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REVISTA DO CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE SÃO PAULO

v.4 n. 1 janeiro/junho 2003

São Paulo

ISSN
ISSN 2177-451X
1677-499X

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ISSN2177-451X
1677-499X

CENTRO FEDERAL
DE EDUCAÇÃO
TECNOLÓGICA
DE SÃO PAULO

A Revista SINUGIA é uma publicação


semestral do Centro Federal de Educação
Tecnológica de São Paulo e tem por
objetivo a divulgação de todo o
conhecimento técnico, científico e cultural
que efetivamente se alinhe ao perfil
institucional do CEFET-SP.

Os artigos publicados nesta Revista são de


inteira responsabilidade de seus
autores.

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dos artigos sem a prévia autorização dos
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COORDENADORIA DE
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E-mail: sinergia@cefetsp.br
www.cefetsp.br/edu/sinergia

SINERGIA (Centro Federal de Educação


Tecnológica de São Paulo).
São Paulo, v.4 n.1, jan./jun.,
2003

Semestral

ISSN
ISSN 2177-451X
1677-499X

1. Centro Federal de Educação


Tecnológica de São Paulo - Periódicos.

CDU 001(05)"540.6":(81)
Índice
EDITORIAL - Algumas Considerações
05
Raul de Souza Püschel

Do Turismo Fast Food ao Turismo com Responsabilidade Social


Um Olhar Pedagógico sobre o Ensino no Curso Superior de Tecnologia em
Turismo do CEFET-SP
09
Cláudia Lukianchuki

Marketing na Atividade Turística 17


Adriana Gomes de Moraes

A Divulgação Científica e o Ensino do Cálculo no Curso de Licenciatura em Física:


A Construção de uma Experiência Conjunta para um Novo Perfil de Trabalho
22
Wania Tedeschi / Diamantino Fernandes Trindade

O Tempo ao Longo do Tempo - Do Presente ao Passado dos Vídeos Didáticos


29
Ricardo Roberto Plaza Teixeira / Margareth Yuri Takeuchi / Riama Coelho Gouveia

Interdisciplinaridade: Necessidade, Origem e Destino


38
Laís dos Santos Pinto Trindade

A Ganância do Capital Não Despreza a Incerteza da Luta de Classes


A Guerra de Recolonização no Iraque e as Necessidade Estratégicas de
Recuperação da Economia Capitalista Mundial
44
Valério Arcary

O Ciclo de Refrigeração por Compressão


57
André Ricardo Quinteros Panesi

Análise das Modalidades de um Data Harehouse (DW)


63
Renato José Sassi

A Importância de Utilizar UML para Modelar Sistemas:


Estudo de Caso
71
João Maria Filgueira / Welbson Siqueira Costa

Um Pouco de Nós por Nós Mesmos.


Ou Daquilo que Deveríamos Ser...
78
Carmen Monteiro Fernandes

Normas para Submissão de Artigos


83
Instruções para os Autores
EDITORIAL

UMAREVISTA INTERDISCIPLINAR

Raul de Souza Püschel


Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP
Professor da Área de Códigos e Linguagens do CEFET-SP

Este novo número de Sinergia começa apresentando questões ligadas ao Turismo, curso
novo entre nós, porém cada vez mais consolidado. O artigo inicial de Cláudia Lukianchuki, "Do
turismo fast food ao turismo com responsabilidade social", mostra claramente a preocupação
que o CEFET -SP tem de oferecer cursos diferenciados, tanto pela seriedade, quanto pela
qualidade. Em seguida, Adriana Gomes de Moraes discute, em "Marketing na atividade turística",
as especificidades dos aspectos mercadológicos nesta área de atuação.
Uma espécie de segundo bloco, que articula ciências exatas, ensino e história da ciência,
é iniciado com o texto de Wania Tedeschi e Diamantino Trindade "A divulgação científica e o
ensino de cálculo no curso de licenciatura em física: a construção de uma experiência conjunta
para um novo perfil de trabalho". Aqui os autores discutem a questão do cálculo inserido no
processo ensino-aprendizagem, bem como a da divulgação científica, pensando em uma prática
reflexiva que interligue conhecimento experiencial, pedagógico e técnico. A seguir, o professor
Ricardo Plaza Teixeira e suas alunas Margareth Takeuchi e Riama Gouveia, em "O tempo ao
longo do tempo - do presente ao passado dos vídeos didáticos", falam sobre a experiência com
alguns vídeos para o ensino de física que foram produzidos em épocas diferentes e com
metodologias e recursos diversos, sendo alguns, como dizem, monossêmicos e outros polissêmicos.
Fechando este bloco, surge o artigo de Laís Trindade, "Interdisciplinaridade: necessidade, origem
e destino" que, com extrema sutileza, faz dialogar algo que cada vez mais mostra sua necessidade
de ser pensado de modo plural, o ensino, e de outro lado, algo que sempre trabalha entre saberes,
a história da ciência.
Da história da ciência, passamos à reflexão sobre os ciclos históricos e as formas utilizadas
pelo capital para garantir estabilidade e acumulação, no instigante ensaio "A ganância do capital
não despreza a incerteza da luta de classes: a guerra de recolonização do Iraque e as necessidades
estratégicas de recuperação da economia capitalista mundial", de Valério Arcary.
O penúltimo bloco remete a indagações de caráter precipuamente tecnocientíficas.
Primeiramente, André Quinteros Panesi, em "O ciclo de refrigeração por compressão", aponta
como é possível obter maior eficiência em tal ciclo, atenuando o consumo de energia. Depois, em
"Análise das modalidades de um Data Warehouse (DW), Renato Sassi fala sobre as vantagens
de tal meio de armazenamento de dados, quais são as modalidades encontradas e que tipo de
,.
escolha é necessário seguir de acordo com a situação, que deverá levar em conta, segundo Antonio
Editorial
Uma Revista Interdisciplinar
Raul de Souza Püschel

Amaral, pelo autor referido, competitividade, volume de negócios, informação e tamanho da base
de dados. De nossos coirmãos do CEFET-RN, Professor João Maria Filgueira e discente Welbson
Costa, provém o texto "A importância de utilizar UML para modelar sistemas: estudo de caso".
Nele, demonstra-se a vantagem de se usar a Linguagem de Modelagem Unificada, antes da
codificação de um software. Para exemplificar, como estudo de caso, tratam do sistema de
vendas de CDs musicais.
Fechamos esta edição com "Um pouco de nós por nós mesmos. Ou daquilo que deveríamos
ser...", espécie de resenha que Carmen Monteiro Femandes faz da dissertação de mestrado de
Marina Piza de Sampaio Góes, Supervisora Pedagógica aposentada deste CEFET, acerca de
experiências concretas de interessantes propostas de educação para as classes trabalhadoras.
Na verdade, aqui se vai além da mera resenha, há uma espécie de homenagem, de valorização de
um saber e de uma prática.
DO TURISMO FAST FOOD AO TURISMO COM RESPONSABILIDADE SOCIAL
Um Olhar Pedagógico sobre o Ensino no
Curso Superior de Tecnologia em Thrismo do CEFET-SP

Cláudia Lukianchuki
Doutora em Comunicação pela ECA/USP, Coordenadora e Professora de Comunicação e Turismo do CEFET-SP,
membro integrante do NIELP - Núcleo de Pesquisa Interdisciplinar de Estudos da Linguagem Publicitária e
colaboradora dos Núcleos de Pesquisa NUCOMI e NPTN, respectivamente da Intercom e da ECA/USP.

As bases do turismo com responsabilidade social, em sua essência, devem ser plantadas nas
instituições de ensino por intermédio de uma organização curricular dinâmica, diversificada
e inter/transdisciplinar,estruturação esta necessária à compreensão do turismo comofenômeno
não apenas econômico, mas também social, cultural, comunicacional e subjetivo. 1 Portanto,
um novo olhar para o ensino de turismo é o pressuposto deste trabalho. Êxito econômico e
compromisso social devem caminhar juntos rumo a uma melhor qualidade de vida do ser
humano e do planeta. O turismo possibilita a integração, uma relação compartilhada cujos
serviços devem evidenciar muito mais do que simples realização de tarefas: são realizações
pessoais e bem-estar público na medida em que o profissional de turismo se assume como
agente social. Talpreocupação permeia todo o Curso Superior de Tecnologia em Turismo do
CEFET-SP. Ao turismo com responsabilidade social o devido e necessário valor.

Palavras-chave: turismo, responsabilidade social, ensino, qualidade de vida, CEFET-SP.

The basis of the tourism as a social responsibility should be essentially planted in teaching
institutions through a dynamic, diversified and inter/trans-disciplinary organization, a
structure necessary for the understanding of tourism not only as an economic phenomenon,
but also as a social, cultural, communicative and subjective phenomenon. Therefore a new
look at the teaching oftourism either in public or private institutions is the pre-requirement
for this project. Economic success and social commitment should go together towards a better
quality of lifefor human beings andfor the planet. Tourism enables the integration, a sharing
relationship whose services should show much more than the simple performance of tasks.
They are personal and public well-being realizations, since lhe professional of tourism
considers himself a social agent. Such concern permeates the whole CEFET-SP technical
tourism course. To give socially responsible tourism its due value.

Key words: tourism, social responsibility, teaching, quality of life, CEFET-SP.

REFLEXÕES INICIAIS espaços produzidos de forma objetiva,


possibilitador de afastamentos simbólicos do
cotidiano, coberto de subjetividades,
"". o turismo é um campo de práticas
portanto, explicitadores de uma nova estética
histórico-sociais, que pressupõem o
diante da busca do prazer." (Moesch,
deslocamento does) sujeito(s), em tempos e
2002:134)

I Subjetivo, nesse contexto, deve ser entendido como relativo ao sujeito.

Sinergia, São Paulo, V. 4, n. 1, p. 09-16, jan./jun. 2003


Do Turismo Fast Food ao Turismo com Responsabilidade Social
Um Olhar Pedagógico sobre o Ensino no Curso Superior de Tecnologia em Turismo do CEFET-SP
Cláudia Lukianchuki

As questões referentes ao turismo, a dos sujeitos consumidores. A expressão,


geralmente, são atravessadas por preocupações portanto, sujeitos consumidores não é
meramente mercadológicas, evidenciando-se o meramente casual ou simplesmente seleção
fenômeno econômico por excelência em vocabular fortuita: a idéia de sujeito antecede à
detrimento dos aspectos sociais, revitalizando, de consumidor.
assim, a idéia de que o sujeito do turismo Nos tempos atuais, com relação aos
restringe-se ao homo economicus. Basta estudos de turismo voltados para os aspectos
lembrar que ''freqüentemente as necessidades econômicos, não há como descartar o problema
do setor forçam o sistema educativo a do consumo e da massificação tão presentes na
direcionar a formação- acadêmica para o sociedade contemporânea.
desenvolvimento de 'certas habilidades' afim Laymert Garcia dos Santos, em seu
de aumentar a produtividade e atender às artigo "Consumindo o futuro?", ao discorrer
exigências do mercado globalirado," sobre um texto de Nadine Gordimer intitulado
(Ansarah, 2002: 19).Por essa razão, tal discussão "A face humana da globalização", traz à tona
não é surpreendente, embora provoque reflexões relevantes sobre a contemporaneidade
polêmicas, notadamente quando se pensa no no tocante ao consumo descontrolado no mundo
verdadeiro papel do profissional de turismo e desenvolvido em detrimento do atendimento às
das instituições de ensino frente às reais necessidades legítimas da vida: o tão propalado
necessidades humanas no terceiro milênio. consumo somente ratifica as desigualdades entre
Sabe-se que o turismo nasceu e se os seres humanos, uma vez que esses
desenvolveu com o Capitalismo, resultando consumidores precisam consumir menos para
marcas significativase definidorasdesse universo, que mais de um bilhão de pessoas possam
muitas vezes caracterizado como indústria. De consumir mais - 20% da população mundial
acordo com Marutschka Moesch: consome 80% dos recursos produzidos no
planeta, enquanto os outros, "os descartáveis",
"A partir de 1960, o turismo VIvemna escassez.
explodiu como atividade de lazer, Ressalta-se assim o direito que este
envolvendo milhões de pessoas e
grupo tem de libertar-se da carência, de romper
transformando-se em fenômeno econômico,
com lugar garantido no mundo financeiro com os vínculos entre a desigualdade e o consumo
internacional. Desde 1995, o fluxo turístico descontrolado, o excesso e a falta que tanto
cresce a uma taxa anual média de 4,3%, caracterizam o universo em que convivem ricos
enquanto a expansão máxima da riqueza e pobres em desarmonia. O esgotamento dos
mundial tem sido de 3%, aproximadamente.
recursos do planeta tem, inclusive, seu eixo no
Em 1997, o setor empregava 250 milhões de
pessoas, uma entre cada dez pessoas da desperdício produzido pelas camadas
população mundial economicamente ativa, privilegiadas dos países do Norte. Ou seja, os
conforme a Organização Mundial do Turismo excluídos não só não têm o que consumir como
- OMT(1998)." (Moesch, 2002: 09) também sofrem os impactos do efeito perverso
desse consumo desenfreado e desigual- não há
No entanto, é a própria autora quem recursos renováveis para tanto nem o planeta
refuta, em seu livro A produção do saber agüenta. O desequilíbrio da distribuição revela a
turístico, a idéia de que o sujeito turístico seja realidade das pessoas e também a do planeta.
apenas economicus e político: ele é também Ou seja, o problema de um é o problema de
subjetivo, afetivo e lúdico. Dessa forma, o todos. Se, na atualidade, várias críticas se fazem
paradigma da produção evidenciado na esfera ao processo de globalização que remete,
macro deve também abrir mais espaço, nos principalmente, ao american way life, mais se
estudos que envolvem o turismo, à esfera micro,
evidencia o problema quando se sabe que a

2 Artigo publicado no Caderno Mais! do jornal Folha de S. Paulo, de 27 de fevereiro de 2000 e na Internet no site www.uol.com.br/
fsp/mais/fs2702200002.htm

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Do Turismo Fast Food ao Turismo com Responsabilidade Social
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globalização parece ser a consagração máxima o consumo com um exercício refletido de


do capitalismo, que vive substancialmente da cidadania e aponta que, para isso, entre outras
carência, ou seja, a falta é constitutiva do seu coisas, deve-se reunir "uma oferta vasta e
sistema de produção e consumo. Carência esta diversificada de bens e mensagens
que se centra não apenas na necessidade, mas representativos da variedade internacional
também no âmbito do desejo, claramente dos mercados, de acesso fácil, eqüitativo para
traduzindo os movimentos do consumidor as maiorias'>, além de qualidade no conteúdo
ocidental. informacional, a fim de que o consumidor tenha
No caso do Brasil, os excluídos do elementos para refutar as pretensões e seduções
mundo do consumo representam 70% da da publicidade e do mundo contemporâneo.
população que não garantem para si nem o direito De tudo isso, depreende-se que sujeito,
de consumir quanto mais se se pensar no direito economia e preservação ambiental devem estar
do consumidor, portanto afetados em sua alinhados, somente assim pode-se conceber
cidadania. Se a cidadania só é concedida aos turismo com responsabilidade social.
que estão inseridos nos círculos de produção e Preocupação essa que deve ser um dos itens, se
consumo, toda essa população está drasticamente não o principal, da pauta das instituições de
afetada e o que é pior, do ponto de vista social, ensino.
o direito de existir coincide com o direito de
consumir. Tais marcas são muito características
do universo publicitário que instiga, também, não o CURSO SUPERIOR DE
mais consumir por necessidade mas por TECNOLOGIA EM TURISMO
ansiedade, operando no consumidor um assédio DOCEFET-SP
profundo e constante que leva a distúrbios
emocionais, embora nem sempre percebidos. Em consonância com a realidade do
Consumo e sobrevivência se traduzem em mundo contemporâneo, o ensino do CEFET-
marcas culturais de determinados grupos sociais, SP centra-se no turismo com responsabilidade
que se manifestam minoritária mas social por intermédio de uma estrutura curricular
hegemonicamente. De acordo com Moesch dinâmica, diversificada e inter/transdisciplinar,
(2000: 134): pressupostos estes necessários à compreensão
do turismo como fenômeno não apenas
"No espaço de diversão é econômico, mas também social, cultural,
possibilitada a publicização dos desejos, dos comunicacional e subjetivo," que possibilite
sonhos, da imaginação projetiva. Mas, nesta
sólida formação cultural, princípios de ética e
mesma teia de subjetividades, o fenômeno
turístico é constituído de valor econômico, cidadania, preservação e conservação do meio
expresso pelos sujeitos produtores e ambiente, ensino de línguas, comunicação
reprodutores, pelos bens e serviços turísticos, interpessoal e leitura das formas e meios de
produzidos e consumidos na esfera da comunicação, além lias disciplinas específicas,
economia global, consolidados por
isto é, as disciplinas de formação profissional.
estratégias comunicacionais mundiais. O
imaginário, a diversão, o sujeito, Em outras palavras, a boa formação dos alunos,
individualizado, relacionam-se com o do ponto de vista tanto intelectual quanto
presenteismo, a repetição, a condensação humanístico, deflagra necessariamente
pós-moderna, por meio do c onstruto transformações inequívocas no seio da
tecnológico coberto de valores de troca, na
sociedade que beneficiam o ser humano
economia globalizada. "
individual e coletivamente, o que o faz, entre
outras coisas, repensar continuamente o espaço
Néstor García Canclini propõe articular

3 Néstor García Canclíni. Consumidores e cidadãos, p.66.


4 Subjetivo, também nesse contexto, deve ser entendido como relativo ao sujeito.

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em que vive, onde estão inseridas as relações dessas questões é pressuposto e o sentido de
humanas e conseqüentemente as questões incompletude também é elemento desafiador.
culturais. Base para a realização dessas pesquisas são os
Por essa razão, as ações pedagógicas projetos inter/transdisciplinares, considerando-
assumidas no curso são caracterizadas por um se que o curso de turismo é dessa natureza.
ensino centrado no capital humano em cuja Entre os elementos da formação e
extensão busca-se atingirtanto o ambiente natural capacitação do profissional em turismo, Man1ia
quanto o social. O capital humano a que se faz Ansarah, em seu livro Formação e capacitação
referência se traduz na figura dos colaboradores do profissional em turismo e hotelaria, elenca
ou parceiros com grupos ou instituições, a algumas práticas pedagógicas imprescindíveis à
formação escolar, a capacitação por intermédio formação desse profissional, se não totalmente,
do micro-estágio, interno e externo, o estágio mas, pelo menos a vivência de algumas delas.
supervisionado e também incentivo à produção Nesse sentido, alguns projetos da instituição em
científica e à cri atividade - pesquisar, inovar, andamento testemunham essa prática pedagógica
descobrir, que se verifica, inclusive, na Prática indispensável, entre eles, destacam-se o Projeto
Transdisciplinar, no Trabalho de Conclusão do "São Paulo que as pessoas não vêem", cujo mote
Curso (TCC) e nas Bolsas de Iniciação se traduz em elemento instigador de um dos
Científica, estas com projetos, principalmente, subtemas do Evento Científico a se realizar em
voltados para a realidade da cidade de São Paulo. setembro próximo no CEFET -SP; o Projeto
Entendendo que o espaço urbano é o lugar Empreendedorismo em parceria com a
privilegiado do exercício da cidadania - espaço Secretaria do Trabalho da Prefeitura de São
de experiência, de produção de conhecimento e Paulo, com oito projetos de alunos já aprovados
socialização - as unidades curriculares não em fase de elaboração para pôr em prática
devem ausentar-se dessas discussões, melhor imediata; projetos de lazer voltados a públicos
dizendo, significativamente esses conteúdos de diferentes faixas etárias e, também,
devem ser a essência, uma vez que estão delineamentos de um Projeto que envolverá
impregnados do cotidiano de seus habitantes, ou Turismo e Ensino Médio do CEFET-SP, cuja
seja, a vitalidade de uma instituição de ensino interface Turismo e Educação possibilitará aos
está em voltar-se para os problemas de sua alunos de turismo desenvolverem projetos com
realidade mais imediata - a cidade em que está professores e alunos do ensino médio, sob a
inserida,o que não significa,sob hipótese alguma, supervisão dos docentes do curso de Turismo.
o abandono de outras igualmente importantes. No tocante à estrutura curricular, ainda
Dessa forma, toda instituição de ensino deve ganham destaque as disciplinas optativas que
discutir as questões relevantes na sua área de objetivam uma maior mobilidade na aquisição
pesquisa e ensino e oferecer essas contribuições do conhecimento visando à aproximação de
à sociedade, podendo subsidiar, assim, a interesses mais específicos de cada aluno, além
formulação de políticas públicas e iniciativas que de possibilitar riqueza e atualização curriculares.
visem desenvolver o turismo, não só mas Sobre uma base comum a todos os alunos,
também, como fator de geração de tributos para existem diferentes caminhos a serem percorridos
a receita municipal e emprego. de forma a privilegiar as suas escolhas e recortes
Depreende-se de tudo isso que estão em dentro da área de saber Turismo, observando-
alinhamento educação, formação e capacitação se, em especial, percursos referentes ao lazer,
de forma contínua aliando teoria e prática de ao meio ambiente e ecoturismo, ao turismo de
maneira a observar, inclusive, as necessidades negócios, aos cruzeiros marítimos, além da
da comunidade local expressas em seu cotidiano. verticalização de temáticas da base comum: A
Ensino com vistas a superar os desafios literatura e as viagens, Brasil e as relações
contemporâneos tratando das diferenças culturais internacionais, animação turística, a origem dos
como enriquecimento. Portanto, a complexidade alimentos através dos tempos, entre outras.
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COMUNICAÇÃO E O a comunicação permite a


PROFISSIONAL DE TURISMO unicidade, o entrecruzamento e a
correspondência de microvalores éticos,
religiosos, culturais, sexuais e produtivos que
"A comunicação será obsedante,
se sedimentam. (...) Há uma correspondência
apoderando-se da idéia, do espírito, do estar-
entre as palavras e as coisas, correspondência
junto. A categoria comunicação é
orgânica que liga as pessoas a reconhecerem
imprescindível para construir o estar-junto no
que todas as situações, todas as experiências,
ato turístico. Avançando a lógica da
por mais fugazes que sejam, participam de um
identidade, essencialmente individualista,
ambiente geral a partir do momento que se
demarcada pela nacionalidade e língua
dediquem a sublinhar que os imaginários de
diferenciada do visitante e visitado, numa
diversas espécies irrigam em profundidade a
comunicação mais tátil, simbólica, coletiva do
vida social."
que necessariamente verbal e lingüística."
(Moesch, 2000: 131)
Postas essas reflexões, verifica-se que,
Quanto aos componentes curriculares, se se parte do conceito de que comunicação é
este artigo particulariza, em especial, a disciplina produção social de sentido, a comunicação,
Comunicação' que, muitas vezes, nem consta como disciplina, é posta em segundo plano,
do currículo de determinados cursos de turismo embora seja o tecnológico em turismo um curso
ou quando consta é utilizada no sentido de prestação de serviços. Tal afirmação se
meramente mercadológico ou ainda como meras sustenta, inclusive, no tratamento dado pelos
técnicas comunicacionais. Por isso, é muito docentes de turismo, enfatizando, quando o faz,
apropriada a reflexão de Marutschka Moesch o verbal como instrumento e não como dado
(2000: 131) ao fazer referências sobre a forma constitutivo do ser humano.
como se exploram comumente os aspectos Em toda formação social, existem muitos
. . . e diferentes discursos que vão, por meio de
comurucacionars:
nossos filtros, constituindo nossa maneira de ser.
"A comunicação é inserida apenas A experiência de cada um se forma a partir do
como insumo básico do produto turístico, contato com o outro, seja pessoa, grupos ou
como informação ideologizada, que deve instituições. Toda essa realidade se compõe de
divulgar a existência de lugares
diferentesdiscursosque circulam incessantemente
romantizados, ideais para passarmos nosso
tempo de fruição. A comunicação é canal de no espaço social modelando ou provocando as
venda, de divulgação, modela-se, como pessoas sob formas diversas. Entre os vários
camaleão, para atingir toda a tipologia de discursos, tem-se o discurso da publicidade ou
turistas. A dimensão marqueteira da comunicação publicitária," cujo objetivo básico
comunicação dos destinos turísticos não é o
se traduz na idéia persuasiva do "consuma-me"
bastante para justificar as loucuras das
multidões estivais (625 milhões de turistas),
ou a produção dos não-lugares na acepção de
que viajaram, no ano de 1998, segundo a Barbosa (2001: 13,14). A idealização de
OMT (1998)." realidades é um dado significativo que põe em
xeque as ações voltadas para o turismo com
E mais à frente, ainda acrescenta outras responsabilidade social,já que são evidências
reflexões importantes a autora,citando Maffesoli, de uma práxis no âmbito do turismo. Do ponto
especialmente em sua obra No fundo das de vista educacional, observações como as feitas
aparências: pelo referido autor devem ser contra-atacadas
com uma prática pedagógica diferenciada:

S A particularização dessa disciplina se deve pela formação da autora e não deve ser entendida como destaque em relação às demais
(inclusive com argumentos já explicitados no texto). Acresce-se a isso a necessidade de que tal conteúdo tem que ser reavaliado nos
cursos de turismo, de forma a garantir não só as questões técnicas como também a constituição do ser humano.
6 Neste trabalho, destaca-se o discurso propagandístico devido à sua importância com relação às atividades relacionadas ao turismo. Tal
discurso aqui deve ser entendido de duas formas básicas: a propaganda turística propriamente dita como também o tom propagandístico
sempre presente no discurso turístico efetivado pelos profissionais, apreendido no guia turístico, no agente de viagens, por exemplo.
Sinergia, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 09-16, jan./jun. 2003
Do Turismo Fast Food ao Turismo com Responsabilidade Social
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Cláudia Lukianchuki

"O turismo tem sabido aproveitar- produz o acontecimento através da linguagem.


