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[Traduzido por]
Agemir Bavaresco, Alceu R. Ferraro. Ed. Universidade Católica de Pelotas. UCPEL,
Pelotas, 2002.
INTRODUÇÃO
[...]não é preciso espantar-se com a dificuldade que se tem para definir o que seja uma política
pública. Na literatura especializada, as definições vão desde a qualificação mínima, “tudo o que
o governo decide fazer ou não fazer” (Howllet, Ramesh, 1995, p.4), até definições mais
completas, em que a política pública se apresenta como um programa de ação governamental
num setor da sociedade ou num espaço geográfico: a saúde, a seguridade, os trabalhadores
imigrados, a cidade de Paris, a Comunidade européia, o oceano Pacífico etc.” (Mény, Thoenig,
1989, p.130-131). (p. 13)
[...]toda ação pública, em qualquer nível que seja, e qualquer que seja o domínio a que se
refere, entra no campo da análise das políticas públicas. (p. 13)
A maioria dos autores propõem elementos que permitam especificar um pouco a noção de
política pública. Pode-se agrupar esses elementos sob três grandes rubricas: uma política
pública constitui um quadro normativo de ação; ela combina elementos de força pública e
elementos de competência [expertise]; ela tende a constituir uma ordem local. (p. 13)
Uma política pública é formada, inicialmente, por um conjunto de medidas concretas que
constituem a substância “visível” da política. Esta substância pode ser constituída de recursos:
financeiros (os créditos atribuídos aos ministérios), intelectuais (a competência que os atores
das políticas são capazes de mobilizar), reguladores (o fato de elaborar uma nova
regulamentação constitui um recurso novo para os tomadores de decisão), materiais. Ela é
também constituída de “produtos”, isto é, de outputs reguladores (normativos), financeiros,
físicos. (p. 14)
Para remediar esses problemas, que diziam respeito igualmente às divisões com base no
modelo territorial (Smith, 1996; Faure, 1997; Le Galès, 1998), foram aplicados outros critérios
de diferenciação, mais consentâneos com o modo de proceder sociológico. (p. 14)
De modo especial a noção de sistema de ação, tirada do arsenal conceptual da sociologia das
organizações, que repousa sobre a identificação de um espaço de trocas, finalizado entre
atores, constitutivo de relações de poder em função dos recursos mobilizados (Crozier,
Friedberg, 1977; Zan, Ferrante, 1996). Retomada por Sabatier, esta perspectiva geral permite
distinguir subsistemas de políticas públicas, isto é, “o grupo de pessoas e/ou de organizações
que interagem de maneira regular, em períodos superiores ou iguais a uma década, com o
objetivo de influenciar a formação e implementação de políticas públicas dentro de um
domínio dado” (Sabatier, 1997, p. 15). (p. 15)
Para que se esteja na presença de uma política, é necessário que seja igualmente definido, pelo
menos como tendência, um quadro geral de ação. Richard Rose propõe que, para tal fim, se
utilize a noção de programa de ação governamental (Rose, 1985), definida como “uma
combinação específica de leis, de atribuições de créditos, de administrações e de pessoal
voltados para a realização de um conjunto de objetivos mais ou menos claramente definidos”
(Rose, Davies, 1994, p.54) (p. 15)
[...]para que uma política pública “exista”, é preciso que as diferentes declarações e/ou
decisões sejam reunidas por um quadro geral de ação que funcione como uma estrutura de
sentido, ou seja, que mobilize elementos de valor e de conhecimento, assim como
instrumentos de ação particulares, com o fim de realizar objetivos construídos pelas trocas
entre os atores públicos e privados. [...] (p. 16)
[...]os fins governamentais permanecerão fluidos, até ambíguos. Isto significa que, também lá,
os objetivos da ação pública não são dados, mas devem constituir o objeto de um trabalho de
identificação e reconstrução pelo pesquisador, através, por exemplo, do estudo das reuniões
interministeriais preparatórias à decisão ou dos debates parlamentares. (p. 16)
Além do mais - segunda dificuldade - coloca-se a questão de saber quem define as normas da
ação pública: é o governo, os partidos, os eleitores ou... o pesquisador que, fazendo o estudo
de uma política, vai, de modo mais ou menos consciente, reconstruir a estrutura normativa do
programa governamental que ele observa? (p. 16)
[...]terceira dificuldade, isto não quer dizer que, para que haja política pública, todas as
medidas em questão devem ser reunidas num quadro normativo e cognitivo perfeitamente
coerente. Se tal fosse o caso, isto significaria dizer que, sem dúvida, não existiria jamais
“verdadeira” política pública. (p. 16-17)
Pelo contrário, uma vez quer se queira compreender os resultados da ação pública, é
indispensável tomar-se consciência do caráter intrinsecamente contraditório de toda política.
