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fundamentais sociais
A preponderância da Constituição da República Alemã
de 1919 na inauguração do constitucionalismo social à
luz da Constituição Mexicana de 1917
Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro
Sumário
Introdução. 1. A Constituição Mexicana de
31 de janeiro de 1917. 1.1. Antecedentes históri-
cos. 1.2. Os debates da Constituinte. 1.3. O texto
da Constituição Mexicana de 1917. 2. A consti-
tuição da República de Weimar (1919). 2.1. An-
tecedentes históricos. 2.2. O texto da Constitui-
ção de Weimar de 1919. 3. Uma análise compa-
rativa dos textos da Constituição Mexicana e
da Constituição de Weimar. 4. Conclusão.
Introdução
O tema relativo aos direitos fundamen-
tais tem recebido grande destaque e aten-
ção, modernamente, por parte dos estudio-
sos do Direito. À análise da origem, da evo-
lução histórica, da natureza, dos fundamen-
tos e da concretização de tais direitos – tidos
como elementos fundantes das ordens jurí-
dicas nacionais, da ordem jurídica interna-
cional e, no caso da Europa, também da or-
dem jurídica comunitária – têm sido dedi-
cadas inúmeras monografias e páginas de
doutrina, o que põe em evidência a circuns-
tância de que é no respeito à dignidade da
pessoa humana que reside o fundamento
último das mais variadas formas de organi-
zação social.
Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro é Ba- Na realidade, a grande atenção que hoje
charela em Direito e em Relações Internacio- se confere à garantia de tais direitos pren-
nais, Mestranda em Direito e Estado pela Fa-
de-se à percepção de que os direitos funda-
culdade de Direito da Universidade de São
Paulo – USP, Professora de Teoria Geral do Es- mentais mantêm com o próprio conceito de
tado e de Direito Constitucional no Instituto democracia uma relação de recíproca inte-
de Ensino Superior de Brasília – IESB, Assesso- ração, pois o efetivo respeito aos direitos
ra de Ministro do Supremo Tribunal Federal. fundamentais dos indivíduos representa
Brasília a. 43 n. 169 jan./mar. 2006 101
um dos principais parâmetros de aferição salidade dos direitos do homem (vez que ine-
do grau de democracia de uma sociedade, rentes ao indivíduo enquanto tal) e na pre-
ao mesmo tempo em que a concreta e real tendida universalização dos direitos humanos
existência de uma sociedade democrática (tenta-se implementar, em toda a comuni-
revela-se como pressuposto indissociável à dade internacional, a garantia dos direitos
plena eficácia dos direitos fundamentais assegurados nas Declarações, embora se
(BRANCO, 2002, p. 104). saiba que tal concretização global, na práti-
Essa é a razão pela qual os conceitos de ca, ainda resta incompleta, permanecendo
democracia e de direitos fundamentais ca- no campo das legítimas expectativas). Ao
minham sempre juntos1, valendo referir que contrário disso tudo, não se pode pretender a
a origem dos direitos fundamentais remon- universalidade dos direitos fundamentais,
ta à resistência dos povos contra governos eis que, enquanto valores reconhecidos e
opressores e que a evolução histórica de tais positivados por cada ordenamento constitu-
direitos coincide, em seus pontos essenci- cional, os direitos fundamentais necessari-
ais, com a própria criação e evolução do amente variarão, em termos de sua abran-
Estado e com o advento do constituciona- gência e do grau de sua proteção, conforme
lismo moderno2. a cultura predominante em cada uma das
Cumpre referir, nesse ponto, que as ex- nações7.
pressões direitos do homem, direitos huma- Daí por que se pode afirmar, como pre-
nos e direitos fundamentais serão utiliza- cedentemente referido, que a evolução his-
das, no presente trabalho, com noções con- tórica ou (parafraseando o Prof. Fabio
ceituais próprias e diversas, razão pela qual Konder Comparato, 2001) que a “afirmação
se impõe, na presente introdução, e até mes- histórica” dos direitos fundamentais se con-
mo para que se mantenha um mínimo de funde, em suas linhas mestras, com a evolu-
rigor terminológico, proceder a uma breve ção do conceito e da função do Estado e,
definição de cada um desses termos3. também – já que o instrumento formal da
Na linha do magistério doutrinário de Constituição consubstancia o núcleo essen-
Ingo Sarlet (1998, p. 32), os três termos aci- cial das decisões políticas tomadas pelo
ma mencionados devem ser diferenciados Estado –, mistura-se com o próprio advento
de acordo com um critério de concreção po- do constitucionalismo moderno e, posteri-
sitiva ou de concretização normativa. ormente, com o início do constitucionalis-
Partindo dessa linha de classificação, a mo social.
