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Sumário
1. Introdução. 2. Diferenças sociais. 3. Desi-
gualdades sociais. 4. A evolução do Estado de
Direito. 5. Ações afirmativas. 6. Conclusão.
1. Introdução
As Políticas de Ação Afirmativa pressu-
põem uma situação de desigualdade nos
níveis de gozo e fruição dos bens e direitos
produzidos numa determinada sociedade.
Neste artigo, primeiro vislumbraremos
alguns dos fatores históricos que deram ori-
gem a essas distorções para, em seguida,
lançarmos nossa opinião acerca da viabili-
dade ou não das políticas idealizadas com
vistas à sua correção.
O tema ações afirmativas é muito atual e
encontra-se intimamente relacionado com
a evolução do princípio da igualdade. Nos-
so objetivo é verificar se, frente ao significa-
do que os textos constitucionais modernos
consagram para esse princípio, estaria o
Poder Público juridicamente autorizado a
levar a efeito políticas públicas de caráter
Hamilton Vieira Ramos é Analista Legisla-
diferencialista1 que tenham por finalidade
tivo do Senado Federal, Especialista em Análi-
se de Constitucionalidade. a igualação das oportunidades entre os di-
Artigo produzido com base no Trabalho de versos segmentos sociais.
Conclusão do Curso de Especialização em Aná-
lise de Constitucionalidade, promovido pela 2. Diferenças sociais
Universidade do Legislativo Brasileiro – UNI-
LEGIS em parceria com a Universidade de Bra- O problema das diferenças sociais está
sília – UnB, como requisito para a obtenção do relacionado com a existência, no seio de uma
título de Especialista. Orientador: Prof. José mesma sociedade, de grupos humanos ca-
Eduardo Elias Romão. racterizados por variados padrões estéticos
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e fenotípicos, bem como por costumes, hábi- ticas psicológicas de cada grupo analisado
tos alimentares, práticas religiosas, e valo- e, a partir daí, à sua hierarquização. O re-
res culturais diversos. sultado era a confirmação das teses socioló-
Para explicar as diferenças físicas e com- gicas já em vigor, o homem branco era, sem
portamentais observáveis entre os grupos dúvida, de raça superior, o amarelo situa-
humanos, foram criados dois termos: raça e va-se numa posição intermediária, e o ne-
etnia. gro estava, realmente, mais próximo do rei-
O primeiro, a raça, é utilizado para dife- no animal (Vieira Júnior, 2005, p. 46).
renciar elementos da mesma espécie, estan- O Professor Munanga (2003) observa que
do, portanto, relacionado a aspectos biofisi- “a concepção do racismo baseada na ver-
ológicos, como os padrões estéticos e fenotí- tente biológica começa a mudar a partir dos
picos. anos 70 [...]” e, em 15 de novembro de 1998,
O segundo, a etnia, constitui uma cate- a revista Isto É publica recente pesquisa de
goria antropológica destinada à considera- autoria do biólogo Alan Templeton, que de-
ção de elementos culturais como língua, re- pois de comparar mais de oito mil amostras
ligião, costumes alimentares e comporta- genéticas colhidas alheatoriamente de pes-
mentos sociais, reproduzidos no interior de soas em todo o mundo, concluiu que não há
grupos humanos não muito distantes em sua raças entre os seres humanos porque “as
aparência, ainda que não necessariamente diferenças genéticas entre grupos das mais
vinculados por nacionalidade comum, em- distintas etnias são insignificantes”.
bora quase sempre compartilhando territó- Assim, toda referência a raça não passa
rio comum e se organizando como popula- mesmo de pretexto para exploração, domi-
ção geral desse território. nação e manutenção de status. É o que pode-
Sant’Ana (2005, p. 43) informa que até a mos depreender também das palavras de
Idade Média, a exploração do homem pelo d’Adesky (2001, p. 48): “[...] Embora o conti-
homem com base em suas características nente africano devesse ser, teoricamente,
grupais se dava em consideração a fatores isento de tensões raciais, a realidade mos-
relacionados à religião, à política, à naciona- tra serem (ali) abundantes os conflitos inte-
lidade ou à linguagem do grupo dominado, rétnicos. É o caso de Ruanda e do Burundi,
mas nunca a eventuais diferenças biológicas em especial, onde etnias encontram-se ex-
ou raciais. As teorias e doutrinas biológicas cluídas do centro das decisões políticas, ali-
surgiram depois, como instrumentos destina- jadas dos altos postos das funções públi-
dos à geração de argumentos mais sólidos, cas, sofrendo igualmente restrições no aces-
que melhor garantissem a dominação, propi- so à escola e à universidade. Nesses países,
ciando para que essa se desse de maneira o a inserção étnica caracteriza-se, não pela cor
menos possível contestada e, conseqüente- da pele, uma vez que todos são negros, mas
mente, menos dispendiosa e arriscada. principalmente pela forma do rosto, pela
Embora a submissão com base na raça envergadura e pela altura do indivíduo”.
haja se iniciado ainda no início do século Com a cessação das formas de discrimi-
XVI, a introdução de elementos biológicos nação mais explícitas, como a escravidão e
nesse conceito só veio a ocorrer no final do o apartheid, o mundo pareceu convencer-se
século XVIII, após a revolução industrial de que a prática do racismo estava elimina-
européia, tendo resultado de estudos com- da e de que suas conseqüências prossegui-
parativos procedidos no crânio (frenologia) am em decorrência do processo de introje-
e no rosto (fisionomia) de exemplares hu- ção, fenômeno que faz com que formulações
manos pertencentes aos diversos grupos. culturais antigas sejam retransmitidas e
Por meio dessas análises, os pesquisadores continuem atingindo, moral e psiquicamen-
se julgaram aptos a definirem as caracterís- te, as sucessivas gerações, provocando, nos