Quando se examinam as políticas de saúde, por vezes se encontram, por exemplo, ações que
encorajam o acompanhamento médico das mulheres grávidas e, de forma paralela, medidas
destinadas a limitar as despesas médicas. (p. 17)
O analista deve, portanto, manter-se à distância entre duas posições extremas que constituem
dois impasses para a compreensão da ação pública. (p. 17)
O primeiro consiste em considerar que somente se está na presença de uma política pública a
partir do momento em que as ações e as decisões estudadas formam um todo coerente, o que
não acontece jamais. O segundo impasse teórico e metodológico consiste em negar qualquer
racionalidade da ação pública, em vista das múltiplas incoerências que ela manifesta. Para sair
dessa dificuldade, o trabalho de análise deve esforçar-se para colocar à luz as lógicas de ação e
em ação as lógicas de sentido no processo de elaboração e de implementação das políticas. (p.
17)
O problema aqui colocado repousa sobre a identificação dos elementos que fundamentam a
especificidade da ação do Estado (p. 17-18)
[...]a resposta mais simples consiste em colocar em destaque o fato de que uma política
governamental compreende elementos de decisão ou de alocação de recursos de natureza
mais ou menos autoritária ou coercitiva. Encontra-se aqui a concepção weberiana do Estado
como detentor de um monopólio da violência física legítima [...] (p. 18)
[...]o uso da coerção não está previsto, como no caso das políticas redistributivas por exemplo,
a ação governamental tende a constituir detentores de direito, definindo critérios de renda
para a obtenção de uma ajuda social. (p. 18)
[...]Se uma política pública não deve ser simplesmente considerada como um conjunto de
decisões, é porque sua análise permanece ligada ao estudo dos indivíduos e/ou grupos, que
são os atores, homens políticos, funcionários de todos os níveis, grupos de interesse... Toda
política pública assume, de fato, a forma de um espaço de relações interorganizacionais que
ultrapassa a visão estritamente jurídica que se poderia ter a respeito: uma política pública
constitui uma “ordem local”, isto é, um “constructo político relativamente autônomo que
opera, em seu nível, a regulação dos conflitos entre os interessados, e assegura entre eles a
articulação e a harmonização de seus interesses e seus fins individuais, assim como dos
interesses e fins coletivos” (Friedberg, 1993). (p. 19)
Para estudar uma política pública, é preciso, ... portanto, levar em conta o conjunto dos
indivíduos, grupos ou organizações cuja posição é afetada pela ação do Estado num espaço
dado, aquilo que Cobb e Elder puderam chamar o “público” de uma política (Cobb, Elder,
1983). ). (p. 19)
[...]
1. O modo e a intensidade dessa participação podem ser muito variáveis de um espaço
de ação a outro e/ou de um período a outro. Com efeito, não há termo de comparação
entre a capacidade de influência dos fabricantes de automóveis e aquela dos
automobilistas, da mesma forma que a profissão agrícola disporá de meios de
influência bem superiores àqueles de que dispõem os habitantes do mundo rural . ). (p.
20)
2. De maneira conexa, coloca-se a questão de saber quais são os fatores que determinam
essa capacidade de influência. Esses fatores podem ser estruturais, quando dizem
respeito à posição do ator na divisão do trabalho própria ao setor. Eles podem também
depender da capacidade do grupo para constituir-se ator coletivo e mobilizar recursos
pertinentes. A aptidão de um ator coletivo, para influir no conteúdo ou na
implementação de uma política pública, pode, com efeito, variar fortemente em
função do grau de mobilização que é capaz de suscitar, como o mostram os exemplos
das coordenações e associações de "sem moradia" ou de "sem documentos" (Fillieule,
Péchu, 1993). ). (p. 20)
[...]útil distinguir, para a análise, o sentido explícito de uma política, o qual é definido
através dos objetivos proclamados pelos tomadores de decisão (quando eles existem) do
sentido latente, que se revela progressivamente ao longo de sua implementação [...](p. 21)
O trabalho do analista deve, portanto, levar em conta, ao mesmo tempo, as intenções dos
tomadores de decisão, mesmo se estas são confusas, e os processos de construção do
sentido na prática ao longo da fase de desenvolvimento da ação pública. [...](p. 21)
Quando se tenta sistematizar esta análise, pode-se distinguir três casos possíveis em que a
noção de não decisão pode revelar-se útil para a compreensão da ação pública [...](p. 22)
1. A não decisão intencional corresponde a uma situação em que é possível mostrar que
com certeza houve vontade da parte dos atores político-administrativos de não decidir.
