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a tempo REVISTA DE PESQUISA EM MÚSICA

NÚMERO 1
2011/2

FACULDADE DE MÚSICA DO ESPÍRITO SANTO “MAURÍCIO DE OLIVEIRA”


VITÓRIA - ES
a tempo – REVISTA DE PESQUISA EM MÚSICA. Coordenação de pós-graduação / Faculdade de Música do Espírito Santo.
V.1, n.1 (jul/dez 2011).
Vitória, ES: DIO/ES, 2011

Semestral

1. Música - Periódicos.

ISSN 2237-7425

CDD: 780.7
a tempo
REVISTA DE PESQUISA EM MÚSICA

FACULDADE DE MÚSICA DO ESPÍRITO SANTO “MAURÍCIO DE OLIVEIRA”


COORDENAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO

EDITORA
Gina Denise Barreto Soares

CONSELHO EDITORIAL
Antônio Marcos Cardoso (UFG)
Diana Santiago (UFBA)
Elizabeth Travassos (UNIRIO)
Ernesto Hartmann (UFES)
Jorge Antunes (UNB)
José Alberto Salgado (UFRJ)
José Nunes Fernandes (UNIRIO)
Luis Ricardo Silva Queiroz (UFPB)
Margarete Arroyo (UNESP)
Mônica Vermes (UFES)
Ricardo Tacuchian (UFRJ)
Sérgio Luiz Ferreira de Figueiredo (UDESC)
Sílvio Ferraz (UNICAMP)
Sônia Albano (UNESP)
Vanda Freire (UFRJ)

ASSESSORIA EDITORIAL
Paula Maria Lima Galama
Wander Luiz
Wellington Rogério Da Silva
REVISÃO TÉCNICA
Wellington Rogério Da Silva
ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO
Daniela Ramos
PROJETO GRÁFICO E EDITORAÇÃO
Sérgio Rodrigo da S. Ferreira

Tiragem: 500 exemplares


Sumário
08 | Editorial

10 | Música Guarani: mitos, sonhos, realidade


Raquel Ribeiro de Morais

24 | A Interdisciplinaridade e suas contribuições na formação


inicial do licenciando em música
Ademir Adeodato e Alba Janes Santos Lima

36 | J. Lins – Fábrica e frutos do absoluto


Paula Maria Lima Galama

46 | E por falar em música, onde está a poiesis? Análise da


poesia- performance de Anissa Mohammedi: considerações,
reflexões e (quase) elucubrações para o campo de análise
poético-musical
Wellington Rogério Da Silva

60 | Análise comparativa de Peguei a Reta: uma contribuição


para o estudo do trompete no choro
Pedro Francisco da Mota Júnior

74 | Música na segunda metade do século XX: um pensamen-


to novo ou parte de um mesmo continuum?
Gina Denise Barreto Soares
Editorial
As tentativas de propor uma definição para em música junto a seu corpo docente e discente.
a música se configuram num eterno desafio. Sendo uma instituição que ao longo de mais de
Mas algo inquestionável pode emergir de tal cinco décadas de história pôde se notabilizar
propósito: é a relação da música com o tempo. principalmente na área da performance, chega
A princípio, a música só existiria na performance, o momento de agregar a pesquisa não somente
em relação permanente com o fluxo temporal. A à referida área, mas também a outras linhas de
partitura, neste caso, não passaria de um código ação que têm tomado corpo dentro da institu-
que funciona como um conjunto de pistas que ição mais recentemente.
orientam a realização de um evento sonoro mu-
sical dinâmico e vivo. A música, na dependência Por isso, é com grande alegria que apresentamos
do tempo e materializada poeticamente adquire a tempo – Revista de Pesquisa em Música. A alegria
caráter variado. Tal caráter pode ser mantido ao para nós, seguindo os passos do semiólogo Ro-
longo de todo o texto musical ou ceder a con- land Barthes, em seu opúsculo Aula, supera e
trastes. Dependendo do período histórico, uma substitui a honra que não desejamos, pois aqui
peça musical mantém caráter único do início ao a alegria do trabalho realizado aponta para os
fim ou comporta seções contrastantes. Ritardan- muitos outros trabalhos com os quais sonha-
do, affretando, mudando de andamento de for- mos, reconhecendo na pesquisa muitos camin-
ma brusca ou suave, as nuances podem se mos- hos que poderão ser tomados para que chegue-
trar como meios de expressão a informar sobre a mos a uma melhor relação do homem com o
intenção musical do compositor, que se combina mundo.
com a daquele que a faz renascer - o intérprete. O
que varia em música, ocorre em relação à deter- A publicação da revista tem o própósito de de-
minada referência. Sendo assim, um ritardando senvolver, promover e divulgar a pesquisa em
ou um affretando ocorrem tomando por base música, bem como fomentar diálogos interdisci-
certo andamento. Neste ciclo, quando se volta, plinares entre a música e campos afins. Em seu
retorna-se a tempo, nem mais nem menos, sim- primeiro número, de caráter inaugural, foram
plesmente a tempo. selecionados artigos de autoria dos professores
da Fames. Tais artigos se desenvolvem dentro de
Entre movimentos de ritardando e affretando, linhas de pesquisa variadas, tais como a etnomu-
somos convidados a nos afinar com o tempo sicologia, a educação musical, a musicologia e a
de nossa existência. É preciso estar a tempo, performance, ou constroem campos interdisci-
capturar as intenções, perceber as demandas e plinares quando as abordagens assim o exigem.
oferecer o que está ao nosso alcance para con- De temáticas diversas, esses artigos atestam a
tribuirmos efetivamente como o momento em heterogeneidade de interesses na área da músi-
que vivemos. Conduzida por este pensamento, a ca.
Faculdade de Música do Espírito Santo – Fames,
entre tantas outras iniciativas, vem direcionando Iniciamos a publicação com o artigo de Raquel
esforços no sentido de desenvolver a pesquisa Ribeiro de Moraes que, através de uma aborda-
gem etnográfica, reflete sobre a música dos de suas respectivas épocas.
Guaranis. Num panorama que faz associações
entre música, educação e cultura, pretende-se Finalizando o presente número, Gina Denise Bar-
conhecer como ocorre a transmissão da tradição reto Soares apresenta uma revisão de literatura
musical indígena nas escolas das aldeias de Boa sobre a música na segunda metade do século
Esperança e Três Palmeiras, no município de XX. Tratando de aspectos inerentes a relações
Aracruz - ES. do homem com a música, desde os primórdios,
parte-se para a reflexão sobre as transformações
A interdisciplinaridade nos cursos de licenciatura ocorridas no pensamento musical ao longo da
em música é o tema do próximo artigo. De au- história e amplia-se o foco para a segunda meta-
toria de Ademir Adeodato e Alba Janes Santos de do século XX. No referido período, questiona-
Lima o artigo é o resultado do trabalho interdis- se até que ponto tais transformações represen-
ciplinar desenvolvido nas disciplinas Estágio Su- tam uma ruptura da tradição musical ou apenas
pervisionado III e Apreciação Musical I do curso parte de um mesmo continuun.
de licenciatura da Fames.
Esperamos que esta publicação, com os artigos
Homenageando o desaparecimento do com- aqui veiculados, cumpra a sua função de divulgar
positor pernambucano Jaceguay Lins, na época e compartilhar os conhecimentos produzidos no
radicado em Vitória, Paula Maria Lima Galama campo da música, oferecendo incentivo para
traça um breve relato de sua vida e obra bem novos estudos, tornando-se referência e con-
como traz à tona características ímpares de sua tribuindo para uma permanente atualização na
personalidade. Enriquecido por entrevistas e área de pesquisa em música.
documentos cedidos pelo próprio compositor
após ter fixado residência em solo capixaba, o ar- Gina Denise Barreto Soares
tigo retrata a genialidade de um criador em sua Editora
permanente busca de realização.

Em uma abordagem que transcorre na interface


entre música e a poesia, Wellington Rogério Da
Silva traz a análise da poesia-performance de
Anissa Mohammedi, poetisa argelina, represen-
tante da África francófona de uma literatura-
mundo. Nele são desenvolvidas reflexões no
campo da análise poético-musical.

Com preocupações no âmbito das práticas in-


terpretativas, Pedro Francisco da Mota Júnior
propõe uma análise comparativa entre duas
gravações de Peguei a Reta, peça do trompetista-
compositor Porfírio Costa. Considerando as es-
colhas interpretativas de cada instrumentista, os
resultados da análise mostram traços estilísticos
MÚSICA GUARANI: MITOS,
SONHOS, REALIDADE

Raquel Ribeiro de Moraes


Professora de Percepção e Teoria Musical na Faculdade de Música do Espírito Santo “Maurício de Oliveira” – FAMES,
mestranda em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo – UFES.

Resumo Abstract

Este projeto de pesquisa situa-se no âmbito das This study attempts to contribute towards the current
atuais reflexões sobre música, educação e cultura, fo- discussion on music, education and culture. It focus-
calizando o trabalho relativo à música Guarani, desen- es on the teaching of Guarani music by indigenous
volvido por professores indígenas com as crianças das teachers with children living in two villages called Boa
aldeias Boa Esperança e Três Palmeiras, no município Esperança and Três Palmeiras, in the municipality of
de Aracruz. O estudo tem como um dos seus objetivos Aracruz, Espírito Santo, Brasil. Among its main objec-
centrais investigar os processos pelos quais as crian- tives is that of investigating the ways in which those
ças das aldeias Três Palmeiras e Boa Esperança têm children have been learning the songs transmitted by
aprendido as músicas de seu povo, incluindo nessa their ancestors, as well as the role of the indigenous
investigação uma reflexão sobre o papel do professor teachers as they combine their own cultural values
indígena na articulação entre a preservação de sua with the irreversible influence of mass culture in the
cultura e a irreversível influência da cultura de massa dwellers lives. The work is based on the ideas put for-
na vida dos aldeados. O referencial teórico constitui- ward in the fields of art, education and culture, such
se das reflexões desenvolvidas nas áreas da Arte-edu- as indigenous education, ethnomusicology and the
cação, da Cultura – baseando-se na ideia de entrelugar inbetween proposed by Bhabha. The meeting point
proposta por Bhabha, da Educação Escolar Indígena e between each one of these fields and the others is
da Etnomusicologia. A questão do lugar do professor the place occupied by the indigenous teachers viz-a-
indígena frente às realidades culturais será o ponto de viz the present cultural realities. The method adopted
encontro entre essas áreas do conhecimento. Como can be identified as qualitative research and, more
aporte metodológico, percebe-se a identificação com specifically, as a case study of an etnographic kind.
a pesquisa qualitativa e, mais especificamente com o
estudo de caso do tipo etnográfico. Keywords: music - identity - education

