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Democracia em risco

26/09/2017 07h37

Quando os protestos de junho de 2013 eclodiram, eles pediram também mais


democracia. Naquele momento, as críticas contra a corrupção estavam
entrelaçadas com a constatação de que o que pensava e o que queria a
sociedade era muito diferente do que faziam os políticos. As ocupações de
assembleias legislativas e de câmaras municipais, de um lado, e a forma auto-
organizada e autoconvocada dos protestos, de outro, indicavam que a sociedade
brasileira apostava num aprofundamento democrático como saída para a crise
política que se instaurava ali.

Quatro anos depois, o cenário é completamente diferente. Desde 2014, a


sociedade brasileira está cindida, a confiança na democracia está em níveis
alarmantemente baixos e os principais atores políticos parecem não ter receio
de colocar as instituições sob cada vez mais pressão. Parece que as acirradas
disputas que assistimos desde 2014 corroeram a confiança dos atores a tal ponto
que não é mais possível um pacto republicano para preservar as instituições.

Durante o ano de 2015, quando os protestos contra Dilma Rousseff ganharam


força, a proposta de impeachment ainda poderia ser descartada por todas as
forças relevantes como uma aventura irresponsável. Entidades empresariais,
sindicatos, veículos de comunicação de massa e os principais partidos políticos
condenaram a proposta, embora ela estivesse angariando um apoio popular
crescente.

Quando Eduardo Cunha declarou guerra a Dilma e construiu uma maioria


parlamentar capaz de derrubá-la, pouco a pouco, todos os que haviam se
mostrado reticentes com a ideia, se comprometeram com o projeto de destituir
uma presidente recém eleita, utilizando como pretexto uma tecnicalidade
contábil.

O sucessor de Dilma, por sua vez, em vez de fazer um mandato-tampão, com


uma administração de compromisso, mais ou menos como havia feito Itamar
Franco, resolveu aproveitar a circunstância de não ter sido eleito e implementar
uma ambiciosa e impopular agenda liberal que, como um colaborador explicitou,
deveria ser imposta "na marra" e "sem mandato".

Enquanto isso, as investigações da Lava Jato mudaram de foco, deslocando a


ênfase da investigação do PT para o PMDB e convenceram de vez a opinião
pública de que o sistema político tinha sido comprometido por inteiro.

Temer, contra quem os investigadores obtiveram uma gravação constrangedora


e um vídeo no qual um colaborador próximo recebia uma mala de dinheiro, teve
o processo de investigação barrado no Congresso depois da distribuição de
cargos e da liberação de verbas parlamentares. As principais forças do
movimento anticorrupção, por um lado e os sindicatos e movimentos sociais
tradicionais, de outro, simplesmente não convocaram manifestações e deixaram
o governo Temer sobreviver, a despeito das flagrantes evidências e dos índices
de apoio mais baixos da história da Nova República.

Agora, com uma crise de legitimidade que já é aguda, tucanos retomam de


maneira intempestiva a ideia de converter nosso sistema em parlamentarista, o
Congresso tenta emplacar uma reforma política que mantenha os atuais políticos
no poder, militares de alta patente falam abertamente em intervenção e o PT
ameaça boicotar as eleições se o ex-presidente Lula for preso.

Deslegitimados por sua desconexão com a sociedade, desmoralizados pelos


escândalos de corrupção e divididos por uma polarização que não admite
compromisso, nossas forças políticas seguem em guerra, ameaçando
interromper nossos poucos anos de vida democrática. Ninguém parece se
preocupar demais com os níveis muito baixos de confiança nos políticos, nas
instituições e na própria democracia, nem nos movimentos que, em plena luz do
dia, conspiram contra ela. Todos parecem achar que ainda é possível espremer
a crise um pouco mais para conseguir uma posição de vantagem na próxima
jogada.

Pablo Ortellado
É professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da USP desde 2005. Fez
graduação, mestrado e doutorado em filosofia na mesma universidade. Escreve às
terças.

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