[...](p. 22)
2. 2. A não decisão controvertida corresponde a uma situação em que o problema em
causa é objeto de controvérsia pública muito viva, para que possa gerar as condições
de produção e/ou de legitimidade de uma ação pública. [...](p. 23)
3. 3. A não execução corresponde a um caso no qual uma política, decidida num certo
nível, deve ser objeto de decisões específicas tomadas por um ou mais níveis político-
administrativos diferentes [...](p. 23)
A maior parte dos estudos de políticas públicas foram, durante muito tempo, estruturados pela
abordagem seqüencial (Jones, 1970), que permanece, aliás, um conjunto pertinente de meios
heurísticos [...]ela consiste em separar as políticas em uma série de seqüências de ação, que
correspondem ao mesmo tempo a uma descrição da realidade e à criação de um tipo ideal de
ação pública. Estas seqüências, geralmente em número de cinco ou seis, permitem
acompanhar o desenvolvimento de uma política, através de um certo número de etapas
(stagist approach [...]Ao longo de cada uma dessas fases, tudo se passa como se os atores
participantes do processo político devessem resolver enigmas sucessivos, sabendo que as
respostas vão definir pouco a pouco os contornos da política pública. [...](p. 25):
1. A colocação na agenda (agenda setting) leva os atores a identificar e/ou a definir e/ou
a construir o problema a tratar. Ela marca as condições de gênese da ação pública e
segue uma multidão de caminhos possíveis, de acordo com o input inicial (catástrofe
natural, motim, revelação dos números do desemprego... ). [...](p. 25)
[...]as políticas públicas não servem para "resolver" os problemas [...](p. 28)
[...]os problemas são "resolvidos" pelos próprios atores sociais através da implementação de
suas estratégias, a gestão de seus conflitos e, sobretudo, através dos processos de
aprendizagem que marcam todo processo de ação pública. [...](p. 28)
[...]as políticas públicas têm como característica fundamental construir e transformar os
espaços de sentido, no interior do quais os atores vão colocar e (re-)definir os "seus"
problemas, e "testar" em definitivo as soluções que eles apóiam. Fazer uma política pública
não é, pois, "resolver" um problema, mas, sim, construir uma nova representação dos
problemas que implementam as condições sociopolíticas de seu tratamento pela sociedade e
estrutura, dessa mesma forma, a ação do Estado [...](p. 28)
[...]uma política pública constitui uma ordem local, isto é, um sistema concreto de ação no
interior do qual os atores vão mobilizar recursos diversos (técnicos, organizacionais...) a serviço
de estratégias complexas de poder, que visam a realizar os objetivos mais ou menos explícitos e
mais ou menos construídos [...](p. 28)
Como diz Hegel com vigor, a ação do Estado transcende os múltiplos interesses particulares da
sociedade civil, para colaborar na definição de um interesse comum, do qual se encontra a
imagem na noção francesa de interesse geral. [...](p. 32)
Na teoria marxista, é, portanto, a aparição das classes e suas lutas constantes que explicam a
gênese e a evolução do Estado, o que significa que - como o escreve Lenin - o desaparecimento
das classes deve levar automaticamente “a extinção” do Estado [...](p. 32)
Weber; Estado é então definido como “uma empresa política de caráter institucional, logo que
e na medida em que sua direção administrativa reivindica com sucesso, na aplicação dos
regulamentos, o monopólio da força física legítima [...](p. 33-34)
[...]se organizar ao redor da idéia, segundo a qual o Estado é o resultado de processos sociais
irredutíveis. Longe de modelar a sociedade, o Estado é, pois, o produto da interação entre os
grupos livremente formados, e constitui uma forma de “véu” totalmente permeável aos
interesses e à competição dos grupos que caracterizam as lógicas sociais [...](p. 35)
[...]Para os defensores do paradigma pluralista, o conteúdo de uma política será o resultado das
diferentes pressões exercidas pelos grupos de interesse envolvidos. [...](p. 35)
O neo-institucionalismo
[...]o neo-institucionalismo leva a colocar o acento sobre duas dimensões importantes da ação
pública nas sociedades complexas [...](p. 39)
Para March e Olsen, “a política é considerada como uma forma de educação, um lugar de
descoberta, de elaboração e de expressão do sentido, estabelecendo concepções partilhadas
(ou opostas) da experiência, dos valores e da natureza da existência. Ela é simbólica, não no
sentido recente dos símbolos, como meios que permitem aos poderosos manipular os fracos,
mas antes, no sentido dos símbolos, como instrumento de uma ordem interpretativa” (March,
Olsen, 1989, p. 48) [...](p. 40)
[...]Na abordagem neo-institucionalista aparece, assim, uma dupla crítica das abordagens
“canônicas” do paradigma pluralista. A primeira concerne à relação entre os processos saídos
da sociedade civil (estratégias individuais ou micro-sociais, grupos de interesse, setores...) e os
processos estatais (gênese das instituições e das políticas públicas): para os neo-
institucionalistas, as instituições não se deduzem dos comportamentos e das estratégias
individuais, mas repousam sobre as lógicas próprias que é preciso analisar e compreender. A
segunda crítica concerne à questão do sentido: o sentido da ação humana não é mais
produzido, de modo autônomo e decentralizado, pelos atores da sociedade civil, porque as
instituições (portanto o Estado e “suas” políticas) participam do trabalho de interpretação e de
explicação do mundo, sem o qual a ação dos indivíduos é desprovida de sentido. [...](p. 40-41)
Os três neo-institucionalismos
[...]os institucionalistas da escolha racional consideram com efeito que “os atores interessados
têm um conjunto determinado de preferências e de gostos [...], comportam-se de maneira
totalmente instrumental a fim de maximizar as chances de realização destas preferências, e o
fazem de uma maneira muito estratégica que pressupõe cálculos aprofundados” (Hall, Taylor,
1996, p. 944-945). ). [...](p. 43)
Três abordagens podem de modo especial ser isoladas nesta corrente geral, marcada pela
importância concedida aos valores, às idéias e às representações no estudo das políticas
públicas. [...](p. 45)
[...]existência de uma matriz cognitiva e normativa é, por isso mesmo, fonte de fronteiras, que
constituem um grupo e/ou uma organização e/ou um sub-sistema em si, mas ela está
igualmente na origem dos modos de articulação e de passagem destas “clausuras”, que
permitem aos defensores do paradigma ou do referencial pensar em relação a um conjunto
mais vasto [...](p. 48)
As lógicas de poder
O processo de construção de uma matriz cognitiva é, por isso mesmo, um processo de poder
pelo qual um ator faz valer e afirma seus próprios interesses. Uma relação circular existe com
efeito entre lógicas de sentido e lógicas de poder, através da qual
o ator constrói o sentido que toma o leadership do setor que afirma a sua hegemonia, tornando-
se legitimo o referencial ou o paradigma em conseqüência desta estabilização das relações de
força. [...](p. 49)
A produção de uma matriz cognitiva não é, portanto, um simples processo discursivo, mas uma
dinâmica intimamente ligada às interações e às relações de força que se cristalizam pouco a
pouco num setor e/ou num sub-sistema dado.