se de certos aspectos importantes, como a Portanto, não pode e nem deve ser um mero
onda ecológica que atravessa o planeta,
instrumento para atingir seu objetivo mais
criando seu próprio produto denominado
ecoturismo, como no Brasil em que a imediato.
indústria hoteleira cria o eco-resort. No Dessa forma, lança-se a semente de um
fundo é umafunção apelativa. Como também sujeito que trata ativamente de compreender o
o são as falsas tias que levam crianças para mundo que o rodeia e de resolver as
os parques da Disney, na Florida, que
interrogações que ele lhe faz. Aprende através
procuram dar a idéia de segurança com a
sugestão de parentesco. Consome-se muito das suas próprias ações sobre os objetos do
mais a segurança do que o próprio destino mundo e constrói suas próprias categorias de
da viagem. Para atrair turistas, cria-se a pensamento ao mesmo tempo que organiza seu
revitalização de monumentos históricos uruverso.
usando cores fortes; é o domínio do pictórico,
Etimologicamente sabe-se que
predominando o apelo visual, talvez
deslocando-se da originalidade e do passado comunicar é tomar comum, mas como entender
histórico de determinado lugar. " isso na prática cotidiana? De fato, as pessoas
buscam tomar comum o que comunicam? No
Essas questões já apontam o tom sempre ato de comunicar existe uma preocupação com
polêmico que envolve a publicidade e a verdade, com a ética, com o bem-estar e
conseqüentemente o papel do profissional de aprimoramento de cada pessoa? Em que os
turismo como extensão dela. Essa magia e meios de comunicação e os diferentes discursos
sedução tão próprias desse discurso são melhoram, por exemplo, a qualidade de vida das
traduzidas nas atividades do turismo. Convém pessoas? Como entender que hoje, na mídia, há
não se esquecer de que "o turismo de massa um acúmulo de informações sem produzir
tomou a produção turística um dos negócios verdadeiramente sentido - portanto des-
mais importantes e de maior crescimento conhecimento? O acesso à informação é igual a
sustentável nos últimos anos." (Barbosa, todos ou varia de acordo com o seu poder
2001:12) aquisitivo? Existe uma função pedagógica da
Tratando-se desse universo, é preciso comunicação no discurso turístico? Ao se
destacar o papel da linguagem verbal, uma vez comunicar o ser humano tem consciência de que
que ela delineiaos universospublicitárioe tutístico está formando o outro e se formando também?
estampando seus objetivos: não é apenas um Alguns desafios precisam ser vencidos
discurso para levar a comprar determinado para que, de fato, a comunicação possa realizar,
produto ou adquirir um estilo de vida; é reflexo pelo menos, duas de suas funções básicas - a
da sociedade em que ele se manifesta. A crítica formação da personalidade dos indivíduos e o
à publicidade e aos serviços turísticos como são exercício da cidadania. Comunicação como
realizados revela a própria sociedade que se prática social, que faz emergir um sujeito que
superficializa, que se materializa, que se toma insiste na conquista de sua própria humanidade,
descartável, ou simplesmente que evidencia seus de um sujeito coletivo, ou seja, a relação
valores. Tais discursos, lúdicos e autoritários, dialógica - princípio constitutivo da linguagem
cheios de táticas e estratégias, invadem o na acepção de Bakhtin em que o social impera
cotidiano das pessoas, constituindo-as. sobre o individual ou o individual contém
É preciso evidenciar, na prática, que a necessariamente o social.
linguagem deve ser um exercício de vida a fim de A linguagem verbal influencia nosso
que possa referendar uma qualidade de vida modo de percepção da realidade. Em um certo
substancial às pessoas, que se possam minimizar sentido, é criadora e reveladora da nossa imagem
os atritos sociais e individuais, enfim condição à do mundo - nossa articulação do e no mundo,
paz, não uma paz inercial que sugere um em certa medida, expressa-se em função da
espectador imóvel, estupefato, mas aquele que experiêncianão sóindividualcomo também social
Sinergia, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 09-16, jan,/jun. 2003
Do Turismo Fast Food ao Turismo com Responsabilidade Social
Um Olhar Pedagógico sobre o Ensino no Curso Superior de Tecnologia em Turismo do CEFET-SP
Cláudia Lukianchúki

que se transmite, antes de tudo, pela linguagem. preocupação é com a venda, inclusive
A linguagem é constituidora do sujeito e, como verificando-se informações equivocadas e até
se sabe, a palavra não é só meio de omissão de informações. Destacando-se,
comunicação, mas também conteúdo da própria inclusive, uma forma mecânica de dar
atividade psíquica. Portanto, em todas as informações, sem que isso necessariamente se
manifestações verbais, o profissional de turismo traduza em conhecimento de forma a privilegiar
ou de outras atividades profissionais constitui e um bom atendimento, o que não quer dizer
é constituído pelos discursos que circulam na apenas ser educado ou gentil. Um bom exemplo
sociedade. disso é analisar vídeos turísticos do ponto de vista
A palavra em circulação é a palavra que comunicacional, não dispensando, é claro, as
está embebida de significados de tal forma que, interferências interdisciplinares.
ao falar, os sentidos são mobilizados de maneira Por que as pessoas levam um pacote
a mostrar que o sujeito é responsável por aquilo turístico e não outro nem sempre se traduz na
que diz, fazendo assim transparecer o seu papel eficiência de um trabalho permeado pela
e responsabilidade sociais, isto é, as formas e responsabilidade social, responsabilidade esta
posição de suas relações sociais. Por essa razão, que não pode ser atribuída só à venda, mas sim
sustenta-se a afirmação de que todos temos ao respeito ao consumidor, que deve ser bem
responsabilidade social, ainda que em graus informado. Mais do que consumidores, é preciso
diferenciados. sim ser agente social.
É preciso combater a tese de que no Dessa forma, o discurso turístico é
universo dos serviços turísticos vale tudo, para revelador, sob alguns aspectos, do tipo de
se fechar um negócio, um pacote turístico. sociedade que o produziu. Nele é possível
Vender é pressuposto, mas não a qualquer custo. apreender, inclusi ve, traços da vida cotidiana: os
Se no cotidiano são exercitados esses valores, valores sociais, as formas de pensar, a ideologia,
então não se pode questionar ou mesmo rejeitar os preconceitos, os estereótipos, os modelos e
todo esse mundo injusto, individualista e violento. estilos de vida, a afeti vidade, a racionalidade, as
Como se sabe, violência não é apenas a física. É pessoas, personagens importantes, entre outros.
preciso estar atento às palavras no sentido de O exercício da responsabilidade social se dá,
lhes perceber o que está oculto. também, na e pela linguagem.
Nesse sentido, cabe o alerta de Décio
Pignatari que, de forma bastante apropriada,
afirma que "Combater o consumo é uma forma REFERÊNCIAS
de repressão, combater o consumismo é uma BIBLIOGRÁFICAS
t
forma de saneamento socioeconômico e
cultural.'? O que se observa, freqüentemente, é ANSARAH, Manlia G. dos Reis. Formação e
que o ser humano focalizado nos serviços capacitação do profissional em turismo
turísticos - seja o profissional, seja o turista - é e hotelaria: reflexões e cadastro das
meramente o consumidor, excluindo-se aí todo instituições educacionais do Brasil. São
e qualquer traço do agente social. Paulo: Aleph, 2002. (Série turismo)
Não é novidade alguma dizer que o BAKHfN, Mikkhail (Volochinov). Marxismo
mercado oferece tentações múltiplas e, muitas efilosofia da linguagem. 5. ed. São Paulo:
vezes, as pessoas nem se dão conta de como Hucitec, 1978.
são levadas a fazerem uma ou outra coisa sem BARBOSA, Y carim Melgaço. O despertar do
muita consciência da ação em si. Basta lembrar turismo: um olhar crítico sobre os não-
que, quando se vai às agências para comprar lugares. São Paulo: Aleph, 2001.
um pacote turístico, por exemplo, a grande CANCLINI, Néstor Garcia. Consumidores e

7 Décio Pignatari. Simbologia do consumo na TV. In: NOVAES, Adauto (org.). Rede imaginária, p.140.

Sinergia, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 09-16, jan./jun. 2003


Do Turismo Fast Food ao Turismo com Responsabilidade Social
Um Olhar Pedagógico sobre o Ensino no Curso Superior de Tecnologia em Turismo do CEFET-SP
Clàudia Lukianchuki

cidadãos. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, da comunicação na atividade turística. São


1995. Paulo: Contexto, 2002.
DENCKER, Ada de F. Maneti. Pesquisa e PIGNATARI, Décio. Simbologia do consumo
interdisciplinaridade no ensino superior: na TV. In: NOVAES,Adauto (org.). Rede
uma experiência no curso de turismo. São imaginária. São Paulo: Companhia das
Paulo: Aleph, 2002. Letras, Secretaria Municipal de Cultura,
HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. Rio 1991. P. 140.
de Janeiro: Paz e Terra, 1985. PIRES, Mário Jorge. Lazer e turismo cultural.
LUKIANCHUKl, Cláudia. Dialogismo. In: 2. ed. Barueri, SP: Manole, 2002.
Sinergia, nº 02, São Paulo: CEFET-SP, SANTOS, Laymert G. Consumindo o futuro.
2001. Caderno Mais! Folha de S. Paulo, 27 fev.
______ .Vozes do silêncio: um estudo 2000 e Internet: www.uol.com.br/fsp/mais/
do discurso sobre a mulher na mídia fs2702200002.htm
impressa. (Tese de Doutorado, ECNUSP, SERRANO, Célia, BRUHNS, Heloísa T.,
2001). LUCHIARI, Maria Tereza D.P (orgs.).
_______ .Discurso da publicidade e Olhares contemporâneos sobre o turismo.
Diretrizes Curriculares. In: Revista Campinas, SP: Papirus, 2000. (Série
Comunicação & Educação nº 17. São turismo).
Paulo: Moderna, j aneiro/abril 2000. TRIGO, Luiz Gonzaga G Turismo e qualidade:
_______ . O poder da linguagem tendências contemporâneas. Campinas, SP:
verbal na comunicação: uma análise do Papirus, 1998. (Coleção Turismo)
verbal da publicidade, 1995. (Dissertação
de Mestrado, ECNUSP)
MOESCH, Marutschka. A produção do saber Para contato com a autora:
turístico. São Paulo: Contexto, 2002. classer@uol.com.br
NIELSEN, Christian. Turismo e mídia: o papel

Sinergia, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 09-16, jan./jun. 2003


MARKETING NAATIVIDADE TURÍSTICA

Adriana Gomes de Moraes


Mestre em turismo e hotelaria-UNIVALI
Professora do curso de turismo da Universidade de Uberaba-MG

Trata-se nesse artigo da teoria e da prática do marketing no turismo. Mostra-se como trabalhar
as estratégias de marketing na atividade turística.

Palavras-chave: marketing, turismo.

This paper shows the theory and practice of tourism and marketing. lt tries to show how to
work the strategics of marketing in turistic activity.

Key words: marketing, tourism.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Marketing é um conceito que parece já


definitivamente incorporado à linguagem
É importante lembrar que a teoria e empresarial e comercial do cotidiano, ainda que
prática de marketing se desenvolveram não tenha sempre o mesmo significado para
inicialmente associados a produtos físicos. No todos.
entanto, atualmente, tal marketing tem-se Machin (1997, p.13) definemarketing
voltado para o setor de serviços onde se podem como "uma determinada atitude, filosofia e
inserir as atividades do turismo. orientação com a qual o conjunto da empresa
Kotler (2000, p.448) define serviço ou organização enfrenta em seu entorno e na sua
como "qualquer ato ou desempenho, atividade".
essencialmente intangível, que uma parte pode Kotler (2000, p.29) cita que:
oferecer a outra e que não resulta na propriedade "marketing é um processo social por meio do
de nada. A execução de um serviço pode ou qual pessoas e grupos de pessoas obtêm aquilo
não estar ligada a um produto concreto." que necessitam e o que desejam com a criação
Compreende-se que a atividade turística e livre negociação de produtos e serviços de
só conseguirá alavancar definitivamente nesse valor com outros".
novo milênio se contar com estratégias de
marketing eficientes. No entanto, para que isso
aconteça faz-se necessário saber primeiramente 2. O MIX DO MARKETING
o que é marketing e qual sua área de TURÍSTICO
abrangência.
Para Mielenhausen (2000, p.51) Percebe-se que os serviços possuem um
"marketing é um conjunto de atividades, que mix variável de bens e serviços, por isso é difícil
visam atender às necessidades dos generalizá-Ios sem uma distinção mais profunda.
consumidores, de modo a permitir a existência Podem-se generalizar os serviços sob três
da empresa e seu desenvolvimento de forma enfoques segundo Kotler (2000, p.449). Em
lucrativa." primeiro lugar, os serviços podem ser baseados
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Marketing na Atividade Turística
Adriana Gomes de Moraes

em equipamentos ou em pessoas. Os serviços exemplo, não têm nada além de um bilhete e um


baseados em pessoas podem ser divididos entre ticket de embarque com a promessa de levar o
os que não requerem nenhuma qualificação, os passageiro à destinação escolhida". A fim de
que requerem alguma qualificação e os que reduzir essa incerteza, os compradores
exigem uma especialização. procurarão por sinais ou evidências da qualidade
Em segundo lugar, alguns serviços do serviço. Deduzirão a qualidade com base nas
exigem a presença do cliente, enquanto que instalações, nas pessoas, nos equipamentos, no
outros não. Portanto, se a presença do cliente é material de comunicação, nos símbolos e nos
indispensável, o prestador de serviços tem de preços percebidos, por isso a tarefa do prestador
considerar suas necessidades. Pode-se aqui de serviço é administrar as evidências, para
incluir a viagem a um determinado lugar, onde se deixar tangível o intangível. Kotler (2000, p.450)
compra o pacote e para que o serviço seja cita que "enquanto o desafio dos profissionais
realizado é preciso que o cliente vá até ele. de marketing de produtos é agregar idéias
Em terceiro, os serviços diferem quanto abstratas, o dos profissionais de marketing de
ao tipo de atendimento e necessidades. Há serviçosé agregar evidências e imagens concretas
serviços que atendem a uma necessidade pessoal a ofertas abstratas."
(serviços pessoais) e outros que atendem a uma
necessidade empresarial (serviços empresariais).
Em geral, prestadores de serviços desenvolvem b) Inseparabilidade
programas de marketing diferentes para
mercados pessoais e empresariais. Um exemplo Significa dizer que o consumidor é parte
são os preços praticados no balcão de um hotel do produto, os serviços são inseparáveis da fonte
e os preços que o hotel pratica perante um que os prestam. A produção e o consumo
acordo com agências de viagens. ocorrem simultaneamente, pois os produtos e
Os prestadores de serviços diferem em serviços turísticos exigem que o consumidor
objetivo (com ou sem fins lucrativos) e em desloque-se e vá até eles, e não o contrário,
propriedade (privados e públicos). Essas duas como acontece com muitos outros produtos.
características, quando combinadas, produzem Como o cliente também está presente enquanto
organizações diferentes. Os programas de o serviço é executado, a interação prestador de
marketing de um hotel diferem dos de espaço serviços-cliente é uma característica especial do
público destinado ao lazer da população de uma marketing de serviços, tanto o prestador de
dada localidade. serviços quanto o cliente afetam o resultado.
Deve-se observar que o marketing
turístico e o marketing de produtos físicos são
diferentes. As diferenças surgem como c) Heterogeneidade ou Variabilidade
conseqüência da natureza e dos serviços. Essas
características diferem muito na elaboração de Os serviços são claramente distintos uns
programas de marketing. As principais dos outros. Não são padronizados. A
diferenças encontradas são: heterogeneidade dos serviços permite adaptá-
los às necessidades individuais dos usuários, mas
exige por parte do vendedor maior grau de
a) Intangibilidade conhecimento e muita habilidade para serem
empregadas. Por esse motivo, é necessário que
Está relacionada com a impossibilidade os serviços turísticos desenvolvam grande
dos produtos e serviços turísticos serem vistos, esforço no treinamento de seu pessoal. Para esse
provados, testados, sentidos, cheirados ou tipo de serviço, empresas de prestação de
ouvidos antes de serem consumidos. Para Mota serviços podem tomar três providências visando
(2001, p.131), "passageiros de aeronaves, por ao controle da qualidade. A primeira é investir
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Marketing na Atividade Turística
Adriana Gomes de Moraes

em bons processos de contratação e conseguir a satisfação dos turistas;


treinamento, recrutar os funcionários certos e
oferecer a eles um excelente treinamento são
• Criar urna diferenciação competi tiva de
providências essenciais, independentemente do
seus serviços, oferecendo alta qualidade
nível de habilidade dos profissionais. A segunda
e fomentando o aumento da
providência é a padronização do processo de
produtividade dos serviços oferecidos.
execução do serviço em todos os setores da
organização. A terceira providência é o
Sasser, apud Kotler (2000, p.453),
acompanhamento da satisfação do cliente por
descreveu várias estratégias para estabelecer um
meio de sistemas de sugestão e reclamação,
melhor equilíbrio entre demanda e oferta em urna
pesquisas com clientes e comparação com
empresa prestadora de serviços.
concorrentes.
Em relação à demanda:

d) Perecibilidade • Preços diferenciados transferirão alguma


demanda de períodos de pico para
Os serviços turísticos não podem períodos de baixa;
manter-se ou serem estocados nos pontos de
venda. Por esse moti vo, a cama de um hotel, ou
o assento de um avião, devem ser vendidos no
• Os períodos de baixa demanda podem
ser aproveitados. Alguns hotéis possuem
dia e na hora em que são oferecidos, ou
pacotes para fim de semana nessa época
irremediavelmente são desperdiçados e não
para contornar a baixa procura;
poderão ser recuperados jamais.
Segundo OMT (1998, p. 293), o setor
turístico precisa desenvolver diferentes métodos • Serviços complementares podem ser
para: desenvolvidos durante o período de pico,
a fim de oferecer alternativas a clientes
que estejam em uma filapor muito tempo;
• Tornar tangível o intangível,
proporcionando suporte físico para as
ofertas turísticas, que pela própria • Os sistemas de reserva funcionam como
natureza são abstratas; uma maneira de gerenciar o nível de
demanda, companhias aéreas, hotéis e
consultórios médicos utilizam muito esse
• Encontrar meios adequados para
sistema.
influenciar a demanda e conseguir um
melhor relacionamento com o trade
Em relação à oferta:
turístico, deixando de lado o obstáculo
consistente de alcançar o produto
turístico; • Funcionários que trabalham meio
período podem ser contratados para
• Proporcionar interação prestador de atender o pico da demanda, restaurantes
contratam garçons para trabalhar meio
serviço/cliente, pois a gestão de
período quando se faz necessário;
marketing turístico não se baseia
somente na atuação externa, mas há
também o marketing interno, que está • Rotinasde eficiênciaparao horáriode pico
centrado na formação, entretenimento e podem serintroduzidas. Os funcionários
motivação dos empregados, para desempenham apenas tarefas essenciais
durante os períodos de pico;
Sinergia, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 17-21, jan./jun. 2003
Marketing na Atividade Turística
Adriana Gomes de Moraes

externo como o processo normal de preparo,


• Uma maior participação do cliente pode
determinação de preço, distribuição e promoção
ser estimulada. Por exemplo, os clientes
de um serviço aos clientes. E marketing interno
preenchem sua ficha no consultório
como processo de treinamento e motivação feito
médico ou embalam suas compras no
com os funcionários para que atendam bem aos
supermercado;
clientes.
Kotler (2000, p.457) observa que "as
• Instalações visando à expansão futura empresas prestadoras de serviços têm de
podem ser desenvolvidas. Um parque de enfrentar três tarefas: aumentar a diferenciação,
diversões compra a área ao seu redor a qualidade dos serviços e a produtividade."
para uma posterior expansão. A diferenciação implica oferecer ao seu
cliente algo inovador e ter pessoas bem
o marketing mix também constitui-se qualificadas para executar seus serviços, assim
em um conjunto de ferramentas de marketing, como apresentar seu diferencial por meio de
que as empresas utilizam para conseguir seus algum símbolo que a torne conhecida quando
objetivos comerciais, com relação ao segmento visualizado.
desejado, e é composto por: produtos, preços, Berry e Parasurarnan apud Kotler
distribuição e promoção. (2000, p.460) apresentam um check listpara o
A tradicional abordagem dos 4 ps - marketing de serviços, propõem que os gerentes
produto, preço, promoção e praça - funcionam de marketing façam as seguintes perguntas,
bem no caso de bens, mas para Kotler alguns enquanto buscam gerenciar e exceder as
elementos adicionais exigem atenção no caso de expectativas:
empresas prestadoras de serviços. Booms e
Bitner apud Kotler (2000, p.454) sugeriram três. 1. Nós nos esforçamos para proporcionar
Os adicionais para o marketing de serviços: ao cliente uma idéia realista do nosso
pessoas, prova física, e processo. Pelo fato da serviço?
maioria dos serviços ser fornecida por pessoas,
a seleção, o treinamento e a motivação dos 2. Desempenharmos o serviço sempre de
funcionários podem fazer enorme diferença na modo certo é uma das maiores
satisfação do cliente. O ideal seria que os prioridades da nossa empresa?
funcionários exibissem competência, interesse,
capacidade de resposta, iniciativa, habilidade 3. Nós nos comunicamos efetivamente com
para resolver problemas e boa vontade. A prova os clientes?
física também é prova de que as empresas tentam
mostrar a qualidade dos seus serviços. Um hotel 4. Surpreendemos os clientes durante a
terá aparência e um estilo de tratar os clientes entrega do serviço?
que demonstrem sua proposta de valor. Para
completar, empresas prestadoras de serviços 5. Os nossos funcionários consideram os
podem escolher entre processos diferentes de problemas na entrega do serviço
executar seu serviço. Restaurantes desenvolvem oportunidades de causar boa impressão
formatos muito diferentes, com estilo cafeteria, aos clientes ou contratempos?
fast-food, buffet e serviço de luz de velas.
Gronroos apud Kotler (2000, p.456) 6. Avaliamos e melhoramos continuamente
argumentou que o marketing de serviços exige o nosso desempenho e o comparamos
não apenas marketing externo, mas também com as expectativas dos clientes?
interno e interativo. Entende-se marketing

Sinergia, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 17-21, jan.jjun. 2003


Marketing na Atividade Turística
Adriana Gomes de Moraes

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS atividade de comunicação dirigida diretamente


ao potencial interessado, normalmente associada
Empresas de serviços gerenciadas com à atividade de vendas, feita tanto com intensa
excelência acreditam que as relações entre os atuação de pessoas como mediante o uso de
funcionários afetam as relações com os clientes. comunicações diretas ao clientes."
A gerência realiza o marketing interno e No turismo, as promoções mais usadas
recompensa os funcionários pelo bom são participação em eventos e distribuição de
desempenho, além de apoiá-lo. A gerência material promocional em pontos de clientes
pesquisa regularmente a satisfação dos potenciais. Existem outras ferramentas
funcionários em relação ao trabalho. promocionais que se podem denominar
No produto, devem ser definidas as promocionais de apoio. Fazem parte os folhetos,
necessidades e os desejos que vão satisfazer o news letters, brindes, vídeos, cd-rooms e
consumidor. Parte integrante da definição do intemet.
produto significa saber a que mercado se destina.
A definição do preço é o custo do
produto para o consumidor, o qual não está REFERÊNCIAS
diretamente vinculado ao custo direto. Em função BIBLIOGRÁFICAS
da sua sazonalidade, na baixa temporada
também é preciso operar os equipamentos apesar KOTLER, Philip. Administração de
da demanda ser menor. Nesse caso, o preço marketing. 10. ed. São Paulo: Prentice Hall,
baixo ajuda a atrair clientes. Para Mielenhausen 2000.
(2000, p.51) "o preço é uma ferramenta MACHIN, Carmen Atlés. Marketing y
importante também para se definir o nível do Turismo: gestão estratégica. Madrid:
status desejado para o serviço vendido." Síntesis, 1993.
A distribuição tem a função de permitir MIELENHAUSEN, Ulrich. Gestão do mix
ao consumidor o acesso ao serviço, é saber promocional para agências de viagens e
também por qual meio e qual canal o serviço turismo. Turismo: teoria e prática. São
será distribuído. Decidir quais ferramentas Paulo: Atlas, 2000.
promocionais usar para divulgar os serviços OMT. lntroducion ai turismo. Madrid: OMT,
oferecidos, cabe à promoção, que usa as 1998.
ferramentas de mix promocional.
O mix promocional é formado pela
promoção e pela propaganda. Promoção, Para contato com a autora:
segundo Mielenhausen (2000, p.53), "é a adriana.moraes@uniube.br

Sinergia, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 17-21, jan.fjun. 2003


A DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA E O ENSINO DO CÁLCULO NO
CURSO DE LICENCIATURA EM FÍSICA: A CONSTRUÇÃO DE UMA
EXPERIÊNCIA CONJUNTA PARA UM NOVO PERFIL DE TRABALHO

Wania Tedeschi
Professora do Centro Federal de Educação Tecnológica de São Paulo e
Mestranda do Programa de Pós-graduação da Faculdade de Educação da USP.

Diamantino Fernandes Trindade


Professor do Centro Federal de Educação Tecnológica de São Paulo e
Mestre em Educação pela Universidade Cidade de São Paulo.

Neste trabalho relatamos as atividades que estão sendo desenvolvidas em disciplinas que
abordam o Cálculo e o Ensino e Divulgação da Ciência, no que diz respeito ao vínculo da
leitura de textos de divulgação científica e os conteúdos ministrados no Cálculo para o curso
de Licenciatura em Física, esperando contribuir para o amadurecimento do debate da
divulgação cientifica como um elemento fundamental da formação inicial de professores.

Palavras-chave: ensino de Cálculo, divulgação cientifica.formação de professores.

In this study we report the activities being developed in classes covering the Calculus and
Teaching and Divulging Science regarding the link between text reading and scientific
approach, and the subjects taught in Calculus classes for the Graduation Program in Physics,
hoping to contribute for the maturity of the debate on scientific divulging as an ele mental
key for the initial formation of teachers.

Key words: Calculus' teaching, scientific divulgation, formation of teachers.

INTRODUÇÃO Relativamente aos cursos de formação


de professores, temas sobre educação científica
Mais que em qualquer outra época, temos têm aparecido de maneira recorrente,
vivido situações onde o conhecimento de demonstrando que a necessidade de integrá-los
tecnologias e de ciência são detenninantes na vida ao currículo é cada vez maior. Outra necessidade
das pessoas. Por outro lado, o crescimento cada é a de discutir o desenvolvimento das
vez mais rápido das descobertas científicas e descobertas científicas como algo que não se dá
tecnológicas tem alterado profundamente o ritmo por acumulação ou invenções isoladas, mas que
e a maneira de viver de grande parte das pessoas, crenças e contextos são também determinantes
o que tem levado à necessidade de rever conceitos para esse desenvolvimento.
e posturas sobre nossas ações no mundo e a Proporcionar ao futuro professor a
conseqüente quebra de paradigrnas. possibilidade de discutir criticamente, com seus
A explosão da microeletrônica e seu alunos, os avanços da tecnologia e da ciência, bem
constante avanço criam possibilidades de como possibilitar o entendimento de fatores que
intervenção jamais imaginadas. Assim, novas influenciam seu desenvolvimento e as possíveis
questões como a bioética, o direito internacional conseqüências que dele resultam, nos motivou a
ou a comunicação via Web estão sendo propor uma atividade que examinasse a construção
extensamente discutidas em busca de novos do trabalho científico e como uma mudança nesse
referenciais. pensamento pode afetar a vida de uma sociedade.

22~======================~ Sinergia, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 22-28, jan./jun. 2003


A Divulgação Científica e o Ensino do Cálculo no Curso de Licenciatura em Física:
A Construção de uma Experiência Conjunta para um Novo Perfil de Trabalho
Wania Tedeschi / Oiamantino Fernandes Trindade

A PROPOSTA Em 2003 (trabalho em andamento):

o trabalho é realizado com a turma do


segundo semestre do curso de Licenciatura em 1. Descartes - a razão acima de tudo
Física, e consiste na leitura, discussão e resenha
de dois textos de divulgação científica enfocando Artigo da revista Super Interessante que
o tema: a física e a matemática à época de aborda a vida e a obra do filósofo francês.
Newton e Leibniz e a divulgação da ciência
inglesa por Voltaire. Como conclusão do
trabalho, os alunos também elaboram, em grupo, 2. O século XVII
folhetins que devem enfocar os aspectos,
presentes nos textos, que mais chamaram a Capitulo VI do livro: História concisa
atenção do grupo durante as leituras e discussões das matemáticas, de Dirk J. Struik, que traça
discorrendo sobre elas com o objetivo de um panorama da matemática e da ciência num
elaborar um pequeno material de divulgação século onde as guerras, as navegações e a
científica, na forma de folhetins. Os textos lidos crescente urbanização estimulavam novas idéias
foram: e a criação do que foi chamado universo
mecanicista.

Em 2001 e 2002:
3. Sobre Descartes e Newton

1. Sobre o infinito e sobre a Décima-quarta carta do livro: Cartas


cronologia filosóficas, de Voltaire, onde se faz uma
comparação sobre as concepções científicas de
Décima-sétima carta do livro: Cartas Newton e Descartes, tentando expor a
filosóficas, de Voltaire, onde se faz um superioridade das idéias que se afastavam da
apanhado dos diversos autores que, à época filosofia escolástica, tudo isso em favor da causa
de Voltaire, se ocuparam com a questão do das luzes.
infinito, dentre os quais Newton e Leibniz.
Trata também da datação dos eventos
históricos e tenta discorrer sobre os possíveis LEITURAS OPTATIVAS:
enganos na cronologia que teriam sido
anotados por Newton.
4. Isaac Newton: perfil biográfico

2. Newton contra Leibniz - Um Capítulo 1 do li vro: Newton e


choque de titãs consciência européia, de Paolo Casini, que faz
um rápido apanhado de vida e obra do físico
Capítulo três do livro: Grandes debates inglês, e destaca alguns trabalhos de maior
da ciência: dez das maiores contendas de relevância como: a experiência com o prisma, o
todos os tempos, de Hal Hellman, que analisa o Cálculo, a lei da gravitação universal, o conceito
debate ocorrido a respeito da primazia da de espaço absoluto e a concepção corpuscular
invenção do Cálculo, traçando um perfil dos dois da matéria (oposta à de res extensa de
pensadores e dos contextos que envolveram este Descartes).
episódio.