Palavras-chave: música - identidade - educação


A importância da diversidade e dos saberes de cada você veste a roupa que o Cabral e
Ser: acaso o Bem-te-vi canta o canto do “Martim esse pessoal aí usava? Não usa mais,
Pescador”? já é tudo outra coisa. Sapato é outro
Cacique Antônio Carvalho – Aldeia Boa Esperança modelo, calça, gravata, parece que hoje
em dia ninguém usa mais coroa. Então
é a mesma coisa. Mesma coisa acontece
Tratar de música e cultura indígenas no aqui no Xingu: o que antigo usava a
gente tá deixando, por que a partir de
século XXI significa colocar-se diante da
agora [...] estamos bem abraçados com
realidade de um povo que vive em duas os caraíbas. (trecho de conversa do
indígena Trauim com o pesquisador.
dimensões concomitantes: o exercício
2006, p. 94)
de preservação de suas marcas históricas
e culturais e, ao mesmo tempo, a Aprofundando sua investigação, Carvalho
experiência com as transformações sociais afirma que as tentativas de preservação da
e tecnológicas pelas quais vem passando cultura indígena, em geral, vem ocorrendo
a sociedade brasileira, invadindo todos os de maneira artificial, criando a falsa ideia
modos de vida humana, independente de que os moradores das aldeias mantêm
condição econômica, localização territorial intactos os mesmos modos de existir de seus
ou origem étnica. Morais (2004) abordou antepassados.
essa problemática focalizando-a na
experiência dos povos indígenas Kamaiurás Tais fatos estão em consonância com
e Yawalapitis, no Alto Xingu. Em seu estudo reflexões mais recentes acerca do termo
o autor revela que o crescente envolvimento cultura, que é entendido como construção
dos jovens indígenas com a cultura ocidental permanente, não como algo estanque e
urbana tem provocado um distanciamento imutável. Corroborando essa posição,
acentuado dos antigos costumes e crenças
[...] Bhabha defende um novo conceito
cultivados nas aldeias ao longo do tempo.
de cultura, considerado enquanto
“verbo” e não mais como “substantivo”.
[Assim, torna-se] híbrido, dinâmico,
Carvalho (2006) focaliza esse mesmo transnacional – gerando o trânsito de
fenômeno e cita relatos dos próprios experiências entre nações - e tradutório
– criando novos significados para os
indígenas Kamaiurás sobre a questão: símbolos culturais (SOUZA, 2004, p.
126).
[...] pelo que eu tô entendendo, hoje em
dia as coisas muda tudo. Não tem como
a gente voltar lá no fundo, trazer tudo Estamos diante, então, de uma ideia de
as coisas que nós estamos querendo.
cultura que se propõe múltipla e híbrida,
Por exemplo, vocês os brancos: hoje

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desmistificando a imagem de pureza
cultural. Esse novo posicionamento SANTOS (2007) também faz sérias críticas
atinge, de maneira contundente, as ideias a esses modelos culturais fechados,
estereotipadas e anacrônicas - verificáveis enquadrando-os no que ele denomina
no senso comum bem como nos conteúdos monocultura de saberes. O sociólogo propõe
escolares – a respeito dos povos não- às instituições e aos processos educacionais,
ocidentais, incluindo-se aí os povos de um modo geral, a ecologia dos saberes, que
indígenas do Brasil. encampa os mais diferentes conhecimentos,
sejam eles acadêmicos, sejam eles originados
Pinar (2009) contesta as políticas do na experiência. Indo além, nessa percepção,
multiculturalismo, representadas ele diz:
principalmente por europeus e norte-
Não é simplesmente de um
americanos, que concebem “o outro” de conhecimento novo que necessitamos;
forma estereotipada, agrupando suas o que necessitamos é de um novo modo
de produção de conhecimento. Isso é
singularidades em categorias totalizantes ainda mais urgente [...] já que em nossos
e pasteurizadas. Há exemplos citados pelo países se vê cada vez mais claro que a
compreensão do mundo é muito mais
autor a respeito do povo negro, por exemplo, ampla que a compreensão ocidental do
em que a negritude é fantasiada “como um mundo (SANTOS, 2007, p. 20).
imutável núcleo cultural de intuição, ritmo,
sentimento e criatividade” (2009:151). As práticas musicais entre as crianças Guarani
- Aldeias Três Palmeiras e Boa Esperança/
Alinhando-se a esse pensamento, Balandier Aracruz – ES - mostram essa amplitude.
(1976) afirma que as sociedades estão em São práticas atualmente marcadas pelo
constante processo de mudança e que, no hibridismo, envolvendo tanto os cantos
caso das sociedades indígenas, a sensação da sua tradição quanto os mais recentes
de que se mantêm cristalizadas no exercício sucessos pop da mídia. Esse hibridismo,
de seus costumes e cultura é uma percepção nos termos de Bhabha, ocorre nos tempo-
ilusória, focada somente naqueles aspectos espaços visíveis e audíveis em que a liberdade
que permanecem pouco alterados. Para ele, para ser e criar se coloca como guia de novos
não existe a possibilidade de eternizar as e impensados usos das produções culturais
práticas culturais e os costumes tais como se e estéticas. Entendendo a escola como
realizaram em um passado mítico. lugar que promove, autoriza e encaminha

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conhecimentos, bem como o lugar social em contexto das tradições indígenas significa o
que as crianças compartilham todas as suas abandono da ideia do indivíduo compositor,
vivências de mundo, incluindo-se os cantos, pois
este artigo procura abordar os mecanismos
os Guarani não se consideram donos
de preservação musical detectados no dos cantos. Mesmo os cantos individuais
cotidiano das referidas aldeias, bem como recebidos especialmente por cada
um em sonhos são recebidos por
desenvolve um a breve análise musical de merecimento, não são compostos pela
algumas de suas músicas. pessoa. [...] As canções são recebidas
dos deuses em sonhos (MONTARDO,
2002, p. 46).
A importância da música para os Guarani
tem sido objeto de investigação de muitos O modo de criação musical assume, portanto,
pesquisadores, revelando que falar em música o significado de revelação, partindo do
significa falar do ser, do existir. Para eles, a pressuposto de que as músicas pré-existem,
música é o regente do universo, responsável estão “arquivadas” em um “outro lugar”, onde
pela manutenção da vida (MONTARDO, somente os xamãs têm acesso.
2002). Na perspectiva indígena, “a arte
integra o conjunto das expressões gerais dos Tais aspectos da musicalidade humana têm
objetivos humanos” (VAN VELTHEM, 2000, sido estudados na área da etnomusicologia,
p. 83). O antropólogo Darcy Ribeiro (1996) ou então Antropologia da Música, campo do
distingue três funções fundamentais da arte saber que se dedica à música do outro, tendo
nas comunidades indígenas: a de estabelecer como objetivo principal sua compreensão,
diferenças entre os grupos étnicos, a de preservação e revitalização.
distinguir o universo humano do universo
dos animais e a de ofertar aos homens a A etnomusicologia desenvolveu-se a partir
coragem e a alegria de viver. da Musicologia Comparada, área de estudos
criada em 1900, vinculada ao Instituto de
Para os Guarani, a música não é criação Psicologia de Berlim. Essa fase inicial de
humana mas provém dos deuses, por estudos musicológicos contava com um
intermédio de sonhos, não existindo assim grupo interdisciplinar de pesquisadores,
a figura do músico como conhecida pela tendo à frente o psicólogo, musicólogo
sociedade ocidental. Por esse motivo, o e filósofo Carl Stumpf. Esse estudioso
processo de criação musical no estrito desenvolveu suas investigações com o

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objetivo de verificar a maneira como os para os Estados Unidos e puderam, assim,
indivíduos reagem a diferentes tipos de tons. retomar as ideias iniciais da musicologia. Esse
Após reunir um número significativo de resgate do enfoque investigativo promoveu
materiais sonoros, Stumpf fundou o Arquivo considerável expansão nas pesquisas
de Fonogramas, favorecendo a abertura sobre culturas não-ocidentais, bem como
da Escola de Musicologia Comparada de estabeleceu as bases para os estudos
Berlim. As primeiras pesquisas dessa escola comparativos entre diferentes culturas.
foram marcadas por estudos dos efeitos
dos tons musicais em diferentes indivíduos, A partir da década de 1970, a etnomusicologia
bem como por pesquisas relacionadas ganhou embasamentos mais consistentes
às estruturas das escalas musicais em com os estudos desenvolvidos por John
diferentes culturas, agregando ideias da Blacking, que sugere que “a percepção da
antropologia, da música e da filosofia. Essas ordem sonora, seja ela inata ou aprendida,
duas vertentes de pesquisa – referentes às ou as duas, está na mente antes de emergir
sensações resultantes de audição musical como música” (BLACKING apud MONTARDO,
e às construções musicais de culturas 2002, p. 23). Esse posicionamento teórico
não ocidentais – estabeleceram-se como está intimanente relacionado a um outro
protótipos para estudos posteriores em fundamento central da etnomusicologia,
musicologia, a saber, o interesse pela música também proposto por Blacking, que aponta
do “Outro”. para a necessidade de se diferenciar o lugar
do etnomusicólogo – com suas teorias e
Nesse mesmo período começaram a surgir análises - e o lugar dos produtores – com
as primeiras pesquisas de campo na área da suas criações e crenças. Segundo esse
Antropologia, provocando uma mudança no estudioso, o papel do etnomusicólogo é o de
acento dado às pesquisas musicológicas, que “desvendar analiticamente a teoria musical
passaram então a funcionar como ilustradoras nativa, que está inconsciente na maioria dos
das teorias antropológicas. Enquanto isso casos” ( apud MONTARDO, 2002, p. 23). Nessa
afastava-se dos estudos a especificidade da perspectiva, o pesquisador concebe a música
música do “Outro”, característica do projeto como produção humana, consistindo de um
original idealizado por seus fundadores sistema significativo pleno em cada cultura.
(MONTARDO, 2002). Com a ascensão do
nazismo, os pesquisadores transferiram-se No Brasil, a área da Etnomusicologia vem

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ampliando seu território investigativo, tendo nos interessa quanto nos desterritorializa:
como principais lócus de pesquisa os povos
Entre a diversidade e a diferença existe
indígenas de um modo geral, os quilombolas, um abismo insondável, uma distância
os pomeranos e, mais recentemente, grupos política, poética e filosoficamente
opressora. O outro da diversidade e o
de rock, cantos bantus, tribos e subculturas outro da diferença constituem outros
urbanas. Travassos (2011) registra as dissimilares. A tendência de fazer deles
o mesmo retorna todo discurso a seu
influências da pós-modernidade no corpus trágico ponto de partida colonial, ainda
das atuais pesquisas etnomusicológicas, que vestido com a melhor roupagem
do multiculturalismo. (SKLIAR, 2003 , p.
refletindo as discussões acerca da crise 201)
do conceito sistêmico de cultura. A
autora critica o movimento World Music, As pesquisas em etnomusicologia atualmente
destacando a concepção preconceituosa de têm avançado no sentido de romper com os
seus organizadores, que catalogam como binarismos que separam o “nós” do “outro”,
exóticas as mais variadas formas musicais, o ocidental do não ocidental, a mente
incluindo-se aí a nossa MPB. Nesses termos, do corpo, a modernidade da tradição, o
esse rótulo comercial recente surge como familiar do exótico. Abre-se, assim, uma nova
símbolo de um mundo supostamente sem perspectiva de investigação em que
fronteiras, situando-se também como
A alteridade passou a não ser mais
[...] o aspecto da indústria cultural pensada como uma característica
que mais impacto tem tido sobre a predefinida das culturas que estudamos,
etnomusicologia. Para assombro dos mas, sim, o que geralmente (mas não
etnomusicólogos, as chamadas músicas necessariamente) define a posição
do mundo [world music] aparecem do pesquisador (outsider) em relação
envoltas na pureza das raízes, nas a elas. O mais importante é que a
virtudes do multiculturalismo, do diferença não mais simplesmente define
pluralismo estético, das preocupações o outro em relação a nós (a dimensão
com o meio-ambiente, tudo mal intercultural discutida por Nettl), mas
escondendo a aceleração do processo é também uma condição interna de
de transformação das práticas musicais todas as sociedades e culturas humanas
em mercadorias (TRAVASSOS, 2011, p. (a dimensão intracultural). (Vicenzo
11). Cambria, 2008, p. 2)