Ela alimenta, ao mesmo tempo, um processo de tomada de palavra (produção do sentido) e um
processo de tomada de poder (estruturação de um campo de forças). [...](p. 49)
[...]a gênese da ação pública é, então, dividida em três processos ideais, sob o aspecto analítico
distintos, que tratam respectivamente da problematização dos fenômenos sociais, da inscrição
formal na agenda e da influência eventual das “janelas políticas [...](p. 52)
Todo fenômeno social aparece de maneira mais ou menos aleatória e caótica, não podendo
nenhuma regra precisa determinar as condições e os processos de sua emergência. Disto
decorrem duas proposições complementares: (1) a impossibilidade que existe de antecipar, até
mesmo de classificar, todos os fenômenos sociais, explica que não existe nada que seja, por
natureza, excluído de toda possibilidade de inscrição na agenda política; [...](p. 53)
a) Os fatores cognitivos
De uma maneira geral, a importância da informação e dos instrumentos mobilizados
pelos atores públicos e privados no conhecimento dos fenômenos sociais é
freqüentemente assinalada como uma variável essencial na definição do quadro, da
natureza, e também do “momento” da ação pública [...](p. 58)
b) Os instrumentos retóricos
A definição do problema depende também de outros fatores fundados sobre as
condições de uso e de recepção das figuras e instrumentos retóricos mobilizados pelos
atores envolvidos. [...]Deborah Stone podia distinguir, por exemplo, quatro
modalidades essenciais de argumentos: (1) a produção de histórias, que se apoia sobre
as narrações puramente explicativas; (2) as sinédoques que consistem em tomar a
parte pelo todo, um modo útil quando se trata de generalizar os interesses particulares
(por exemplo, logo que os editores descrevem seus problemas como aqueles do “livro”
em geral); (3) as metáforas, que desenvolvem as similitudes supostas entre diferentes
elementos (a AIDS foi num momento definida como um “câncer homossexual”); (4) as
ambigüidades, pelas quais diferentes significações são evocadas de modo simultâneo.
Essas diferentes figuras retóricas têm por função conotar de forma mais ou menos
consciente um fenômeno de uma maneira particular, estabelecendo principalmente
conexões sugestivas, que vão definir um espaço de sentido [...](p. 58)
c) A dimensão normativa
[...]um dos elementos essenciais destas operações de construção social dos fenômenos
sociais reside na colocação em jogo da responsabilidade presumida dos atores
políticos. Para tornar-se efetiva e praticamente um problema público, um fenômeno
dado deve ser submetido a um trabalho de imputação, que associe à busca da
causalidade, a identificação dos atores públicos responsáveis, senão do próprio
problema, pelo menos de sua resolução. A obrigação atribuída ao Estado de intervir
não tem portanto nenhum caráter objetivo, mas é ela própria o resultado do estado
das interações entre os atores públicos ou privados envolvidos, do espaço do pensável
e dos possíveis, definido por um contexto sócio-histórico preciso, assim como da
natureza anterior das ações públicas sobre problemas análogo . [...](p. 64)
A inscrição na agenda
Os prismas institucionais
Para ser inscrito na agenda, um problema deve estar integrado de fato às formas e às
lógicas de funcionamento do aparelho político-administrativo, por vezes ao preço de
requalificações mais ou menos substanciais. Diferentes fatores pesam sobre esta
“tradução/traição” dos problemas sociais essencialmente as formas institucionais no
sentido estrito, que recobrem tanto as características “constitucionais” dos atores
político-administrativos como a importância de certos registros particulares,
especialmente jurídicos. [...](p. 64-65)
Estes prismas institucionais são tanto mais interessantes de se considerar que parece
assistir-se, hoje, a uma modificação de sua configuração, com um duplo movimento de
localização e de europeização das políticas públicas (Muller, 1992). Essas evoluções
tomam duas formas essenciais: (1) a aparição de novas agendas institucionais, agendas
locais e européia, que tornam ainda um pouco mais complexos e concorrentes os
processos de inscrição na agenda; (2) uma hierarquização e modos de seleção
diferentes, que estabelecem novas passarelas de um nível institucional a outro. Assim,
“a Europa aparece [...] mais e mais como o lugar do debate, isto é o lugar estratégico,
onde são formulados os problemas e onde é definido o conjunto de soluções que
constitui o objeto mesmo do debate político” (Muller, 1994 b, p. 67). [...](p.67)
As primeiras análises gerais dos processos de emergência das políticas públicas foram muito
influenciadas pelo estudo do lugar dos grupos e/ou dos indivíduos na formalização de