Sinergia, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 22-28, jan./jun. 2003


A Divulgação Científica e o Ensino do Cálculo no Curso de Licenciatura em Física:
A Construção de uma Experiência Conjunta para um Novo Perfil de Trabalho
Wania Tedeschi / Diamantino Fernandes Trindade

5. Nasce a ciência moderna e O o caráter de contribuição aos trabalhos de


século das luzes Newton.
Por fim, enfatizamos o alcance que os
Capítulos XVII e XVIII do livro: A trabalhos de Newton tiveram principalmente
ciência através dos tempos, de Attico Chassot, devido à divulgação feita pelos textos de Voltaire,
que foca as obras de Copérnico, Galileu e com o que procuramos trabalhar as diferentes
Newton como a grande virada na maneira de visões de mundo existentes à época e sua
ver o mundo e o próprio homem e como a Idade influência ocasionada por essa divulgação.
das Luzes desencadeou a parceria ciência e
tecnologia, propiciando a Revolução Industrial.
Temas discutidos nas aulas a partir da
leitura dos textos:
OS OBJETIVOS

Em termos gerais, desejamos


• Os caminhos e os objetivos
diferenciados que levaram à concepção
proporcionar, aos alunos do curso de
do cálculo por Newton e Leibniz;
licenciatura, a possibilidade de um trabalho
conjunto envolvendo disciplinas que,
aparentemente, não proporiam tal trabalho em
conjunto se tomarmos por base os objetivos
• O desenvolvimento do artigo científico
- possibilidade a partir das disputas entre
tradicionalmente colocados para os cursos de
intelectuais;
Cálculo.
Ainda em termos de objetivosgerais,num
comparativo com o surgimento da ciência
moderna, no séc. XVII, particularmente no que
• A credibilidade das teorias de Newton
em sua época;
diz respeito aos trabalhos daqueles que, em algum
momento, contribuíram para o desenvolvimento
das idéias do Cálculo diferencial integral,
• A publicação de resultados de pesquisas
notadamente Newton, Leibniz e Descartes e,
para a comunidade científica - sobre os
como um dos maiores divulgadores dessas
motivosde Newton não ter publicadoseus
idéias, Voltaire teve a chance de fazer uma ponte
manuscritospor muitos anos e ainda sobre
sobre o que nos tem proposto a sociedade atual,
Osprincipia terem sido publicadosdepois
ou seja, o de debater uma série de questões
dos resultados de Leibniz;
como: a possibilidade da ciência proporcionar
bem-estar ao ser humano, a análise do nível de
alcance das tecnologias em benefício do grande
público.
• A disputa pela supremacia nas ciências
- rivalidade dos grupos de cientistas da
Mais especificamente o objetivo é de
Alemanha e da Inglaterra e os efeitos no
proporcionar, ao professor em formação, a
âmbito da ciência;
possibilidade de refletir sobre os acontecimentos
que possibilitaram o avanço da matemática
culminando com a síntese do Cálculo, quer dizer,
o que lera Newton? O que era prioridade em
• A concepção de Deus em Newton e
Leibniz e a influência em seus trabalhos;
sua mente e que caminhos seguiu para chegar às
suas descobertas? Certamente o aparecimento
dos trabalhos de Galileu, Descartes, Wallis,
Kepler entre outros, é uma decorrência imediata
• O papel da matemática na questão da
validação dos resultados experimentais;
nessa perspecti va, mas as tomamos apenas com
Sinergia, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 22-28, jan.fjun. 2003
A Divulgação Ci~ntífica e o Ensino. do Cálculo no Curso de Licenciatura em Física:
A Construçao de uma Expenencla Conjunta para um Novo Perfil de Trabalho
Wanla Tedeschi / Diamantino Fernandes Trindade

problemas na aprendizagem dos conceitos


• A rivalidade política entre França e
vinculados ao cálculo, ao mesmo tempo grande
Inglaterra e seus efeitos no âmbito da
parte desses alunos acredita que a abordagem
ciência;
desses conceitos deva ser feita através do maior
rigor possível, ou seja, a exploração dos temas
considerando abordagens que se utilizem do
• Os moti vos de Voltaire, sendo um
formato numérico e/ou geométrico são
homem das letras, ter assumido a tese
consideradas apenas uma complementação, pois
newtoniana tão abertamente, tomando-
possuem caráter intuitivo.
se seu grande divul~ador;
Ao longo de um curso inicial de Cálculo ,
não são raros os questionamentos dos alunos
• A "tradução" das idéias do cálculo para sobre como os cientistas fizeram suas
descobertas e qual o motivo da busca por esses
uma linguagemmais acessível,não apenas
resultados. Em vista disso e também do fato de
para uma elite intelectual;
que o professor em formação enfrentará os
mesmos questionamentos, acreditamos que a
discussão sobre as transformações ocorridas na
• A dificuldade de aceitar a idéia do infinito
ciência, ao longo do tempo, seja de fundamental
e suas conseqüências, como por
importância para a formação do professor de
exemplo: a empreitada audaciosa do
ciências, em particular para o professor de Física,
cálculo da raiz quadrada de números de
pois incorpora ao trabalho de sala de aula, outros
aritméticadifícil;
aspectos do processo do trabalho científico que
facilitam a abordagem das questões levantadas
acima.
• A influência das sociedades científicas ,
Juntamente a esse trabalho, os
recém-formadas, em determinar os
conteúdos específicos de cálculo puderam ser
caminhos do que era considerado
tratados, nessas diversas ocasiões, adotando-
científico.
se a construção dos conceitos e procurando ter
sempre uma motivação que não necessariamente
Todos estes aspectos foram discutidos
esteve ligada a problemas práticos, mas a
~nevitave1mente,à luz de sua contemporaneidade:
problemas de desenvolvimento do próprio
Incorporando vários tópicos atuais às
conteúdo, (como o uso da melhor nomenclatura
discussões.
ou o caminho mais interessante a se seguir em
determinado problema) e mesmo ligados a
problemas pedagógicos, como por exemplo:
o vínculo entre a leitura de textos de
abordar conteúdos da física para o ensino médio
divulgação científica e os conteúdos
utilizando elementos do Cálculo, mesmo sem o
ministrados no cálculo para o curso
conhecimento rigoroso dos tópicos do Cálculo.
Licenciatura em Física

As primeiras noções de Cálculo na


Aspectos pedagógicos do trabalho
universidade têm sido tarefa árdua para os
estudantes que, dependendo da carreira
De acordo com as Diretrizes para
escolhida, limitam-se a conseguir os créditos de
formação de professores Uul/2000), é preciso
forma menos dolorosa possível,
que o professor assuma a dimensão profissional
comprometendo-se apenas em conseguir a nota
do seu trabalho, assim a formação deste
necessária. Outro aspecto bastante interessante
profissional deve possibilitar a construção de um
é que, apesar de muitos alunos terem grandes
perfil crítico e autônomo que dê conta das
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A Divulgação Científica e o Ensino do Cálculo no Curso de Licenciatura em Física:
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Wania Tedeschi / Diamantino Fernandes Trindade

situações resolvendo suas especificidades. dessa e de outras atividades na mesma linha, ao


Para que isto se dê é "necessário refletir longo do curso, incorporar, em sua futura prática
os objetivos da formação, os conteúdos a serem docente, atividades que levem à reflexão e ao
desenvolvidos, qual abordagem metodológica e tratamento crítico dos temas propostos, bem como
a criação de tempos e espaços de vi vência para à elaboração de estratégias que façam a ligação
os professores em formação." E ainda, as entre a física e a matemática.
diretrizes para a formação de professores de
física determinam habilidades específicas dessa
área de atuação que incluem: Prática rejlexiva do professor formador:
ação/rejlexão/ação - Articulação entre
1. O planejamento e o desenvolvimento de conhecimento experencial, pedagógico e
diferentes experiências didáticas em técnico
Física, reconhecendo os elementos
relevantes às estratégias adequadas; Sendo um curso de formação de
professores de física, nas aulas e no trabalho de
2. A elaboração ou a adaptação de elaboração dos planos de aulas e de materiais
materiais didáticos de diferentes didáticos, almejou-se assumir uma dinâmica,
naturezas, identificando seus objetivos de onde os professores em formação pudessem, de
formação, de aprendizagem e de ensino. maneira verdadeira, aprender a ensinar.
Ensinar, restrito ao âmbito escolar,
Essas diretrizes devem, na nossa avaliação, significa ser professor, com isso preocupações
estar presentes, sempre que possível, nas mais específicas estão ligadas ao ato docente, tais
diversas atividades do curso, sendo isso válido para como: lidar com as pessoas da escola como os
as disciplinas do núcleo comum ou específico. próprios colegas professores e, sem dúvida, com
Relacionamos abaixo dois aspectos que os próprios alunos no sentido de fazê-Ios
procuramos trabalhar, ao longo da atividade de aprender algo, ou seja, que se eduquem.
leitura dos textos e elaboração dos folhetins, que Para o professor da licenciatura é
são relacionados no documento para a formação fundamental que a prática de refletir sobre sua
de professores de maio de 2000. própria atuação se estabeleça. Isso permitiria
interligar os conteúdos a serem ensinados com os
conteúdos que o professor em formação irá ensinar
A simetria invertida e também a expressão escolar dos mesmos.
Ninguém ensina aquilo que ainda não interiorizou,
Diz respeito ao fato de que o professor que não faz parte da sua prática. Se o faz é como
em formação fará uma transposição da sala de mero reprodutor de conceitos estabelecidos por
aula e de sua vivência como aluno para sua outros. Se as atividades que se proporcionam aos
experiência como professor. alunos das licenciaturas seguem um direcionamento
Um dos objetivos com essa atividade é onde o ato de ensinar não faz parte das discussões
o de motivar o aluno a refletir sobre as diversas de uma forma geral, mas se restringe a espaços
formas de abordagem inicial dos conceitos específicos como nas disciplinas pedagógicas, então
ligados ao Cálculo tanto na disciplina de física não se está formando professores no sentido mais
como na de matemática do ensino médio, do estrito do termo.
qual será professor, como também, em seguida, Desencadear a prática de refletir sobre
convidá-Io para uma discussão sobre as várias as experiências como formador de professores
possibilidades de tratar temas do Cálculo no requer a possibilidade pessoal de se abrir para
ensino médio e depois avaliar seus benefícios e novas experiências e de admitir novas
suas desvantagens para os alunos. possibilidades de solução para os problemas, de
Espera-se que os alunos possam, a partir encarar os erros sob uma perspectiva
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investigativa e ainda a possibilidade de rever os REFERÊNCIAS


modelos de formação e avaliar em que medida BIBLIOGRÁFICAS
eles dão conta de novas questões colocadas pela
sociedade atual. ALVES, Rubem. Filosofia da Ciência:
Como estratégia, tomar explícitos os introdução aojogo e suas regras. São Paulo:
saberes construídos na prática docente e fazê- Loyola, 2000.
los objeto de reflexão, traz um ponto de vista AROUET, François - Marie (VOLTAIRE).
diferenciado do que se costuma chamar de Cartas Filosóficas. São Paulo: Landy,
investigação, mas esta possibilidade, se colocada 200l.
dentro de um programa de desenvolvimento BRASIL. Ministério da Educação. Proposta de
profissional, dará um verdadeiro caráter de Diretrizes para a Fonnação Inicial de
pesquisa à reflexão, pois ela resignifica as ações professores da Educação Básica em Nível
pedagógicas e, num processo dinâmico, faz uma Superior. Brasília, maio 2000.
sistematização teórico- prática desses saberes. BRASIL. Conselho Nacional de Educação.
A prática reflexiva é, antes de tudo, uma Diretrizes Curriculares Nacionais para o
ação coletiva. Ela abre espaço para o debate Ensino Médio. Brasília,jun. 1998.
amplo e para a criação de novas hipóteses que BRONOWSKY, J. O Senso comum da
possibilitam a profissionalização e a evolução da ciência. São Paulo: Itatiaiae EDUSP, 1990.
profissão. Para que se alcancem os objetivos CASINI, Paolo. Newton e consciência
mais amplos na construção de um curso de européia. São Paulo: Unesp, 1995.
formadores, é necessário considerar, também, CRESTANA, Silvério et aI. Educação para a
que esta ação coleti va deva estar voltada para Ciência: curso para treinamento em centros
uma atitude democrática e emancipatória dos e museus de Ciência São Paulo: Livraria
formadores e que ao formarem grupos de da Física, 200 l.
aprendizagem estarão contribuindo uns para o FOUREZ, Gerard. A construção das ciências:
crescimento dos outros e, portanto, traçando um introdução à filosofia e a ética das ciências.
novo perfil para os cursos de licenciatura. São Paulo: UNESP, 1995.
GUIMARÃES, Eduardo et al. Produção e
circulação do conhecimento: estado, rnídia
CONSIDERAÇÕES FINAIS e sociedade. Campinas: Pontes, 200l.
HEINSENBERG, Wemer. Física e Filosofia.
A divulgação científica e o ensino de 4 ed. Brasília: Humanidades, 1999.
Cálculo podem criar um proveitoso vínculo com HELLMAN, Hal, Grandes Debates da
o objetivo de diminuir as ansiedades dos Ciência: dez das maiores contendas de
estudantes em relação a essa disciplina que, ao todos os tempos. São Paulo: Unesp, 1995.
estudar as condições culturais, históricas e JAPIASSU, Hilton. A Revolução Científica
sociais possibilitam a promoção de significados, Moderna: de Galileu a Newton. São Paulo:
tendendo a eliminar a visão rnítica que envolve o Letras & Letras, 1999.
Cálculo e os personagens a ele ligados. Sem KUHN, Thomas S. A Estrutura das
dúvida, não pretendemos, com isso, dizer que Revoluções Científicas. 5 ed. São Paulo:
esse tipo de abordagem pode eliminar os Perspectiva, 2000.
problemas do ensino do Cálculo, mas sim que a LEODORO, Marcos Pires. Plano de Curso de
contribuição desse tipo de atividade vem no formação de professores para o ensino
sentido de relativizar os caminhos, diminuindo a de física. (Licenciatura em Física). São
sensação de impotência e perplexidade e até de Paulo: CEFET-SP, 200l.
incapacidade cognitiva que muitos alunos MARTINEZ, Eduardo, FLORES, Jorge. La
expressam quando diante dos conceitos nos p opularizacián de Ia ciencia y Ia
primeiros cursos de Cálculo. tecnología: reflexiones básicas. México,
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A Divulgação Científica e o Ensino do Cálculo no Curso de Licenciatura em Física:
A Construção de uma Experiência Conjunta para um Novo Perfil de Trabalho
Wania Tedeschi / Diamantino Fernandes Trindade

D.F.: UNESCO, 1997. Para contato com os autores:


POINCARÉ, Renri. O valor da ciência. Rio
de Janeiro: Contraponto, 1995. Wania Tedeschi
TRINDADE, Diamantino Fernandes, wania.tedeschi @ig.com.br
TRINDADE, Lais dos Santos Pinto. A Teia
do Ensinar e do Apreender. In: Sinergia, Diamantino Fernandes Trindade
n.3. São Paulo: CEFET-SP, 2002. dilais@bol.com.br
STRUIK, Dirk J. Historia concisa das
matemáticas. Lisboa: Gradiva,1989.

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o TEMPO
AO LONGO DO TEMPO-
DO PRESENTE AO PASSADO DOS VÍDEOS DIDÁTICOS

Ricardo Roberto Plaza Teixeira


Doutor em Ciências pelo Instituto de Física da USP
Professor da Área de Ciência e Tecnologia do CEFET·SP

Margareth Yuri Takeuchi


Aluna do Curso de Licenciatura em Física do CEFET·SP

Riama Coelho Gouveia


Aluna do Curso de Licenciatura em Física do CEFET·SP

Este artigo trata de um trabalho realizado com diferentes vídeos didáticos científicos, que
procuram refletir sobre o caráter do tempo nafisica clássica e nafísica moderna, assim como
suas relações com a arte, a matemática e o cotidiano. No texto, apresentamos um breve relato
sobre a pesquisa que serviu de base a uma atividade desenvolvida com alunos do curso de
Licenciatura em Física do CEF ET-Sp, analisando seus métodos e os resultados obtidos.

Palavras-chave: tempo, relatividade, física moderna, física clássica, vídeo didático.

This article is about a work on different scientific didactic videos that try to reflect the meaning
of time in classical and modern physics, as well as its relation with arts, mathematics, and
our daily lives. In the article, we present a brief description ofthe research that was the basis
to an activity developed with students of CEFET undergraduate course to form teachers of
physics, analyzing its Methods and the results obtained.

Key words: time, relativity, modern physics, classical physics, didactic video.

1. INTRODUÇÃO forma mais sistemática sobre este tipo de trabalho


foi Pedro Romano Miléo Filho, que em sua
De forma cada vez mais intensa vídeos dissertação de Mestrado, Os meios
didáticos acerca de assuntos científicos tomam- audiovisuais no ensino de física (Miléo Filho,
se disponíveis aos professores dos diferentes 1994), dedica-se à classificação de produções
níveis de ensino. Alguns trabalhos publicados nos de vídeos com fins educativos e análise de como
últimos anos tentaram analisar as formas de estes materiais são utilizados pela maioria dos
utilização deste recurso - o vídeo - pelos professores. Relata ainda uma experiência
professores das disciplinas relacionadas às realizada com alunos do último ano do ensino
ciências da natureza. O próprio barateamento fundamental, e apresenta uma proposta para a
do custo de aparelhos de vídeo cassete tomou utilizaçãoeficiente de audiovisuais educativos no
o seu uso bastante acessível nas escolas e ensino de física.
universidades do país. Além deste autor, dois outros trabalhos
Um dos autores que procurou refletir de relacionados ao tema têm uma importância que
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o Tempo ao Longo do Tempo - Do Presente ao Passado dos Vídeos Didáticos
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deve ser ressaltada: a dissertação de Mestrado 2. O TEMPO COMO TEMA


de Mikiya Muramatsu Produção, utilização e
avaliação de filmes didáticos de física o uso de recursos didáticos, neste caso
(Muramatsu, 1976) e a dissertação de Mestrado em especial o vídeo, em geral, objetiva despertar
de José Junio Lopes Leitura do vídeo didático o interesse e a atenção do público-alvo. Para
de física: estudo de alguns episódios (Lopes, facilitar esta tarefa selecionamos um tema - o
1995). tempo - que em si próprio já provoca
Nos últimos 40 anos, no mundo e inquietações, e que oferece possibilidade para
particularmente no Brasil, tem existido uma inúmeras abordagens distintas.
produção significativa de·vídeos didáticos e/ou Passamos então à escolha dos vídeos, e
de divulgação, voltados para temas científicos e para tanto foram realizadas pesquisas detalhadas
que podem, de alguma forma, propiciar uma no acervo da videoteca do IFUSP (Instituto de
utilização educacional interessante. Além disso, Física da Universidade de São Paulo) e no
é cada vez maior o número de videotecas acervo de fitas de vídeo do CEFET-SP (Centro
pedagógicas e didáticas, e são cada vez mais Federal de Educação Tecnológica de São
amplos os seus acervos. Paulo). Este trabalho obviamente não conseguiu
Paradoxalmente, pela nossa experiência, verificar esses acervos em sua totalidade (e
percebemos que os professores das disciplinas tampouco era esse seu objeti vo), mas procurou,
científicas, particularmente os de física, utilizam além de ser o mais amplo possível, atender a
de forma muito tímida este recurso didático. Essa dois objetivos principais:
resistência está relacionada a vários fatores, mas
um deles com certeza é o fato de que esses --.J Realizar, no CEFET-SP, uma mostra de
professores, durante os seus cursos de formação, vídeos científicos, tendo como tema
tiveram poucas atividades e muito pouco tempo central o Tempo;
de trabalho pedagógico relacionado ao uso de Permitir uma reflexão a respeito da
vídeos em sala de aula. Este trabalho, à primeira produção e do uso de vídeos científicos
vista, parece trivial, sobretudo devido ao fato ao longo do tempo, nos últimos 40 anos.
de a televisão ter-se disseminado pela nossa
sociedade ao longo da segunda metade do século Focamos nossa atenção nas grandes
XX. Entretanto, e até mesmo por causa disto, o séries produzidas neste intervalo de tempo, em
uso eficaz de vídeos em sala de aula não é algo nosso país e no exterior. Chegamos então a cinco
simples e fácil. títulos que pensamos ser representativos de
Assim, pode-se afirmar que há, pelo diferentes épocas (anos 60, 70,80,90 e 2000),
menos no Brasil, uma tradição forte de ensinar e locais (Brasil e EUA).
física baseada unicamente em lousa e giz. Essa Para analisarmos a produção dos anos
tradição não apenas relega a segundo plano o 60, escolhemos o vídeo intitulado Dilatação do
uso de recursos como o vídeo, como também Tempo, da série norte-americana PSSC
ensina que estes em nada contribuem para os (physical Science Study Committee). Este vídeo
conteúdos a serem ensinados, servindo de 36 minutos de duração, gravado em preto e
unicamente para ocupar um tempo necessário branco, enfoca sobretudo os efeitos relativísticos
às aulas tradicionais. no tempo de decaimento de mésons-m
Esse obstáculo cultural ao uso do vídeo provenientes dos raios cósmicos que incidem na
deve ser portanto, estudado em suas causas, e atmosfera da Terra. A linguagem utilizada é bem
enfrentado pedagogicamente, de forma que essa precisa, e o assunto é tratado com bastante
ferramenta tecnológica possa de fato contribuir profundidade, o que dificulta a compreensão para
para a formação de uma sólida cultura científica o público leigo, e até mesmo para estudantes de
em nosso país. graduação em física. O PSSC foi uma tentativa
norte-americana de alavancar a educação
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científica num contexto de guerra fria, no qual a exemplificam estes conceitos e de demonstrações
União Soviética dava passos significativos em que pretendem esclarecer as bases e o
seu desenvolvimento tecnológico, com o desenvolvimento das teorias científicas tratadas.
lançamento do Sputinik. O capítulo escolhido aborda a dependência do
Como representante dos anos 70 foi tempo em relação à velocidade, de acordo com
selecionado o título brasileiro A Relatividade de a teoria da relatividade.
Einstein, da série Colégio 2. Esta fita de 27 Finalmente, para os anos 2000 foi
minutos, uma das 52 que compõe a série, escolhido o vídeo Tempo e infinito, um dos 13
também gravada em preto e branco, apresenta capítulos da série brasileira Arte e Matemática.
de forma genérica a Teoria da Relatividade, Numa linguagem simples e clara, os episódios
traçando alguns paralelos com o princípio desta série discutem conceitos matemáticos e
galileano da relatividade entre os referenciais físicos, analisados a partir de diferentes pontos
inerciais na mecânica clássica. Por não necessitar de vista: da ciência, das artes plásticas, da
de dublagem ou tradução, e estar mais próximo música, etc. Por sua abordagem variada, atrai a
da realidade acadêmica brasileira, esse vídeo atenção de um público mais amplo, não
apresenta suas vantagens, porém, tratando-se de necessariamente ligado à física. O capítulo
um material que já conta com 30 anos, num país selecionado, com duração de 25 minutos,
onde a produção desse tipo de recurso começa seguindo a idéia geral da série, procura analisar
agora a despertar, deixa bastante a desejar em as questões relativas ao conceito de tempo e de
relação a recursos visuais tais como gráficos e infinito, e suas relações com a arte e com a
animações. ciência.
Da produção de vídeo dos anos 80 Dessa maneira, esses cinco vídeos, de
destacamos o título O Limite da Eternidade, cinco séries bastante diferentes em objetivos,
da série norte-americana Cosmos. Essa fita tem abordagens e conteúdos, permitem uma visão
46 minutos de duração e foi gravada, como as ampla a respeito da evolução histórica e
duas seguintes, em cores. O idealizador, produtor tecnológica da produção de vídeos didáticos nos
e narrador dos 13capítulos desta série foi o físico últimos 40 anos, assim como um estudo sobre o
Carl Sagan, que se notabilizou até o fim de sua tempo, sob diferentes pontos de vista.
vida como um dos grandes divulgadores da
ciência do século XX. O capítulo em questão
aborda questões relacionadas à cosmogênese e 3. PRIMEIRA MOSTRA DE
à evolução do universo ao longo do tempo. É VÍDEOS CIENTÍFICOS DO
claramente perceptível a diferença de qualidade CEFET-SP
da produção, em relação aos dois vídeos
anteriores, mostrando não apenas o Com os cinco vídeos descritos foi
desenvolvimento da tecnologia audiovisualcomo organizada uma mostra de vídeos científicos com
o resultado positivo que pode oferecer o duração de uma semana, no início do ano letivo
emprego de recursos financeiros na educação de 2003, diariamente às llh, tendo como
científica. principal público alvo alunos dos quatro
Para representar a produção dos anos primeiros semestres do curso de Licenciatura em
90, escolhemos um dos 52 capítulos da série Física do CEFET-SP, contando também com a
norte-americana O Universo Mecânico, participação de alguns alunos do Ensino Médio
intitulado Velocidade e tempo, com 28 minutos e dos cursos Técnicos e de Tecnologia.
de duração. A série O Universo Mecânico Para a realização dessa mostra
constitui-se de "lectures" realizadas na procuramos estudar a organização de outros
Universidade de Stanford, acompanhadas de eventos similares, particularmente da Mostra
contextualização histórica sobre a evolução de Internacional de Ciência na TV "Ver Ciência",
conceitos na física, de animações que apresentada anualmente pela Estação Ciência.
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o Tempo ao Longo do Tempo - Do Presente ao Passado dos Vídeos Didáticos
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Estudamos também material produzido pelas momento histórico e social, assim como de
redes de televisão TV Escola e Discovery na introduzir o tema que estaria sendo tratado
Escola, com instruções para a utilização de durante a apresentação. As perguntas tinham a
vídeos em atividades escolares, e orientações função de estimular o aluno a manter sua atenção
para o melhor aproveitamento desse recurso. no vídeo, na tentativa de obter as respostas, e
Chegamos à conclusão de que um mais do que isso, servir de material para
enfoque mais interessante seria apresentar os posterior análise dos resultados obtidos com a
cinco vídeos escolhidos no sentido contrário ao mostra.
cronológico, ou seja, começando com a série
Arte e Matemática (anos 2000) e terminando
pelo vídeo da série PSSC (anos 60). O principal 4. IMPRESSÕES DO PÚBLICO
motivo para esta disposição é o fato de que as
produções mais recentes, por serem mais As respostas fornecidas pelos
dinâmicas e estarem mais condizentes com a atual participantes da Ia Mostra de Vídeo do CEFET-
realidade escolar, atraem a atenção e despertam SP formaram um ótimo instrumento de pesquisa
o interesse do público, que se motiva a saber sobre o aproveitamento desse recurso
mais sobre o tema participando da mostra até audiovisual em atividades didáticas, tanto em
mesmo nos dias em que os vídeos apresentam relação à introdução de novos conceitos, por
maiores dificuldades para compreensão. Outro vezes contrários ao que nos dita o senso comum,
argumento é o de que a percepção dos recursos quanto no que diz respeito à ampliação de
tecnológicos atuais da produção de vídeo informações já familiares.
científico permite uma desconstrução da A entrega das questões respondidas era
evolução histórica do estado da arte dessa optativa, sendo incentivado o sentido de
produção. colaboração com os organizadores do evento.
Como diz Ligia Silvia Leite Borges, Eliminando a obrigatoriedade da atividade
sobre as fitas de vídeo, em seu livro Tecnologia buscamos produzir um material previamente
educacional: "Este recurso não é um fim em si selecionado, sem respostas que desviassem a
mesmo e necessita de material de apoio atenção do objetivo central da pesquisa. O
adequado e da atuação correta do professor, resultado foi satisfatório: 68 questionários
para atingir satisfatoriamente seus objetivos" entregues no primeiro dia do evento, 62 no
(Borges, 2003). Portanto, além da escolha dos segundo, 23 no terceiro, 53 no quarto e 28
vídeos, do ambiente e da programação, de questionário entregues no último dia. O número
acordo com o público que desejávamos atingir, reduzido que corresponde ao terceiro dia está
preparamos um material de apoio, que foi relacionado à maior duração do vídeo e a
entregue aos participantes no início de cada problemas técnicos que ocorreram durante a
seção (vide apêndice 1). apresentação.
O material de apoio consistia em um Muitas observações e análises podem ser
pequeno texto, com explicações simples sobre feitas a partir do material recolhido, mas vamos
o conteúdo do vídeo que estaria sendo nos ater neste texto a dois aspectos principais: a
apresentado, alguns dados técnicos e relação das respostas com o tipo de questão que
informações sobre a série a que pertencia. estava sendo proposta e a assimilação do
Depois do texto eram apresentadas duas conteúdo apresentado nos vídeos.
perguntas, que deveriam ser lidas antes da Quando as perguntas eram diretamente
apresentação do vídeo e respondidas ao final, e relacionadas a situações ou definições tratadas
cujas respostas eram discutidas ou fomecidas no vídeo as respostas de quase todos os
no decorrer do vídeo. participantes eram praticamente iguais, e
O texto foi produzido sempre no sentido correspondiam à tradução das cenas assistidas.
de relacionar a produção de vídeo com seu Nas perguntas em que a relação com o vídeo
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não estava tão explícita, as respostas incluíram De uma maneira geral, o aproveitamento
conhecimentos pessoais e ultrapassaram as do público foi bastante homogêneo. Apesar de
informações recebidas naquele momento. se tratar de alunos de semestres diferentes e até
Em relação à assimilação do conteúdo, mesmo do ensino médio, o tema abordado na
existem algumas observações importantes que mostra não havia sido estudado em sala de aula
devem ser feitas. por nenhuma turma, ressaltando dessa forma
Fica evidente a dificuldade em modificar diferenças sobretudo em relação a
conceitos equivocados que fazem parte do conhecimentos pessoais previamente adquiridos.
conhecimento prévio dos participantes. O
conhecimento do públiconão especializado
sobre as descobertas de Einstein representado 5. CONCLUSÃO
na frase "tudo é relativo" dificulta a
compreensão sobre o que há de absoluto em Este trabalho foi construído em diversas
sua teoria - a constância da velocidade da luz. etapas, e cada uma delas ampliou nosso
Apesar das diversas explicações sobre esse conhecimento sobre o que está sendo
tema nos vídeos, nas respostas ainda aparecem desenvolvido e produzido na área de vídeos
afirmações como "Nada é absoluto" ou o didáticos, no Brasil e no exterior. Permitiu
próprio "Tudo é relativo". também a solidificação de nossa compreensão
A visão absoluta do tempo é outra a respeito das possibilidades de utilização desse
concepção espontânea altamente arraigada em recurso no processo de educação, tanto em sala
todos nós, devido a todas as experiências de aula quanto em atividades especiais, como a
cotidianas, com nossos relógios, compromissos que organizamos no CEFET-SP.
e horários marcados. Portanto desconstruí-la não De fundamental importância é a escolha
é algo fácil, mesmo com o uso de recursos do material que será utilizado. Uma classificação
audiovisuais como o vídeo, sendo que perguntas quanto à linguagem, realizada por Miléo Filho,
que questionavam esse caráter absoluto divide os vídeos em dois grupos: monossêmicos
provocaram reações adversas como revelam as e polissêmicos. Os monossêmicos são "aqueles
frases "isso é lavagem cerebral" ou "todo audiovisuais nos quais o assunto principal
físico é louco". Assim, este caso é mais aparece de forma direta, objetiva e
complexo do que o exemplo apresentado no descontextualizada; sem temas paralelos". Os
trabalho desenvolvido por Pedro Miléo (Miléo polissêmicos, ao contrário, são "audiovisuais
Filho, 1994), no qual algumas concepções cujo assunto principal vem codificado em
espontâneas de alunos a respeito de alavancas uma linguagem mais complexa, e menos
são totalmente desequilibradas e reconstruídas direta, inter-relacionando-o a temas paralelos
após a apresentação de um vídeo didático. que servem de suporte para contextualizâ-lo" .
Apesar dessa dificuldade em Em nossa mostra contamos com dois
compreender aspectos físicos importantes sobre vídeos polissêmicos: Tempo e infinito (Arte e
o caráter relativo do tempo e suas implicações, Matemática) e O limite da eternidade
uma análise de respostas às questões propostas (Cosmos). O resultado obtido com estes vídeos
no decorrer da semana permitiu perceber uma é o estabelecimento de relações entre
evolução no conteúdo absorvido pelo público. conhecimentos prévios e as informações então
Inicialmente havia muita confusão com termos recebidas, permitindo uma forte interação do
novos como "contração do espaço" e "dilatação público na decodificação do conteúdo.
do tempo". No último dia estes termos já eram Os outros três vídeos - Velocidade e
utilizados com mais familiaridade e melhor tempo (Universo Mecânico), A relatividade de
contexrualizados. As respostas foram se Einstein (Colégio 2) e A dilatação do tempo
tomando cada vez mais precisas, e traduziam (PSSC) são classificados como
com mais profundidade os conceitos estudados. monossêmicos, e produzem um resultado
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o Tempo ao Longo do Tempo - Do Presente ao Passado dos Vídeos Didáticos
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diferente. Em cada um desses há um foco bem A relatividade de Einstein. Dir. Sérgio