Por essa perspectiva a comunidade indígena


Essas palavras de Travassos nos levam
do município de Aracruz descobriu na
inequivocamente ao encontro das ideias de
música um veículo especial para manter
Carlos Skliar a respeito desse “outro” que tanto
viva a identidade Guarani, sua cultura,

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seus valores e modo de ser. Teao (2007) as tradições” (TEAO, 2007, p. 197).
afirma que a música é cultivada como um
conhecimento de importantíssimo valor, O CD foi lançado no dia 19 de abril de 2006,
significando um dos poucos símbolos dia do Índio, na Aldeia Três Palmeiras. A
que vêm sendo preservados e do qual gravação do CD ocorreu como resultado do
sentem orgulho como uma produção a ser trabalho desenvolvido pelo professor Mauro
compartilhada com a sociedade em geral. Nhamãdu e por Daniel Veríssimo Karaí Miri,
Essa percepção a respeito de sua música músico indígena que toca a rabeca.
resultou na elaboração e implementação de
um projeto de gravação de um CD contendo As músicas gravadas nesse CD representam,
os cantos milenares, cantados em Guarani, portanto, um exercício de preservação não
com tradução escrita para o Português. De somente da história Guarani, mas do jeito
acordo com a pesquisadora, Guarani de ser - nhãdereko. Essa busca do
exercício da identidade pela via da expressão
A ideia para a produção do CD surgiu
musical faz parte, na verdade, da concepção
da necessidade dos Mbya em fortalecer
a cultura Guarani diante do contato com de música enquanto forma sensciente, como
a sociedade envolvente. [...] As músicas
é sugerido a seguir:
trazem cantos tradicionais sobre os
elementos da natureza (pássaros, sol,
lua, Tupã, Nhederu) e o nhandereko Depois de muitos debates em torno
[modo de ser Guarani]. As traduções das teorias atuais, chegou-se, em
foram feitas por alunos guarani da 5ª Filosofia em Nova Chave, à conclusão
série de 2005. O CD foi lançado no dia 19 de que a função da música não é a
de abril de 2006, dia do índio, na Aldeia estimulação de sentimentos, mas a
Três Palmeiras (TEAO, 2007, p.197). expressão deles; e, além do mais, não a
expressão sintomática de sentimentos
que acossam o compositor, mas uma
Por se constituir em um veículo natural do
expressão simbólica das formas de
nhandereko (jeito de ser Guarani), a música sensibilidade sensciente da maneira
como este as entende. Ela indica como
desempenhou, nesse período, o papel de ele imagina os sentimentos, mais do
incentivadora das famílias a perseverarem que seu próprio estado emocional, e
expressa aquilo que ele sabe sobre a
em sua indianidade, funcionando como um chamada “vida interior”; e isso pode
equalizador no que se refere às questões ir além de seu caso pessoal, porque a
música é, para ele, uma forma simbólica,
intraculturais. Assim sendo, “as lideranças através da qual se pode aprender
atribuíram ao trabalho com a música e o bem como exprimir ideias sobre a
sensibilidade (sensibility) humana.”
coral das crianças a possibilidade de valorizar (LANGER, 2006, p. 30)

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aproximação ao fá#1.
A fim de aprofundar um pouco mais
a discussão das questões musicais A análise das músicas Mbyá preservadas
propriamente ditas, apresentamos a seguir na Aldeia Boa Esperança (Município de
a transcrição e análise de algumas músicas Aracruz - ES), que constam no CD Mborai
gravadas no CD Mborai Retxa Kã Marae’y, Retxa Kã Marae’y, revela a existência de uma
que significa Cantos da Sabedoria Sagrada clara intencionalidade em se estabelecer
Infinita. uma modulação rítmica em uma mesma
melodia, criando assim formas musicais
As melodias da música Guarani estão baseadas no ritmo e não nas elaborações
estruturadas predominantemente na harmônicas tais como as conhecemos na
escala pentatônica maior observando-se música ocidental, principalmente a erudita.
claramente a ausência dos IV e VII graus na Assim, as construções eruditas melódico-
maior parte das músicas analisadas. Com harmônicas que delimitam as seções, que
menor frequência, utilizam a escala modal por sua vez geram as formas em música, são
mixolídia, que tem sua provável procedência substituídas – na música tradicional Guarani
histórica nos jesuítas. Importante destacar -por delimitações da ordem do ritmo
que a tonalidade das músicas situa-se entre o através da modificação do lugar (ou seja, a
Fá e o Fá# em suas modalidades Pentatônica nota musical) da pulsação. O resultado é o
e Mixolídia. Para fins de escrita, optamos pela emergir da forma musical, como mostram os

Música 1 – Nhamdu Nhãde-


ru – Forma AB – cantada três
vezes. As seções são sempre
entremeadas com arranjos e
improvisos da Rabeca (Ravé).
Acompanhamento de violão
(Mbaraka), chocalho (Mbaraka
Miri) e tambor (Ãgu’apu).

1 As transcrições têm a revisão musical do


prof. Dr. Marcos Moraes (Universidade Federal do
Espírito Santo/Centro de Artes/MUS)

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Música 2 – Ipyrêda – Forma: AB
AA BB AA. As seções são sempre
entremeadas com arranjos e
improvisos da Rabeca (Ravé).
Acompanhamento de violão
(Mbaraka), chocalho (Mbaraka
Miri) e tambor (Ãgu’apu).

Música 3 – Djaa eterei – Forma: AA


BB AA/AA BB/BB BB

Música 4 – Ore mã roota para


owai – essa música se desenvolve
de forma simples, sem apresentar
seções ou modulações rítmicas.
Mantém a melodia estruturada
na escala pentatônica maior em
fá#. Segue com a instrumentação
tipicamente Guarani.

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exemplos que seguem abaixo: de seu sistema cognitivo: as cinco cordas
do violão guarani Mbyá, por exemplo, estão
As músicas aqui apresentadas são cantadas relacionadas aos deuses de seu panteão”
nas escolas indígenas das aldeias e, mais (MONTARDO, 2002, p.35). Os relatos sobre a
frequentemente, na Casa de Reza, tendo incorporação desse instrumento ao universo
à frente o líder espiritual (pajé ou xamã). A Guarani são cercadas por explicações
expressividade musical é perceptível nas míticas, segundo as quais o herói criador
inflexões vocais em determinados trechos ofereceu o papel (para a escrita) e o Mbaraka
das melodias, revelando a sensibilidade (violão) tanto para Guaranis quanto para
Guarani. o djuruá (o branco), tendo o povo Guarani
feito a escolha pelo mundo sonoro através
A forma musical Guarani Mbyá também é do Mbaraka, deixando o papel/escrita para o
delimitada pela execução musical da rabeca djuruá (MONTARDO, 2002, p. 35).
(ravé) em entremeios ou interlúdios em
relação à parte vocal, conforme percebido na Os demais instrumentos que compõem
audição do CD. Essa forma musical também o conjunto tímbrico Guarani Mbyá são: o
foi observada entre os Mbyá estabelecidos hi’akuá parã (chocalho feito de porongo),
no Rio Grande do Sul, tendo sido relatada a ravé (rabeca artesanal de três cordas) e o
no artigo “Aprenderam cantando”: notas angu’ ápu (tambor artesanal). Não muito
etnomusicológicas sobre o co-mover, criar e frequentemente é utilizado o popyguá
ensinar entre os Mbyá: (claves de ritmo). Há diferenciações na
instrumentação conforme o momento:
Quando a ravé é utilizada nos arranjos, os
“nas sessões xamânicas de prevenção e
mboraí alternam partes instrumentais e
vocais, gerando um desenho simétrico: cura ritual, e no contexto ritual, é tocado
prelúdio – canto – interlúdio 1 – canto
também o takuapú.(STEIN, 2011, p. 06).
– interlúdio 2 – canto – póslúdio. Já
quando a ravé não é usada, a estrutura O takuapú é um bastão de ritmo feito de
formal é simplificada: introdução do
taquaras ocas, tocado exclusivamente pelas
mba’epú, canto 1,2,3 e coda (finalização)
instrumental. (STEIN, 2011, p. 08) mulheres Guarani. Produz um som seco,
grave e abafado, lembrando o contato mais
Com respeito à instrumentação, há profundo com a terra.
referências específicas ao violão (Mbaraka),
indicando que sua utilização ocorre “dentro Passando à educação escolar indígena,

18
podemos afirmar que, após uma história de curricular baseada em uma nova concepção
muitas lutas e conquistas, ela tem alcançado de educação, na perspectiva indígena, na
ouvidos atentos, e assim gerando discussões qual o ato de educar esteja amalgamado
e reflexões sobre as demandas fundamentais com a cultura e a lógica de pensamento
desse grupo. O resultado tem-se manifestado desse povo. COTA explicita essa ideia ao
em ações concretas como a implementação afirmar que
de vários cursos de formação e os Programas
[...] a escola, ao mesmo tempo que
de Formação Superior e Licenciaturas
dialoga com outras culturas, contribui
Indígenas (PROLIND), que abrem caminho para a afirmação da identidade étnica.
É por isso que, do ponto de vista dos
para a escolarização nos níveis fundamental
Guarani, não somente os conteúdos,
e médio nas aldeias. mas também os valores da sociedade
Guarani devem ser ensinados nas
escolas. [...] Vista, a princípio, como um
No Espírito Santo, a empreitada pela dos fatores de destruição da cultura,
a escola passou a ser considerada um
construção de uma escola indígena
instrumento que pode contribuir para
diferenciada e de qualidade tem início a revitalização cultural (COTA, 2008, p.
186).
formal no ano de 1987 com a contratação
pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI)
É assim que em 1993 tem início o processo
de duas professoras não-índias, para
de institucionalização da Educação Escolar
atuarem na Escola Municipal Pluridocente
Indígena, apoiada no princípio de que
Indígena Boa Esperança (COTA, 2008). O
se deve cunhar uma escola “indígena”
fato de essas professoras não dominarem
constituída de professores indígenas, e não
a língua Guarani dificultou imensamente
uma escola “para índios” (MONTSERRAT, 2000
o avanço das crianças em seu processo de
p. 103). O ponto de partida foi o ”Projeto de
aprendizagem, descaracterizando um dos
Educação Formal e Popular Comunidades
papéis mais importantes da escola indígena,
Indígenas” (COTA, 2008, p.189), elaborado
que é o de preservar e revitalizar sua cultura.
em conjunto pela Secretaria Municipal de
Assim, iniciou-se um programa de formação
Educação de Aracruz (SEMED), a Secretaria
e contratação de professores indígenas, com
de Estado da Educação do Espírito Santo
a intenção de se proceder à substituição
(SEDU), a Fundação Nacional do Índio
gradual das já referidas professoras. Tal fato
(FUNAI), a Pastoral Indigenista e a equipe do
abriu caminho para se colocar em prática leis
Centro Missionário Indigenista (CIMI).
que já exigem a elaboração de uma proposta