reivindicações submetidas à atenção dos poderes públicos. [...](p.77)
[...]Cobb e Elder, por exemplo, colocaram em evidência dois processos essenciais: (1) a escolha
de um fenômeno preciso por um ou diversos indivíduo(s) e/ou grupo(s), que confere ao
problema uma primeira qualificação (problematização inicial) e uma primeira visibilidade; (2)
um trabalho de mobilização, fundado sobre a estruturação dos atores envolvidos, sobre a
busca de alianças pelo(s) iniciador(es) junto de públicos mais amplos e sobre a vontade de
suscitar uma reação do Estado todos fatores que transformam, pouco a pouco, a
problematização inicial em um problema preciso, aceitável e justificável de um tratamento
pelos atores político-administrativos [...](p.78)
É possível distinguir diversos elementos nas características dos atores que são suscetíveis de
influenciar a produção das políticas públicas. Pode-se discernir dois tipos de fatores essenciais:
os recursos e os repertórios de ação dos atores envolvidos. [...](p. 79)
Os recursos podem ser definidos como as características que conferem aos atores uma
capacidade de agir, ou mais exato, que lhes garantem um poder, contanto que esta última
noção seja entendida como um tipo particular de relação (classicamente, a capacidade de A
coagir B a fazer uma ação que B não teria feito sem a intervenção de A). [...](p. 79)
Para além destes diferentes elementos, a abordagem cognitiva das políticas públicas pode
colocar em evidência os vínculos estreitos existentes entre as configurações de atores e as
matrizes paradigmáticas concorrentes que gravitam ao redor de um problema dado. Pode-se
considerar, com efeito, que a fase de colocação na agenda forma a etapa inicial, que não é,
aliás, necessariamente coroada de sucesso, de uma problematização suscetível de resultar na
formação de um paradigma de política pública. É nesta fase de constituição do problema, que
determina, ao mesmo tempo, em parte, a configuração dos atores, dito de outro modo, seus
recursos, seus modos de estruturação e de ação, assim como a natureza de suas relações, que
se formam e/ou se operacionalizam, com efeito, os valores, as representações e as crenças que
fundam uma matriz paradigmática particular. [...](p. 83)
[...]mídia faz um trabalho de seleção dos assuntos pertinentes a seus olhos, isto é, aceitáveis
em função de suas próprias lógicas. Esta dinâmica talvez facilite o acesso de um problema na
agenda política, acelerando a difusão de uma problematização particular. Aliás, a maior parte
dos atores individuais ou coletivos compreenderam muito bem que o acesso à mídia pode
tornar-se o preâmbulo necessário para a emergência de um problema na agenda. [...](p. 86)
[...]no prolongamento da abordagem institucional, que a ação pública não se desenvolve num
meio social todo fluido, sendo que as estruturas das configurações de atores não se sobrepõem
mais necessariamente às organizações públicas (os ministérios) ou privadas (as empresas, os
sindicatos) que balizam o campo. No plano da prática da pesquisa, isso significa também que
uma das primeiras tarefas da análise de uma política pública será de identificar os contornos da
ou das redes que constituem o campo estudado, de situar os atores (e prioritariamente os que
participam nas diversas redes), de analisar os princípios de constituição dos agrupamentos e
das lógicas de recorte do setor. (p.91)
O conceito de governança
[...]a evolução das formas da ação pública, das quais o desenvolvimento das redes constitui a
manifestação mais visível, tende com frequência a ser resumida em torno do conceito de
governança. O termo é relativamente antigo e, em inglês, ele permaneceu por longo tempo
sinônimo de governo, termo que, na literatura inglesa, é utilizado de preferência ao conceito
de Estado, para designar o conjunto dos órgãos da ação pública. (p.93)
[...](Le Galès, 1998), designa, portanto, um triplo problema que afeta hoje a ação pública: 1. A
densidade técnica e a complexidade da ação pública crescem: as escolhas públicas necessitam
levar em conta dados que salientam universos científicos, técnicos, econômicos, sociais ou
políticos mais e mais heterogêneos. A integração pelos atores políticos destes diferentes
universos de sentido é cada vez mais problemática. (p.94)
3. O meio sócio-organizacional da ação pública é cada vez mais móvel, fluido, incerto:
cada decisão coloca, frente a frente, atores de diversos estatutos cuja integração mistura a
fronteira público/privado. Além do mais, num contexto em que se vê combinarem-se elementos
de descentralização e fatores de concentração das decisões, toda política pública toma a forma
de uma multi-level governance [governança multinível] (Hooghe, 1996), que enfraquece a
capacidade de agir de um ator tomado isoladamente.