definido, que é abordado durante todo o vídeo, Mattar. Colégio 2. TV Cultura, 1970.
com exemplos, demonstrações e experiêncías, O limite da eternidade. Dir. Carl Sagan.
facilitando a compreensão do conteúdo Cosmos. Carl Sagan Productions, 1990.
específico. Tempo e infinito. Arte e Matemática.
Dependendo do objetivo que TV Cultura, 2000.
pretendemos atingir com nosso público, devemos Velocidade e tempo. Dir. David
escolher um ou outro tipo de vídeo, levando ainda Goodstein. Universo Mecânico. The Annenberg/
em consideração outros aspectos: o tempo CPB Project, 1985.
disponível para as apresentações, que necessitam
de preparação e direcionamento; a faixa etária
dos alunos e as informações que já têm sobre o APÊNDICEl
assunto, o que vai interferir diretamente na
participação e no aproveitamento deles.
A realização deste trabalho nos permitiu PSSC - A Dilatação do Tempo
perceber o vídeo como um recurso didático (36min)
muito interessante em termos pedagógicos, e
versátil no uso em sala de aula,já que permite Em 1956, quando a União Soviética
diferentes utilizações: se bem trabalhado, pode lançou o Sputnik, o primeiro satélite artificial, o
contribuir efetivamente no processo de ensino- governo dos Estados Unidos foi pego de
aprendizado. surpresa com o avanço tecnológico e científico
soviético. Buscando as causas que deixavam os
Estados Unidos para trás nessa corrida,
REFERÊNCIAS encontraram falhas na educação científica que
BIBLIOGRÁFICAS estava sendo aplicada, Investiram, então,
vultosas somas no desenvolvimento de novos
BORGES, Ligia Silvia Leite et al. Tecnologia currículos: em Física surgiu o PSSC, o IPS, o
educacional. Petrópolis: Vozes, 2003. HPP, e na Inglaterra o Nuffield; em Química,
LOPES, José Junio. Leituras do vídeo didático foram criados o CBS e o CBA.
defísica: estudo de alguns episódios, 1995. O PSSC - Physical Science Study
(Dissertação de Mestrado IFUSPIFEUSP). Commi ttee - foi o primeiro dedicado a levar às
MILÉO FILHO, Pedro Romano. Os meios escolas secundárias os últimos avanços da Física,
audiovisuais no ensino de física: particularmente da Física Nuclear, uma vez que
produção, classificação, e dinâmicas de a bomba atômica tinha demonstrado a todos a
utilização de audiovisuais educativos de importância da energia nuclear. Tratou-se de um
física na sala de aula, 1994. (Dissertação projeto de renovação do currículo de Física no
de Mestrado IFUSPIFEUSP). ensino médio, iniciado no M.I.T., com apoio da
MURAMATSU, Mikiya. Produção, utilização N.S.F. Por seu conteúdo bastante complexo, o
e avaliação de filmes didáticos de física, PSSC se revelou difícil demais para a maioria
1976. (Dissertação de Mestrado IFUSP/ das escolas norte-americanas, e exigia um intenso
FEUSP). treinamento dos professores.
Muitos desses projetos foram traduzidos
e adaptados no Brasil dos anos 60. A primeira
VÍDEOS DIDÁTICOS tradução do PSSC Physics para o português
foi publicadaem 1963 pela Editora Universidade
A dilação do tempo. Dir. Frisch David de Brasília. Era um projeto curricular completo,
& James Smith. PSSC. Education Services com materiaisinstrucionaiseducativos inovadores
Incorporated,1962. e uma também nova filosofia de ensino de Física,
Sinergia, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 29-37, jan,/jun. 2003
o Tempo ao Longo do Tempo - Do Presente ao Passado dos Vídeos Didáticos
Ricardo Roberto Plaza Teixeira / Margareth Yuri Takeuchi / Riama Coelho Gouveia

destacando procedimentos físicos e a estrutura o fenômeno da gravidade, que passa a deformar


da Física. Mas nenhum deles era adequado à o espaço-tempo nas vizinhanças de uma massa.
situação das escolas brasileiras, em que a A nova teoria do espaço-tempo curvo foi
formação dos professores deixava muito a denominada teoria da relatividade geral.
desejar. Posteriormente foram desenvolvidos Neste episódio da série Colégio 2,
projetos curriculares brasileiros, inspirados nos veremos exemplos e demonstrações sobre a
projetos norte-americanos, porém voltados teoria da relatividade, que permitem uma melhor
desde o início à realidade de nossas escolas; compreensão sobre estes conceitos tão
entre eles está o "Projeto de Ensino de Física" e abstratos, além de explicações sobre as
o "Física Auto-Instrutiva". - conseqüências que esta nova visão trouxe ao
desenvolvimento da física e da ciência de um
modo geral. A série foi idealizada e desenvolvida
QUESTÕES durante os anos 70, por físicos brasileiros, no
intuito de fazer chegar ao público estudantil um
).> O que acontece com o tempo num pouco da física moderna, assunto também
relógio que esteja se movendo em abordado nos demais episódios.
relação a um relógio em repouso?

Descreva a experiência que foi utilizada QUESTÕES


neste vídeo para estudar a dilatação do
tempo. ).> Como era a noção de tempo para Galileu
e Newton? Como passou a ser essa
noção depois de Einstein?
Colégio 2 - A Relatividade de Einstein
(27min) Que áreas da física puderam se
desenvolver a partir dessa nova
Emjunho de 1905, enquanto assistente concepção do espaço-tempo?
do departamento suíço de patentes, em Berna,
Albert Einstein escreveu um artigo que
revolucionaria a visão de tempo e espaço aceita Cosmos - O Limite da Eternidade
até então. Partiu do postulado de que as leis da (46min)
ciência deveriam parecer as mesmas para todos
os observadores em movimento livre, em A serre Cosmos é um dos mais
particular, que todos eles deveriam medir a formidáveis exemplos da amplitude e eficáciaque
mesma velocidade da luz. Sua teoria, conhecida a divulgação científica pode atingir por meios
como princípio da relatividade, convenceu logo audiovisuais, quando elaborada por uma
de início vários pensadores, mas encontrou personalidade de gênio como Carl Sagan e por
também muita resistência, que perdura até os meios técnicos e financeiros avultadíssimos.
dias atuais. Oferece uma visão de tal maneira motivadora
Apesar do sucesso de seus artigos de para a aventura do Saber, que o seu contato com
1905, que estabeleceram sua reputação, somente gerações de jovens pode ser mais atuante que
em 1909 Einstein conseguiu um posto na longas horas de aulas expositivas.
Universidade de Zurique. Nos anos que se Produzida por KCET e Carl Sagan
seguiram recebeu outras ofertas, em Praga, Viena Productions, em associação com a BBC e a
e Utrecht, mas escolheu para o desenvolvimento Polytel International, a série conta com 13
de seus trabalhos de pesquisa a Academia episódios: Os limites do oceano cósmico, As
Prussiana de Ciências, em Berlim. Nesse período origens da vida, A harmonia dos mundos,
ampliou sua teoria,incluindouma nova visãopara Inferno e céu, Os segredos de Marte, A
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o Tempo ao Longo do Tempo - Do Presente ao Passado dos Vídeos Didáticos
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odisséia do Voyager, A espinha dorsal da Eletromagnetismo, Óptica, Física Moderna).


noite, Viagens no espaço e no tempo, A vida A matemática também está presente em
das estrelas, O limite da eternidade, A alguns dos vídeos por meio de Vetores,
persistência da memória, Enciclopédia Derivadas e Integrais.
galáctica e Quem pode salvar a Terra? Além dos conceitosfísicose matemáticos
Como os nomes indicam, os episódios percebe-se que há também uma grande
tratam sobre astronomia, cosmologia, e a relação preocupação com a contextualização histórica
do homem com estas ciências. Neste episódio, de tais conceitos. Reconstituições de época de
em particular, a discussão gira em tomo da vários dos grandes nomes da História Universal
origem e do destino do Universo, das lendas e (como Galileu Galilei, Kepler, Isaac Newton,
crenças da astrofísica. Michael Faraday) possibilitam ao espectador ser
A apresentação é feita pelo autor, Carl testemunha ocular das descobertas desses
Sagan, que fornece explicações e incita a reflexão personagens e perceber como eles foram
sobre as imagens e os conceitos que estão sendo influenciados pelo momento histórico em que
mostrados. Para manter atualizada a série, ao vrviam.
final de cada episódio é feito um comentário sobre
as novidades que foram descobertas sobre
aquele tema após a elaboração do vídeo original, QUESTÕES
também pelo próprio Carl Sagan.
Por que, na viagem à Zog, o irmão
astronauta envelheceu menos do que o
QUESTÕES irmão que ficou na Terra?

Que constatação científica permitiu a o que é constante e o que é relativo na


comprovação do Big Bang? Teoria da Relatividade de Einstein?

o Universo teve um início? Quando? Ele


terá um fim? Arte e Matemática - Tempo e Infinito
(25min)

Universo Mecânico - Velocidade e Tempo "O que é o tempo? Tentemos


(28min) fornecer uma explicação fácil e breve. O que
há de mais familiar e mais conhecido do que
o tempo? Mas, o que é o tempo? Quando
o vídeo faz parte da série Universo quero explicá-lo, não encontro explicação.
Mecânico, produzida nos Estados Unidos pela Se eu disser que o tempo é a passagem do
empresa The Anneenberg CBP Project na passado para o presente e do presente para
década de 90 e transmitido no Brasil pela TV o futuro, terei que perguntar: Como pode o
tempo passar? Como sei que ele passa? O
Cultura de São Paulo - Fundação Padre
que é um tempo passado? Onde ele está? O
Anchieta. que é um tempo futuro? Onde ele está? Se o
A série conta com mais de cinqüenta passado é o que o eu, do presente, recordo e
títulos (como por exemplo: Introdução ao o futuro é o que o eu, do presente, espero,
Universo Mecânico, As leis de Newton, A lei então não seria mais correto dizer que o
tempo é apenas o presente? Mas, quanto
da queda dos corpos, Inércia, O campo
dura um presente? Quando acabo de colocar
elétrico, Ondas, Movimento harmônico o "r" no verbo "colocar", este "r" é ainda
simples, Entropia), que abordam de maneira presente ou já é passado? A palavra que
rigorosa e adequada os principais tópicos da estou pensando em escrever, a seguir, é
Física (Mecânica Clássica, Termodinâmica, presente ou éfuturo? O que é o tempo, afinal?
E a eternidade?"
Fenômenos Ondulatórios, Eletricidade,
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o Tempo ao Longo do Tempo - Do Presente ao Passado dos Vídeos Didáticos
Ricardo Roberto Plaza Teixeira / Margareth Yuri Takeuchi / Riama Coelho Gouveia

Parte do texto acima, extraído do livro QUESTÕES


Confissões, de Santo Agostinho, é lembrada
neste episódio: Tempo e infinito, um dos ~ Cite alguns conceitos físicos
componentes da série de vídeo didáticos apresentados no vídeo que provocaram
científicos Arte e Matemática. transformações na arte.
Produzida pela TV Cultura, esta série
oferece um espaço de reflexão, interação e o tempo é absoluto ou relativo? Na
discussão sobre as múltiplas relações entre a Física? Na Arte? No nosso dia-a-dia?
Matemática e as diversas linguagens artísticas:
Artes visuais, Música, Teatroe Dança, e também,
por outro lado, as complexas relações artísticas Para contato com os autores:
presentes na linguagem matemática.
Recebedora de vários prêmios, em todos Ricardo Roberto Plaza Teixeira
os episódios põe em destaque a aproximação rteixeira@if.usp.br
entre os padrões existentes na natureza,
reconhecidamente matemáticos, e aqueles Margareth Yuri Takeuchi
observáveis em vários tipos de manifestações da tabu@ig.mixfm.com.br
arte, como a pintura, as artes plásticas e a
arquitetura. Riama Coelho Gouveia
riamagp@uol.com.br

Sinergia, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 29-37, jan.jjun. 2003


INTERDISCIPLINARIDADE: NECESSIDADE, ORIGEM E DESTINO

Laís dos Santos Pinto Trindade


Mestre em Educação pela Universidade Cidade de São Paulo

Vivemos uma época que para muitos se configura como uma época de crise resultante da
fragmentação do conhecimento e da excessiva compartimentação disciplinar. Para superá-Ia
épreciso repensar o ensino das ciências. O objetivodeste ensaio é mostrar que o saber unificado
é uma necessidade do humano e que a interdisciplinaridade se mostra como uma nova
possibilidade para o desenvolvimento das ciências.

Palavras-chave: interdisciplinaridade, conhecimento, ciência.

We live in a world that is seen, by many people, as a world of crisis that started with the
fragmentation of knowledge and ofthe excessive discipline compartmentalization. In order
to overcome this it is necessary to re-think the teaching of science. The aim ofthis work is to
show that the unified knowledge is a human being necessity, and that interdisciplinarity is
a new possibility for the development of science.

Key words: interdisciplinary, knowledge, science.

Refletir sobre as reivindicações que inteiramente desvinculada de suas origens


geraram a interdisciplinaridade e sobre suas religiosas, místicas, alquimistas ou
origens é um exercício fascinante, posto que subjetivas." (Japiassu, 2001:53)
propiciaram uma outra nova ordem de se pensar Vivemos uma época de transição, de
o homem, o mundo e as coisas do mundo, questionamentos, uma época em que nossos
reabriram velhos caminhos, há muito esquecidos saberes e nossos poderes parecem estar
e, além disso, permitiram rever conceitos e desvinculados. Mais do que isso, o saber atual
certezas cristalizados na mente humana. fragmentado dispersou-se pelos dez cantos do
Voltaràs origens da significação humana mundo, e o centro desta circunferência, outrora
do conhecimento é resgatar a história do saber, ocupado pelo homem, encontra-se, agora,
é encontrar em cada paragem vivências e vazio. O magnífico desenvolvimento científico e
experiências relegadas ao esquecimento, tecnológico que ora assistimos também trouxe
deixadas de lado, até ridicularizadas, porque uma assustadora carência de sabedoria e
míticas, místicas, devocionais, ou mágicas, introspecção. Ciência e tecnologia lançaram-se,
portanto subjetivas, e por isso contrariavam o "...numa correria cega sem prestarem atenção
racionalismo e a objetividade, dogmas adotados à paisagem de humanidade que as cerca, sem
pela Ciência Moderna. No entanto são sonhar com o que deixaram atrás delas, para
componentes do humano, habitam a alma de melhor obedecerem ao espírito frenético de
todos nós e, freqüentemente, decidem nossas conquista que as arrastam para um terrível
ações. "O que estamos querendo dizer é que a futuro". (Gusdorf, 1976: 23)
ciência, por mais que elabore um discurso Na Ciência Moderna, eleita a estrela
racional e objetivo, jamais poderá estar guia, que conduziria a humanidade no caminho

Sinergia, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 38-43, jan.jjun. 2003


Interdisciplinaridade: Necessidade, Origem e Destino
Laís dos Santos Pinto Trindade

das trevas para a luz, o conhecimento mostra um caminho. Em sua obra


desenvolveu-se pela especialização e passou a Interdisciplinaridade, história, teoria e
ser considerado mais rigoroso quanto mais pesquisa nos leva a uma possibilidade de
restrito seu objeto de estudo; mais preciso, posicionamento frente a esta crise: "Fala-se em
quanto mais impessoal, eliminando o sujeito de crise de teorias, de modelos, de paradigmas,
seu discurso, e pondo de lado a emoção, o amor, e o problema que resta a nós educadores é o
considerados obstáculos à verdade. seguinte: É necessário estudar-se a
Especializado, restrito e fragmentado, o problemática e a origem dessas incertezas e
conhecimento disciplinar passou a ser dúvidas para conceber uma educação que as
disciplinado e segregador. Estabeleceu e enfrente. Tudo nos leva a crer que o exercício
delimitou as fronteiras entre as disciplinas, para da interdisciplinaridade facilitaria o
depoisfiscalizá-Iase reprimir os que as quisessem enfrentamento dessa crise de conhecimento
transpor. Para Santos (1997: 46): "A excessiva e das ciências, porém é necessário que se
disciplinarização do saber científico faz do compreenda a dinâmica vivida por essa crise,
cientista um ignorante especializado. " que se perceba a importância e os impasses a
Criou um pássaro, deu-lhe asas potentes, serem superados num projeto que a
mas que só alça vôo no campo restrito da sua contemple. "
especialidade - trancou-o numa gaiola. Também Se até o início do século XX a visão
é verdade que isso possibilitou uma grande determinista, de um mundo onde tudo estava
produção de conhecimento e tecnologia e ordenadamente colocado, numa regularidade
permiti u melhores condições de sobrevi vência. absoluta e previsível, confortava a humanidade,
Contudo, as condições básicas para urna vida a partir de alguns descobrimentos na Química e
digna ainda não atendem a uma parcela na Física essa forma de se situar no mundo foi
importante da população mundial; pouco profundamente abalada.
sabemos sobre nós mesmos e não há respostas Ao comprovar a transmutação dos
para as questões fundamentais. Exploramos elementos, Rutherford, ainda que a contragosto,
mundos distantes, do infinitamente grande ao transformou a Química, que passou a ser vista
infinitamente pequeno, novas realidades se como uma forma moderna e aperfeiçoada de
apresentaram irredutíveis a componentes básicos Alquimia. Esta "Alquimia moderna" vem
ou princípiosfundamentais,inexistentesem locais fortalecendo a antiga concepção de
definidos do espaço, onde o tempo não é transmutação e tem fornecido provas
Cronos e nada tem significado isoladamente - convincentes da unidade do Universo.
tudo depende do todo. No entanto, na era do O Princípio da Incerteza de Heisenberg,
triunfo da razão, o irracionalismo parece o Princípio da Complementaridade de Neils
sobressair. Há muito, não temos um único dia Bohr, o Princípio da Dualidade de Louis de
de paz. Estamos na situação de Prometeu - Broglie e o Teorema da Incompletude de Gõdel
roubamos o fogo do interior do átomo - só que, demonstraram que o universo determinista era
pela primeira vez na história, o homem adquiriu fruto do desejo humano de controle sobre a
o poder de Zeus. Natureza e refletia apenas uma crença pessoal,
Fruto de um saber/existir fragmentado e não uma característica intrínseca. Tal concepção
alienado, a humanidade assiste, perplexa, à crise mostrou-se semelhante ao antigo universo
das Ciências, à crise do próprio homem. Esse animista, no qual deuses e deusas dispunham dos
saber especializado, distante da vida, sem objetos à sua volta para satisfazer seus caprichos.
proveito, interessa-se por tudo, menos pelo Então, as angústias da incerteza e da
essencial.Ao descobrir e simplesmente descrever dúvida passaram a fazer parte do cotidiano. Para
fatos que não pode explicar, projeta-se o homem lidar com elas, a interdisciplinaridade se
num vazio de valores. apresenta como uma possibilidade de resgate do
O olhar atento de Ivani Fazenda nos homem frente à totalidade da vida. É uma nova
Sinergia, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 38-43, jan,/jun. 2003
Interdisciplinaridade: Necessidade, Origem e Destino
Lafs dos Santos Pinto Trindade

etapa, promissora, no desenvolvimento da no mundo - "Conhece-te a ti mesmo e


Ciência, em que o próprio conceito das ciências conhecerás os deuses e o Uni verso" - expressão
começa a ser revisto. Além disso, conforme nos maior de um conhecer em totalidade: o
lembra Santomé (1998: 45): "Também é preciso conhecimento de si, imagem dos deuses e do
frisar que apostar na interdisciplinaridade Universo.
significa defender um novo tipo de pessoa, Numa releitura do passado, Ivani
mais aberta, mais flexível, solidária, Fazenda (1999: 15) com os olhos de presente
democrática. O mundo atual precisa de e de futuro, promove um reencontro com
pessoas com uma formação cada vez mais Sócrates na história do conhecimento:
polivalente para enfrentar uma sociedade na "Conhecer a si mesmo é conhecer em
qual a palavra mudança é um dos vocábulos totalidade, interdisciplinarmente. Em
mais freqüentes e onde o futuro tem um grau Sócrates, a totalidade só é possível pela busca
de imprevisibilidade como nunca em outra da interioridade. Quanto mais se interioriza,
época da história da humanidade. " mais certezas vai se adquirindo da ignorância,
Interdisciplinaridade é palavra nova que da limitação, da provisoriedade. A
expressa antigas reivindicações, e outras delas interioridade nos conduz a um profundo
nascidas. Para alguns, surgiu da necessidade de exercício de humildade (fundamento maior e
reunificar o conhecimento, para outros, apareceu primeiro da interdisciplinaridade). Da dúvida
como um fenômeno capaz de corrigir todos os interior à dúvida exterior, do conhecimento
problemas procedentes desta fragmentação; de mim mesmo à procura do outro, do
outros, ainda, a consideram como uma prática mundo. Da dúvida geradora de dúvidas, a
pedagógica. primeira grande contradição e nela a
Mais importante do que defini-Ia,porque possibilidade de conhecimento... Do
o próprio ato de definir estabelece barreiras, é conhecimento de mim mesmo ao
refletir sobre as atitudes que se constituem como conhecimento da totalidade. "
interdisciplinares:atitudede humildade diante dos Este saber em totalidade, do que há de
limites do saber próprio e do próprio saber, sem universal e de total no ser,expressava-se também
deixar que ela se torne um limite; a atitude de no programa de ensino dos mestres gregos, a
espera diante do já estabelecido para que a Paidéia, que, segundo Japiassu (1976), não se
dúvida apareça e o novo germine; a atitude de reduzia a um acúmulo de conhecimentos. Ao
deslumbramento diante da possibilidade de contrário, seu objetivo centrava-se em permitir
superar outros desafios, atitude de respeito ao a formação e o desabrochar da personalidade
olhar o velho como novo, ao olhar o outro e integral. A Academia de Platão, o Liceu de
reconhecê-lo, reconhecendo-se; a atitude de Aristóteles e o Museu de Alexandria perseguiam
cooperação que conduz às parcerias, às trocas, esse ideal e foram, em suas épocas, centros
aos encontros, mais das pessoas que das produtores do saber. O mesmo conceito persiste
disciplinas, que propiciam as transformações, no trivium e no quadrivium do orbis
razão de ser da interdisciplinaridade. Mais que doctrinae, as sete artes liberais, uma forma de
um fazer é paixão por aprender, compartilhar e preservar e transmitir o conhecimento no período
ir além. chamado medieval. Nesta época, o ensino
O saber unificado surgiu quando a tomou-se privilégio da Igreja Católica e acontecia
consciência humana emergiu da Natureza e nas escolas dos mosteiros. Daí surgiram as
expressou-se no mito, nasceu, portanto, com o Universidades, com o mesmo objetivo, o do
humano, como característica do humano. No conhecimento integral baseado nos valores
decorrer dos tempos, com a diversificação das religiosos.
culturas, verificamos várias tentativas de se Como aLei do Universo é o movimento,
manter essa unidade. O Cosmos idealizado pelo é a transformação, o homem também se
pensamento grego refletia a condição do homem transforma, as condições sociais e culturais se

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Interdisciplinaridade: Necessidade, Origem e Destino
Laís dos Santos Pinto Trindade

modificam e acabam por propiciar grandes eu, nem sou eu, nem somos nós. A razão
mudanças. Assim, ao percorrermos a História alimenta-se até exaurir-se de objetividades.
da humanidade, observamos o surgimento de Quando nada mais resta, tenta lançar mão
uma nova mentalidade que deslocou o da subjetividade, porém, ela não é alimento
conhecimento das verdades divinas para as adequado, porque adormecida, porque
verdades do conhecimento humano. Essa entorpecida." (1999: 16)
mudança na maneira de como o homem via a si A fé no modelo científico, fora do qual
mesmo e ao mundo em que vivia, marcou o início não há qualquer verdade, foi o fator limitante da
da Revolução Científica. Iniciada no século XV, concepção cartesiana e, no entanto, é, ainda hoje,
estendeu-se até o final do século XVI. O regime muito difundida. Seu método, baseado no
social do medievo entrou em processo de raciocínioanalítico,alavancouo desenvolvimento
decadência, e com ele, os ideais que lhe eram do pensamento científico, mas de outro lado,
pertinentes.O Universo orgânico, vivo e espiritual provocou uma profunda cisão no nosso modo
começou a ceder. A fé e a contemplação não de pensar, gerando o ensino disciplinar
eram mais consideradas vias satisfatórias para compartimentado.
se chegar à verdade. Roma locuta, causa finita Veio então a Enciclopédia, tentando se
deixou de ser a norma e um novo caminho opor a essa fragmentação. Seu objetivo era o
precisava ser encontrado. de reunir os elementos dispersos sob a
Em Capra (2001: 52), vemos que: autoridade da Ciência, buscando uma conexão
"Desde a Antiguidade, os objetivos da entre os diversos ramos do saber.Em decorrência
investigação científica tinham sido a dos avanços tecnológicos do século XIX
sabedoria, a compreensão da ordem natural surgiram novas ciências, novas especializações.
e a vida em harmonia com ela. A ciência era Nas regiões de fronteira de cada disciplina,
realizada para a maior glória de Deus, ou, surgem outras mais - verdadeiras cancerizaçães
como diziam os chineses, para acompanhar epistemológicas. (Japiassu: 1976)
a ordem natural e fluir na corrente do Tao. " Iniciou-se o século XX, novos
A Terrajá não era mais o centro de um descobrimentos assombraram a humanidade, e
mundo limitado pelos céus. O universo - infinito a Ciência passou a ser considerada como a única
e dinâmico - revelou-se muito diferente do ideal possibilidade de um saber verdadeiro, de se
da perfeição. Também ele conhecia nascimento conhecer a realidade desvelada, que, algum dia,
e morte, organização, desorganização e possibilitaria ao homem adquirir o conhecimento
transformação. dos arcanos divinos. Mas veio a Primeira Guerra
Nesse ambiente de mundos em conflito Mundial, logo depois a Segunda, e com ela
desenvolveu-se a filosofia de René Descartes Hiroshima e Nagasaki, a exterrninação em massa,
(1596 -1650). Ao propor a existência de dois as catástrofes ecológicas, depois a crise de
mundos distintos e irredutíveis: da matéria e da energia, a escassez de água potável... Longe de
mente, sugeriu que apenas na mente residia o cumprir suas promessas, concretizou as mais
"eu", e a matéria deveria ser tratada como algo sombrias predições. A crise estava instalada
desprovido de vida. O conceito da natureza, como reflexo de um saber/existir fragmentado.
como mãe nutriente,foi substituído pela metáfora Diante deste quadro, a necessidade de
do mundo como uma máquina, destituída de uma retomada da unidade perdida cresceu.
emoção, destituída de vida. "O mim mesmo, o Assim é que a Europa anuncia, na década de
eu, o sou são reduzidos ao penso. Somente 1960, ainterdisciplinaridade, como uma forma
conheço quando penso. Conheço com o de oposição ao saber alienado, como um símbolo
intelecto, com a razão, não com os de retomo do humano no mundo.
sentimentos. Conheço minha exterioridade e No Brasil a interdisciplinaridade chegou
nela construo meu mundo, um mundo sem no final dos anos sessenta e, de acordo com
mim, um mundo que é eles, porém não sou Fazenda (1999), com sérias distorções, como
Sinergia, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 38-43, jan./jun. 2003
Interdisciplinaridade: Necessidade, Origem e Destino
Lafs dos Santos Pinto Trindade

um modismo, uma palavra de ordem a ser abordagem interdisciplinar, expressa no


explorada, usada e consumi da por aqueles que comprometimento do professor com seu trabalho
se lançam ao novo sem avaliar a aventura. Diz e alimentada pelas experiênciase vivências rituais
ainda que, no início da década de 1970, a de sua arte (Fazenda: 2002), anunciando
preocupação fundamental era a de uma possibilidades de, mais do que vencer os limites
explicitação terminologica. "A necessidade impostos pelo conhecimento fragmentado,
de conceituar; de exp licita rfazia-se presente transformar essas fronteiras em territórios
por vários motivos: interdisciplinaridade era propícios para os encontros.
uma palavra difícil de ser pronunciada e, mais É na arte de educar que o professor
ainda, de ser decifrada. Certamente que antes interdisciplinar realiza sua "Grande Obra". É a
de ser decifrada precisava ser traduzida e se sala de aula um território favorável aos encontros
não se chegava a um acordo sobre a forma das mais diversas pessoas, possuidoras dos mais
correta de escrita, menor acordo havia sobre variados saberes, com outros saberes,
o significado e a repercussão dessa palavra produzidos por outras pessoas. Nesses
que ao surgir anunciava a necessidade da encontros as transformações acontecem - a
construção de um novo paradigma de ciência, transformação do conhecimento e transformação
de conhecimento, e a elaboração de um novo de cada um - e nos levam a outro nível de
projeto de educação, de escola e de vida. " realidade.
Em 1976, Hilton Japiassu, o primeiro Encontros e transformações estruturam
pesquisador brasileiro a escrever sobre o o Universo. Dos encontros surge a vida. Nos
assunto, publicou o livro Interdisciplinaridade encontros a vida se enriquece e se transforma.
e a patologia do saber, onde apresenta os
principais problemas que envolvem a 'Tudo começou com um sim. Uma
interdisciplinaridade, as conceituações até então molécula disse sim para outra molécula e
existentese faz uma reflexão sobre a metodologia nasceu a vida". (Clarice Lispector -A hora
interdisciplinar, baseado nas experiências da estrela)
realizadas até então. Outro evento importante
foi a publicação, em 1979, da obra de Ivani
Fazenda, Integração e interdisciplinaridade no REFERÊNCIAS
ensino brasileiro: efetividade ou ideologia, BIBLIOGRÁFICAS
onde busca estabelecer a construção de um
conceito para interdisciplinaridade. Coloca a CAPRA, Fritjof. O Ponto de mutação. 22. ed.
interdisciplinaridadecomo uma atitude, um novo São Paulo: Cultrix, 2001.
olhar, que permite compreender e transformar o FAZENDA, Ivani. Conversando sobre
mundo, uma busca porrestituir a unidade perdida interdisciplinaridade à distância. São
do saber. A década de 1980 caracterizou-se Paulo: PUC-SPIUNICID, mimeo, 200l.
mais pela busca dos princípios teóricos das ____ Diversidade cultural no currículo
o

práticas vivenciadas por alguns professores. A de formação de professores: uma


perspectiva era a de superar esta dicotomia. dimensão interdisciplinar. São Paulo: PUC-
Apesar disso a interdisciplinaridade continuou a SPIUNICID, mimeo, 200l.
se disseminar de forma indiscriminada, já que, ____ Interdisciplinaridade: História,
o

de fato, poucos professores a conheciam. Assim, teoria e pesquisa. 4. ed. Campinas: Papirus,
nos anos de 1990, um grande número de 1999.
projetos, denominados interdisciplinares, surgiu ____ Integração e interdisciplinaridade
o

ainda baseados no modismo sem no ensino brasileiro. 4. ed. São Paulo:


.fundamentação. Loyola, 1996.
Por outro lado, apareceu, neste mesmo FURLANETTO, Ecleide C. A sala de aula
tempo, um processo de conscientização da interdisciplinur vista como um vaso

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Interdisciplinaridade: Necessidade, Origem e Destino
Lais dos Santos Pinto Trindade

alquímico. São Paulo: UNICID, mimeo, 1999.