19
Essas ações conduziram à deliberação Mawa’aiaká, cuja tradução é“escola de resgate
certeira de se trilhar um caminho que cultural”, estabelece o ensino de Português
priorize a revitalização e sustentação da e Matemática em paralelo com a música
cultura do povo Guarani, mas que ao mesmo e o artesanato indígenas. Assim como na
tempo promova o ensino de conteúdos que realidade vivida pelos Guarani do município
preparem o indígena para o intercâmbio com de Aracruz, existe ali um debate permanente
a sociedade não-índia. Atualmente, nota- sobre os objetivos da escolarização na
se o empenho das lideranças no sentido de aldeia. O resgate cultural, nesses casos, soa
administrar as diferentes expectativas em como notas políticas entoadas por um povo
torno do papel da escola nas aldeias. Teao que deseja tomar em suas mãos as decisões
(2007) detectou três formas de conceber acerca de suas condições de vida.
a escola entre os Guarani das aldeias Boa
Esperança e Três Palmeiras. Para as lideranças Vemos, portanto, que o contexto das forças
políticas e religiosas das aldeias, a escola pós-modernas – em diferentes contextos
tem o papel predominante de trabalhar sociais - faz gerar, dialeticamente, a
determinados aspectos do mundo ocidental necessidade de pertencimento, o retorno
urbano bem como de preservar a cultura às raízes e, ao mesmo tempo, o olhar para
Guarani; para os mais velhos, a escola tem a o global, o cosmopolita. Benjamin (1994)
função de ensinar somente a cultura Guarani afirmou que a modernidade trouxe a
e o nhandereko (modo de ser Guarani); para os quebra do espelho, o descentramento das
pais e a comunidade em geral, a escola é um identidades, a ruptura da tradição; será
espaço alheio à cultura indígena, devendo que a música se coloca hoje – não como
ensinar apenas a cultura “dos brancos”. redentora – mas como um dos veículos mais
apropriados e competentes para produzir
A questão da revitalização cultural por meio novos sentidos para os mais diversos grupos
da educação é tratada também entre os sociais que se manifestam por meio de seu
Kamaiurás, no Alto Xingu. Carvalho (2006) trabalho, ou seja, na cultura, na estética?
aponta para o fato que o projeto pedagógico
elaborado pelos indígenas concebe a escola A arte como expressão da sensibilidade,
como espaço de preservação de aspectos da história, ou da cultura de uma pessoa
culturais considerados importantes pelas ou de um povo, permanece aí, disponível
lideranças da aldeia. A escola denominada como caminho viável para dar novas formas

20
e novos significados à vida, entendendo a REFERÊNCIAS
experiência pessoal – mesmo na coletividade
BALANDIER, G. Antropológicas. São Paulo: Cultrix Ed.,
- como instância única e insubstituível para 1976.
os processos criativos:
BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, arte e política:
ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo:
O artista informa a matéria com uma
Brasiliense, 1994.
ideia criativa. O objeto artístico é o que
o artista pensou que ela viria a ser. O
CAMBRIA, Vincenzo. Diferença: uma questão (re)
objeto pensado, projetado, proposto,
corrente em etnomusicologia. Música e cultura – Revista
sai da mente do artista. [...] A criação, as
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relações, surgem de dentro da mente.
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em agosto de 2011.
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da música nos dias atuais – em diferentes A trajetória da escola entre os índios Kamaiurá, de
tempos-espaços - refletem essa realidade 1976 a 2004. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de
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complexa, formada de redes culturais e 2006.
estéticas surpreendentes, misturando a cada
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segundo novas e antigas versões de sons, GM: Universidade Federal do Espírito Santo, 2008.
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22
A INTERDISCIPLINARIDADE E SUAS
CONTRIBUIÇÕES NA FORMAÇÃO
INICIAL DO LICENCIANDO EM
MÚSICA
Ademir Adeodato1 e Alba Janes2
1
Professor dos cursos de bacharelado e licenciatura da Faculdade de Música do Espírito Santo “Maurício de Oliveira” -
FAMES, mestrando em música pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.

Professora do curso de licenciatura da Faculdade de Música do Espírito Santo “Maurício de Oliveira” - FAMES,
2

mestranda em música pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.

Resumo Abstract

Neste artigo serão apresentados os primeiros resulta- In this article we will present the first results of an in-
dos de uma proposta educativa interdisciplinar que terdisciplinary educational approach that has been
vem sendo desenvolvida no curso de Licenciatura em developed in the Bachelor’s Degree in Music Educa-
Educação Musical da Faculdade de Música do Espírito tion, Faculdade de Música do Espírito Santo -FAMES.
Santo FAMES. A proposta vem sendo realizada por The proposal has been accomplished through the
meio de da integração entre as disciplinas “Estágio integration of the disciplines “Supervised Internship
Supervisionado III” e “Apreciação Musical I”. Os alunos III” and “Music Appreciation I”. Students who partici-
que participam da proposta são licenciandos que cur- pate in the proposal are undergraduates who attend
sam o sétimo período. O trabalho tem como objetivo the seventh period. The paper aims to provide them
proporcionar-lhes uma vivência interdisciplinar que an experience that give them an interdisciplinary
lhes deem referenciais teóricos e práticos que os es- theoretical and practical encourages them to seek, in
timulem a buscar, em sua futura prática docente, ex- their future teaching practice, interdisciplinary learn-
periências pedagógicas interdisciplinares. Buscando ing experiences. Seeking to reflect and share the first
refletir e compartilhar os primeiros resultados desta results of this teaching methodology, a survey was
metodologia de ensino, foi realizado um levantamen- conducted with the students participating. With refer-
to junto aos alunos participantes. Tendo como refer- ence to the qualitative approach, data were collected
ência a abordagem qualitativa, as informações foram through questionnaires and reports. It is believed that
colhidas por meio de questionários e relatos. Acred- this type of proposal will contribute significantly to
ita-se que este tipo de proposta possa contribuir de the education of future teachers.
forma relevante para a formação do futuro professor.
Keywords: interdisciplinarity - higher education -
Palavras-chave: interdisciplinaridade - ensino su- music education.
perior - educação musical.
Introdução por Favarão & Araújo (2004). Neste contexto,
a universidade é desafiada a assumir uma
A fragmentação do conhecimento é uma nova postura metodológica, rompendo
realidade presente nos currículos escolares antes de tudo com o paradigma positivista
da educação básica e tal afirmação aplica-se incorporado com a ciência moderna
também ao ensino superior (FAZENDA, 1994; que se caracteriza pela fragmentação do
LÜCK, 2001). Diferentes estudos apontam conhecimento.
a urgência em se desenvolver um currículo Inserindo-se neste contexto, este relato
escolar baseado na ideia de rede de relações, de experiência tem como objetivo refletir
eliminando-se os redutos disciplinares, em sobre a importância da interdisciplinaridade
prol de uma proposta interdisciplinar. no processo de ensino-aprendizagem da
Educação Superior. Desta forma, projeta-
De acordo com Fazenda (1994) a educação se para este texto a conceituação do termo
deve ser entendida e trabalhada de forma interdisciplinaridade, uma breve exposição
integrada e essa necessidade impõe-se não de uma proposta interdisciplinar em uma
só como forma de compreender e modificar instituição de ensino superior de música, os
o mundo, mas como uma exigência interna pressupostos conceituas e metodológicos
das ciências que buscam o restabelecimento que nortearam tal iniciativa.
da unidade perdida do saber. Para isso
não é suficiente apenas a integração dos
Interdisciplinaridade: Aproximações
conteúdos, mas antes torna-se necessária Conceituais
uma postura interdisciplinar que implique
numa atitude de busca, envolvimento, O conceito de interdisciplinaridade surgiu
compromisso e reciprocidade diante do da compulsão de existir uma interação
conhecimento (NOGUEIRA, 1998). dinâmica entre as ciências (LIMA, 2007). A
autora indica que a proposta veio substituir
A urgência de se promover para os alunos do uma ordem hierárquica dos conhecimentos,
ensino superior vivências interdisciplinares veiculada a partir das proposições
que lhes propiciem o contato com o positivistas. Desta forma, estabelecer uma
conhecimento de forma mais integrada, sequência organizada na comunicação do
e assim os ajudem a perceber as várias saber, partindo do centro das estruturas
dimensões do conhecimento, é destacada disciplinares para o seu entorno, cuidando de

24
integrar e comunicar as disciplinas e de fazê- Na educação, a interdisciplinaridade se
las mais conectadas com as necessidades manifesta enquanto possibilidade de
sócio-culturais tornou-se uma necessidade quebrar a rigidez dos compartimentos em
(LIMA, 2007). que se encontram isoladas as disciplinas
dos currículos escolares. Segundo Dencker
Segundo Fazenda (1994), a (2002, p. 19), “ela nasce da hipótese de
interdisciplinaridade surgiu na França e que, por seu intermédio, é possível superar
na Itália em meados da década de 60, os problemas decorrentes da excessiva
num período marcado pelos movimentos especialização, contribuindo para vincular o
estudantis que, dentre outras coisas, conhecimento à prática”. Porém, numa prática
reivindicavam um ensino mais sintonizado interdisciplinar não se busca a eliminação
com as grandes questões de ordem das disciplinas, mas, antes, trata-se de
social, política e econômica da época. A torná-las comunicativas entre si, concebê-
interdisciplinaridade teria sido uma resposta las como processos históricos e culturais
a tal reivindicação, na medida em que os (FAZENDA 1994). Desta forma, não se dilui
grandes problemas da época não poderiam as disciplinas. Ao contrário, são mantidas
ser resolvidos por uma única disciplina ou suas individualidades na busca pelo diálogo,
área do saber. tendo como ponto de convergência a ação
que se desenvolve num trabalho cooperativo
De acordo com Zabala (2005) a e reflexivo.
interdisciplinaridade é parte de um
movimento que busca a superação da No contexto educacional da modernidade,
disciplinaridade. Assim, o mesmo pode a interdisciplinaridade surge quando se
ser definido pela interação de duas ou iniciam as críticas ao modelo de ensino
mais disciplinas. Essas interações podem fragmentado e desconectado do cotidiano
implicar em transferências de leis de uma das pessoas, no qual os conhecimentos
disciplina à outra, originando um novo corpo passam a ser questionados em sua utilidade
disciplinar. É caracterizada pela presença prática. No Brasil, as pesquisas se iniciam
de uma axiomática comum a um grupo em meados de 1970 com Japiassú (1976),
de disciplinas, o que introduz a noção de seguido de Fazenda (1993) e Lück (1993).
finalidade (ZABALA, 2005; JAPIASSÚ, 1976).
Na década de 70, a interdisciplinaridade,