Nestas condições, a governança aparece como um modo de governo (esse último termo sendo
entendido no sentido amplo), no qual a implementação da coerência da ação pública
(construção dos problemas públicos, das soluções consideradas e das formas de sua
implementação) não passa mais pela ação de uma elite político-administrativa, relativamente
homogênea e centralizada (que tende a perder, de fato, seu relativo monopólio na construção
das matrizes cognitivas e normativas das políticas públicas), mas pela implementação de
formas de coordenação multiníveis e multiatores cujo resultado, sempre incerto, depende da
capacidade dos atores públicos e privados em definir um espaço de sentido comum, em
mobilizar competências de origens diversas e em implementar formas de responsabilização e
de legitimação das decisões, ao mesmo tempo no universo da política eleitoral e no universo
da política de problemas. ( p.94-95)
Esta fascinação dos pesquisadores explica-se, essencialmente, pelo fato de que o momento de
decisão introduz sempre, de um modo ou de outro, uma descontinuidade simultaneamente no
tempo e no espaço: ruptura temporal, porque a decisão aparece muitas vezes como o
momento em que o sistema de ação pública “balança” de uma lógica a outra, como uma tipo
de linha de divisão das águas que define um “antes” e um “depois”; descontinuidade no
espaço, porque esta ruptura temporal é acompanhada sempre de uma reorganização do
sistema da ação pública: certos atores “ganham”, outros “perdem”, outros ainda deixam a cena
ou, ao contrário, nela irrompem. Nesta perspectiva, a ambição do pesquisador é de reconstituir
as lógicas em ação no processo de decisão de modo a identificar as variáveis que permitem
explicar por que e como têm sido efetuados tais ou quais escolhas públicas. ( p.99)
Decisão Inencontrável
[...]na realidade “não existem” nem o momento nem os quadros ideais da decisão. Não é
possível situar com precisão de fato as fases e as dinâmicas, pelas quais o sistema “oscila”.
Assim, é impossível determinar, por exemplo, em qual momento o programa Airbus foi lançado.
As primeiras “decisões” foram tomadas a partir de 1967, mas somente em 1971 o grupo de
interesse econômico Airbus Industrie foi oficialmente criado. É preciso ainda colocar-se de
acordo sobre o que se entende por “lançamento” do programa. O que tinha sido decidido, entre
1967 e 1971, foi a colocação no mercado de um avião franco-alemão de 250 lugares, que se
chamou “Airbus”, porque se tratava do primeiro correio de médio porte, grande carregador.
Entretanto, os atores envolvidos de forma mais ou menos direta não tinham jamais “decidido”
criar, na época, aquilo que iria tornar-se o segundo construtor mundial de aviões civis, dispondo
de uma gama que cobria o conjunto de necessidades das companhias aéreas: esta “decisão” não
existe senão a posteriori, quando as condições de desenvolvimento do programa conduziram ao
sucesso que hoje se conhece. ( p.100)
A indeterminação da decisão
[...]Se o futuro não é escrito no momento da decisão, isso significa também que o processo que
se analisa não é senão muito parcialmente intencional. Em outros termos, os atores da decisão
não “desejam” necessariamente o resultado que eles produzem através de sua ação. Ao
contrário, como se mostrará mais adiante, sua visão do problema e das soluções buscadas é
muito parcial e fragmentária, e só excepcionalmente o resultado corresponderá a suas
expectativas, sabendo-se que estas também estão sujeitas a reconstruções a posteriori em
função do resultado efetivamente perceptível do processo decisório. ( p.101)
Esta indeterminação fundamental explica igualmente que não se deve considerar a decisão
como um ato isolado. Ao contrário, todos os exemplos evocados mostram que a decisão toma
a forma de um fluxo contínuo de decisões e de arranjos pontuais, tomados em diferentes níveis
do sistema de ação, que é preciso analisar como um conjunto de processos decisórios. ( p.101)
[...]compreende-se que, se certas grades seqüenciais isolam a decisão como uma fase
identificável, outras, como aquela de Jones, desagregam a fase decisória numa série de etapas
distintas que destacam a dificuldade de perceber o “momento” da decisão. (p.101)
[...]A fase de legitimação recobre, de sua parte, os mecanismos que vão tornar aceitáveis as
escolhas operadas pelo governo. Com maior freqüência ela está intimamente ligada ao
processo decisório, a tal ponto que é muitas vezes difícil, na realidade, distingui-la da fase de
formulação. A legitimidade de uma decisão governamental chega, assim, por exemplo, à sua
conformidade ao Estado de direito (ao menos para os Estados que integram esta necessidade),
o que significa que ela deve ter sido tomada respeitando os procedimentos constitucionais e
que ela não deve transgredir a ordem jurídica existente (p.101)
Os constrangimentos da decisão
[...]a análise concreta dos processos de decisão mostra, com efeito, que esses processos
funcionam de maneira sistêmica, sendo que uma pluralidade de tomadores de decisão interage
permanentemente para um resultado geralmente diferente daquele esperado. (p.111)
[..]Compreende-se, nestas condições, que a realidade dos processos de decisão esteja muito
distanciada do modelo de decisão racional. Como o mostra Simon, os tomadores de decisão
não afastam de fato senão um número restrito de hipóteses, analisando-as [as restantes] de
maneira seqüencial: eles são incapazes de implementar a racionalidade sinóptica que
consistiria em avaliar, ao mesmo tempo, os diferentes exemplos (p.113)
[...]A idéia base considera, inicialmente, o processo de decisão uma forma de negociação e de
arranjo mútuo entre os atores. Isso significa que o compromisso está no coração mesmo do
processo, contrário à idéia segundo a qual as decisões seriam “para pegar ou largar”. A noção
de incrementalismo busca, assim, descrever um processo “passo a passo”, no qual o tomador
de decisão, longe de buscar apressar as coisas, numa sorte de lógica de ruptura, vai tentar
modificar, progressivamente e de maneira contínua, o sistema sobre o qual quer intervir.