2001. SANTOMÉ, Jurjo Torres. Globalização e
____ ...,--_. Fronteira. In: FAZENDA, interdisciplinaridade: o currículo
Ivani. Dicionário em construção: integrado. Porto Alegre: ARTMED, 1998.
interdisciplinaridade. São Paulo: Cortez, SANTOS, Boaventura. Um discurso sobre as
2001. ciências. 9. ed. Porto: Edições
GUSDORF, Georges. Prefácio. In: JAPIASSU, Afrontamento, 1997.
Hilton. Interdisciplinaridade e patologia TAINO, Ana Maria dos Reis. Totalidade. In:
do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976. FAZENDA, Ivani. Dicionário em
JAPIASSU, Hilton. Desistir do pensar? Nem construção: interdisciplinaridade. São
pensar! Criando o sentido da vida num Paulo: Cortez, 2001.
mundo funcional e instrumental. São Paulo:
Letras e Letras, 2001.
____ oInterdisciplinaridade e patologia Para contato com a autora:
do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976. dilais@bol.com.br
NICOLESCU, Basarab. O manifesto da
transdisciplinaridade. São Paulo: Triom,

Sinergia, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 38-43, jan./jun. 2003


A GANÂNCIA DO CAPITAL NÃO DESPREZA A INCERTEZA DA
LUTA DE CLASSES
A guerra de recolonização no Iraque e as necessidades estratégicas de recuperação
da economia capitalista mundial

ValérioArcary
Doutor em História Social pela USP e Professor de História no CEFET-SP

A teoria do "eixo do mal" e da suposta legitimidade das guerras preventivas anunciam que,
para o Pentágono, não hfL mais lugar no Sistema Mundial para Estados Independentes. Até
Cuba se sente, com razão, ameaçada. Estaríamos já diante de uma nova ordem internacional
consolidada com um único centro em Washington? Que relação de regularidade pode ser
observada entre as jlutuações dos ciclos longos do desenvolvimento e depressão do capitalismo,
e as guerras de recolonização, como a do Iraque? A resposta mais simples é a mais plausível.
O Capital precisa de segurança. Os Governos procuram segurança contra o perigo da
resistência das massas em luta. As corpo rações precisam de uma ordem mundial estável para
a acumulação. As cinco vagas da revolução mundial no século XX não aconteceram em vão.

Palavras-chave: globalização, teoria dos ciclos longos, Imperialismo, recolonização, guerra.


no Iraque, recessão mundial.

The "Eixo do Mal" theory and the supposed legitimacy of preventive wars say that, for the
Pentagon, there is no place in the World System for Independent States. Even Cuba feels
threatened with reason. Would we already be before a consolidated new international order
with its epicenter in Washington? What regular relationships can be observed between the
irregular long cycles ofthe development and depression of capitalism, and the re-colonization
wars, as the latest one in Iraq? The simplest answer is the most plausible one. Capital needs
safety. Governments need safety against the danger of the masses in fight. And corporations
need a stable world order for accumulation. The five waves of the world revolution in the
century xx did not happen in vain.

Key words: globalization, long cycles theory, Imperialism, re-colonization, Iraq's war,
world recession.

Nos inícios de 1825, em uma remota levarem a bordo um volumoso número de


península da Ásia, ocorreu uma estranha batalha guerreiros, podiam navegar a velocidades
que ficou esquecida nas brumas do tempo. Um superiores a 10km por hora rio acima, contra a
navio a vapor da East Índia Company, que corrente, graças às duas fileiras de remadores
acompanhava uma esquadra britânica, perseguiu bem treinados. Eram o terror do Índico, e
rio acima, durante centenas de quilômetros, uma intimidavam até o comércio inglês.
poderosa Armada de Praus do Rei da Birmânia O vapor Diana havia sido armado com
As Praus foram, possivelmente, as mais temíveis canhões. Essa adaptação nunca tinha sido feita
embarcações a vela e remo, alguma vez antes. Tinha um motor de sessenta cavalos de
construídas para a guerra, talvez mais eficazes força que queimava, indistintamente, carvão ou
que os famosos trirremes romanos. Além de madeira. Podia, portanto, auto- abastecer-se

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Valéria Arcary

enquanto se embrenhava, sem ponto de apoio, não parava de crescer.


nos rios volumosos cercados de florestas As vitórias militares só podem ser
impenetráveis. Bastava a tripulação ancorar na perenes quando se sustentam em bases
margem e cortar as árvores. O capitão inglês econômicas e sociais sólidas. A vitória americana
Marryat insistiu em levar a Diana porque no Iraque não ilude o fato de que a economia
acreditou que ela poderia ser útil para rebocar mundial continua estagnada. A promessa de
as outras naves a vela, em caso de calmaria e Washington de um ciclo de nova prosperidade
ausência de ventos. O que ele não previa, era capitalista não se confirmou. Depois de mais de
que essa iniciativa iria inverter qualitativamente dez anos de ajustes neoliberais a economia
as relações de forças militares entre Ocidente e mundial patina, a recolonização dos países
Oriente, por um século. Essa formidável e dependentes só fez aumentar a miséria, e a única
decisiva nova arma, uma aplicação militar das política do imperialismo é a militarização
vantagensque a revolução industrialtinha tomado crescente e mais contra-reformas regressivas.
possível, iria levar à conquista fulminante de um
Império.
As embarcações a vapor de fundo plano UM DOMÍNIO INCONTESTE DOS
revelaram-se especialmente adaptadas para a EUA NO SISTEMA MUNDIAL DE
guerra fluvial. A força da máquina a vapor, ESTADOS?
desenvolvida em sua máxima potência durante
cinco horas de perseguição, foi fatal para a A euforia com a globalização acabou.
marinha birmanesa, a mais poderosa da Ásia do Só os tolos ainda se agarram aos esfarrapados
início do século XIX. A vantagem comparati va argumentos esgrimidos para justificar a livre
da Diana foi devastadora. Os remadores das circulação de capitais. Bagdá arde em chamas.
Praus desmaiavam de exaustão, e alguns até O Pentágono demonstrou a previsível
morreram de esgotamento. Quando as Praus superioridade militar dos EUA, mas ninguém
ficavam imobilizadas, e tomando o cuidado de esquecerá que a máscara caiu. Milhões se
preservar uma distância que impedia o alcance mobilizaram para dizer basta ao imperialismo.
da artilharia birmanesa, os canhões do Diana Um novo intemacionalismo demonstrou
faziam fogo à vontade, tiro ao alvo. As o potencial da força das ruas. A Guerra contra
orgulhosas Praus afundavam, impotentes. Em o Iraque está provocando uma incontomável
uma tarde, a marinha da Birmânia foi inteiramente discussão sobre as causas da ofensiva militarista
destruída. Nunca se tinha visto nada semelhante. do imperialismo americano. Doze anos nos
A Diana foi a primeira canhoneira e inaugurou a separam da dissolução da ex-URSS e do
diplomacia das canhoneiras. processo de restauração capitalista no Leste e
Um observador contemporâneo recolonização no Sul que, desde então, vieram
descreveu esta sinistra corrida para a morte entre definindo os traços fundamentais da nova etapa
a máquina a vapor e o remo nos seguintes termos: política histórica.
"Os músculos e os tendões dos homens não A liderança americana não é um fato
podiam competir com a perseverança da caldeira histórico novo. Durante a etapa histórico-política
de vapor".' Os ingleses ganharam essa batalha, de 1945/91, tanto a reconstrução da Europa
e como já tinham derrotado a França em Ocidental, quanto do Japão, dependeu de
Waterloo, afirmaram no Oriente a hegemonia capitais yankees, e da segurança que o vitorioso
que já tinham no Ocidente, assegurando a exército oferecia diante de uma URSS
dominação no Sistema Mundial de Estados. Mas imensamente prestigiada pelo seu papel na
só preservaram essa posição porque suas derrota do nazi-fascismo. Tanto a Europa quanto
canhoneiras se apoiavam em uma economia que o Japão resignaram-se a um papel subordinado

1 Paul Johnson. EI nacimiento dei mundo moderno, Buenos Aires: Javier Vergara, 1992, p. 644.

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e secundário. A própria URSS não questionou imobilizadas em papéis não encontravam


esse lugar dos EUA na construção da ordem valorização no processo produtivo. Mas a
mundial e a estratégia de coexistência pacífica possível desvalorização do dólar foi evitada,
foi a expressão da aceitação desse papel. poupando uma depressão ainda maior no Japão
Não deveria, portanto, ser uma surpresa e na Europa. As dificuldades cada vez maiores
que o lugar dos EUA continuasse a ser dominante de superar uma recessão prolongada são,
depois da restauração capitalista. O que não era contudo, inescapáveis. Até o FMI reconhece
claro, era como os EUA iriam conseguir manter que os déficits gêmeos de Bush, tanto o
esse papel em uma escala muito mais ampla, em comercial, quanto o do orçamento, ambos
regiões onde antes a influência da URSS era superiores a US$400 bilhões, poderão estimular
decisiva para conter desafios de estados pressões inflacionárias exigindo uma elevação da
periféricos. A resposta está se desenhando diante taxa de juros básica do FED. Se essa perspectiva
de nossos olhos. Mas, enquanto os EUA viesse a se confirmar, as dificuldades recessi vas
consolidam a sua hegemonia político-militar no nos países da periferia seriam ainda maiores,
SistemaMundial de Estados, a economia mundial disparando o efeito aspirador de capitais dos
permanece em depressão prolongada. anos oitenta que levaram à crise de pagamentos
O ciclo de bonança da economia das dívidas externas. Até o Brasil, mesmo se
americana nos anos noventa, embora considerando o aplauso dos mercados às
comparativamente menor que as taxas de escolhas estratégicas do Governo Lula, poderia
crescimento do pós-guerra, permitiu a estar à beira do abismo do défault.
preservação do dólar como a moeda padrão no Diante desse quadro algumas perguntas
mercado mundial. O euro tende a se consolidar parecem incontornáveis. Os conflitos e
como uma moeda fraca diante do dólar, apesar antagonismos entre os Estados do centro serão
de flutuações conjunturais, como condição mais ou menos agudos que os conflitos entre o
estratégica das necessidades exportadoras da centro e a periferia do Sistema? Diplomata
União Européia para o mercado interno britânico, o conselheiro político do primeiro-
amencano. ministro Tony Blair, Robert Cooper, deixou claro
As fricções de Paris/Berlim com a sua posição anunciando o que seria a política
Washington revelam a crise e as diferenças entre dos "imperialismos liberais":
o eixo da EU e os EUA, mas também os seus
limites históricos. Duas guerras mundiais e, em "A União Européia se tomou em um
consequência, duas vagas revolucionárias que altamente desenvolvido sistema de
interferência mútua nos assuntos domésticos
abalaram os alicerces do capitalismo mundial,
de uns dos outros (...) É extraordinária a
não ocorreram em vão. França e Alemanha revolução que isso representa. Um grande
aceitam, apesar de resistências, um papel número dos Estados mais poderosos não mais
subordinado e complementar ao da potência quer lutar ou conquistar. O imperialismo no
americana. A existência da URSS e a seu sentido tradicional está morto, pelo
menos entre as potências ocidentais. Os
necessidade da proteção dos EUA silenciaram
países da Europa Ocidental não mais querem
durante décadas os protestos públicos, com raras brigar entre si. "2
exceções como as bravatas de De Gaulle. Mas
os conflitos sempre foram e parecem continuar Não há limites para produção de
sendo de baixa intensidade. As relações ideologias. Mas quis a ironia da História que
econômicas complementares permanecem sendo Londres não hesitasse em enviar algumas
decisivas. dezenas de milhares de soldados para Basra,
A explosão da bolha da nova economia muito pouco tempo depois de publicado esse
demonstrou que as imensas massas de capital

2 Robert Cooper. o imperialismo liberal. O ensaio apareceu na publicação do Centro de Política Externa (The Foreign Policy Centre),
de Londres, e logo depois foi divulgado pelo jornal britânico The Observer, e traduzido pela Folha de S. Paulo.

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artigo. Devemos aceitar que os contratos de necessidades geoestratégicas da dominação


corporações inglesas, francesas ou alemãs na americana na etapa histórica que se abriu com a
reconstrução do Iraque, o botim de Guerra que restauração capitalista na ex-URSS.
será financiado pelo petróleo, seriam muito
diferentes dos contratos de empresas
americanas. Seriam contratos humanitários, com UMA GUERRA DE RECOLONIZAÇÃO
certeza. Hipótese que, todavia, não parece fácil
demonstrar. Os atentados do 11 de setembro
Assim nos resta a perspectiva da criaram, nos EUA, as condições políticas intemas
História para compreender-os elementos chaves que faltavam para que o império americano
da nova realidade internacional. Que relações desencadeasse uma contra-ofensiva política-
poderiam ser sugeridasentre a ofensiva militarista militar e econômica de grande fôlego pela defesa
do início do século e as contradições entre os de sua hegemonia em um momento em que a
mega-blocos, como poderia ser a disputa sobre recessão atinge o coração do sistema capitalista.
o futuro do ALCA, e as rivalidades dos EUA Uma estratégia de afirmação de seu domínio
com a União Européia, por espaços político- mundial que corresponde, por sua vez, a uma
econômicos estratégicos? política econômica de recolonização dos países
dependentes impulsionada desde o início dos
anos 90, em simultâneo ao processo de
A IMPORTÂNCIA ESTRATÉGICA DO restauração capitalista na ex-URSS. As duas
PETRÓLEO: MATÉRIAS-PRIMAS dimensões desta contra-ofensiva são
DEFLACIONADAS, SALÁRIOS inseparáveis: hegemonia política militar e
MÉDIOS EM QUEDA intensificação da exploração econômica dos
países dependentes. E respondem, em última
Na complexa cadeia de fatores próximos análise, às necessidades de superação da crise
da Guerra entrelaçam-se forças de pressão de econômica mundial e de derrota das
intensidade variada. Na superfície, mobilizações sociais e nacionais que ameaçam
determinações políticas mais imediatas da os interesses das quinhentas corporações que
conjuntura interna dos EUA, que respondem à controlam o governo da maior potência mundial.
oportunidade de inverter as relações políticas de A mídia mundial tem apresentado a nova
força dentro da sociedade americana guerra americana como a guerra contra o
consolidando a hegemonia republicana, e terrorismo, ou contra regimes que
preparando as próximas eleições. Mas essas irresponsavelmente possuiriam armas de
motivações políticas seriam incompreensíveis, se destruição massiva, e pela libertação do Iraque,
desvinculadas da necessidade de recuperação enfim, a luta entre a "civilização e a barbárie". O
da recessão que assola a economia capitalista presidente americano não nos poupou da retórica
há dois anos, em especial a dos EUA: é a de Reagan, autor do discurso apocalíptico do
gravidade da queda da taxa média de lucro que armagedon, a luta final do bem contra o mal.
inibe os investimentos privados e exige que o Mas, qualquer observador atento da
Estado amplie os gastos não produtivos junto evolução da situação mundial, depois da guerra
ao complexo industrial-militar. do Golfo contra o Iraque no início dos anos 90,
Estrategicamente, o controle do acesso sabe que o que estava emjogo era o domínio
às matérias-primas, como o petróleo, pode ser geoestratégico americano. Não só o controle de
decisivo para manter deflacionados os preços, fornecimento das atuais reservas de petróleo do
um fator indispensável para compreender a Oriente Médio a preços baixos, e das
contínua queda dos salários médios nos países espantosas reservas de gás que existem na Ásia
centrais, ao longo das últimas duas décadas. Por Central, mas também a preservação da
último, mas mais importante que tudo, hegemonia americana através de regimes como
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a monarquia absoluta dos sheiks da Arábia "Quando o primeiro ensaio de


Saudita, a ditadura militar da Argélia ou a ditadura Kondratiev sobre "Os Ciclos Longos da
Conjuntura" saíram, em 1922, seu autor
civil de Mubarak no Egito.
estava provavelmente convencido que a sua
Em uma palavra: as causas que explicam descrição e as suas hipóteses seriam objeto
a guerra não são as mesmas que explicam a de um grande acordo, e ele não pôde
existência de organizações como a de Bin Laden, esconder a sua surpresa diante da crítica
nem a preservação de regimes relativamente intensa formulada por Trotsky contra o seu
texto. Em um artigo publicado durante o
independentes como os do Estado iraquiano,
verão de 1923, Trotsky usava dados
cubano, sírio, iraniano, ou até o norte-coreano. publicados pelo Times de Londres para
Para o Imperialismo Yankee passou a ser demonstrar que a 'curva do desenvolvimento
intolerável a existência de Estados capitalista' conhecia, de tempos em tempos,
independentes. A guerra contra Bagdá de 2003 giros bruscos sob o impacto de
acontecimentos exógenos, tais como as
foi uma guerra de pilhagem e conquista colonial,
revoluções, as guerras e outras
e outras podem vir. transformações políticas. A cronologia que
A destruição de Estados Independentes Trotsky propunha no que diz respeito aos
asseguraria um domínio imperialista ainda mais giros na tendência econômica era a seguinte:
inconteste, favorecendo a confiança subjetiva dos 1781-1851 (correspondendo à primeira
revolução industrial), 1851-1873 (jase A de
grandes investidores de que o acesso às
crescimento), 1873-1894 (fase B de
matérias-primas deflacionadas não seria depressão), 1894-1913 (fase A de
ameaçado. Mas a questão decisiva continuará crescimento), 1913- ... Ela correspondia de
sendo a derrota do proletariado dentro dos muito perto às periodizações avançadas
próprios países centrais. A recolonização é uma antes dele por outros autores (...) que Trotsky
provavelmente não conhecia. A
pré-condição de uma nova etapa histórica de
convergência de tantos autores sobre a
crescimento, como foi o pós-1945, mas só por cronologia e datação, considerando-se que
si seria insuficiente. eles trabalhavam independentemente uns
dos outros, sublinha os traços distintivos dos
desenvolvimentos históricos do capitalismo
no século XIX. Isso levava à crítica de
A HIPÓTESE DAS ONDAS LONGAS E
Kondratiev pela sua tentativa de apresentar
OS LIMITES DO CICLO o conjunto dos fatores políticos como fatores
KONDRATIEV endógenos ou, dito de outra forma, de
criticâ-lo por ignorar a autonomia dos
A análise histórica da depressão da processos sociais em relação à esfera
econômica" 3 (grifo e tradução nossos)
economia internacional das últimas três décadas
não pode ignorar a regularidade dos ciclos de
larga duração. Enfrentemos a discussão principal: Em resumo: Trotsky duvida de uma
quais seriam as causas das ondas longas? aproximação endógena "economicista", ao tema
Vejamos os postulados que explicariam a do desenvolvimento capitalista na longa duração,
passagem das fases (A), de crescimento e defende que os fluxos e refluxos da luta de
sustentável, para as fases (B), de recessão classes incidem sobre as flutuações dos
prolongada. E mais importante, e muito mais processos econômicos, tanto quanto estes sobre
complexa, a passagem inversa. Esta elaboração aqueles. As preocupações de Trotsky na
ocupou um lugar na tradição marxista e tem, polêmica com Kondratiev parecem ter sido de
também, uma história muito pouco conhecida dupla natureza, e ambas merecem atenção: uma
que seria importante, mesmo que brevemente, teórico-metodológica, e outra política, mas de
recuperar: signos inversos.

3 Francisco Louçã. Emest Mandei et Ia pulsation de I'histoire. In Gilbert Achcar. Le marxisme d'Ernest Mandei. Paris' PUF 1999 P
82-83. . , ..

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Em ambas ele deslocava a sua AS DERROTAS HISTÓRICAS COMO


atenção para a situação exterior à URSS: CONDIÇÃO DE ETAPAS DE
temia tanto as pressões impressionistas CRESCIMENTO CAPITALISTA
diante do crescimento capitalista que se SUSTENTADO
segui u à I Guerra Mundi ai, como o
fenômeno contrário, a tendência às A conclusão metodológica que se
previsões apocalípticas que previam a poderia, assim, retirar, seria reconhecer a
próxima crise do Capital, como a última. A primazia dos fatores político-sociais como
primeira questão remete ao perigo de causalidade das grandes flutuações das fases do
critérios econômicos unilaterais, que desenvolvimento histórico do capitalismo. O
ignorem a centralidade dos processos Capital precisa de segurança. Segurança contra
político-sociais em qualquer tentativa de o perigo das massas em luta e estabilidade
periodização do capitalismo. As datações político-militar, fundamento da convertibilidade
não são inocentes, porque a avaliação do de uma moeda internacional de entesouramento
passado contém uma perspecti va de quais para a acumulação. As flutuações político-
são as possibilidades de futuro. históricas das relações entre revolução e contra-
Para Trotsky, a hipótese Kondratiev revolução têm repercussões inescapáveis no
para as ondas longas resultaria em uma Sistema Mundial de Estados, abalando a
formulação teórica com dois erros: (a) arquitetura de dominação do Imperialismo e
reconhecendo no sistema uma capacidade afetando o mercado mundial. Não é por outra
de auto-regulação na longa duração, razão que os EUA se lançaram a guerras na ex-
colocava em questão o prognóstico da Iugoslávia e agora no Iraque. Nessa direção
escola marxista de que o capitalismo teria avançava a elaboração de Mandel:
um limite histórico-econômico, embora
indefinido politicamente, ou seja, os limites "Até este ponto, todos os processos
de valorização do próprio capital quando descritos parecem corresponder (...) às
necessidades objetivas de capital. Mas neste
se abrir, outra vez, uma situação
momento, um elemento exógeno aparece. O
revolucionária internacional; (b) trabalhava Capital tem uma necessidade constante de
sem demonstração a premissa de uma aumentar a taxa de mais valia (...) mas sua
passagem "indolor" para fases históricas de capacidade de realização destes fins não
expansão. Os dois postulados estavam em depende só de condições objetivas. Também
depende de fatores subjetivos (i.e., a
irreconciliável contradição com a
capacidade do proletariado para organizar
caracterização da Terceira Internacional resistência e contra-ataque). E esta
sobre a natureza da época do imperialismo, capacidade, em troca, não é uma função
definida como um período de esgotamento mecânica direta do que aconteceu no
da fase histórica "progressiva" do período prévio: o grau de crescimento do
salário, o nível relativo de desemprego, ou o
capitalismo.
nível e a homogeneidade que a
Quanto à segunda questão, o sindicalização (a organização do
problema era o perigo das generalizações proletariado) atingiu. Embora estes fatores
catastrofistas que eram predominantemente sejam obviamente muito importantes, outros
influentes na direção do KPD alemão, com devem ser trazidos em jogo: opeso absoluto
(numérico) daforça do classe trabalhadora
o apoio dos húngaros, e que sustentavam o
(seu peso na população ativa total) e do
vaticínio de uma iminência da revolução, movimento operário organizado; o grau de
como se o capitalismo pudesse ter uma autoconfiança e combatividade do
"morte natural", sem que os desenlaces proletariado; seu nível de autonomia em
decisivos exigissem a entrada em cena dos relação a ideologias burguesas
predominantes; a força relativa da
sujeitos sociais e, também, de uma vontade
vanguarda dos trabalhadores dentro da
política consciente.
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classe e dentro do movimento operário (i.e., o SÉCULO MAIS REVOLUCIONÁRIO


a força relativa daquela camada do DA HISTÓRIA
proletariado que é qualitativamente mais
independente da ideologia burguesa e
pequeno burguesa" 4 (grifo e tradução nossos)
Curiosamente, porque pouco estudadas,
mas confirmando as expectativas de Marx, as
As considerações de Man de l vagas revolucionárias no século XX
parecem convincentes: a recuperação da mantiveram aforma de ondas internacionais,
taxa média de lucro não depende na longa mas em uma escala muito superior às do XIX.
duração, u n ic arne n te , de fatores Foram períodos relati vamente breves, porém de
estritamente objetivos, isto é, da regulação grande intensidade de propagação, em que se
mercantil da oferta e da procura. Em uma concentraram de forma excepcional os grandes
perspectiva histórica, não se deve ignorar momentos de irrupção mobilizada de massas.
a centralidade de fatores político- Hobsbawm, entre outros, chama a atenção para
subjetivos, ou seja, de variáveis que se esse fenômeno:
definem na luta de classes, e que acabam
"Revoluções continuarão
por decidir se uma relação de forças mais
ocorrendo? As quatro grandes ondas do
favorável ou mais desfavorável irá vingar. século, 1917-20, 1944-62, 1974-8 e 1989-,
Que as últimas três ondas longas de poderão ser seguidas de outras de colapso e
crescimento sustentado tenham coincidido derrubada? Ninguém que olhe em retrospecto
com: (a) as derrotas de 1848, que abriram um século em que não mais que um punhado
de Estados hoje existentes passou a existir,
o caminho para grande expansão de 1851/
ou sobreviveu, sem passar por revolução,
1870, (b) com a consolidação do domínio contra-revolução armada, golpes militares
imperialista depois de 1890, que abriu ou conflito civil armado apostaria(. ..) no
caminho para internacionalização que se triunfo universal da mudança pacifica e
esgotou em 1929 e, (c) com a derrota da constitucional, como previsto em 1989 por
alguns eufóricos crentes na democracia
situação revolucionária no Mediterrâneo e
liberal. O mundo que entra no terceiro
a consolidação da ordem internacional em milênio não é um mundo de Estados ou
Yalta e Potsdam depois de 1945, não deve sociedades estáveis." 5 (grifo nosso)
ser uma coincidência gratuita.
No mundo do Capital não há parto Não há controvérsia sobre a existência
sem dor. Só ocorreu desenvolvimento destas quatro vagas de ascenso revolucionário,
quando mudanças bruscas e profundas relativamente sincronizadas, revoluções que se
favoreceram os negócios, às custas dos inspiraram, e se apoiaram, de alguma maneira,
países periféricos e das massas operárias umas nas outras. A própria utilização do conceito
das potências centrais. Não é por outra de ascenso, ou de fluxos e refluxos, para
razão que devemos considerar, seriamente, descrever um período de maior intensidade de
que uma nova fase histórica de crescimento conflitos na luta de classes remete à idéia de uma
sustentado do capitalismo dependerá, em simultaneidade de mobilizações nacionais. Mas
grande medida, como condição sine qua pode-se, com certeza, discutir as datações que
non, de uma derrota histórica das classes foram sugeri das por Hobsbawm.
trabalhadoras: o desmantelamento dos Como critério geral, propomos
direitos que ficaram conhecidos como os considerar que uma vaga se abre em função de
salários indiretos, do chamado Estado de um grande triunfo revolucionário de
bem-estar social. repercussões mundiais. E se fecha com uma

4 Ernest MandeI. LOlIgwaves oI capitalist development: a marxist interpretation. Londres: Verso, 1995. p. 36-37.
5 Eric Hobsbawn. Era dos extremos: o breve século XX - 1914-1991. Trad. Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras. p.
445-6.

