integra elementos
externos que influenciam a brincadeira, tais como: cultura, meio social, atitudes e capacidades. O
brinquedo, por sua vez, contribui para o desenvolvimento desta cultura, inserindo-se na brincadeira
como um objeto de apropriação. Ou seja, o brinquedo é envolvido pela cultura lúdica disponível, por
meio de práticas de brincadeiras anteriores. Para brincar e atuar como brincante, a criança deve
partilhar da cultura lúdica própria ao jogo ou brincadeira em que se insere. Seja em casa, na escola
ou em algum outro ambiente que costuma frequentar, a criança extrai diferentes elementos e
apropria-se de diversos aspectos de sua cultura lúdica, que está aberta a transformações.

Conforme os estudos de Souza e Salgado (2009, p. 210), a cultura lúdica contemporânea é


fortemente atravessada pela convergência entre as mídias. Grande parte das brincadeiras dos dias de
hoje constituem-se atreladas aos desenhos animados, videogames, filmes, brinquedos
industrializados, revistas, etc. Neste sentido, a cultura lúdica é tecida no entrecruzamento de
informações, saberes e significados que circulam em diversos suportes tecnológicos. No entanto,
segundo Souza e Salgado (idem, pp. 211-212), para fazer parte da cultura lúdica contemporânea,
certos requisitos são necessários. Assim, a criança, em meio ao universo tecnológico, precisa
construir competências para ser aceita e reconhecida como membro de determinada comunidade
lúdica. Alguns requisitos necessários para ingressar em uma cultura lúdica são: buscar, discriminar e
avaliar informações, aprimorar conhecimentos e consumir produtos (de preferência os mais raros e
difíceis de serem adquiridos), com o intuito de superar os que já existem. Um exemplo disto são os
desenhos animados que estão altamente presentes no cotidiano das crianças. Quanto mais uma
criança conhecer um desenho popular, buscar informações e consumir produtos relacionados a ele,
mais ela estará integrada em determinada cultura lúdica.

Mediante os requisitos acima citados, práticas de exclusão, segregação e discriminação


também são criadas (idem, p. 212). Aqueles que não compartilham destas regras estão fora das
complexas ramificações da rede que conectam a criança com o mundo dos brinquedos. Além disso,
ter um currículo que abarca todas as atividades, informações e conhecimento necessários para
participar desta cultura lúdica não é para todos, existem algumas contradições:
43

Ao mesmo tempo em que aparece como global e integradora, mantendo conectadas crianças
de diferentes regiões do mundo, culturas, línguas, credos e raças, essa cultura discrimina
aquelas crianças que, por estarem longe do acesso ao mundo digital, desenhado por
computadores, internet, videogames e brinquedos de última geração, não podem participar
de todos os links que a compõem e, assim, não possuem o currículo que confere titularidade
ao membro efetivo dessa comunidade lúdica. (Souza & Salgado, 2009, p. 213)

Assim, pode-se observar que, embora seja caracterizada como “global” e integradora, a
cultura lúdica contemporânea também é fortemente fragmentada e hierarquizada, o que explica a
dificuldade de muitas crianças de se integrarem a uma determinada cultura lúdica.

Carvalho e Pontes (2003, p. 19), apontam que, à primeira vista, em um mundo moderno e
tecnológico, que transborda informações e estímulos, os brinquedos e as formas de brincar mudaram
muito. Mas, na visão dos autores, isto é parcialmente verdade, ainda mais quando o foco é
direcionado às crianças urbanas de classe média e alta. Neste segmento, muitas brincadeiras
tradicionais deixaram de ser praticadas. É raro ver, por exemplo, uma criança do centro de São Paulo
brincando com bonecos de madeira ao invés de jogos eletrônicos. Em contrapartida, em cidades
pequenas ou do interior, podem ser encontrados grupos de crianças que brincam na rua e constroem
seus próprios brinquedos.