(p.113)
Para a abordagem cognitiva, o processo decisório vai assim aparecer, antes de tudo, como um
processo de construção progressiva de uma representação do problema, das soluções e de
suas conseqüências. No caso da decisão (ou não decisão) de não (p.117) sair do SME tomada
em 1983, o afrontamento entre os diferentes atores que participaram desta crise terminou
assim numa certa representação do que era “possível” fazer ou não fazer. (p.118)
[...]analisar uma decisão pública quer dizer, portanto, em definitivo, compreender como - num
contexto de pressões (técnicas, econômicas, sociais, políticas...) das quais não se conhece os
limites (no momento da decisão) - um certo número de atores vão construir e fazer aceitar
uma matriz de interpretação do real que, dando oportunidade aos diferentes participantes de
estabilizar sua relação com o mundo, vai permitir fazer emergir e legitimar uma escolha pública
(p.119)
Incrementalismo e aprendizagem
O incrementalismo
Levando em conta as pressões que pesam sobre a escolha (falta e custo da informação,
domínio imperfeito do ambiente e das soluções disponíveis), já mostradas pelas teorias da
racionalidade limitada, Lindblom sustentou, com efeito, que as decisões, quaisquer que sejam,
provocam transformações (p. 121) puramente marginais (incrementais) das políticas, em razão,
especialmente, das exigências de negociações e de mercancia, que marcam as trocas sociais,
em particular nos regimes democráticos tradicionais. (p. 122)
A aprendizagem
Retomando o postulado da imobilidade relativa à ação pública, mas numa versão mais
otimista, diversos autores puderam, na seqüência, desenvolver a noção de aprendizagem
(Heclo, 1974). Nesta acepção, se o Estado está sempre confrontado com uma série complexa
de fatores que entravam sua ação ou, ao menos, o enquadram num feixe limitado de
possibilidades, não é menos verdade que a ação pública evolui progressivamente graças a
mecanismos de aprendizagem. Estes se aplicam tanto ao conhecimento dos problemas a tratar,
quanto ao domínio dos instrumentos mobilizados, até mesmo à aprendizagem da natureza dos
vínculos e das relações de força que caracterizam um subsistema dado. (p.124)
Segundo Hall (Hall, 1993), a análise da ação pública sob o ângulo da aprendizagem gira ao
redor de três premissas:
1. O que determina com maior certeza uma política no instante t, é a política em t-1. Os
atores das políticas públicas se fundamentam, com efeito, de modo privilegiado, sobre
as lições tiradas de suas experiências passadas. Funcionando sobre o modo ensaio/erro, a
ação pública se modifica em função dos resultados e das apreciações relativas aos esquemas em
vigor.
2. A aprendizagem supõe, além do mais, valorizar os mecanismos de conhecimento no sentido
estrito, o que tende a salientar o papel dos peritos no interior e fora do governo. A atenção da
pesquisa está, portanto, centrada aqui sobre os processos de constituição e de construção de uma
perícia pelos atores públicos, de preferência a toda outra variável (interesse, valores...).
3. Por isso mesmo, último postulado, as abordagens em termos de aprendizagem repousam
sobre a idéia de uma autonomia relativa do Estado em relação às pressões exteriores. Elas
descrevem com efeito um modo de funcionamento da ação pública em recipiente fechado, ao
menos relativamente, que autoriza por conseqüência a aprendizagem num contexto mais ou
menos estável.
Em torno desta grade geral, Bennett e Howlett puderam isolar três tipos de aprendizagem na
literatura, aplicando-se cada uma destas formas a objetos e a processos particulares (Bennett,
Howlett, 1992): (p.124-125)
a) government learning: Trata-se aqui da aprendizagem no sentido mais clássico do termo, que
se aplica à análise dos mecanismos adaptativos internos a uma instituição ou a um segmento
político-administrativo dado.
b) lesson-drawing: esse tipo de processo, analisado especialmente por Richard Rose (Rose,
1991), aplica-se às modificações mais vastas dos programas de governo. Não se trata mais de
mero ajustamento “técnico”, mas de uma reforma parcial da apreensão do problema, assim
como da natureza dos dispositivos adotados.
c) social learning: última acepção enfim, “a aprendizagem social”, que abraça uma categoria
mais ampla de (p. 125) atores (estrangeiros privados interessados e não mais somente atores
político-administrativos) e variáveis negligenciadas nos outros tipos de análise (idéias,
valores...). A aprendizagem une aqui a descrição em termos de mudança de paradigma, que
convida a interrogar-se sobre as reavaliações normativas e cognitivas que podem intervir num
subsistema dado. (p. 126)
.