25
no Brasil, exerceu influência na elaboração tem sido adotados, sobretudo na tentativa
da Lei de Diretrizes e Bases Nº 5.692/71. de superar a fragmetação do conhecimento
Desde então, sua presença no cenário e criar uma relação entre o conhecimento e
educacional brasileiro tem se intensificado e, a realidade do aluno. É importante enfatizar
recentemente, mais ainda, com a nova LDB que a interdisciplinaridade supõe um
Nº 9.394/96 e com os Parâmetros Curriculares eixo integrador com as disciplinas de um
Nacionais (PCN). Além de sua forte influência currículo, para que os alunos aprendam
na legislação e nas propostas curriculares, a olhar o mesmo objeto sob perspectivas
a interdisciplinaridade ganhou força nas diferentes.
escolas, principalmente no discurso e na
prática de professores dos diversos níveis de A importância da interdisciplinaridade
ensino. aponta para a construção de uma escola
A interterdisciplinaridade supõe um participativa e decisiva na formação do
eixo integrador, que pode ser o objeto
sujeito social. O seu objetivo tornou-se a
de conhecimento, um projeto de
investigação, um plano de intervenção.
experimentação da vivência de uma realidade
Nesse sentido, ela deve partir da global, que se insere nas experiências
necessidade sentida pelas escolas, cotidianas do aluno e do professor.
professores e alunos de explicar,
compreender, intervir, mudar, prever,
A busca pela prática interdisciplinar no nível
algo que desafia uma disciplina isolada
e atrai a atenção de mais de um olhar,
superior torna-se uma necessidade frente ao
talvez vários (BRASIL, 2002, p. 76). desafio de se formar profissionais mais bem
preparados para o mercado de trabalho.
Neste contexto, a interdisciplinaridade A construção interdisciplinar reclama o
corresponde a uma nova consciência da envolvimento de educadores na busca de
realidade, a um novo modo de pensar, que soluções para os problemas relacionados
resulta num ato de troca, de reciprocidade ao ensino e à pesquisa. Assim, no ensino
e integração entre áreas diferentes de superior, a interdisciplinaridade representa
conhecimento, visando tanto à produção de um processo que envolve a integração e o
novos conhecimentos, como à resolução de engajamento de educadores, num trabalho
problemas, de modo global e abrangente. conjunto, de busca pela interação das
disciplinas com a realidade (LÜCK, 2001).
Na educação básica, muitos projetos e práticas

26
Relato de uma Experiência Interdisciplinar o Ensino Médio e Espaços Não-Escolares.
Cada período corresponde a 100 horas,
A ação que será relatada vem sendo totalizando 400 horas curriculares. Como
desenvolvida no curso de Licenciatura em parte da proposta destas disciplinas o
Educação Musical da Faculdade de Música do aluno-estagiário deve elaborar um projeto
Espírito Santo “Maurício de Oliveira” – FAMES. de intervenção pedagógica e colocá-lo em
Esta Instituição possui caráter autárquico e é prática. Cabe ressaltar a importância desta
mantida pelo Governo do Estado do Espírito disciplina, pois em muitos casos o Estágio
Santo. Foi fundada em 1952 e inicialmente Supervisionado é o primeiro contato que o
contou apenas com curso superior nas aluno-professor tem com seu futuro campo
habilitações de canto, piano e violino. No ano de atuação.
de 2004 foi criado o Curso de Licenciatura
em Educação Musical tendo formado sua No que se refere à disciplina “Apreciação
primeira turma de licenciados em 2009. Musical”, a carga horária é de 60h semestrais
e é oferecida no 7º e 8° períodos, totalizando
A proposta interdisciplinar envolveu as 120 horas curriculares. Tem como objetivo
disciplinas “Estágio Supervisionado III (Ensino contribuir para a ampliação do pensar
Médio)” e “Apreciação Musical I”. Ambas são reflexivo e crítico acerca da inerente relação
obrigatórias para o curso de licenciatura. entre práticas musicais e o ambiente social,
histórico e cultural em que são produzidas.
As disciplinas de “Estágios Supervisionados Neste sentido, através do estudo analítico
I, II, III e IV” visam à integração entre os de um repertório musical abrangente, que
conhecimentos teóricos e práticos e o envolve músicas de diferentes estilos, culturas
aprendizado de competências próprias e épocas, busca-se o desenvolvimento
para a futura atividade profissional. Desta de uma escuta musical crítica, reflexiva e
forma, têm por objetivo permitir que os historicamente contextualizada.
alunos conheçam, reflitam e vivenciem a
prática pedagógica cotidiana de educadores Acreditando que é importante fazer com que
musicais que atuam na educação básica e as disciplinas dialoguem entre si, a fim de
em espaços não-formais. As disciplinas estão que se perceba a unidade na diversidade dos
distribuídas em quatro semestres e focam conhecimentos, tanto em nível de pesquisas
a Educação Infantil, o Ensino Fundamental, científicas quanto nas relações pedagógicas

27
em sala de aula, buscou-se desenvolver de (FAZENDA, 1994). Pautando-se nestes
forma articulada as duas disciplinas acima preceitos buscou-se organizar os conteúdos
mencionadas. Em linhas gerais a proposta e a metodologia da disciplina “Apreciação
buscou fazer com que as aulas de apreciação Musical” em parceria com os licenciandos.
musical pudessem se articular com a Com isso, foram realizados momentos
prática de ensino que seria desenvolvida na de discussão, e a partir desses diálogos
disciplina Estágio Supervisionado III. definiram-se um conjunto de estilos musicais
que norteariam as aulas. Estes conteúdos se
A interdisciplinaridade exige o pautaram em levantamentos preliminares
estabelecimento de um tema gerador, feitos pelos licenciandos nas salas de aulas
levando-se em conta a necessidade da em que iriam estagiar. Assim, paralelamente
clientela escolar, pois consiste num motivo às atividades de estágio, a disciplina de
de estudo e estruturação, que visa à apreciação foi sendo construída em função
integração das disciplinas, resultando em da demanda que emergia das práticas de
conhecimentos diferentes, complexos, ensino no estágio.
reconstruindo e dando significado ao
assunto escolhido (FAVARÃO & ARAÚJO, Dentre os temas apontados como relevantes
2004). Assim, buscamos um eixo integrador para serem abordados nas aulas estavam:
por meio do qual fosse possível congregar as manifestações folclóricas da cultura popular
disciplinas com objetos comuns de estudos. brasileira; reflexão sobre a produção musical
Este eixo em nossa proposta foi o trabalho brasileira na contemporaneidade principal
pedagógico nos momentos do estágio. no que se refere às misturas de estilos
(tecnobrega; Mangue beat, o Rokcongo1,
O ponto de partida e de chegada de uma etc); a Indústria Cultural; o Funk; o Rap; o
prática interdisciplinar está na administração Hip Hop; a música eletrônica. Para subsidiar
participativa e na metodologia participativa. os trabalhos foram desenvolvidas leituras
Desta forma, através do diálogo que se e discussões de textos, a exposição e a
estabelece entre as disciplinas e entre os apreciação dialogada de exemplos musicais
sujeitos das ações, a interdisciplinaridade em áudio e/ou vídeo, dinâmicas e trabalhos
devolve a identidade às disciplinas,
1 O Rockongo é um estilo musical capixaba
fortalecendo-as e evidenciando uma criado em meados na década de noventa pela banda
mudança de postura na prática pedagógica capixaba “Manimal”. A proposta é a fusão do Pop-
Rock com um estilo regional capixaba o Congo.

28
em grupo, e, principalmente, a discussão interdisciplinar nas atividades de estágio.
coletiva dos assuntos abordados. Este último procedimento será relatado a
seguir.
Uma dinâmica interessante que foi
Análise dos Questionários
desenvolvida na aula diz respeito à solicitação
que foi feita aos licenciandos para escolherem
A aplicação do questionário foi dirigida
um dos temas elencados e elaborarem uma
a todos os alunos que cursaram as duas
proposta pedagógica de apreciação musical
disciplinas simultaneamente. Ao todo,
a qual seria apresentada para o restante
foram enviados 17 questionários, dos quais
da turma em forma de seminário. Nesta
13 foram respondidos. Os questionários
prática os alunos partiram de um modelo
apresentavam 6 perguntas fechadas e 2
de plano de aula definido na disciplina
perguntas abertas.
estágio supervisionado, o qual poderia ser
adaptado em função da especificidade do
Em linhas gerais, as questões abordaram
tema escolhido. Durante os seminários,
aspectos que se direcionaram a 4 pontos:
percebeu-se que a maior parte dos trabalhos
(1) a importância das disciplinas “Estágio
elaborados partiu de vivências que os
Supervisionado” e “Apreciação Musical”
estagiários desenvolveram nas escolas de
na formação docente do professor de
ensino médio. Assim, a apresentação acabou
música; (2) a importância de se constituir
tomando um caráter de relato de experiência
uma relação interdisciplinar das disciplinas
pedagógica, o que permitiu uma discussão
no ensino superior; (3) a contribuição da
bastante significativa, já que a grande parte
proposta interdisciplinar que havia sido
dos desafios e possibilidades apresentadas
realizada para as intervenções pedagógicas
por um, acabaram sendo compartilhados
que eles desenvolveram no estágio; (4) se
pelos demais colegas.
eles já haviam vivenciado outras propostas
interdisciplinares durante o desenvolvimento
No final do semestre, foi desenvolvida
do curso de licenciatura. Sobre o primeiro
com os alunos uma discussão coletiva,
ponto, cerca de 85% dos alunos apontaram
avaliando a proposta realizada e também
serem muito importantes as duas disciplinas.
foram aplicados questionários, os quais
A transcrição de algumas respostas pode
objetivavam realizar um levantamento mais
indicar a visão dos alunos sobre este aspecto.
sistemático sobre os impactos da proposta