Apesar de possuir certa autonomia e um ritmo próprio, a cultura lúdica só pode ser entendida
na interdependência com a cultura global de uma determinada sociedade. Para compreendê-la, é
importante levar em consideração as diferenças de gerações, idades, meio social, nações e regiões.
Brougère (2010b, p. 55-56) destaca a influência direta da televisão nas brincadeiras infantis. Para
ele, este meio de comunicação oferece às crianças, que pertencem a ambientes diferentes, uma
linguagem comum e referências únicas. Em um exemplo citado no texto (idem, p.58), a referência a
um herói de desenho animado pode unir as crianças numa brincadeira em pé de igualdade, em que
desempenham papéis a partir do que conhecem do referido herói. Assim, uma criança que assiste
televisão não se limita a receber passivamente os conteúdos, mas reativa-os e se apropria deles por
meio de suas brincadeiras, de modo idêntico à apropriação de papéis familiares e sociais nas
brincadeiras de imitação ou faz de conta. Isto não significa que a cultura lúdica da criança esteja
totalmente submissa à influência da televisão, uma vez que esta cultura está impregnada de tradições
diversas (idem, p. 55-56). Nela, podemos encontrar brincadeiras tradicionais no sentido estrito, que
passam de geração em geração e repetem-se com especificidades regionais em inúmeros ambientes
socioculturais ao longo da história humana. Como exemplo disso, podem ser citadas as brincadeiras
de casinha, pique-esconde, pique-pega, bola de gude, amarelinha, soltar pipa, peão, jogos de bola,
dentre outras. Estes jogos podem ser considerados, sob este aspecto, parte do repertório cultural
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humano, assim como determinados ritos e certas estruturas básicas de organização social (Carvalho
& Pontes, 2003, p. 18). Porém, com o passar do tempo e, dependendo da região, novos conteúdos
podem ser incorporados a tais brincadeiras, em particular os originados pelas inovações
tecnológicas, que se inserem em estruturas anteriormente disponíveis e dominadas pelas crianças.
Assim, as brincadeiras tradicionais de casinha podem ganhar novos elementos, como peças
sofisticadas e coloridas, baseadas em personagens de desenhos animados, por exemplo, casinha da
boneca Polly e da boneca Barbie. Com isso, para Brougère (2010b, p. 63), não haveria uma oposição
radical, mas uma relação de complementaridade, de afetação recíproca entre as brincadeiras
tradicionais e aquelas influenciadas pela televisão, já que a cultura viva é um processo dinâmico que
se constitui também durante o desenrolar das brincadeiras. Em outras palavras, as brincadeiras
presentes no mundo tecnológico se entrelaçam às tradicionais, trazendo novos sentidos e elementos
às formas de brincar existentes. Por outro lado, se direcionarmos o olhar para crianças que vivem em
um local onde existe pouco ou nenhum contato com a tecnologia, será possível observar outras
formas de apropriação e recriação de objetos diferentes dos tecnológicos, mas que fazem parte de
suas vivências cotidianas e, portanto, integram a cultura na qual estão inseridas.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Grande é a poesia, a bondade e as danças... Mas o melhor do mundo são as crianças .


Fernando Pessoa (2007)

Ao finalizar este trabalho, pode-se inferir, com base na literatura analisada, que a
brincadeira de faz de conta possui um papel de extrema importância no desenvolvimento das
crianças pequenas. Na medida em que propicia à criança experiências de interação com seus pares, e
com parceiros de diferentes idades, a brincadeira também participa de modo significativo da
inserção da criança na cultura. Além disso, possui importante função no desenvolvimento da
capacidade criativa e imaginativa, ampliando as possibilidades de ação para além dos limites do aqui
e agora, isto é, o trânsito pelas dimensões do passado e do futuro.

A análise da perspectiva histórico-cultural de Vigotski possibilitou compreender a


brincadeira de faz de conta enquanto um elemento central no desenvolvimento psíquico da criança
pequena, tendo em vista sua participação na criação de zonas de desenvolvimento proximal. Assim,
entende-se sua argumentação quanto à formação social da mente.

Através da articulação das obras de Vigotski com outros autores, percebeu-se o papel e o
valor da interação das crianças entre si em situação de brincadeira de faz de conta, como contextos
que permitem a construção e o desempenho de papéis e, consequentemente, construção de
significações. Dessa forma, o brincar participa da compreensão, recriação da cultura e, portanto, da
inserção das crianças nesta.

Assim, com base em Oliveira, por exemplo, é possível dizer que, por meio do brincar, a
criança recria as regras contidas nos atos sociais e nas regulações culturais. Isso ocorre a partir de
uma experimentação de vários papéis no brincar, o que permite à criança perceber consequências
dos modos de agir. Com isso, internalizam regras de conduta e desenvolvem valores.

Verificou-se, então, que a brincadeira de faz de conta não se restringe a um mundo


imaginário, desconectado do real. De modo diverso, com Vigotski, compreendeu-se a existência de
uma relação recíproca entre imaginação e realidade, na medida em que aquela é base de toda a
atividade criadora humana, manifestando-se em todos os campos da vida cultural, o que inclui
Ciência, tecnologia e Artes. A realidade é, portanto, enriquecida pela imaginação. Assim, no brincar,
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uma nova realidade é criada com base nas impressões vivenciadas pelas crianças em determinada
situação.

Além disso, a partir das análises de Huizinga, Corsaro, Brougère e Borba sobre o brincar,
verificou-se o modo como os contextos social e cultural encontram-se articulados nele. A
brincadeira de faz de conta aparece, assim, dentro de um processo de construção de relações
interindividuais organizadas através da cultura. Por meio de sua inserção progressiva no universo do
brincar, a criança passa a compreender, se apropriar e dar um sentido às suas próprias vivências
cotidianas.

Um olhar para a relação entre sociedade contemporânea e brincadeira apontou para a


existência de uma maciça divulgação, por meio da mídia, de brinquedos com as mais diversas
especificidades e tecnologias. Isto tem proporcionado às crianças uma relação diferente com o
brincar, pautada em um consumo desenfreado. No entanto, Brougère sinaliza que as brincadeiras
presentes no mundo tecnológico não se opõem radicalmente às tradicionais brincadeiras de faz de
conta, mas trazem um novo sentido e introduzem elementos diferentes às formas de brincar já
existentes.

Vale mencionar que as formas do brincar são intensamente heterogêneas e variam de


acordo com uma série de fatores, como o ambiente familiar e escolar da criança, as condições
econômicas, além do espaço geográfico, sendo fundamental levar em conta esta diversidade nas
análises sobre a brincadeira de faz de conta.

Em estudos posteriores, pretendo enfocar a brincadeira de faz de conta no mundo


contemporâneo, marcado pela relação entre mídia e consumo, pela falta de espaços públicos que
possibilitem brincadeiras ao ar livre e pelo binômio falta-aceleração do tempo.
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