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derrota, também, de conseqüências na guerra contra o eixo (derrota nazista em


incontornáveis. Não se deveria ignorar, contudo, Stalingrado e em EI Alamein, e derrota
que duas das quatro vagas, a primeira e a japonesa em Midway no Pacífico), se estende,
segunda, foram uma conseqüência, mais ou somente, até 49, em nossa opinião, com a
menos direta, das duas grandes guerras mundiais vitória da revolução chinesa. Isso, porque, no
que sangraram o século XX. centro da revolução mundial, nessa etapa,
Não podemos concluir, todavia, que estava a Europa do mediterrâneo, e a
somente as guerras precipitam as vagas, em consolidação dos regimes de unidade
uma relação mais ou menos mecânica de causa nacional na França e Itália, uma derrota
e efeito. Só as guerras, não seriam suficientes histórica, teria fechado o processo.
para explicar um fluxo de lutas em forma de Abre-se, então, uma nova etapa
vagas internacionais. Até hoje, demonstrou- internacional, que será definida pelo acordos
se necessária, também, uma vitória política, de Yalta e Potsdam, que estabeleceu as bases
ou político-militar, que pudesse abrir o de uma ordem político-militar inter-estatal que
caminho. se manterá, para o essencial, inalterada durante
todo o período da "guerra fria". Nesse
intervalo de quase vinte anos, que corresponde
AS CINCO VAGAS DA REVOLUÇÃO ao período do boom de pós-guerra, nos países
MUNDIAL NO SÉCULO XX centrais, ocorrem três processos
revolucionários muito importantes, vitoriosos
A primeira vaga, possivelmente a mais em diferentes medidas, Vietnã, Argélia e Cuba,
poderosa de todas, só se esgota em 1923, e outros, nos países dependentes e nas ex-
porque o processo alemão, apesar do fracasso colônias, em maior ou menor medida
das insurreições do início de 19 e de 21, se derrotados (Bolívia em 52, Sri Lanka, etc ...),
manteve até à estabilização da República de mas insuficientes para alterar uma relação de
Weimar na Alemanha, e a consolidação do poder forças mundial. Parece, portanto, um pouco
por Mussolini na Itália. forçado considerar a permanência da mesma
A segunda vaga resulta dos vaga, ininterrupta, até 1962.
deslocamentos profundos da relação de forças N a verdade, o processo de
entre as classes e entre os Estados que a crise descolonização da Ásia e da África foi
de 1929 provocou. Ela se manifestou com a impulsionado pelos EUA nesse intervalo,
máxima dramaticidade na derrota final da preventivamente. A maioria dos outros
revolução na Alemanha e na chegada de HitIer Impérios, em particular o Francês e o Inglês,
ao poder, mas passou pela guerra civil na se vira forçada a realizar uma descolonização
Espanha, pela eleição da Frente popular na controlada desde Paris e Londres. As antigas
França, pela vaga de reorganização sindical nos colônias se transformaram em países
EUA que levou à formação dos sindicatos semicoloniais, com regimes e governos
industriais, pela revolução de 30 no Brasil, pela completamente subservientes às suas ex-
eleição de Cárdenas no México e a vitória da metrópoles, com as classes proprietárias
frente Popular no Chile. nacionais em formação, integradas como
sócias menores dos imperialismos no saqueio
das riquezas nacionais. As descolonizações
A DERROTA DO NAZI-FASCISMO negociadas e limitadas foram a regra e as
DECIDIU A SEGUNDA METADE DO revoluções a exceção. Por isso, ao contrário
SÉCULO de Hobsbawm e outros hi storiadores
marxistas, consideramos mais apropriado
A terceira vaga se inicia em 44, depois considerar que a segunda vaga se encerrou
da inversão das relações de forças militares em 48/49, com a derrota na Europa.
Sinergia, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 44-56, jari./jun. 2003
A Ganância do Capital Não Despreza a Incerteza da Luta de Classes
A Guerra de Recolonização no Irague e as Necessidade Estratégicas de Recuperação da Economia Capitalista Mundial
Valéria Arcary

MAIO DE 68 E OS INCRÍVEIS levante estudantil derrotado da praça Tian An


ANOS 70 Men, demonstrou que a China ia para a mesma
direção): aí, a decadência econômica das
A quarta vaga, por sua vez, em nossa economias pós-capitalistas, que vinham desde
opinião, se inicia mais cedo, indubitavelmente, o final dos anos 60, como se diz, andando para
em 68, com o Maio francês, desprezado um o lado, se acentuou de forma dramática nos anos
pouco inexplicavelmente por Hobsbawm. Atinge 80, como consequência de uma complexa
vários continentes como uma vaga internacional combinação de fatores.
poderosíssima: em África, tem no seu epicentro,
a guerra de libertação nas ex-colônias
portuguesas, que irão abrir uma revolução na CRISES REVOLUCIONÁRIAS NOS
metrópole, mas se estende para a Ásia (Vietnã PAÍSES CENTRAIS NA SEQÜÊNCIA
em 75, Cambodja e Laos, na seqüência) e DE DEPRESSÕES PROLONGADAS OU
América Latina, e atinge primeiro o México e o DE GUERRAS DEVASTADORAS
Brasil, onde as rebeliões estudantis são
derrotadas, com sangue, e se radicaliza na Quais seriam as causas profundas de
revolução chilena. Mantém-se aberta, durante um ascenso revolucionário em forma de
os agitados anos 70: perspecti va de um governo vagas internacionais? Poderíamos procurar um
PS/PC na França, vitória do Labour na primeiro nível de explicação na conjuntura
Inglaterra, no calor de uma onda grevista única econômica mundial, e tentar encontrar, nesse
no pós-guerra, imensa instabilidade na Itália (que terreno, um marco comum para os países que
se expressou na votação de mais de 30% no foram atingidos pelo vendaval revolucionário.
PCI), com um impressionante ascenso sindical, Uma aproximação a esta questão parece
que só será derrotado, porque uma boa parte confirmar a central idade da causalidade
da vanguarda pós-68, se desloca para a luta econômica ou, posto o problema de maneira
armada, o que precipita uma mudança do regime invertida, os efeitos político-sociais
e uma situação de estado de sítio crônica por estabilizadores do crescimento sustentado. Uma
uns dois ou três anos, crise revolucionária na fase de bonança e desenvolvimento favorece a
Espanha na sucessão pós-franquista, etc ... integração social e a colaboração de classes. O
Esta vaga culmina com a vitória da chamado pacto fordista, o pacto social mais bem
revolução nicaragüense e iraniana, mas se fecha, sucedido da História, não se reduzia a políticas
depois de uma série de derrotas, em um processo assistencialistas,muito ao contrário, se sustentava
acumulativo: estabilização democrática em em uma extensão de importantíssimas
Portugal (76/78), Espanha e Grécia, guerra civiI concessões materiais, como a elevação lenta,
crônica financiada pelos EUA na América porém constante do salário médio e de serviços
Central (a sangria espantosa em EI Salvador, os sociais como a educação e saúde gratuitas, além
contras na Nicarágua), guerras nacionais da seguridade social, com a constituição de
impulsionadas e financiadas pelos EUA regimes de previdência pelo critério de
(massacres palestinos de Sabra e Chatila em repartição solidária.
Beirute, invasão do Irã pelo Iraque). A vaga se Não parece haver razões para muitas
encerra com uma contra-ofensiva, em toda a dúvidas de que o traço chave da etapa aberta
linha, militar, política, econômica e ideológica, após o final da II Guerra Mundial tenha sido o
liderada por Thatcher e Reagan, que ficou deslocamento do eixo das revoluções sociais da
conhecida pelo revivalismo do programa liberal. Europa para os países dependentes, enquanto o
Quanto à última vaga, aberta pelas crescimento sustentado das três décadas entre
revoluções no Leste Europeu de 89, atingiu, 1945 e 1974 retirava de cena a perspectiva
quase exclusivamente, os países que giravam em de crises revolucionárias na Europa. Mas só
tomo da ex-URSS (dizemos quase, porque o a economia seria insuficiente para manter a

52~======================~ Sinergia, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 44-56, jan.jjun. 2003


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paz social. Entre outros fatores, a prolongada ainda assim, com uma intensidade maior
hegemonia, por mais de cinqüenta anos, da social na Europa (nos EUA, a onda de lutas
democracia e do estalinismo sobre dos anos 60 atingiu, sobretudo, a
destacamentos fundamentais das classes juventude, pela resistência à guerra no
trabalhadoras, nos países com maior tradição de Vietnã, e o movimento negro, sem
luta, cumpriu um papel insubstituível.A presença maiores repercussões no proletariado),
de chefes confiáveis à frente da classe operária em duas circunstâncias: no marco de
sempre foi vital. depressões prolongadas, ou na
sequência das guerras mundiais. Há
irrefutáveis evidências históricas
DEPRESSÕES PROLONGADAS empíricas de que existe uma relação
FOMENTAM GUERRAS E GUERRAS entre o movimento da economia e da
FERMENTAM REVOLUÇÕES política, mas qualquer exagero nesse
terreno, cheio de armadilhas, é muito
Que regularidades e singularidades perigoso. Esse fenômeno se expressa
podemos observar nessas quatro vagas? A tanto na longa duração, que é o tempo
primeira (17/23 porque o processo alemão se lento dos movimentos do capital, o
estendeu), coincidiu com o final da fase A do tempo das ondas sem i-seculares de
terceiro Kondratiev e se explica, essencialmente, expansão e retração do desenvolvimento
pela precipitação da I Guerra Mundial. A histórico capitalista, quanto nos tempos
segunda vaga de 44/62 se estende por toda a mais curtos, do ciclo de renovação do
fase ascendente da 4a onda longa (e deslocou- capital fixo. O tempo da política é,
se, sem exceção, para os países dependentes, todavia, diferenciado. É sempre, em
ou periféricos). alguma medida, o tempo breve do
Finalmente, a terceira vaga, que talvez presente, das decisões que são
devêssemos datar como 1968/80 (para incluir, iminentes, que não podem ser adiadas.
no seu início, o maio francês, e o outono italiano Quando uma classe dominante é infértil
de 69 e, no seu fim, as revoluções nicaragüenses e, portanto, parasitária, ela renuncia à
e iraniana de 79 e a fundação do Solidarinosc perspectiva de um projeto (a
em 80), coincide com o início da vaga recolonização na América Latina, por
depressiva do último Kondratiev, e tem como exemplo, praticamente, não encontrou,
centro os agitados e instáveis anos 70. A última pelo menos ainda, uma resistência
vaga, exterior à área de influência direta do burguesa expressiva) e, nesse sentido, é
capitalismo, tão fulminante no início, foi incapaz estéril de futuro.
de impedir a essência do processo aberto pela
Perestroika de Gorbatchev, e se fechou em 91/ (b) a segunda é que, mesmo nos marcos de
92, com a vitória de Yeltsin, e a restauração uma fase de crescimento sustentado da
capitalista na URSS. economia mundial, nos países periféricos
Quais conclusões poderiam ser retiradas urbanizados, os surtos de crescimento
desta observação? As articulações das vagas da são muito débeis e instáveis, portanto,
luta de classes com as flutuações dos ciclos incapazes de atenuar, relativamente, a
econômicos, na longa duração, revelam alguma defasagem de sua integração no
regularidade? Duas conclusões razoavelmente mercado mundial. Assim, a luta de
sólidas são possíveis: classes abre o caminho para situações
e crises revolucionárias com uma
freqüência incomparavelmente maior.
(a) a primeira é que só se abriram vagas de As seqüelas sociais da decadência
lutas populares, nos países centrais, e, crônica não se atenuam com os mini-
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ciclos de crescimento, as instituições A ROMANTIZAÇÃO DOS "30 ANOS


políticas da democracia liberal são DOURADOS"
estruturalmente frágeis e as perspectivas
de imobilidade social, intoleráveis, para Pode-se aceitar como compreensível a
as amplas massas trabalhadoras. romantização dos "30 anos dourados" (como
apreciam os ingleses) para boa parte da opinião
pública ilustrada do "Norte", depois de 20 anos
MICROELETRÔNICA E de ajuste neoliberal. No entanto seria necessário
BIOTECNOLOGIA: A TECNOLOGIA recordar que, esses trinta anos, não foram tão
PODE ABRIR UMA PORTA, MAS É "gloriosos" (como recordam, nostálgicos, os
NECESSÁRIA UMA VONTADE franceses) para os 80% da população mundial
EMPRESARIAL DE INVESTIMENTOS que os viveram ao sul do equador.
PARA CRUZÁ-LA Na verdade, essa etapa de crescimento
sustentado só pode ser analisada em uma
Examinemos a questão da articulação perspectiva histórica, se considerarmos os
destas vagas e as datações das ondas longas: efeitos devastadores da crise de 1929 (entre os
em primeiro lugar, não parece haver muitas quais a crise revolucionária na Alemanha, e a
dúvidas de que as fases de maiores investimentos vitória do nazismo não estão entre os menores),
em pesquisas são justamente as fases assim como, após 45, a "paúra" histórica da
descendentes das ondas longas. Assim ocorreu revolução social na área do Mediterrâneo
nos anos 80 do século XIX, nos anos 30, antes (França, Itália, Balcãs).
e durante a guerra, e finalmente nos anos 80 do E, também, "last but not least", o enorme
século XX, quando, sob a pressão da queda da prestígio militar e político da URSS, exercendo
taxa média de lucro, se intensifica a competição uma tal pressão que permitiram concessões
entre as grandes corporações, e de disputa entre preventivas extraordinárias aos trabalhadores
as potências pelo mercado mundial. Muitos se que, dificilmente teriam sido feitas, senão sob a
perguntam hoje se a microeletrônica e a pressão dessa relação de forças entre as
biotecnologia não poderiam ocupar o lugar que, classes e entre os estados. Por isso, parece
no passado, foi da indústria do automóvel, da razoável a conclusão de que, em 45, não teria
navegação, do petróleo e do aço. ocorrido uma mudança de época histórica, mas
O argumento éjusto, mas insuficiente: a de etapa política: a transição para uma nova fase
ciência pode abrir uma porta, mas, como de crescimento, um intervalo aparentemente
sabemos, é necessária uma vontade empresarial atípico, teria se dado no interior de um período
para cruzá-Ia. Uma recuperação sustentada da histórico da decadência, sem inverter o seu
economia mundial depende de investimentos sentido.
fabulosos, uma imobilização de capital fixo em
escala incomparavelmente maior que nos ciclos
anteriores. DO CARVÃO AO PETRÓLEO: O
Essa decisão de investimentos é uma LUGAR DOS INVESTIMENTOS
decisão político-econômica. Ela repousa em VOLUMOSOS PARA SUBSTITUIR A
uma avaliação de projeções estratégicas que INFRA-ESTRUTURA
cruzam informações que estão, por sua vez,
subordinadas a um planejamento, que é global: E, no entanto, por cima da incerteza
a usura do capital não despreza as incertezas do desenlace da luta, permanece o mistério
da luta de classes. As Guerras de pilhagem da regularidade do meio século. Kondratiev
respondem justamente a esta necessidade de resolvia este obstáculo teórico com uma
recuperação estratégica de condições favoráveis fórmula "algébrica". A regularidade das ondas
aos negócios. longas expressaria o ritmo do processo de
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renovação dos bens de capital essenciais à exacerbação da concorrência pela disputa de


sociedade, em especial a substituição de mercados nas fases descendentes (B) das
grandes equipamentos de infra-estrutura ondas longas. Simetricamente, a necessidade
em setores que exigiam volumosas massas da hegemonia inconteste de uma potência e
de capital fixo e retorno lento, recorrendo de uma moeda mundial para o
assim, grosso modo, ao mesmo esquema entesouramento, no relançamento de uma fase
teórico que Marx utilizava para a rotação do ascendente, como parte do problema da
ciclo curto. Arrighi desenvolve a mesma hegemonia político-militar. Descrevendo o
hipótese, como critério, na explicação da período recessivo posterior a 1929:
originalidade da revolução industrial:
"Mas, também pelos gastos
"A Revolução Industrial forneceu associados com a escalada do conflito nas
uma saída para esse impasse através de um relações inter-Estados, a fase B assumiu a
importante salto na quantidade, amplitude forma peculiar de "competição excessiva"
e variedade de bens fixos de capital nos quais entre os Estados em vezde entre as empresas.
podia ser investido o excedente dos meios A luta competitiva foi travada pelos Estados
monetários que resultavam para as empresas ao invés de pelas empresas (... ) Uma
capitalistas. "6 (grifo nosso) peculiaridade importante dessa fase B, por
exemplo, foi a completa ausência de
liderança nas relações monetárias inter-
E, no entanto, a incógnita sobre a Estados. " 7 (grifo nosso)
periodicidade permanece. A hipótese de
interpretação de Arrighi é que a transição para Não seria improvável, portanto, que
o início das fases (A) das ondas longas se os estrategistas do imperialismo americano
definem pelas revoluções econômicas, e as (B) tenham estudado as lições da História. Arrighi
por uma maior intensidade dos conflitos sustenta a sua opinião sobre a flutuação dos
competitivos inter-empresas e inter-estados, ciclos longos apoiando-se no reforço da
e destaca que, no final do terceiro Kondratiev, autoridade de Braudel:
teria ocorrido a ausência da hegemonia de uma
moeda, com a decadência inglesa, o que nos "a revolução industrial foi
permite uma reflexão interessante, sobre as sobretudo uma transformação de capital
possíveis relações entre o deslocamento da fixo, de agora em diante seria mais caro,
libra esterlina e a crise de 29. O que poderia porém mais durável, sua qualidade seria
aprimorada e ele alteraria radicalmente as
ser útil nos debates de hoje, se considerarmos
taxas de produtividade. " 8 (grifo e tradução
as crescentes pressões sobre o dólar. nossos)

Estamos em resumo diante de uma


A RECUPERAÇÃO DO CICLO E A questão em aberto: como podemos
NECESSIDADE DE UMA POTÊNCIA considerar a hipótese dos ciclos longos, se a
MUNDIAL QUE GARANTA A solução teórica mais satisfatória para o
ESTABILIZAÇÃO E A ACUMULAÇÃO movimento de rotação do Capital nos conduz
à conclusão de que a periodicidade seria
Os paralelos históricos feitos por incerta? A resposta para a compreensão, na
Arrighi são muito sugestivos: financeirização longa duração, das pulsações do Capital
associada à depressão prolongada, conflitos deverá ser procurada no exterior das
inter-empresas e inter-estados como uma flutuações econômicas mais imediatas.

6 Giovanni Arrighi. A ilusão do desenvolvimento. Petrópolis: Vozes, 1998. p.29


7 1bidem. p.31
8 Fernand 8raudel. The weels of commerce. New York, 1982

Sinergia, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 44-56, jan./jun. 2003


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Valéria Arcary

o NASCIMENTO DE UM NOVO a última palavra será dada pelos milhões que


INTERNACIONALISMO foram às ruas. O movimento mundial de
resistência antiimperialistanão foi ainda fortepara
São os fatores políticos "exógenos' que impedir a Guerra no Iraque. Mas um novo
se demonstram decisivos nos períodos das intemacionalismo está nascendo e aprendendo
grandes crises. As guerras são uma das formas que a maior força política sempre foi, e sempre
mais eficientes de impor ordem no Sistema será, a voz dos milhões que trabalham em todos
Mundial de Estados. Bagdá sob ocupação já os continentes".
alimentou uma recuperação das bolsas nos países
centrais. O novo Protetorado americano no
Iraque já está redistribuindo para as companhias Para contato com o autor:
arcary@uol.com.br
americanas o saque. Eis o sentido da trágica
promessa imperialistano séculoque se inicia.Mas

Sinergia, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 44-56, jan./jun. 2003


o CICLO DE REFRIGERAÇÃO POR COMPRESSÃO

André Ricardo Quinteros Panesi


Professor do Curso de Mecânica do CEFET-SP

A refrigeração por compressão é muito utilizada atualmente em diversas aplicações como em


residências, comércios, transportes, etc. O seu princípio de funcionamento objetiva, como
qualquer sistema de refrigeração, a retirada de calor de um recinto fechado e o transporte
para o exterior, produzindo assim o efeito desejado tal como congelamento ou resfriamento.
É de extrema importância o conceito da eficiência que o equipamento pode alcançar em
pleno funcionamento, pois,quanto maior for essa eficiência menor será o consumo de energia
elétrica, a dependência dessa energia pode ser considerada uma das grandes desvantagens
desse sistema de refrigeração no momento apesar dos grandes esforços que os fabricantes
realizam para minimizar esse consumo.

Palavra-chave: refrigeração por compressão.

The refrigeration by compression nowadays is very utilized in several places, such as


residences, commerce, transports, etc. Its beginning of operation has the objective as any
other cooling system: take the heat of a closed space out and, producing this way the desired
effect, such as freezing or cooling. The concept of efficiency that the equipment can achieve
while working is extremely important, for the greater the efficiency, the smaller the use of
electrical power will be. The dependence ofthis energy can be considered one ofthe greatest
disadvantages ofthis system ofrefrigeration, despite the effort ofthe manufacturers' put into
to reduce this consume.

Key words: refrigeration by compression.

INTRODUÇÃO refrigeração, é de grande importância que esse


transporte de calor ocorra de modo eficiente,
Sabe-se que para uma substância passar melhorando assim o desempenho do
do estado líquido para o estado de vapor é refrigerador. Agora, como conseguir alcançar um
necessário fornecer-lhe calor durante um certo diferencial de temperatura muito alto? Considere
tempo, até atingir a temperatura de evaporação que a fonte quente esteja a 25°C e que sejam
da substância. Esse é o princípio básico da utilizados os alimentos de um refrigerador
refrigeração, ou seja, toda substância ao comum. Se usarmos por exemplo a água como
evaporar rouba calor. O fluxo de calor sempre indica a tabela 1, conseguiremos provocar um
ocorre de uma fonte mais quente para uma mais fluxo de calor dos alimentos para a água?
fria, e nunca ao contrário, como rege a 2° lei da Evidentemente que não. Sendo assim,
termodinâmica. Sendo assim, quanto maior for precisamos de uma substância que evapore em
a diferença de temperatura entre essas duas baixas temperaturas. Qual você escolheria da
fontes, maior será o fluxo de calor. Em tabela 1?

Sinergia, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 57-62, jan.jjun. 2003


o Ciclo de Refrigeração por Compressão
André Ricardo Quinteros Panesi

SUBSTÂNCIA EBULlÇÂO (0 C)
no estado de vapor, tendo sua pressão e sua
ÁGUA 100
temperatura aumentadas e seguindo diretamente
BUTANO -0,4
para o condensador. Aqui, o calor retirado da
PROPANO -42,3 câmara é rejeitado para o exterior, causando
DICLORODIFLUORMETANO -29,8 assim a mudança para a fase líquida, indo agora
MONOCLOROD IFLUORMETANO -40,8 para o dispositivo de controle (tubo capilar ou
AMÔNIA -28 válvula de expansão). Esse dispositivo provoca
DIÓXIDO DE ENXOFRE -10 uma queda de pressão e faz cair também a
temperatura, temperatura essa correspondente
Tabela 1 - Ponto de ebulição de algumas substâncias
à de evaporação do refrigerante no evaporador.
Em seguida o refrigerante, entrando no
evaporador, está evaporando na temperatura
AGENTES DE REFRIGERAÇÃO desejada do projeto, ocorrendo assim o fluxo
ideal de calor da câmara para o evaporador. Esse
Em qualquer processo de refrigeração calor é transportado pelo refrigerante que está
a substância empregada como absorvente de sempre em circulação indo diretamente em
calor ou agente de esfriamento é chamada de seguida para o compressor, iniciando novamente
refrigerante. Na tabela 1 os mais empregados mais um ciclo.
são o CFC 12 ou R12 (diclorodifluormetano), Nas figuras de 1 a 4 temos os diagramas
CFC 22 ou R22 (monoclorodifluormetano) e de pressão e volume e de temperatura e entropia.
amônia. Elaborada em meados de 1920, a O estado 1 é referente ao líquido saturado na
família CFC inovou completamente o campo da temperatura do condensador e o estado 3 é
refrigeração pelo simples fato de atingir um ponto vapor saturado correspondente à temperatura
de ebulição extremamente baixo e de não ser do evaporador. O processo 1-2 se dá através
tóxica e inflamável. Atualmente a família CFC de uma expansão adiabática onde a entalpia
está sendo banida do mercado devido à permanece constante, isso ocorre na válvula de
constatação de ser uma família composta por expansão ou tubo capilar. Já no processo 3-4 a
gases considerados de efeito estufa, sendo então entropia permanece constante, em razão de o
substituída pelos gases conhecidos como refrigerante sofrer uma compressão adiabática
"ecológicos" apesar de não serem tão reversível no compressor. O calor é rejeitado à
ecológicos assim, devido ao fato de possuir pressão constante no processo 4-1 e o
também uma certa capacidade de agressão à refrigerante sai do condensador como líquido
camada de ozônio da atmosfera, mas, que saturado. Em 2-3, após sofrer o
comparados aos CFC, são bem menos estrangulamento, o fluido de trabalho é então
agressivos. vaporizado à pressão constante para finalizar o
ciclo.

o CICLO POR COMPRESSÃO Considere o seguinte exemplo:

o ciclo de refrigeração
por compressão Um sistema de refrigeração por
pode ser estudado em seus diversos pontos pelo compressão, utilizando R22, possui uma
que chamamos de ciclo saturado simples. temperatura de evaporação de -lQ°C e uma
Através dele podemos acompanhar o temperatura de condensação de 37°C. A vazão
desempenho de um equipamento de refrigeração, em massa de refrigerante no ciclo é de 0,2kgls.
sabendo o que é preciso para melhorar sua Para essas condições determinar:
eficiência. De acordo com a figura 5, o ciclo
pode ser acompanhado, começando com o a) A taxa de transferência de calor no
refrigerante que é comprimido no compressor evaporador;
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o Ciclo de Refrigeração por Compressão
André Ricardo Quinteros Panesi

b) A taxa de transferência de calor no s2 = ENTROPY(R22,T=T2,h=h1)


condensador; T2 = -lQ°C
c) A potência mínima recebida pelo h2 = 245.8 KJ/Kg
compressor; s2 = 1,175 KJ/KgK
d) A temperatura da câmara a ser
refrigerada; h3 =ENTHALPY(R22,T=T3,x=x3)
e) O coeficiente de performance (COP). T3 = -10°C
x3 = 1
As características operacionais desse h3 = 401,1 KJ/Kg
ciclo são:
s3 =ENTROPY(R22,T=T3,x=x3)
TI = 37°C T3 = -lQ°C
T2 = -lQ°C x3 = 1
T3 = -lQ°C s3 = 1,765 KJ/KgK
T4 = 59,23C
h4 =ENTHALPY (R22,T=T4,P=P1)
T4 = 59.23°C
Resolução: P4 = 1425 Kpa
h4 = 435,8 KJ/Kg
Os valores das propriedades entre os
vários pontos podem ser determinados através s4 = s3 = 1,765 KJ/KgK
de tabelas de vapor ou também através de
softwares disponíveis no mercado. No nosso Para análise desse problema podemos
caso foi utilizado o Enginering Equation Solver utilizar a 1a lei da termodinâmica, dada pela
que calcula automaticamente todas as seguinte equação:
propriedades.

Através do software obtemos:


Nesse caso temos as seguintes
P1 =PRESSURE(R22,T=T1,x=x1) considerações:
TI = 37°C
xl =0
P1 = 1425 KPa
• sistema fechado;

h1 =ENTHALPY (R22,T=T1,x=x1) • regime permanente (não varia no tempo);


TI = 37°C
xl =0
hl = 245,8 KJ/Kg • variações de energia cinética e potencial
desprezíveis.
s l =ENTROPY(R22,T=T1,x=x1)
Se o regime é permanente pela
TI = 37
conservação da massa temos:
xl =0
sl = 1,155 KJ/KgK
dmvddT = L:me - L:rn,
P2 = PRESSURE (R22,T=T2,h=h1) 0= L:me - L:ms
T2 = -10°C
L:me = L:ms
h2 = 245.8 KJ/KG
P2 = 354,9 KPa Portanto, a equação da 1ª lei fica

Sinergia, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 57-62, jan./jun. 2003


o Ciclo de Refrigeração por Compressão
André Ricardo Quinteros Panesi

reduzida a Nesse exemplo, o coeficiente de


performance teve um valor razoável. Geralmente
se esse coeficiente for baixo podemos melhorá-
10, por exemplo, aumentando a temperatura de
evaporação ou reforçando o isolamento térmico.
a) volume de controle: evaporador Lembremos que o consumo de energia elétrica
pela 1ª lei fica: nesse tipo de refrigeração geralmente é muito
elevado, sendo que quanto maior for o
equipamento, maior será esse consumo de
energia. Atualmente os equipamentos de grande
porte utilizados estão sendo substituídos por
outros mais econômicos, como por exemplo os
Q vc = 0,2 (401,1- 245,8) = 31 KW sistemas de absorção onde se empregam água e
amônia como agentes de refrigeração, não
Esse valor encontrado também é a necessitando de eletricidade para que ocorra o
capacidade de refrigeração nominal do efeito refrigerante. Já em ar condicionado, onde
equipamento. o gasto de energia é em geral muito alto, utiliza-
se o sistema de água gelada, exigindo menos
b) Volume de controle: condensador trabalho do compressor para que ocorra o
Novamente pela 1ª lei temos: resfriamento.