29
Nas transcrições os alunos serão identificados ser estabelecida a base de transformação
pela numeração presente nos questionários. pedagógica, interligando teoria e prática,
estabelecendo relações entre os objetos de
Contribuem grandemente, uma vez que
o Estágio é o momento de colocarmos conhecimento e a realidade social e escolar.
em prática o que aprendemos na
Licenciatura e a Apreciação Musical vem
nortear o caminho ”do quê” podemos No que se refere ao segundo ponto, 90% dos
fazer/trabalhar na sala de aula com
esses alunos. (aluno 5).
alunos consideraram ser muito importante
estabelecer uma relação interdisciplinar
entre os diferentes conteúdos das disciplinas.
O estágio nos ajuda a viver mais perto
a realidade de sala de aula, tanto como
Isto pode ser percebido na seguinte
devemos nos portar como educadores, transcrição, “A união destas disciplinas
como o que devemos dominar para
atuar em sala de aula, tirando um pouco
fazem uma ponte entre teoria-prática nos
do medo que nós temos de enfrentar proporcionando conhecimento, reflexão e
essa realidade. A apreciação nos
acrescenta conhecimentos novos, e que
segurança. Atuamos mais preparados em
sei, vou utilizá-los com mais intensidade relação à realidade que encontramos em
daqui a um tempo (preciso dominá-los
mais), porém já são importantes demais
campo.” (aluno 7).
para a minha prática (aluno 2).
A transcrição a seguir aponta para o
As respostas acima nos permitem refletir reconhecimento da importância da prática
sobre a relevância do Estágio Supervisionado interdisciplinar: “Na minha opinião deve
na formação dos licenciandos, o qual acaba incluir também a aula de História da Música
funcionando como um elo entre os mundos VI (história da música popular), formando
acadêmico e profissional. Por meio dele é um trio imbatível e indo além da questão
possível, inclusive, conhecer realidades tanto dos estilos musicais (o que já tem sido feito,
que nos motivem quanto que nos desafiam. na diversidade de temas de seminários, etc.)”
Como pode ser percebida na resposta (aluno 11).
transcrita,“Tem sido uma vivência importante
para mim, me confirmando que este é um Quanto ao terceiro ponto em que os alunos
público que eu não pretendo trabalhar, pois foram questionados sobre a contribuição da
eles só ouvem o que gostam e não procuram proposta interdisciplinar desenvolvida, 70%
desenvolver ou pesquisar outros estilos. indicaram que a proposta foi muito relevante.
(aluno 1)”. É sobre essa limitação que deve A contribuição que os conteúdos de

30
Apreciação Musical dão ao Estágio estilos musicais atuais e que os
Supervisionado é notável, pois jovens gostam para quem pretende
os diversos gêneros musicais e o trabalhar estilos musicais brasileiros,
contexto histórico em que cada um a interdisciplinaridade apreciação-
está envolvido é justamente o que estágio tem sido proveitosa. (Aluno 6)
pretendemos e podemos trabalhar com
o Ensino Médio. (aluno 3).
Outra resposta também indica a aceitação
dos licenciandos quanto aos conteúdos
Porém, alguns alunos apontaram
definidos: “Tudo que estamos estudando
dificuldades em função da novidade de
na matéria de apreciação Musical I é o dia a
vários dos conteúdos que foram abordados.
dia dos alunos do ensino médio. (aluno 9)”.
Como pode ser percebido nas respostas,
Porém, cabe uma análise mais específica
sobre o apontamento que se segue: “Alguns
Devido ao tempo de absorção dos
conteúdos na aula de apreciação, não conteúdos sim, outros não. Acho importante
vou consegui aplicar todos os que foram que os estilos regionais encontrados no
apresentados nesse período. Creio que
só será possível aplicar grande parte do nosso país sejam conhecidos pelos nossos
conteúdo, daqui algum tempo, quando alunos, claro que também é importante
vamos dominar os conteúdos recebidos
na disciplina de apreciação, pois muita conhecerem o mundo, mas valorizar a nossa
coisa que estamos recebendo é nova. cultura é de extrema importância.” (aluno
(aluno 4).
4). Sobre esta resposta cabe destacar que
embora as escolhas dos temas tenha sido
Acho válido, porém sem garantias coletiva, isso não quer dizer que os assuntos
de uso, uma vez que os alunos de
Estágio podem, a seu modo, readaptar foram escolhidos por unanimidade. Esta
todo o conteúdo ou ainda fazer algo dinâmica foi de grande importância, pois a
absolutamente diferente do que foi
sugerido como proposta de atividades, falta de consenso sobre quais os conteúdos
mas isso não diminui o valor ou a deveriam ser estudados e posteriormente
contribuição dessa interdisciplinaridade
(aluno3). empregados nos estágios, gerou discussões
entre os licenciandos que em muitos
A resposta a seguir se refere à percepção que aspectos acabavam por se assemelhar às
os licenciandos tinham sobre a importância futuras discussões que seriam promovidas
dos conteúdos que foram desenvolvidos, nas salas com os alunos do ensino médio.

Estamos aproveitando bastante o Finalmente sobre o último ponto onde
conteúdo da disciplina Apreciação
Musical I por estar se tratando de os alunos foram perguntados se já

31
haviam vivenciados outras propostas Neste trabalho buscamos propor reflexões
interdisciplinares durante o curso de sobre a necessidade de um modelo curricular
licenciatura, chamou-nos a atenção o interdisciplinar, que leve em conta uma visão
fato que 100% dos alunos responderam de ensino a partir do contexto social concreto,
negativamente a esta questão. Isto pode ser superando assim o modelo fragmentado e
percebido nas falas de alguns alunos que compartimentado de estrutura curricular.
apontam estas propostas como inovadoras: Neste sentido apontamos que a formação
“Penso que é uma inovação muito boa, pois, integral do futuro profissional de música
uma matéria completa a outra.” (aluno 7), ou somente pode ocorrer se os educadores
ainda: “É uma metodologia nova de ensino estabelecerem diálogo entre suas disciplinas,
que possibilita melhor o aprendizado.” (aluno eliminando as barreiras e relacionando-as
13). Estas transcrições demonstram o enorme com a realidade concreta dos alunos.
desafio que temos pela frente, ou seja, inserir
de forma efetiva e contínua práticas de Encarar uma mudança na educação
ensino e aprendizagens interdisciplinares no como a interdisciplinaridade propõe uma
ensino superior. atitude permanente de crítica e reflexão,
de compromisso e responsabilidade com
Considerações Finais
a tarefa de educar. Sendo assim, ela precisa
estar presente e ser instigada por educadores
Ao refletirmos sobre práticas
que queiram fazer da sua ação de educar,
interdisciplinares percebemos que os
não um isolamento, mas um compartilhar
empecilhos à não-fragmentação do currículo
de várias ciências na busca de um melhor
em disciplinas são variados, abrangem o
desenvolviemnto da sua práxis pedagógica.
desconhecimento do significado deste
tipo de trabalho, a falta de formação
específica para trabalhar com os mesmos, a
acomodação pessoal e coletiva, e até mesmo
o medo de perder o prestígio pessoal, pois “a
interdisciplinaridade leva ao anonimato – o
trabalho individual anula-se em favor de um
objetivo maior – o coletivo (FAZENDA, 1993,
p. 42).

32
REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros


Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília:
Ministério da Educação, 2002.

BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros


Curriculares Nacionais: apresentação dos temas
transversais, ética / Secretaria de Educação
Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1997.

DENCKER, Ada de Freitas Manete. Pesquisa e


interdisciplinaridade no Ensino Superior: uma
experiência no curso de turismo. São Paulo: Aleph,
2002.

FAVARÃO, Neide Rodrigues Lago; ARAÚJO. Cintia de


Souza Alferes. Importância da Interdisciplinaridade no
Ensino Superior. EDUCERE. Umuarama, v.4, n.2, p.103-
115, jul./dez., 2004.

FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Interdisciplinaridades:


história, teoria e pesquisa. Campinas: Papirus, 1994.

_________. Integração e interdisciplinaridade no ensino


brasileiro: efetividade ou ideologia. São Paulo: Loyola,
1993.

JAPIASSU, Hilton Ferreira. Interdisciplinaridade e


patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago Editora;
1976.

LIMA, Sônia Albano. Interdisciplinaridade: Uma


Prioridade para o Ensino Musical. Revista Muiscahodie,
v.7. 2007.

LUCK, Heloísa. Pedagogia interdisciplinar: fundamentos


teórico-metodológicos. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2001.

NOGUEIRA, Nilbo Ribeiro. Interdisciplinaridade


aplicada. Petrópolis. São Paulo: 1998.

ZABALA, Antoni. Enfoque globalizador e pensamento


complexo: uma proposta para o currículo escolar.
Porto Alegre: Artmed, 2005.

33
34
J. LINS – FÁBRICA E FRUTOS DO
ABSOLUTO
Paula Galama
Professora do curso de bacharelado em música da Faculdade de Música do Espírito Santo “Maurício de Oliveira” -
FAMES, violoncelista da Orquestra Filarmônica do Espírito Santo, doutoranda em música pela Kentucky University.

Resumo Abstract
A figura de Jaceguay Lins no cenário musical do Es- The figure of Jaceguay Lins in the musical scenery of
pírito Santo foi notável por divulgar novos processos Espírito Santo was remarkable for spreading new XX
de composição do século XX que já eram amplamente century processes of composition that were largely
explorados nas grandes capitais brasileiras, como por explored in the main capitals of Brazil, such as atonal-
exemplo o atonalismo. O catálogo dos trabalhos de ism. The catalogue of J. Lins’ works contains composi-
J. Lins contém composições que mostram uma pes- tions that shows his extensive research about the Es-
quisa extensa sobre o folclore do Espírito Santo, como pírito Santo’ folklore, such as the Congo Bands and the
por exemplo as Bandas de Congo e a cultura indígena. indigenous culture. This article describes briefly his
Este artigo descreve brevemente sua vida e seu tra- life and his work as well as his singular personality. The
balho como também sua personalidade singular. A di- disclosure of the work and personality of this compos-
vulgação do trabalho e da personalidade deste com- er so active in the capixaba culture is necessary not
positor tão ativo na cultura capixaba se faz necessária only to make his work known but also to identify the
não somente para que se tome conhecimento de seu influences that he left in this scenery.
trabalho mas também para que se localizem as in-
fluências que causou neste cenário. Keywords: Jaceguay Lins - composition - biogra-
phy.
Palavras-chave: Jaceguay Lins - composição - bio-
grafia.
O cenário musical do Espírito Santo, até
o início da década de 80, não era muito A mudança deste panorama teve início com a
diferente de outros Estados brasileiros chegada de Jaceguay Monteiro Lins – J. Lins,
que não haviam ainda experimentado como era mais conhecido, ao Espírito Santo.
processos composicionais de vanguarda J. Lins radicou-se em Vitória - ES no início da
que já ganhavam espaço em capitais como década de 80. Nasceu em 21 de abril de 1947
São Paulo e Rio de Janeiro desde a primeira na cidade de Canhotinho, Pernambuco – uma
metade do século XX. Este cenário pode região limítrofe entre o agreste e a zona da
ser percebido pela análise dos programas mata. No entanto, J. Lins era considerado por
de concertos realizados em Vitória, tanto seus amigos como “o pernambucano mais
pela então Orquestra Sinfônica do Espírito capixaba que havia” – pouco convencional,
Santo, atual Orquestra Filarmônica do como o próprio Jaceguay.
Espírito Santo, quanto pela grade curricular
adotada pela Escola de Música do Espírito As referências para o delineamento desta
Santo, hoje Faculdade de Música do Espírito biografia são as entrevistas que me foram
Santo. Os programas dos recitais realizados concedidas e transcritas na dissertação de
pelos alunos e professores na então Escola Mestrado “Jaceguay Lins: uma visão de sua
de Música não se diferenciavam do contexto obra e personalidade através de Lacrimabilis
englobado pelo repertório tradicional, sem e Katemare”, apresentada à Escola de Música
grande interesse até mesmo pelas obras de da Universidade Federal do Rio de Janeiro
compositores brasileiros contemporâneos (GALAMA, 1999). Nestes depoimentos, o
de vanguarda. Poucas eram as tentativas compositor relata suas experiências pessoais,
neste sentido, não somente pela dificuldade sua trajetória de vida e suas perspectivas
de aquisição de material, como também sobre composição e sobre música em geral.
pela visão tradicionalista que era adotada. São tantas as influências que recebeu que se
Os registros que ajudam no entendimento torna difícil identificar quais seriam as de maior
deste panorama podem ser acessados na relevância. José Maria Neves o coloca como
Orquestra Filarmônica do Espírito Santo e “neodadaísta, mais próximo dos happennings
a Faculdade de Música do Espírito Santo. de Cage” (NEVES, 1981) – uma rotulação que
Infelizmente, ainda não há nenhuma o compositor não aceitava, assim como não
publicação que analise estes dados de forma se considerava um compositor minimalista.
eficaz. Além de percussionista e de ter uma grande