expressão direitos do homem é utilizada Todas essas considerações se fazem re-
para designar, de maneira mais abstrata e levantes eis que o presente trabalho tem
“com contornos mais amplos e imprecisos”4, como pretensão discutir, por uma análise
aqueles direitos naturais ainda não positi- dos textos constitucionais de Weimar (1919)
vados. O termo direitos humanos, por sua e do México (1917) e dos direitos fundamen-
vez, representaria aqueles direitos já posi- tais sociais neles positivados, a inicialida-
tivados na esfera internacional, enquanto o de do constitucionalismo social. Não se fa-
termo direitos fundamentais abrangeria aque- lará, portanto, no presente trabalho, de di-
les direitos cujo reconhecimento e proteção reitos do homem ou de direitos naturais.
estão assegurados em sede constitucional5. Também não serão abordados – não obs-
Essa distinção6, longe de possuir utili- tante sua importância – os inúmeros e ex-
dade unicamente acadêmica, assume vital pressivos documentos internacionais de re-
importância quando se analisa, por exem- conhecimento e proteção dos direitos huma-
plo, questão relativa aos elementos caracte- nos, limitando-se, desse modo, o objeto do
rizadores dos direitos fundamentais. Desse presente estudo, à análise de direitos e valo-
modo, por exemplo, pode-se falar na univer- res revestidos da nota da fundamentalida-
Do exame do quadro acima, pode-se per- natural. Nada há, no entanto, como já acen-
ceber que as duas Constituições tiveram tuado, que indique o caráter proposital des-
percepção semelhante no que se refere à sa “lacuna”.
necessidade de não apenas abranger-se a No que se refere aos direitos de segunda
proteção constitucional aos direitos de índo- dimensão, pode-se perceber uma nítida di-
le social, mas, também, de se preservar o con- ferenciação entre os dois textos quanto aos
teúdo das liberdades públicas já alcançadas. temas sociais prioritários, eleitos pelos di-
Não há nada de discrepante entre os dois plomas constitucionais para os fins de ou-
textos constitucionais em exame (Constitui- torgar-se especial proteção.
ção Mexicana de 1917 e Constituição de Com efeito, pode-se observar que a Cons-
Weimar de 1919) que indique que qualquer tituição Mexicana – apesar de ter reconhe-
um desses diplomas (frutos, respectivamen- cido outros direitos, como o direito à educa-
te, de uma revolução camponesa e de uma ção (art. 3o), à saúde (art. 4o, § 2o) e o direito à
assembléia constituinte convocada em meio moradia (art. 4o, § 3o) – concentrou-se, de
a profunda crise econômica e a perturba- maneira sensível – e até mesmo em razão de
ções sociais também imputáveis à ameaça sua origem –, na solução das questões agrá-
socialista) tendesse, desde seu início, à ins- rias (art. 27) e dos direitos trabalhistas (art.
tituição de regimes autoritários. 123).
Pelo contrário, o quadro acima reflete que Os direitos sociais fulcrais no ordena-
o rol das liberdades públicas foi ampliado mento jurídico mexicano são o reconheci-
nos textos Mexicanos e de Weimar, caben- mento da função social da propriedade e da
do destacar, por sua vanguarda, dispositi- possibilidade de esta ser distribuída por
vo da Constituição de Weimar que assegu- desapropriação, de um lado, e a outorga de
rava a igualdade entre filhos havidos na especial proteção ao trabalhador, inclusive
constância do matrimônio ou não. mediante a instalação de um regime de pre-
Chama a atenção, no entanto, a ausên- vidência social, de outro.
cia, no texto de Weimar, de dispositivos in- Na realidade, uma análise dos textos
tegrantes do chamado “direito processual constantes dos arts. 27 e 123 revela que to-
constitucional”, consistentes nos princípi- dos os demais direitos ali elencados decor-
os básicos do devido processo legal e do juiz rem, materialmente, do direito de proteção