R22
10'

10'

íü'
a.
Q vc = 0,2 (245,8 - 435,8) = - 38 KW ~ 103
a.

c) Volume de controle: compressor


102

-w vc + rnh, .- rnh, = O 101L--~,--~,--~,--,----",--,----",--,---,~----l


. 100 150 200 250 300 350 400 450

Wvc = m (h, - h, ) h [kJlkg]

= 0,2 (401,1- 453,8) = - 10,52 KW

d) A temperatura da câmara de um modo


geral prático deve ser superior ao da 200

temperatura de evaporação, em tomo de 150

10 a 15°C. Sendo assim, a temperatura


É 100
da câmara deve oscilar entre O°Ce 5°C. I-
50

e) o coeficiente de performance (COP) é


dado por:
-50

COP = energia retirada da câmara / -1001'--~-'------~-'------~-L-~-'----~--'---~--'---~


0.50 0.75 1.00 1.25 1.50 1.75 2.00 2.25

energia fornecida ao compressor s [kJ/kg-K]

COP = 31kw / 10,52 kw = 2,94 Figura 1 - Gráficos referentes ao ponto I

Sinergia, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 57-62, jan.Zjun. 2003


o Ciclo de Refrigeração por Compressão
Andre Ricardo Quinteros Panesi

R22
105 R22
;- 250
t~
~ 200
10'

150

••
D..
2!. 103 E 100
D..
l-
SO

10"
o

-50

450 -100
0.50 0.75 1.00 1.25 1.50 1.75 2.00 2.25
h [kJlkg]
5 [kJ/kg-K]

Figura 2 - Gráficos referentes ao ponto 2

R22

200

150

é) 100
~

-50

101'L-~-'---~-'-~-'-~-'-~--'----'---'--'----'---'--'---'--'
-1OOIL--'----1_-'---L_>----L---'-_-L----'-_L--'----'_-'---'
m ~ ~ ~ m ~ ~ ~ ~ ~ 0.50 0.75 1.00 1.25 1.50 1.75 2.00 2.25
h[k..Vkg]
s[kJIk!rKl

Figura 3 - Gráficos referentes ao ponto 3

R22
R22
105

.<- 200
,<;,
,.:>'"

••
D..
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100 150 200 250 300 350 400 450 500 550 0.75 1.00 1.25 1.50 1.75 2.00 2.25

h [kJlkg] 5 [kJ/kg-K]

Figura 4 - Gráficos referentes ao ponto 4

Sinergia, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 57-62, jan.jjun. 2003


o Ciclo de Refrigeração por Compressão
André Ricardo Quinteros Panesi

REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
condenaador

DOSSAT, R.J. Princípios de Refrigeração.


v.llvul.l
COIHIH6SS01
Hemus, 1980, 884p.
ANDERSON, E.p. Palrnquist, R.E.,Refrigeration:
evapesodor
Home and Commercial. 4.ed. Hemus, 1994,
320p.
MORAN, M.J., SHAPIRO N.H. Princípios de
Termodinãmica para Engenharia. 4.ed.
Figura 5 - Ciclo de refrigeração por compressão de vapor
LTC, 2002, 680p.
STOECKER, W.F., JONES, J.W. Refrigeração
e Ar Condicionado. McGraw-Hill, 1985,
480p.

Para contato com o autor:


ricardopanesi@yahoo.com.br

Sinergia, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 57-62, jan.zjun. 2003


ANÁLISE DAS MODALIDADES DE UM DATA WAREHOUSE (DW)

Renato José Sassi


Mestre em Gestão de Negócios
Doutorando em Engenharia Elétrica - POLI-USP
Professor dos Cursos de Administração de Empresas e de Computação do Centro Universitário Santanna (Unisantanna),
Universidade Bandeirante (Uniban) e do Centro Universitário Ibero-Arnericano (Unibero)

Os bancos de dados tradicionais possuem informações pobres para a tomada de decisões


estratégicas e de risco, a resposta da Tecnologia para resolver este problema foi o Data
Warehouse (DW), uma tecnologia que permite aos executivos e usuários experientes toma-
rem decisões seguras com o menor risco possível, sem a necessidade de mesclar vários relató-
rios gerenciais e sintetizá-los para executar uma ação. O presente artigo procura orientar a
escolha da modalidade de Data Warehouse em função das necessidades informacionais das
organizações.

Palavras-chave: decisão, banco de dados, Data Warehouse, Data Mart, fonte de dados
operacionais.

Traditional DataBase has minor information on making strategic and risk decisons. The
solution from Technology to solve such problem was Data Warehouse (DW), a technology
that enables experienced managers and users to make safe decisions with the least possible
risk involved, without the need of mingling management reports and summarizing them to
set action. The present article intends to orient the choice of a Data Warehouse modality, due
to the organizations informational needs.

Key words: decision, database, Data Warehouse, Data Mart, operational data store.

1. INTRODUÇÃO partir de uma coleta trabalhosa de muitas


informações provenientes de vários setores.
Antigamente os bancos de dados eram A partir dos anos 90, houve a
direcionados a setores específicos das atividades necessidade das organizações serem capazes de
operacionais das corporações, como: vendas, analisar, planejar e reagir às mudanças dos
compras, faturamento, estoque. Era, assim, difícil negócios o mais rápido possível, pois eram
obter o cruzamento de informações e relatórios provocadas por um mercado mais competitivo
que demonstrassem por exemplo: e um consumidor cada vez mais exigente. Surge
então o conceito de Data Warehouse (armazém
de dados) com algumas modalidades diferentes
• Quantos clientes temos? Quanto
de armazenamento de dados. O Data
vendemos o ano passado? Qual é o
Warehouse é um grande banco que armazena
estoque do produto x?
dados sobre as operações da empresa, extraídos
de uma única fonte, transformando-os em
Muitas vezes essas informações eram
informações úteis, para apoio à decisão. Na
conseguidas de modo consolidado, ou seja, a
realidade o DW integra e gerencia o fluxo de
Sinergia, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 63-69, jan.jjun. 2003
Análise das Modalidades de um Data Harehouse eDW)
Renato José Sassi

informações a partir dos bancos de dados 2. A NECESSIDADE DE UM DW


corporativos e fontes de dados externas à
empresa. Segundo Taurion (1998), uma maneira
Nele os executivos podem obter simples de saber se um DW será útil à empresa
respostas para perguntas que normalmente não é responder a um pequeno número de questões.
possuem em seus sistemas operacionais e, com Quanto maior o número de respostas "sim",
isso, tomar decisões com base em fatos, não em maior o potencial de uso do DW pela empresa:
intuições ou especulações.
Em Oliveira (1998), vê-se este exemplo: 1- A empresa baseia-se em informações
uma empresa pode ter em seus bancos de dados para tomada de decisões? Por exemplo,
informações sobre as vendas de di versos se o conhecimento do mercado ou do
produtos de seu catálogo e sobre seus clientes, comportamento dos seus clientes é
com isto conseguirá apenas informações simples, necessário para uma decisão, a resposta
como: qual cliente compra mais e qual o produto deve ser "sim". O "não" seria de uma
mais vendido. Mas dificilmente conseguirá empresa cuja cultura decisória é
descobrir a faixa etária de seus clientes e os baseada fortemente na intuição;
produtos mais consumidos por estes. Como as
empresas demoram vários anos para gerar e 2- O segmento de negócios da empresa é
armazenar um volume considerável de caracterizado por uma forte
informações, é normal que esses dados estejam concorrência e mudanças rápidas? Um
espalhados por diversos locais e que tenham sido exemplo típico é o segmento financeiro.
gerados por sistemas desenvolvidos em Nesse caso, o "sim" é inquestionável.
diferentes linguagens e ambientes. Um dos Uma resposta "não" corresponderia a um
desafios da implantação de um DW éjustamente segmento estável e de pouca
a integração desses dados, eliminando as competição;
redundâncias e identificando informações iguais
que possam estar representadas sob formatos 3- A base de clientes é grande e
diferentes em sistemas distintos. diversificada? Um exemplo de "sim"
O objetivo deste artigo é demonstrar refere-se à base de clientes de um
conceitualmente as modalidades de Data supermercado ou de uma empresa
Warehouse e a correta aplicação dessas seguradora. O "não" viria de uma
modalidades nas empresas levando em empresa que fornece produtos como
consideração as seguintes variáveis: plataformas de petróleo para um único
competitividade, volume de negócios e cliente;
informação e o tamanho da base de dados.
Dessa forma busca-se responder duas questões: 4- Os dados estão armazenados em
a primeira refere-se à necessidade de utilização diversos locais? Na prática, o "sim" será
do Data Warehouse em uma corporação, e a proveniente de empresas que utilizam
segunda, se é constatada a necessidade de diversas tecnologias, com diversos
utilização, qual modalidade deve ser escolhida. sistemas aplicativos dispersos por várias
Neste artigo o assunto será abordado plataformas. O "não" será um caso raro
na seguinte seqüência: após esta introdução das poucas empresas que dispõem de
descrevem-se as necessidades de uma empresa uma única tecnologia;
ter esta tecnologia e, confirmando-se a
necessidade, caracterizar as modalidades de Dw, 5- Os dados estão duplicados e espalhados
enumerando quais fatores são relevantes para por diversos sistemas? O "sim" será da
uma escolha correta e finalmente a coneIusão do grande maioria das empresas;
assunto.
Sinergia, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 63-69, jan./jun. 2003
Análise das Modalidades de um Data Harehouse (DW)
Renato José Sassi

6- Os dados estão em formato e competitividade, volume de negócios e


especificações diferentes? Imagina-se informação justifiquem o porte desse tipo de
um banco onde "endereço do cliente" solução.
aparece em meia dúzia de lugares Abaixo estão descritas as características
diferentes, com conteúdo diferente; desta modalidade:

7- A empresa está comparti lhando o a) Maior robustez em termos de volumes


processo decisório, buscando maior de dados a serem armazenados (da
agilidade e rapidez? Com certeza quem ordem de 100GB a TB de dados);
ainda não está mudando, em breve o
fará. É um requisito para a sobrevivência b) Utilização altamente imprevisível,
empresarial na maioria dos segmentos de aplicações não estruturadas, analíticas;
negócio onde a competição será cada
vez mais intensa. c) Tempo de resposta: de segundos a alguns
minutos;
Depois de responder às questões a
empresa pode com certa segurança determinar d) Dadosrelacionais, não-voláteis, bastante
a utilização ou não da tecnologia. Os itens a desnormalizados;
seguir têm o objetivo de nortear essa decisão,
relacionando os passos que devem ser seguidos e) Informações organizadas por área de
para uma implantação segura e acertada do DW análise, históricas (5-10 anos);
na organização.
f) Usuários finais: gerência, consumidores
de informação.
3. MODALIDADES DE DW

De nada adianta escolher a modalidade 2. Operational Data Store (ODS):


de DW mais adequada, quando há um mau
dimensionamento e uma má caracterizaçãoe uma Não é um DW, é um banco de dados de
também má utilização dessa tecnologia, pois isso produção replicados com ajustes de erros. O ODS
gera um número alarmante de fracassos. é utilizadoa princípiopara gerar relatórios-padrão
Os números do Gartner Group relatam e prover detalhes de transações para análise.
que 70% dos projetos de DW no mundo falham, Dependendodasnecessidadesde relatóriosde uma
80% dos fracassos são falhas de processo e corporação, um ODS pode ser atualizado
somente 20% são de tecnologia. mensalmente, semanalmente ou com mais
O presente artigo tenta contribuir com freqüênciaem tempo real. Sua principal vantagem
um roteiro para escolha e implantação da é que ele melhora o desempenho do sistema de
tecnologia com o objetivo de redução dos produção,já que os resultadosdos processamentos
números apresentados pelo Gartner Group. são transferidos do On-Line Transacional
Segundo Amaral (1999), as possíveis Processing (OLTP) para o ODS.
modalidades de DW são as seguintes: Abaixo estão descritas as características
doODS:

1. Data Warehouse Corporativo: a) Utilização previsível, parcialmente


estruturada, parcialmente analítica;
É a modalidade mais robusta. São
soluções geralmente adotadas por grandes b) Tempo de resposta: de segundos a alguns
corporações, cuja combinação das variáveis minutos;
Sinergia, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 63-69, jan./jun. 2003
Análise das Modalidades de um Data Harehouse (DW)
Renato José Sassi

c) Dados relacionais, voláteis, ou correntes, dados, por atenderem a um único


desnormalizados; departamento.

d) Informações organizadas por área de Essas modalidades de implementação de


análise, históricas (30-60 dias); Data Warehouse não são excludentes entre si.
Cada organização escolherá aquela(s) que mais
e) Usuários finais: consumidores de lhe convier(em) para obter as vantagens
informação. competitivas almejadas. Isso varia entre os
diversos segmentos de mercado, em diferentes
graus de competitividade econômica de cada
3. Data Mart país ou região.

São soluções apropriadas às grandes e


médias corporações, uma vez que representam 4. A ESCOLHA DAS
um tipo de Data Warehouse menos complexo MODALIDADES DE DW
em termos de implementação e mais simples de
ser gerenciado, pois têm requisitos menos Discriminadas as principais modalidades
complexos em termos de infra-estrutura e de de DW disponíveis no mercado, pode-se
abrangência funcional. São geralmente utilizados responder ao problema apresentado pelo artigo
nas áreas principais da empresa como recursos "Qual é a modalidade de DW mais indicada para
humanos, finanças e marketing, são mais rápidos uma organização?"
de se implementar e custam menos. Segundo Amaral (1999), as empresas
Descrevem-se abaixo as características: podem ser classificadas sob o ponto de vista de
implantação de um DW, levando em
a) Tipo de DW em que os dados estão consideração variáveis como: competitividade,
mais próximos do usuário; volume de negócios e informação e tamanho da
base de dados.
b) Gerenciamentos mais fáceis por serem O DW Corporativo é a modalidade mais
menores; complexa de DW, é empregado onde a
organização necessita de informações
c) Permissão de tomada de decisão em provenientes de toda a corporação. Este modelo
nível departamental; é empregado no estudo extensivo de dados. Em
virtude de seu escopo e de sua complexidade, o
d) Dados relacionais ou multidimensionais, modelo corporativo é usualmente gerenciado
não-voláteis; pelo grupo central de Tecnologia da Informação
da empresa, conforme Gagnon (1999).
e) Desenvolvimento rápido (3-6 meses); Um DW Corporativo contém
informações originadas de toda a organização.
1) Custo baixo ($50.000-500.000); Os dados que compõem o DW devem ser
mesclados a partir de múltiplos sistemas com
g) Projeto politicamente mais gerenciável assuntos comuns.
em termos de patrocínio e orçamento; Uma das formas de se criar um DW
Corporativo é utilizar uma abordagem
h) Personalização: atendem às necessidades centralizada, combinando todos os dados da
de um departamento específico ou corporação em um único e imenso depósito.
grupos de usuários; Uma outra forma segue uma visão distribuída,
coletando resultados a partir de múltiplos Data
i) Armazenamento de menor volume de Marts.

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Análise das Modalidades de um Data Harehouse (DW)
Renato José Sassi

o desenvolvimento de um DW desestruturado. Por ser muito utilizado e estar


Corporativo é uma tarefa trabalhosa e complexa. em constante aperfeiçoamento, pode ocorrer a
Segundo Inmon e Richard (1997), 80% do replicação das mesmas informações em vários
tempo na criação de um DW desse tipo é gasto locais, o que dificulta uma futura integração de
em extração, organização e armazenamento de todos os Data Marts em um único DW,
dados. Projetos dessa dimensão levam de dois prejudicando também a visão global da
a cinco anos para ficarem prontos, com custos organização.
entre sete a dez milhões de dólares. Muitos Outro problema que deve ser
projetos responderam à primeira consulta após considerado é a sobrecarga do hardware devido
dois anos de trabalho. à execução de múltiplos processos de extração,
Caso a empresa tenha consciência de deixando os usuários descontentes com os
que o projeto é demorado e custoso, levando- atrasos ou levando a empresa a investir em
se muito tempo para realizar as primeiras upgrades da infra-estrutura de hardware e redes,
consultas, deve optar pelo DW Corporativo. para compensar o aumento de consumo. Essas
Projetos dessa magnitude envolvem soluções não são baratas.
muito compromisso, recursos financeirose gente. A estratégia correta é que o Data Mart
Com a dinâmica que caracteriza o mercado atual, faça parte da arquitetura do DW, sem perder a
tudo pode acontecer ao longo de 24 meses. visão do conjunto; isso é possível atualmente, e
Pessoas vão e vêm, prioridades oscilam, chama-se Data Mart Incremental.
orçamentos variam (ou desaparecem), o Segundo Vasconcellos (1999), essa
patrocínio pode enfraquecer, a empresa pode abordagem procura integrar os benefícios de um
fundir-se a outra, gerando todo o tipo de atraso processo de extração, transformação e
e dificuldade. Por esses motivos a decisão por depuração integrado e incremental, de forma a
essa modalidade deve ser realizada de forma garantir a qualidade dos dados que chegarão até
comprometida e madura, analisando com o usuário, com uma implementação rápida que
antecedência os riscos possíveis, conforme permita um ROI (Retomo do Investimento) a
Vasconcellos (1999). curto prazo.
Algumas empresas implantam o DW Dessa forma, a cada ciclo de
Corporativo, outras acreditam que projetos sem implementação (2-3 meses), um novo DataMart
resultados de curto ou médio prazo são estará pronto, oferecendo benefícios aos seus
questionáveis atualmente. usuários ejustificando seus investimentos.
Pensando nesse quadro, logo surgiram No entanto, é necessário que se faça um
alternativas. Se o custo está em criar um DW e planejamento prévio e se estabeleçam
o retomo está no acesso aos Data Marts, vamos prioridade, prazos e escopos de cada Data Mart
direto a estes. Segundo Inmon e Richard (1997), a ser implementado. A isso chama-se arquitetura
os Data Marts são subconjuntos de dados da de implementação.
empresa armazenados fisicamente em mais de A chave para o sucesso do Data Mart
um local, em geral divididos por departamentos incremental é uma visão corporativa abrangente
(Data Marts departamentais). e autoridade para implantá-Ia, para decidir por
A empresa que escolhe esse modelo exemplo qual unidade de negócio receberá a
deve estar atenta a certos problemas que tecnologia primeiro. Isso é papel do parrccinadot
ocorrem em virtude de se criarem Data Marts que deve ter autonomia e autoridade em nível
isolados. Podem-se produzir ilhas informacionais executivo para agir. Ele definirá a prioridade de
que, por serem departamentais, comprometem implantação de cada Data Mart, bem como o
a integração da informação na hora de juntá-los prazo e o escopo de cada um deles.
e criar o DW Corporativo. Diferentemente dos Data Marts
É grande o risco de desvio do modelo isolados, há uma fase abrangente de análise das
original, pois pode acontecer um crescimento fontes de dados, para assegurar a qualidade dos
Sinergia, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 63-69, jan./jun. 2003
Análise das Modalidades de um Data Harehouse (DW)
Renato José Sassi

dados entregues aos usuários. Assim, a cada administradoras de cartão de crédito. Para isso,
etapa em que se implementará um novo Data essas empresas necessitam de um conhecimento
Mart, serão reaproveitados os esforços das dos perfis e padrões de comportamento desses
etapas anteriores, o que levará a ciclos de clientes.
implementação cada vez mais curtos. O DW irá Caso a empresa realize relativamente
crescendo à medida que novos Data Marts poucas transações por dia, um ODS pode ser
forem sendo implementados. um exagero. Em vez dele, é possível utilizar o
Segundo Vasconcellos (1999), os sistema de produção para gerar relatórios.
benefícios dessa abordagem são:

a) extração unificada e incremental; 5. CONCLUSÕES

b) garantia de qualidade dos dados O DW que uma empresa adota depende


carregados nos Data Marts; de suas operações e do esquema de suporte
para a decisão de que ela necessita. Com base
c) baixo risco de implementação; em Taurion (1998), pode-se reconhecer essa
necessidade pelo número de respostas "sim" a
d) ROI (Retomo do Investimento) a curto algumas questões.
prazo. A escolha da modalidade pode basear-
se, segundo Amaral (1997), em variáveis como
O Data Mart incremental é escolhido competitividade, volume de negócios e
por muitas empresas, porque, em épocas de crise, informação e tamanho da base de dados.
é mais difícil conseguir recursos para tecnologia, Conclui-se que caso a organização
e a pressão por resultados aumenta, a opção apenas gere dados operacionais e realize poucas
por um projeto piloto de escopo pode ser uma análises ou pesquisas de mercado, um ODS pode
solução muito interessante principalmente em atender às suas necessidades, por outro lado,
termos financeiros, segundo Rubini (1998). se a empresa realiza poucas transações por dia
Caso a organização apenas gere dados é possível utilizar apenas um sistema de produção
operacionais e realize poucas análises ou de relatórios.
pesquisas de mercado, um ODS (Operacional Outro tipo de DW é o Data Mart, é
Data Storage) pode atender às necessidades limitado em escopo, normalmente resumido a
muito bem. Essa é uma estrutura de . informações de um único departamento, é um
armazenamento muito volátil e altamente DW de pequenas proporções. É escolhido por
detalhada. empresas que têm pressa e não podem dispor
É utilizada para consolidar todas as de muito capital.
informações sobre um assunto que estão A utilização de Data Marts criou
dispersas nos vários sistemas da empresa. As problemas em projetos onde não houve
informações reunidas devem representar uma preocupação na futura integração destes para
única realidade e são armazenadas apenas formar um DW Central, criando-se assim ilhas
durante o período de tempo que durar um ciclo informacionais dentro da organização.
de transação do negócio. Podem eventualmente Atualmente os projetos utilizando Data
ser replicadas para o DW, por esse motivo muitos Marts são desenvolvidos com a intenção de
projetos de DW incluem o ODS, como o integrá-los e para isso tomam-se todas as
desenvolvido neste trabalho. medidas necessárias para possibilitar esta
O ODS é adequado a empresas que integração, são os chamados Data Marts
lidam cominformações do cliente e precisam Incrementais, evitando assim as ilhas de
realizar ações rápidas de retenção ou até de informação dentro da organização.
proteção ao risco, como no caso das E finalmente tem-se o DW Corporativo

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Análise das Modalidades de um Data Harehouse (DW)
Renato José Sassi

que reúne todas as informações das áreas de OLIVEIRA, A G. Data Warehouse: conceitos
negócios da organização, é o tipo mais complexo e soluções. Santa Catarina: Advanced,
de DW para se desenvolver e manter. 1998.
É escolhido por empresas que podem RUBINI, Eduardo (1998). OLAP:
esperar um bom tempo pelo seu transformando dados em informações
desenvolvimento e podem arcar com alto custo estratégicas. Disponível na Internet, no
do projeto. endereço http://www.treetools.com.br/
warehouse.htm.
TAURION. O Data Warehouse será útil para a
REFEREÊNCIAS sua Organização. Developer's Magazine.
BIBLIOGRÁFICAS São Paulo, p. 26-27, fev. 1998.
VASCONCELLOS, João Marcos.
AMARAL, Antonio. Desmistificando Implementando um Data Warehouse
definitivamente o Data Warehousing. Incremental. Developers Magazine, São
Developer's Magazine. São Paulo, p.14- Paulo, n.32, p.18-20, abr.1999.
17, fev. 1999.
GAGNON, Gabrielle. Data Warehouse: uma
visão geral. PC Magazine. São Paulo, v.9, Para contato com o autor:
n.4,p. 109-111,ab~ 1999. sassi@lsi.usp.br
INMON, W. H., & RICHARD, D. H. Como
usar o Data Warehouse. Rio de Janeiro:
Infobook, 1997.

Sinergia, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 63-69, jan.jjun. 2003


AIMPORT ÂNCIADE UTILIZAR UML PARA MODELAR SISTEMAS:
ESTUDO DE CASO

João Maria Filgueira


Mestre em Análise de Sistemas
Professor do CEFET-RN

Welbson Siqueira Costa


Aluno do CEFET-RN no curso superior Tecnologia em Informática

Este artigo tem como escopo principal expor a importância e vantagens da utilização da
UML para modelagem e desenvolvimento de sistemas. Em princípio é ressaltada a relevância
da análise para se construir softwares. Posteriormente discorre-se sobre o uso da UML para
entender um problema, propor uma solução e auxiliar na implementação da solução. Depois
é mostrada uma pequena parte de um estudo de caso de uma aplicação comercial, que foi
modelada através da UML.

Palavras chaves: UML, modelagem, análise, estudo de caso.

This article has as main goal expose the importance and advantages in the use of UML for
modeling and developing systems. At first the relevance of the analysis to build software is
exposed. Later it discourses on the use of UML to understand aproblem, to propose a solution
and assist in the implementation of the solution. Then a small part of a study of case of a
commercial application that was modeled through UML is shown.

Keywords: UML, modeling, analysis, study of case.

1. INTRODUÇÃO do problema, deixando detalhes de


implementação de lado. Essa característica é
Antes de construir um software que bastante importante, já que a mente humana
represente um sistema real, deve-se ter um tem dificuldades de entender complexidades,
amplo conhecimento do domínio deste sistema, mas fazendo o uso de modelos pode-se dividir
ou seja, deve-se analisá-lo. A análise será o problema em partes mais simples até se
bastante proveitosa se resultar na construção chegar a sua total compreensão.
de modelos, pois eles permitem que se tenha A modelagem não só servirá para
uma interação com o problema e entender o sistema e visualizar como ele deverá
conseqüentemente o seu inteiro conhecimento. ser ou se comportar, mas também seus
Segundo Rumbaugh et aI. (1997), isso se deve modelos serão os guias na implementação do
ao grau de abstração que os modelos projeto e serão usados para a documentação
apresentam, pois modelos são uma do resultado final.
representação simplificada de algo real. Eles Os modelos permitem que erros sejam
levam as pessoas que os desenvolveram a visualizados antes da codificação do software,
focalizar suas atenções em partes relevantes por isso reduzem os riscos de implementação.
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A Importância de Utilizar UML para Modelar Sistemas:
Estudo de Caso
João Maria Fi/gueira / Welbson Siqueira Costa

É evidente que sistemas extremamente objetos, diagrama de componentes, diagrama


pequenos estão submetidos a riscos bem de implantação, diagrama de caso de uso,
menores que sistemas maiores. Mas não se diagrama de seqüência, diagrama de
deve pensar que esses pequenos sistemas não colaboração, diagrama de estados e diagrama
necessitem de modelagem, pois, segundo de atividades. Segundo Furlan (1998), os
Rumbaugh et al. (2000), há uma tendência diagramas da UML possuem uma notação
natural de que sistemas pequenos se padrão e bastante compreensível que permite
transformem em algo complexo ao longo do abstrair certos aspectos do sistema, ficando,
tempo. Dessa maneira, uma documentação assim, fácil de entendê-lo através de suas
produzida por uma modelagem seria de grande partes. Ao final da modelagem essas partes
valia em alterações futuras desse sistema. se completam e representam o sistema em sua
Para fazer bons modelos deve-se totalidade.
utilizar uma linguagem de modelagem que seja O conjunto de modelos resultante de
dotada de diagramas que permitam a uma modelagem é a proposta de uma solução
representação de sistemas simples ou para o problema que deu origem à necessidade
complexos sob as diferentes visões, pois isso de se construir um sistema. Essa proposta
facilita o entendimento e padroniza a poderá ser viável ou não. Assim, o modelo
comunicação e a organização do problema. deverá ser estudado até se chegar a uma
A UML vem-se tornando um padrão conclusão aceitável. Durante esse estudo o
para modelagem de sistemas orientados a modelo poderá sofrer algumas alterações a fim
objeto (Larmann, 2000). Esta linguagem é de corresponder aos requisitos do sistema.
caracterizada por seus nove diagramas que Na fase de implementação os modelos
permitem visualizar um sistema sob diferentes são bastante consultados pela equipe do
perspectivas. projeto, pois é a partir deles que se construirá
o software, ou seja, eles são os guias na
codificação. Fowler et al.(2000) afirmam que
2. MODELANDO SISTEMAS é muito fácil esquecer detalhes em um projeto,
COMUML mas com uma pequena consulta a alguns
diagramas toma-se fácil encontrar o caminho
A primeira fase na construção de um no software.
sistema é a sua compreensão, que será mais Se a modelagem foi produzida por
facilmente concebida se for auxiliada por meio de uma ferramenta CASE, é possível
modelos. Mas é importante evidenciar que codificar parte do sistema e até produzir seu
nunca existirá um só modelo que represente a banco de dados, pois algumas ferramentas
totalidade de um sistema. Na verdade a CASE apresentam essa facilidade através de
modelagem consiste na produção de um diagramas. Por exemplo, do diagrama de
conjunto de modelos que se inter-relacionam classes pode-se gerar facilmente o esquema
e individualmente representam o sistema sob do banco de dados do sistema. Isso não é
determinadas perspectivas. É o caso, por novidade para quem usa CASE.
exemplo, da Linguagem de Modelagem
Unificada - UML, segundo a qual, um
problema pode ser modelado de acordo com 3. ESTUDO DE CASO
várias visões: a visão dos casos de uso, a visão (DESCRIÇÃO DO SISTEMA)
de projeto, a visão do processo, a visão da
implementação e a visão de implantação. Para o sistema a ser modelado é um sistema
representar o sistema sob as várias visões a de vendas de CDs musicais pela Internet. São
UML dispõe de nove diagramas, notações vendidos dois tipos de CDs: comuns, que são
gráficas: diagrama de classes, diagrama de aqueles encontrados em qualquer loja de
Sinergia, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 70-77, jan.jjun. 2003
A Importância de Utilizar UML para Modelar Sistemas:
Estudo de Caso
loâo Maria Fi/gueira / We/bson Siqueira Costa

venda de discos, e, personalizados, ou seja, o os seguintes diagramas: caso de uso,


cliente terá à sua disposição um grande classes, componentes e implantação. Cada
número de músicas que poderá escolher para um destes foi escolhido por representar
gravar o seu disco. As vendas serão realizadas aspectos importantes do sistema em questão.
através de uma página na web, nela o cliente
poderá "navegar" pelos CDs e músicas
colocados à venda. Para comprar ele deverá 3.1.1 Casos de Uso
cadastrar-se como cliente fornecendo seu
nome, CPF e dados de endereço. As vendas O diagrama de casos de uso foi
são pagas com cartão de crédito, por isso, o escolhido por fornecer um grau de abstração
cliente deverá informar o número de seu cartão que permite a visualização das funcionalidades
no ato da compra. Os produtos vendidos são do sistema.
entregues na residência do cliente ou em outro Para um melhor entendimento, foi feito
endereço qualquer determinado por ele no ato um diagrama para cada programa
da compra. Os CDs de músicas comuns têm implementado, ou seja, um diagrama para o
preços determinados pelas suas gravadoras, site da web e outro para o programa
mas os CDs de músicas personalizadas administrativo. Os dois diagramas se
possuem dois preços: um para cada tipo de complementam para juntos representarem
gravação, que poderá ser feita no formato wav todas as funcionalidades do sistema.
ou mp3. Será cobrada também uma taxa de
frete para entrega do material.
Para uma melhor produti vidade no uso
e na codificação do software, o sistema foi
• Caso de Uso para o Sistema na Web

dividido em duas partes: a de venda efeti va na


Este Caso de Uso representa a página
Internet, ou melhor, aquela que realmente
da web. Veja que cada uma das "bolhas"
interage com o cliente, e a parte administrati va
(Casos de Uso) tem funcionalidade, servindo
que funciona apenas na empresa para
para interagir com um cliente que pretende
administrar as vendas realizadas no site
comprar CDs.
cadastrar os CDs e músicas que deverão estar
Observe com mais atenção as
disponíveis na página. Por isso ele foi
associações com setas tracejadas. Elas
implementado usando duas tecnologias
representam dependências, ou seja, o caso de
diferentes - uma delas para web. Teve-se
uso de onde parte a seta depende do outro
como resultado dois programas, mas que
caso de uso para onde se destina a seta. Por
acessam a mesma base de dados. Isso permite
exemplo, o caso de uso "Realizar venda de
que ao inserir uma nova música usando o
CD personalizado" depende funcionalmente
programa administrativo esta estará
do caso de uso "Validar cliente". Este por sua
automaticamente disponível no site, da mesma
vez depende do caso de uso "Cadastrar
maneira que ao ser realizada uma venda na
cliente". Isso funciona da seguinte maneira:
página, por um cliente qualquer, os dados da
quando se está realizando uma compra o
venda estarão também automaticamente
cliente informa o número de seu CPF, assim o
disponíveis no programa administrativo.
caso de uso "Validar cliente" irá verificar na
base de dados se o cliente já está cadastrado
para permitir a venda, se ele não estiver
3.1 Solução Proposta (Modelagem)
cadastrado o caso de uso "Cadastrar cliente"
entra em ação para realizar o cadastro.
Para modelar o sistema decidiu-se usar

Sinergia, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 70-77, jan,/jun. 2003


A Importância de Utilizar UML para Modelar Sistemas:
Estudo de Caso
João Maria Fi/gueira / Welbson Siqueira Costa

Cliente

Figura 1

• Sistema na Empresa - Administrativo

Este Caso de Uso representa as funcionalidades do programa administrativo.