Nova leitura
ARAÚJO, Luísa; RODRIGUES, Maria de Lurdes. Modelos de análise das políticas públicas. In: Sociologia,
Problemas e Práticas [Online], 83, | 2017, posto online no dia 06 Fevereiro 2017, consultado no dia 02
Novembro 2017. CIES - Centro de Investigação e Estudos de Sociologia. URL : http://spp.revues.org/2662.
A análise das políticas públicas tem como objeto de estudo as decisões políticas e os programas
de ação dos governos, interrogando-se sobre a génese dos problemas que tais decisões
procuram resolver, sobre as soluções formuladas e as condições da sua implementação. (n/p.)
“a análise das políticas públicas, ao tomar como objeto de estudo a ação pública afirma-se, em
ciência política, como a disciplina que permite abrir a “caixa negra” do sistema político”.
A análise das políticas públicas define um campo de estudos específico pluridisciplinar e abre
espaço ao desenvolvimento de teorias de médio alcance, modelos, mapas, metáforas e conceitos
próprios, que permitem explicar e pensar as políticas públicas, permitem compreender os
modos e as regras gerais de funcionamento da ação pública e analisar as suas continuidades e
ruturas, bem como os processos e as determinantes do seu desenvolvimento, e identificar a
multiplicidade de fatores e forças que formam os processos reais das políticas públicas”.
O seu objetivo é explicar [...] a lógica da ação pública, as continuidades e ruturas nas políticas
públicas, as regras do seu funcionamento, a afetação de recursos e o papel e os modos de
interação de atores e instituições nos processos políticos [...]
Os quatro modelos apresentados e discutidos neste trabalho são considerados por vários
autores como sendo os quadros analíticos mais promissores,dadas as suas características. São
eles:
(1) o modelo sequencial ou do ciclo político,
(2) o modelo dos fluxos múltiplos, (3) o modelo do equilíbrio interrompido e
(4) o quadro teórico das coligações de causa ou de interesse[...]
Harold Lasswell (1948) introduz pela primeira vez a expressão policy analysis (análise de
políticas públicas), afirmando a análise do processo político como objeto de estudo alternativo aos objetos
tradicionais da ciência política, isto é, alternativo ao estudo das constituições, legislaturas, grupos
de interesse, elites e questões clássicas do poder.
Charles Lindblom (1959) [...]Construiu, uma abordagem analítica alternativa que classificou
como “método das comparações sucessivas” (method of sucessive limited comparisons) ou
“incrementalista”. [...] No seu modelo analítico, Lindblom (1959: 84-86) defende que o processo
de decisão política tem as seguintes características: (i) é construído passo a passo, através
de mudanças incrementais, com base em políticas preexistentes; (ii) envolve ajustamentos
mútuos e negociação, e (iii) não é uma solução final para os problemas, é apenas um passo que,
quando é bem-sucedido, pode ser seguido de outros.
David Easton (1957) desenvolve a aplicação da abordagem sistémica à análise das políticas
públicas, tendo tido também uma influência decisiva na evolução da disciplina. Conceptualiza
a relação entre o processo político, as políticas públicas e o respetivo contexto social,
económico e político. As políticas públicas são, no seu modelo, um output do sistema político,
revelador da emergência, da natureza e da atividade do estado. Neste sentido, Easton entende o
processo político como um sistema em que cada componente não pode ser analisado
isoladamente: a ação de cada um dos intervenientes no processo político só pode ser
adequadamente percebida quando inserida no todo.
Modelo sequencial ou do ciclo político (Policy Cicle): “as políticas públicas são tomadas
como resultado de um processo que se desenvolve por “etapas, num ciclo político que se
repete” [...] Importante não é [...] compreender os modos da ação pública [...]propondo que as
políticas públicas sejam analisadas como o resultado de um ciclo político que se desenvolve por
etapas, procurando desta forma “abrir a caixa negra” do sistema político [...]
[...]Desta forma, a ação pública, orientada para a resolução dos problemas, é analisada como
um processo sequencial e inacabado que se repete e reconstrói, em resultado de mudanças
induzidas por efeito de feedback das próprias políticas públicas, ou por alterações do contexto
ou da relação entre os atores e instituições envolvidos.
[...]quatro etapas são comuns a todas as propostas e podem ser sintetizadas da seguinte forma:
— definição do problema e agendamento, relativos ao contexto e ao processo de
emergência das políticas públicas—perceção de um problema como problema político —, ao
debate público sobre as suas causas e à entrada do problema na agenda política;
— formulação das medidas de política e legitimação da decisão, relativas ao
processo de decisão e de elaboração de argumentos explicativos da ação política, de desenho de
objetivos e de estratégias de solução do problema, de escolha de alternativas, bem como de
mobilização das bases de apoio político;
— implementação, relativa aos processos de aprovisionamento de recursos institucionais,
organizacionais, burocráticos e financeiros para a concretização das medidas de política;
— avaliação e mudança, relativas aos processos de acompanhamento e avaliação dos
programas de ação e das políticas públicas, com o objetivo de aferir os seus efeitos e impactos, a
distância em relação aos objetivos e metas estabelecidos, a eficiência e eficácia da intervenção
pública, os processos de modificação dos objetivos e dos meios políticos decorrentes de novas
informações, de alterações no contexto de espaço e de tempo, a partir dos quais (por efeito de
feedback) se inicia um novo ciclo político em que as etapas se repetem.