36
desenvoltura no clarinete, Jaceguay Lins era com o próprio compositor eram, além das
compositor, maestro, arranjador e também vozes da família de sua mãe, um único alto-
escritor. Desenvolveu um trabalho singular falante que havia na cidade em que vivia. A
com um discurso musical extremamente música ouvida através daquele alto-falante
atual, próprio. Sua personalidade foi era um serviço oferecido à cidade pelo dono
moldada por uma vontade crescente de de uma farmácia: o Sr. Monteiro. Em uma de
fazer música e também por uma época suas entrevistas o compositor relembra estas
em que drásticas mudanças aconteciam memórias da infância:
no país. Sua obra encerra características
Havia duas farmácias: a do Monteiro
de um homem voltado para as suas raízes, ‘preto’ e a do Monteiro ‘branco’. Monteiro
extremamente estudioso e formalista ‘preto’ tinha um alto-falante que ele
botava [sic] na única rua comercial,
(dentro de seus próprios conceitos) e acima tanto que eu nasci na Rua do Comércio
de tudo desprovido de qualquer preconceito. nº 30, num sobrado em cima da padaria
do meu pai, de modo que ele botava
Seu trabalho abrange desde obras solo, a comunicação da época. Era um alto-
música de câmera, passando pelas veredas falante, lá da sua farmácia, e ele dividia
em duas sessões: aos domingos, ele
das trilhas sonoras para cinema e balé escolhia a música que ele queria botar.
até obras sinfônicas de grande formação. Não interessava pra ninguém! A partir
das seis horas ele abria o serviço dele
Controvertido, como muitos de sua geração, pra quem quisesse oferecer uma música
optou pelo experimentalismo. Vasco Mariz para as pessoas [...]. Tudo quanto era
música gravada na época, ele tinha!
considera que o compositor hesita entre a Numa cidadezinha pequena, um
“grafia de obras musicalmente avançadas, homem que se acostumou a ir todo
dia receber o trem – a nossa cidade
mesmo aleatórias e o estudo das riquezas do tinha um trem de ferro vindo de Recife
folclore nacional.” (MARIZ, 1983)1. Entretanto, todo dia de manhã – era pra pegar a
informação sonora. Ele dava isso de
J. Lins não era adepto a rotulações. E graça pra cidade.(GALAMA, 1999) 2
principalmente, não gostava de considerar
a música como fragmentos divididos em Além destas memórias, o compositor
grupos sociais. também relatou em seus depoimentos a
influência que recebeu da Novena de São
Suas influências mais precoces, de acordo
2 Galama, Paula M. L. Entrevista concedida
1 Mariz, Vasco. História da Música no Brasil. em 18 jan. 1999. Em: Jaceguay Lins: uma visão de sua
2ª edição. Editora Civilização Brasileira. Rio de obra e personalidade através de Lacrimabilis e Katemare.
Janeiro, 1983. Dissertação de mestrado apresentada à UFRJ. Rio de
Janeiro, 1999.

37
Sebastião - que atraía muitas bandas da Rádio MEC e na Orquestra Juvenil do Teatro
região para a cidade de Canhotinho - e Municipal do Rio de Janeiro até o final dos
que foi uma de suas referências musicais anos 70.
mais marcantes. Contava que, em uma das
noites de apresentações, perdeu-se do pai De 1968 a 1970, seu orgulho foi fazer
buscando o som dos clarinetes pelas ruas. parte do então Instituto Villa-Lobos, onde
O canto orfeônico, então instituído por conviveu com uma geração convicta de
Villa-Lobos nas escolas, também foi parte seus propósitos, tendo sido aluno de Jorge
de seu estímulo e aos 12 anos mudou-se Antunes. Para citar algumas de suas obras
para Belo Horizonte para viver com seus deste período temos Ciclo da cana-de-açúcar,
avós e estudar música. Em Belo Horizonte, primeira peça para orquestra de cordas,
segundo o compositor, conheceu Camel estreada pela Orquestra de São Caetano do
Abras, ex-aluno de Koellreuter, e que mais Sul, São Paulo, em Concerto Comemorativo
tarde seria intermediador de seu contato da Fundação da Escola de Música de São
com Ernst Widmer. Camel Abras seria, Caetano do Sul, regida por Moacir Del
segundo o próprio J. Lins, um dos “pilares” da Picchia. Deste período é também Fábrica
construção do seu aprendizado. Também por do Absoluto - 1968, para grande orquestra,
sugestão de Camel Abras procurou Edoardo fortemente influenciada por Edgar Varèse e
de Guarnieri, em São Paulo, com quem o uso de blocos sonoros, e por Karel Kapec,
estudaria contraponto, aos 14 anos de idade. referência à literatura de ficção científica da
Um ano depois, deixou São Paulo rumo ao época. A obra foi estreada nos Concertos
Rio de Janeiro para estudar composição com para a Juventude – TV Globo – sob a regência
Guerra-Peixe. Nessa época, Alceo Bocchino, de Rinaldo Rossi. Pode-se considerar que a
então regente da Orquestra Sinfônica esta obra é resultante de uma arquitetura
Nacional, sugeriu ao jovem aluno de sonora e configura o término de um ciclo
composição de Guerra-Peixe que estudasse de aprendizagem. A sua construção talvez
percussão. Isso possibilitaria a Jaceguay, seja inconscientemente uma antecipação
nesta época com 17 anos, manter um contato do que viria a ser uma das maiores obras de
maior com a Orquestra e permanecer no Rio J. Lins: Lacrimabilis. Katemare – 1970 - obra
de Janeiro como percussionista da Orquestra de câmera para canto, viola e percussão de
Sinfônica Nacional, trabalhando também, grande dificuldade técnica, foi apresentada
eventualmente, na Orquestra de Câmera da na I Tribuna Nacional de Compositores no

38
mesmo ano e escolhida para representar no Instituto Villa-Lobos, seu discurso musical
o Brasil na Tribuna Internacional de voltou-se para a aleatoriedade, parcial ou
Compositores da UNESCO em Paris – 1971. completa, como em Refeição para Dois, obra
É nesta obra que o compositor afirma seu composta para “instrumentos culinários”,
caráter individual de composição, fruto peça apresentada por Vânia Dantas Leite
do estudo com Ester Scliar e Marlene e o próprio compositor, no Teatro Opinião.
Fernandes, quem o colocou a par da relação Seguindo este mesmo pensamento de
intervalar. Katemare revela a definição de uma aleatoriedade circunscrita apenas
uma personalidade musical. Sua execução pela macro-estrutura determinada pelo
é extremamente complexa, explorando ao compositor, segue-se Praxis, um “mano-
máximo a relação camerística. Infelizmente, solfejo” para grupo indeterminado de
a única gravação desta obra, onde as partes instrumentos e regente, estreada no MAM,
da percussão foram executadas pelo próprio em São Paulo. Dentro da arte conceitual,
compositor, ainda não foi localizada. Também temos Ciclo para 5 instrumentos.
deste período é Policromia – 1970, para
pequena orquestra, peça que encerra sua Lacrimabilis, palavra em latim que pode
relação professor/aluno com Ernst Widmer. ser entendida como “aquela que chora” ou
“aquela que foi chorada”, foi composta para
A partir de então suas preocupações passam grande orquestra entre 1972 e 1977 e é
a ser as de “professor de composição”, termo notadamente uma crítica à então ditadura
com o qual não concordava por considerar militar que havia sido instaurada no Brasil.
que a arte da composição não pode ser É uma obra visivelmente de um período
ensinada. Segundo J. Lins o que se pode mais consciente e amadurecido. A obra
ensinar é a estrutura musical por onde fluirá mereceu o 2º lugar no 1º Concurso Nacional
a linguagem do compositor. Dessa nova fase, de Composição do Ministério da Educação
destaca-se Retrato de Carmen Parra , para e Cultura – Fundação Nacional de Arte,
4 trompas, onde se nota uma preocupação Instituto Nacional de Música – por ocasião da
altamente instrumental, pedagógica, II Bienal de Música Contemporânea Brasileira
explorando ao máximo as possibilidades – 1977, na categoria “música sinfônica”. No
técnicas e sonoras do instrumento. entanto, observando o programa da II Bienal
de Música Contemporânea Brasileira, existe
Como resultado de suas pesquisas sonoras a referência à premiação da obra ATMOS.

39
Segundo os depoimentos colhidos com o
compositor, há aí um equívoco: Lacrimabilis Pertencente a uma geração extremamente
foi premiada, mas não executada. A prova ativa, não só quando de sua formação como
de sua premiação está em outro programa músico, J. Lins sempre foi convicto de seus
referente à sua estreia em São Paulo, dois propósitos particulares e mais ainda da
anos depois, nos 12 Encontros Sinfônicos da personalidade musical que desenvolveu,
Primavera, temporada de 1979, sob a regência exerceu e das pesquisas sonoras que fez,
de Eleazar de Carvalho, com a Orquestra juntamente com suas pesquisas no campo
Sinfônica do Estado de São Paulo. O mesmo da etnomusicologia.
regente conduziria a Orquestra do Teatro
Municipal do Rio de Janeiro, na III Bienal, Viveu, por escolha, fora dos grandes centros
quando da apresentação de Lacrimabilis culturais do país e em razão disto teve seu
naquela cidade. Esta execução foi menos feliz trabalho pouco difundido nas décadas de
devido ao preconceito existente na época, 80/90, mas de forma nenhuma se deixou
relacionado à marcha inserida nos últimos ficar inativo. Sua música é heterodoxa:
compassos da peça. A repercussão deste buscou nas raízes do povo brasileiro
concerto foi um dos motivos que levaram o elementos indígenas e africanos, moldando-
compositor a deixar o Rio de Janeiro e a se se à sua linguagem, sem descaracterizá-los
radicar em Vitória. ou transformá-los em elementos exóticos
para consumo de interesse. J. Lins era fiel
Outra obra de extrema importância no às formas que adotava, desvencilhou-se
catálogo do compositor é Ave Palavra, das estruturas rígidas, criou uma música
de 1979, sobre poemas de Guimarães inovadora e singular, oferecendo resultados
Rosa. Apresentada na IV Bienal de Música sonoros surpreendentes. Considerava que a
Contemporânea, representou o Brasil na verdadeira revolução no meio musical foi o
Semana Brasileira em Colônia. Em ambas desenvolvimento da indústria fonográfica.
as peças citadas, Ave Palavra e Lacrimabilis, Seu trabalho oferece a oportunidade de
timbre e intensidade são abordados com explorar novas harmonias e combinações
muito critério e cuidado, construídos tímbricas, de conhecer algumas concepções
arquitetonicamente e podemos avaliar que formais que incorporam tradições
esta preocupação se tornará uma constante arquetípicas e elementos da modernidade,
nas composições de Jaceguay Lins. bem como processos inusitados de