Figura 2

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A Importância de Utilizar UML para Modelar Sistemas:
Estudo de Caso
João Maria Filgueira / Welbson Siqueira Costa

• Descrição dos Casos de Uso

CASO DE USO FUNÇÃO

SISTEMA NA WEB - PARA VENDAS

Cadastrar dados de um cliente para que ele possa


Cadastrar clientes.
comprar.

Exibe uma lista com todas as músicas disponíveis para


Exibir lista de músicas
vendas de CDs personalizados.

Exibe uma lista com todos os CDs disponíveis para venda.


Exibir lista de CDs e suas músicas
Também mostra as músicas de cada CD.

Realizar venda de CDs comuns Permite ao cliente realizar a compra de CDs comuns.

Permite ao cliente escolher quais músicas deseja que


Realizar venda de CDs personalizados sejam gravadas em CDs e realiza a venda destes CDs
personalizados.

Antes de efetivar uma venda este caso de uso verifica se o


Validar cliente cliente está cadastrado. Se não estiver, ele ativa o caso de
uso "cadastrar cliente" e solicita que seja feito o cadastro.

Cancelar venda Permite que o cliente cancele uma compra.

SISTEMA NA EMPRESA - ADMINISTRATIVO

Manipular dados de preços de CD Usado para inserir, alterar e excluir os preços dos CDs
personalizado e frete personalizados no formato wav e mp3 e o preço de frete.

Insere, exclui, altera e pesquisa músicas que estarão


Manipular dados de músicas
disponíveis para venda.

Insere, exclui, altera e pesquisa clientes que se


Manipular dados de clientes
cadastraram no site da web.

Cancela, pesquisa ou dá baixa como entregue nas vendas


Manipular dados de vendas a entregar
que foram realizadas na web.

Insere, exclui, altera e pesquisa CDs que estarão


Manipular dados de CDs
disponíveis para venda.

Pesquisa ou exclui vendas de histórico de vendas


Manipular dados de vendas realizadas
realizadas.

Insere, exclui, altera e pesquisa nomes de gravadoras dos


Manipular dados de gravadoras de CDs
CDs comuns.

3.1.2 Diagrama de Classes as classes Item_Venda, CD e


CD_Personalizado: cada instância da classe
o diagrama de classes nos permiti u a Item_Venda estará associada ou a uma instância
visualização estática dos objetos que compõem da classe CD ou a uma instância da classe
o projeto. A partir deste diagrama obteve-se o CD_Personalizado. Isso irá depender do tipo
banco de dados usado na implementação. do item da venda, que será de um CD comum
É importante observar a associação entre ou de um CD personalizado.

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A Importância de Utilizar UML para Modelar Sistemas:
Estudo de Caso
João Maria Fi/gueira / We/bson Siqueira Costa

Musica Cliente Gravadora


Venda Musica CD
+ CocCMusica int + CocCCliente int +
+ Cod_ Venda : int Cod_Gravadora : int ~_Musica_CD : int
+ Nome String + Nome String + Razao_Social : String + Nome
+ Data : Date : String
+
+
Tamanho mp3
Tamanho W8V
float
float
1+ CPF String + Valor : float + Inserir O + Autor : String
1 + Logradouro String + Tempo : float
+ Entregu~_-.:~~~~~_~__ + Alterarf
+ Tempo float !+ Num String '-
i + Excluir O Inserir O
+ Preco float '+ Bairro String + Nova Venda O +
+ Estilo String + Pesquisar O + Pesquisar O + Excluir ()
+ Cidade String
+ Autor String + Baixar como Entregue O + Alterar O
+ UF String
I. + lnserír f)
+ Excluir O
+ CEP
+ Fone
String
String
+ Cancelar O + Pesquisar O

+ AlterarO + Email String


+ Pesquisar O I + Complemento String
+ Calcular tamanho wav O + Inserir O
+ Excluir O
+ Pesquisar O
+ Alterar O
+ Cod_ltem_ Venda : int
CO
+ Quantidade : int Precos
+ Tipo CD : char + CO(cco : int
+ CD _mp3 : float
CD_PersonaJizado + Inserir () + Titulo : String
+ CD_wav : float
+ Excluir O + Estilo : String
+ Frete : floal
+ Co(CCD : int
+ Pesquisar () + Prece :float
+ Nome : String + Inserir O
+ Excluir O

l
Inserir O
Excluir ()
+ Alterar O
Pesquisar O + p~~~aro

Figura 3

3.1.3 Diagrama de Componentes partes do software como, por exemplo, alguns


scripts * .php, o executável WebMusic.exe e a
o
diagrama de componentes é DLL libpq.dll.
importante para que possamos visualizar a Observe com atenção especial a relação
organização do código do sistema, pois com ele de dependência, representada por uma seta
é possível identificar todos os seus componentes tracejada, entre o pacote "pagina" e o
e as relações de dependências entre eles. componente "conexão_php" que está dentro do
Para este modelo foram colocados os pacote "inc1udes". Essa relação de dependência
componentes dentro de seus respectivos pacotes, nos diz que todos os componentes que se
ou seja, os retângulos grandes são a localizam no interior do pacote "pagina"
representação de um pacote (diretório ) dentro dependem do componente "conexão_php".
do qual há os componentes (arquivos) que são

CadastroCliente_php ~ Pacote: Imagens


__ ~,-_ln_de--,x-"_hP-,~ - - - - - - - - -

\ ------ ~
- __ ~FUndO_gif

Pacote:
Includes
I
__ ~conex':_PhP
-:
/
/
/
/
Pacote:
Administr.tivo ~ Libpq_dll
I
»:
./'

Pacote: Pagina

Figura 4

Sinergia, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 70-77, jan./jun. 2003


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3.1.4 Diagrama de Implantação servidor web Apache e o SGBD (Sistema de


Gerenciamento de Banco de Dados) PostgreSql.
o diagrama
de implantação nos dá a É nesse computador que reside a página da web
visão da organização do hardware do sistema. e o banco de dados do sistema em questão. O
Para um melhor entendimento foi colocado outro nó representa um computador qualquer
dentro dos nós deste diagrama os pacotes conectado à Internet no qual está instalado o
encontrados em cada hardware. programa administrativo. Os dois nós do
Observe que há um computador diagrama são associados por uma linha, isso
localizado no departamento NUDES do representa uma conexão, através da Intemet, que
CEFET -RN. Esse computador roda o sistema deverá existir entre o programa administrati vo e
operacional Linux no qual está instalado o o banco de dados no servidor.

Servidor Web

I
t:J ,
\ ,-(
~
PC qualquer

~
[;:] Administrativo

Figura 5

4. CONCLUSÃO de software e através de diferentes tecnologias


de implementação (Furlan, 1998).
Nas últimas décadas a comunidade As fases iniciais de desenvolvimento de
científica vem acelerando as intensas mudanças um software são as mais conflitantes. Sempre
que estão ocorrendo na área da informática. Mas há falta de entendimento entre os membros da
essas mudanças são necessárias no contexto de equipe de desenvolvimento e entre a equipe e
sociedade em que estamos vivendo, pois a cada os usuários (clientes) do sistema. Isso se deve
dia nosso modo de vida se toma mais complexo na maioria das vezes a falta de um vocabulário
e exige, também, um aumento da complexidade elecomunicação entre as partes. Por exemplo,
das ferramentas informatizadas que usamos. quase sempre os próprios clientes ou usuários
Em meio a tanta complexidade e à do sistema têm dificuldades em explicar seus
necessidade de softwares cada vez mais bem requisitos. Por isso, existe a necessidade de uma
elaborados, estudiosos de todo o mundo na área notação padrão que atue nas fases de análise de
da engenharia de projetos de softwares tentaram requisitos e modelagem do sistema. Como
desenvolver métodos e técnicas de projeto que notação, propomos a UML que já é, de fato,
suprissem as necessidades dos sistemas que um padrão formalizado pela OMG (Object
estavam sendo requisitados. Surge, então, a Management Group) e tem, a cada dia que
UML, uma linguagem padrão para especificar, passa, um incremento na comunidade de seus
visualizar, documentar e construir artefatos de adeptos. É também grande a quantidade de
um sistema que pode ser utilizada com todos os ferramentas CASE que dão suporte aos
processos ao longo do ciclo de desenvolvimento diagramas da UML. Isso facilita a sua aplicação

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A Importância de Utilizar UML para Modelar Sistemas:
Estudo de Caso
João Maria Fi/gueira / Welbson Siqueira Costa

em desenvolvimentos de projetos, pois o uso da RUMBAUGH, James; BLAHA, Michael;


UML auxiliado por uma CASE eleva a PREMERLANI, William; EDDY,
velocidade de produção do software, diminui Frederick; LORENSEN, William.
os riscos e também garante uma maior qualidade Modelagem e projetos baseados em
do produto final. objetos. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
___________ , BOOCH, Grady;
JACOBSON,Ivar. UML: guia do usuário.
REFERÊNCIAS Rio de Janeiro: Campus, 2000.
BffiLIOGRÁFICAS

FOWLER, Martin; SCOTT, Kendall. UML Para contato com os autores:


essencial. São Paulo: Bookman, 2000.
FURLAN, José Davi. Modelagem de objetos João Maria Filgueira
através da UML. São Paulo: Makron jmfilgueira@cefet-rn.br
Books, 1998.
LARMAN, Craig. Utilizando UML e padrões. Welbson Siqueira Costa
Porto Alegre: Bookman, 2000. welbson.siqueira@bol.com.br
PRESSMAN, Roger S. Engenharia de
software. São Paulo: Makron Books,
1995.

Sinergia, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 70-77, jan./jun. 2003


UM POUCO DE NÓS POR NÓS MESMOS.
OU DAQUILO QUE DEVERÍAMOS SER ...

Carmen Monteiro Femandes


Gerente Educacional do CEFET-SP / Unidade Sertãozinho

Nesse artigo apresento um resumo da dissertação apresentada pela Professora Marina Piza
de Sampaio Góes,como parte dos requisitospara a obtenção do título de Mestrepela Faculdade
de Educação da Universidade de São Paulo. Essa apresentação significa, por um lado,
valorizar o que brota de nós mesmos, pois, em geral, falamos e ouvimos pouco dos feitos
daqueles que encontramos no nosso dia-a-dia, daqueles que vivem essa Escola. Marina, por
anos, batalhou na Escola Pública deste país, alguns deles como Supervisora Pedagógica no
CEFET-SP. Junto com a alegria e o entusiasmo, ela trouxe, para o Departamento de Ensino,
a discussão constante do papel de apoio que cabia à equipe técnica da Escola, buscando
romper com a imagem defiscal do Ministério da Educação que, em geral, se atribui às tarefas
de supervisão. Por outro lado, o conhecimento desse trabalho é importante para todos que
vivem de e para uma Instituição que tem, como sentido de sua existência, a educação
profissional e, portanto, educação para a classe trabalhadora, o que foi o foco principal da
pesquisa.

Palavras-chave: educação, educação para os trabalhadores, educação popular.

In this article, I present an excerpt of the dissertation presented by the Professor Marina Piza
de Sampaio Góes, as part of the requirements for the acquisition of the Title of Master of
Education of the University of São Paulo. This presentation means, to value what grows in
ourselves, because, in general, we speak and hear very little of the achievements of those
whom we meet in ourdaily routine.from those who experience this school. Professor Marina
has debated it in the Public School of our country for years, some of them as a Pedagogical
Department Supervisor at CEFET-SP. Along with the joy and enthusiasm, she has brought
to the Teaching Department a constant debate, about the support role that was up to the
Technical team of the School, trying to break off the fiscal image of the Ministerial of
Education that, in general, handles the supervision tasks. In the other hand, the knowledge
of this work is important for all those who live on and for an Institution, which has, as its
sense of existence, the professional education and, consequently, education for the working
class, what was the mainfocus of the research.

Key words: education, education for the working, common education.

Trabalhando com uma metodologia que de 60, em diferentes cidades do país e


enfatizou o processo histórico e a oralidade, organizadas por entidades do Movimento
Marina analisou a Educação Popular, a partir da Popular e por sindicalistas ligados à classe
experiência do Conselho de Escolas de operária, portanto, uma proposta educacional
Trabalhadores - CET -, entidade que reúne oito feita pelos e para os trabalhadores.
escolas profissionais surgidas, desde a década A dissertação apresenta cinco capítulos,

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Um Pouco de Nós por Nós Mesmos.
Ou Daquilo que Deveríamos Ser...
Carmen Monteiro Fernandes

complementados pelas considerações finais. A diferentes governos das propostas educacionais,


leitura do primeiro deles permite compreender surgidas no seio do movimento dos trabalhadores
os motivos que levaram operários católicos e e como, em geral, essas propostas são revestidas
marxistas a se unirem em iniciativaseducacionais de novas roupagens que acabam por travesti-
comuns e voltadas aos interesses dos Ias.
trabalhadores. Para tanto é apresentada uma O capítulo três apresenta o CTC -
retrospectiva histórica da política educacional do Centro de Trabalho e Cultura do Recife -, uma
Estado Republicano, das ações dos das escolas do CET, selecionadas como amostra
trabalhadores pela Educação e, finalmente, o da pesquisa, uma instituição livre de ensino
papel da Igreja Católica na História da Educação profissionalizante para adolescentes e operários
no Brasil e na Educação Popular. Traz um adultos, criada pelo Movimento de Educação
percurso que se inicia com as iniciativas dos de Base - MEB -, em 1966, e instalada na
anarquistas, em 1920, passa pelas ações de Grande Recife, Pernambuco. O CTC foi uma
Getúlio Vargas, pela Ditadura Militar e chega às iniciativa da Juventude Operária Católica que
políticas do governo FHC. Essa incursão objetivava estender aos trabalhadores urbanos
permite, por meio de uma análise histórica o trabalho de alfabetização e conscientização que
singular, delinear claramente o cenário onde se o Movimento de Educação de Base, extinto pela
desenvolve uma proposta educacional ditadura militar, realizava junto aos camponeses.
diferenciada. Para tanto, foi criada uma escola de formação
Foi realizado um recorte entre as oito profissional em que as oficinas de produção
escolas que compõem o CET, sendo escolhidas pudessem, ao mesmo tempo, manter os cursos
três que, embora tenham recebido o mesmo e servir de fachada contra a repressão instaurada
apoio político-pedagógico das outras cinco, são pelo governo militar.
portadoras de uma pedagogia própria e A vinculação do CTC à Igreja Católica
diferenciam-se pela opção de não produziu, por certo tempo, uma distância entre
desenvolverem cursos regulares. Maiores a proposta de conscientização e de
detalhes acerca dessas três escolas aparecem profissionalização idealizada pelos seus
nos capítulos de três a cinco. fundadores, uma vez que as pessoas que
O Capítulo II apresenta o Conselho de compunham a diretoria do Centro, ligadas à
Escolas de Trabalhadores. Como já dissemos, Igreja, não tinham, necessariamente, a
essa iniciativa resultou da união de algumas preocupação com a conscientização dos alunos
escolas que tinham, por objetivo comum, e, mesmo os cursos propostos, via de regra, não
desenvolver uma forma de fazer educação que atingiam o trabalhador das fábricas. Essa situação
fosse ao encontro das aspirações e necessidades pôde somente ser revertida, quando os
dos trabalhadores. militantes, além de participarem da equipe
O foco principal do trabalho de todas pedagógica, assumiram cargos na diretoria do
as instituições e pessoas que compõem o CET é Centro.
o de subverter a ordem, estabelecida e mantida A sustentação financeira do CTC sempre
historicamente no Brasil, de que a política esteve vinculada ao fomento de diversas
educacional voltada à educação para o trabalho entidades, tanto em nível nacional como
deve ser definida pelo setor produtivo, usuário internacional. Porém existe participação direta
da mão-de-obra trabalhadora, e de que a dos alunos na sua manutenção e, ainda, de
educação profissional, estigmatizada, de segunda professores e monitores, que somam seu trabalho
linha, deve ser ajustada aos moldes desenhados voluntário ao de uma equipe fixa, composta por
por burocratas, os quais a indicam, via de regra, professores e pessoal técnico-administrativo.
como excelente alternativa para os "filhos dos No CTC, nos cursos e projetos que lá
outros". Um dos pontos interessantes nesse se desenvolvem e que se estendem desde a
capítulo é a denúncia da apropriação feita pelos alfabetização até áreas técnicas diversas,
Sinergia, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 78-82, jan./jun. 2003
Um Pouco de Nós por Nós Mesmos.
Ou Daquilo que Deveríamos Ser...
Carmen Monteiro Fernandes

enraizou-se a idéia de que todas as pessoas estão equipamentos agrícolas para a agricultura
voltadas para a construção do saber e que essa familiar. Essa atividade levou à criação e
construção é coletiva. Essa metodologia é corisolidação da APAC - Associação de
passada de ex-aluno para aluno e rompe com o Produtores Autônomos da Cidade e do Campo.
modelo da escola tradicional, em que o sentido Entretanto, essa atividade tornou-se inviável
de tempo e poder do professor estão sempre financeiramente, como tantas outras, devido à
muito presentes. Além da participação, o aluno, política monetária do Governo Collor. Hoje, as
no avanço do seu conhecimento em classe, vive, atividades estão voltadas para as áreas de
ainda, os processos de decisões do CTC. Esse Elétrica e Mecânica, Eletrônica, Pneumática,
processo contribuiu para que muitos deles Informática e Administração, com foco tanto na
alcançassem projeção, tanto no movimento dos inserção dos alunos nos postos oferecidos pelo
trabalhadores como em atividades político- mercado de trabalho, como na capacidade de
partidárias no Estado de Pernambuco. geração de renda, por meio do
No capítulo quatro, são descritos a empreendedorismo.
história e os feitos do CADTS - Centro de Atendendo a jovens e trabalhadores da
Aprendizagem e Desenvolvimento Técnico- baixada fluminense, o CDTS segue uma gestão
Social de São João do Meriti -, instituição criada compartilhada, sendo administrado, por meio de
a partir das atividades de trabalhadores rodízio, entre seus participantes. Os cursos são
metalúrgicos do Rio de Janeiro, na década de gratuitos, sendo subvencionados por doações de
setenta. A criação do CADTS está vinculada à diferentes entidades e por um fundo para o qual
necessidade de inserção dos trabalhadores no contribuem ex-alunos, ex-professores e
modelo de produção industrial em que, pela admiradores. Os recursos recebidos são
automação de máquinas, desaparecem postos aplicados, fundamentalmente, no pagamento da
de trabalho e se intensificam os conhecimentos equipe que presta serviços ao Centro, cabendo
técnicos. Nesse cenário, alguns trabalhadores, aos alunos contribuírem para as despesas de
detentores de maiores conhecimentos, começam, xerox, papel para fazer as provas, contas de luz,
na hora do jantar, a ensinar os companheiros etc.
menos preparados. Como, em geral, os que se A Assembléia Geral é o fórum, por meio
dispunham a transmitir seus conhecimentos eram do qual se estabelecem as orientações de caráter
pessoas mais politizadas, essa atividade foi filosófico e pedagógico do Centro, o conteúdo
repudiada pelos empresários, pois a entendiam programático, as normas disciplinares, de
como um movimento subversivo. O Movimento freqüência, pontualidade, limpeza das
foi levado, então, para fora das fábricas e acolhido instalações. Na sala de aula, são definidos a
pela Igreja Católica na Diocese de Nova Iguaçu, avaliação e o programa de cada curso, sendo
em São João de Meriti. vivificada, no dia-a-dia, a responsabilidade
a CADTS foi formalizado, a partir de individual e coletiva, o que é um exercício de
1984, embora já existisse, com diferentes democracia.
vinculações, desde a década de 70. Foram No CADTS, as tecnologias são
desenvolvidos, durante todos esses anos, consideradas produtos de relações sociais,
diferentes trabalhos. Destaca-se o realizado em determinadas e vinculadas aos processos
conjunto com os trabalhadores rurais históricos de tomada de decisões econômicas,
organizados e sua vinculação à CAPINA - políticas e éticas. O método adotado segue uma
Cooperação e Apoio a Projetos de Inspiração linha pedagógica crítica e reflexiva e está voltado
Alternativa -, aNG que também acolhe a à discussão constante, acerca do
Secretaria Geral do CET - Conselho de Escolas desenvolvimento tecnológico e sua inclusão na
de Trabalhadores. vida das pessoas.
a trabalho técnico do CADTS foi Os cursos são desenvolvidos em 18
iniciado com um projeto de produção de meses. Inicialmente, há 300 horas de

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Ou Daguilo gue Deveríamos Ser...
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recuperação dos conhecimentos básicos, com exemplo para os sistemas públicos de ensino.
uniformização das turmas e a adaptação A Nova Piratininga recebeu ajuda
metodológica dos alunos, sendo oferecidos, externa da Alemanha e de outros países da
posteriormente, módulos de aprimoramento Europa. Nesse sentido, foi significativa a
profissional, com duração de três meses cada participação da Professora Maria Nilde
um deles. Mascellani, que, até a sua morte em 1999,
A Escola Nova Piratininga (atualmente sempre esteve presente nas iniciativas do Núcleo
Centro de Educação, Estudos e Pesquisas - "Nova PiratiningalCEEP. Outras formas de
CEEP), terceira escola da amostra, é analisada sustentação foram o convênio com a Prefeitura
no capítulo cinco. Ativa, no período de 1979 a Municipal de São Paulo, na gestão Luiza
1996, ela foi dissolvida e seus bens vendidos Erundina, para a realização do Curso Supleti vo,
para pagamentos de encargos trabalhistas. Seus os recursos do FAT para o Supletivo
idealizadores, sindicalistas da Oposição Sindical Profissionalizante, realizado por meio de um
Metalúrgica de São Paulo, recebendo reforços projeto tripartite, envolvendo a Secretaria de
de educadores oriundos da Universidade, de Emprego e Relações do Trabalho de São Paulo
sindicatos ligados à CUT, de movimentos - SERT -, o CEEP, o Centro Paul a Souza e
progressistas da Igreja Católica e de pessoas vários sindicatos ligados à CUT. Atualmente o
ligadas ao Movimento Popular, fundaram, um CEEP tem sua participação em outros projetos
anos depois, o CEEP, mantendo o mesmo como o "Projeto Trabalhador Cidadão/
ideário político-pedagógico. Programa Integrado de Inclusão Social",
Uma das características interessantes da realizado com favelados no Município de Santo
Escola "Nova Piratininga" foi o perfil de seus André e outros similares, geralmente organizados
alunos. A Escola estava direcionada à formação nas prefeituras petistas.
sindical e ao resgate da possibilidade de emprego Em todos os projetos desenvolvidos,
para aqueles que estavam sendo perseguidos destaca-se o esforço em contribuir com as
pela sua militância. Passaram pela Escola políticas públicas de educação, no sentido de
sindicalistas de diversas partes do país. mostrar a possibilidade de resgate da
A metodologia empregada era criada escolaridade de populações carentes e marginais
pelos próprios professores e obedecia à idéia e da participação dos trabalhadores nas decisões
de que o aluno-operário já traz consigo um que dizem respeito ao modelo educacional
cabedal de conhecimento muito importante e que brasileiro. Por entenderem que o Sistema "S"
o novo conhecimento só será significativo, na representa o da gestão privada do dinheiro
medida em que for "enganchado" naquilo que público destinado à formação profissional, as
ele já possui e faça com que ele passe a enxergar pessoas que compõem o Núcleo mantêm uma
melhor o mundo que o cerca. Ressalte-se, tanto posição crítica em relação a esse sistema.
na "Nova Piratininga" como no CEEP, a defesa O fechamento da dissertação, constante
de uma concepção de formação na perspecti va das considerações finais, pode ser retratado, por
dos trabalhadores, sem compartimentalização meio de um de seus excertos, extraído da fala
entre o profissional e o político. Dessa forma, o de um dos personagens da experiência do
aluno deve "sair" da Escola com as condições Conselho de Escola de Trabalhadores: o ex-
de atuar tecnicamente e, ao mesmo tempo, metalúrgico Leonildo Rodrigues de Assis:
interferirno seu espaço social, especialmente no
seu local de trabalho. "Então era o momento que a gente
Houve sempre uma preocupação na considerava como momento transformador
da vida do trabalhador. Não era
trajetória da "Nova PiratiningalCEEP" com o
simplesmente adestrá-lo a um trabalho bem
resgate da escolaridade. Para isso foram criados feito, era como se fosse a transformação de
cursos supletivose supletivos profissionalizantes, uma pessoa, de uma pessoa que despontava
vistos, antes de mais nada, como modelo- para uma visão de mundo melhorada. [. ..}

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Um Pouco de Nós por Nós Mesmos.
Ou Daquilo que Deveríamos Ser...
Carmen Monteiro Fernandes

Eu digo com relação aos alunos, era um Parece-me desnecessário tecer qualquer
verdadeiro processo de transformação [00'] outro comentário, acerca do valor desse
o crescimento de consciência. Então,
trabalho, uma vez que ele é a sua melhor
aquelas portas feias e desarranjadas da
ladeira suja (da Riachuelo) eram um propaganda. Recomendo sua leitura detalhada
verdadeiro laboratório de pessoas e, a partir dela, quem sabe, pensarmos naquilo
humanas." 1 que estamos e não estamos fazendo.

Para contato com a autora:


carmen@cefetsp.br

I Extraído das considerações finais da tese apresentada neste resumo.


Sinergia, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 78-82, jan,fjun. 2003

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