40
composição e de visualizar a tendência geral e Furdúncio, usando respectivamente o
de sua geração, além de configurar suas ticumbi, o canto dos vaqueiros e o maracatu.
inquietações de ordem ética, refletindo estas O ticumbi, também chamado baile de congo,
características em um contexto singular, é típico da região de Conceição da Barra – ES,
como é o caso de Lacrimabilis. e usa um conjunto composto basicamente de
pandeiros e viola caipira. Da segunda suíte –
Com sua chegada ao Espírito Santo Ecos – vale ressaltar Luzgrafia, onde o próprio
encontra-se, inevitavelmente, com as nome sugere a intenção do compositor de
Bandas de Congo, que despertam sua trabalhar um tema como um caleidoscópio.
paixão e seu interesse como músico e
pesquisador. A inserção do congo nas suas Fruto da experiência singular de conviver em
obras passa a ser uma constante aliada às uma aldeia indígena, Tekoá-Porã, de 1995,
suas pesquisas com timbre e intensidade. também insere em seu contexto o Congo
Os resultados destas pesquisas estão do Espírito Santo e os elementos indígenas
presentes em trabalhos como Guananira, absorvidos durante esta convivência. É uma
de 1995, caracterizada como “Abertura”, e peça em forma de sinfonia breve, com três
que concilia uma estrutura composicional ideias de movimentos bem distintos. Tekoá-
avançada, o aleatório controlado e a Porã é o nome indígena dado à Aldeia e a
identificação com o folclore. A inserção de obra do compositor narra a saga dos Guarani
uma banda de Congo, outro veículo sonoro em busca da “terra sem males”. É dedicada
singular, funde-se com a orquestra, unindo à memória de Tatantin Roa Retée, a líder
dois discursos distintos em uma mesma espiritual que conduziu o seu povo do Rio
linguagem, obtendo-se um resultado sonoro Grande do Sul até o Espírito Santo. Jaceguay
surpreendente. Jaceguay Lins compôs uma Lins também é autor do vídeo “Aldeia
peça homônima para ser apresentada na VII Feliz”, que representou o Comitê Intertribal
Bienal de Música Contemporânea Brasileira, Brasileiro na ECO 92.
mas foi destruída logo após pelo próprio
compositor. Melodiário, também de 1995, é De sua fase mais atual é a Ópera-recreio O
uma homenagem póstuma a Hermógenes Reino de Duas Cabeças – 2000, uma sátira ao
Lima Fonseca, composta por três suítes: meio político e cultural vivido há bem pouco
Norte, Ecos e Jogos. A primeira – Norte – tempo no Espírito Santo, que não perde o
compreende a Marcha de chegada, Aboio sabor nordestino de suas raízes, mas insere

41
uma das mais belas melodias utilizadas em de 80, início da década de 90. Não é difícil
conjunto com o Congo. Leva este nome por imaginar o que todas as suas experiências e
ter sido composta com a finalidade específica ideias o trouxeram a estas duas instituições.
de ser levada às escolas e apresentada no Apesar de sua maneira pouco convencional
recreio entre os turnos, o que não impede de encarar a Academia e as obrigações
em nada de ser apreciada pelo público em rotineiras de uma Orquestra, sua visão foi
geral pela sua qualidade e bom humor. extremamente importante nas escolhas de
toda uma geração de estudantes, músicos
De suas trilhas sonoras destacam-se Mãos e pesquisadores do folclore capixaba. Criou
Vazias – Luis Carlos Lacerda, 1970; O Princípio a Banda 2, Banda de Congo experimental
do Prazer – Luis Carlos Lacerda; Casa Grande composta pelos alunos da Universidade
e Senzala – Geraldo Sarno; Coronel Delmiro Federal do Espírito Santo, que tinha como
Gouveia – Geraldo Sarno, 1978; Tinha Bububu objetivo não somente divulgar o trabalho das
no Bobobó – Marcos Farias, 1980; A Lenda de Bandas de Congo mas também experimentar
Proitnier – Luíza Lubiana, 1995; O Ciclo da e musicalizar através de sua prática, tendo
Paixão – Luiz Tadeu Teixeira – 2000, entre sido pioneiro neste sentido.
outras. Também de grande importância é
seu trabalho junto à Companhia de Dança Jaceguay Lins deixou algumas obras inéditas,
Neo-Iaô, onde musicou diversos espetáculos, outras ainda incompletas, como a Idade da
entre eles: Woodoo – para teclados Aurora, para grande orquestra, e outras a
eletrônicos, em parceria com Magno Godoy, serem revisadas. Como escritor, seu último
1998; Cangaço – para orquestra, 1999 e O trabalho – “O Congo do Espírito Santo: uma
Banquete. Visionário, fez alguns trabalhos panorâmica musicológica das bandas de
em multivisão, onde destacam-se Cantares – congo” – é resultado de 10 anos de pesquisa
Frederico Moraes e Manguezais – Humberto fundamentada sobre as Bandas de Congo
Capai. do Espírito Santo - segundo ele, únicas no
Brasil - e de outros tantos anos de vivência
Jaceguay Lins foi Maestro da Orquestra em comunhão com essas pessoas simples,
Sinfônica do Espírito Santo durante o início que transmitem sua cultura de geração em
da década de 80 e professor de Estruturação geração e que o acolheram em seu meio,
Musical e Composição da antiga Escola de respeitando suas tradições e dividindo
Música do Espírito Santo, no final da década sua cultura. Neste livro, Jaceguay discorre

42
sobre o contexto histórico das bandas, suas “Composta em menos tempo do que
origens, sua formação, melodias, e inclusive o tempo que leva uma mangueira a
produzir:
a questão dos direitos autorais sobre a
como poderei falar de frutos?
utilização das melodias e letras das bandas, A música – mais que o tempo objetivo –
polêmica discussão enfrentada por muitas não nega o tempo de ocorrência entre um
bandas recentemente. evento e outro:
ela, como a vida, é plural.
Terei vivido o meu tempo?
A presença deste compositor e ser humano
Se, poderei falar de frutos?”
notável marcou o início de uma nova
diretriz no cenário da cultura capixaba.
A obra de Jaceguay Lins está aos poucos
Muito é devido à sua persistência e sua
sendo resgatada, reestruturada e enviada
visão inovadora da música como um todo
para o acervo da Biblioteca Nacional de
e pode-se atribuir a ele a transformação, ou
Música, no Rio de Janeiro. Fruto de muito
no mínimo a consciência dessa necessidade
trabalho de seus amigos e de sua família.
no panorama musical capixaba. Jaceguay
Frutos que amadureceram, outros que só
Lins deixou uma lacuna que até agora
agora estão sendo colhidos e outros que,
não foi preenchida neste panorama. Sua
esperamos, venham a nascer. Então, que
obra ainda espera para ser devidamente
possa chegar o dia em falaremos de mais
resgatada e relembrada. Muitos esforços têm
frutos e que sua fábrica do absoluto possa
sido empenhados em manter sua memória
começar a produzir.
viva, mas concretamente seu trabalho
ainda espera para ser descoberto, uma vez
que obras como O Reino de Duas Cabeças
somente foram apresentadas uma única
vez e, composições como Lacrimabilis, Ave
Palavra e Katemare nunca foram ouvidas em
palcos capixabas.

Lacrimabilis traz em seu manuscrito uma


inscrição do autor que pergunta muito
propriamente:

43
REFERÊNCIAS

GALAMA, Paula M. L. Jaceguay Lins: uma visão de


sua obra e personalidade através de Lacrimabilis e
Katemare. Dissertação de mestrado apresentada à
UFRJ. Rio de Janeiro, 1999.

NEVES, José Maria. Música Contemporânea Brasileira.


1ªedição. Editora Ricordi Brasileira. São Paulo, 1981.

MARIZ, Vasco. História da Música no Brasil. 2ª edição.


Editora Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, 1983.

44
E POR FALAR EM MÚSICA, ONDE ESTÁ A
POIESIS? ANÁLISE DA POESIA-PERFOR-
MANCE DE ANISSA MOHAMMEDI: CON-
SIDERAÇÕES, REFLEXÕES E (QUASE) ELU-
CUBRAÇÕES PARA O CAMPO DE ANÁLISE
POÉTICO-MUSICAL

Wellington Rogério Da Silva


Professor dos cursos de licenciatura e bacharelado da Faculdade de Música do Espírito Santo “Maurício de Oliveira” -
FAMES, doutorando em Letras pela Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF.

Resumo Abstract
No Brasil, parece ainda haver uma cultura do fazer In Brazil, it seems there is still a culture of music mak-
musical sem precedentes, sobre o qual o músico igno- ing unprecedented, on which the musician would
raria um pouco da essência da obra musical enquanto ignore some of the essence of poetic piece of music
arte poética, em detrimento da técnica. Herança eu- as art, rather than technical. European heritage, the
ropeia, a prática interpretativa que até aqui viajou, na interpretative practice that traveled this far, then very
época muito lentamente, deixou marcas de um fazer slowly, left marks of a comprehensive music-making,
musical exaustivo, fazendo com que o músico promo- causing the greatest suffering a musician to promote
va um sofrimento maior de si e idealize formas perfei- themselves and idealize perfect forms automatically.
tas automaticamente. Este artigo propõe uma leitura This article proposes a reading to make poetic and
do fazer poético e busca, na medida do possível e das literary pursuit, as far as possible and the limitations
limitações que o próprio texto impõe, uma possibili- that imposes the text itself, a reflection of the possibil-
dade de reflexão do fazer musical. ity of making music.

Palavras-chave: música - poesia - arte - literatura - Keywords: music - poetry - art - literature - perfor-
performance - práticas interpretativas mance - interpretive practices
Introdução predeterminada: um pouco de religião
e muito trabalho. (HALL, 1997)
E se “falássemos” de poesia e não de música?
Ou pelo menos de uma poesia que leva e Em seu imortal verso De la musique avant
que faz pensar em música? Da performance toute chose 2, o poeta Paul Verlaine (1844-
da palavra às práticas interpretativas em 1896) desvelava, dentre muitas outras coisas
música? Em suma, falaríamos de uma poiesis, que a música se elabora no seio das pulsações
que poderá, quem sabe, provocar certos humanas, com vertigem e adrenalina, com
détournements no processo do fazer musical. prazer e endorfina, com o corpo que dança,
Podemos revisar em Aristóteles os conceitos com a palavra que se lança do inconsciente.
de práxis e o de poiesis. De modo geral, o No entanto, o poeta trouxe ao público o
primeiro estaria ligado aos atos morais e que o homem sempre questionou. Ou seja,
políticos, ao trabalho prático, enquanto o não era novidade que, ao afirmar a música
segundo às atividades criativas, ainda assim antes de tudo, o poeta se referia igualmente
passando pelo processo de produção. Desses à poesia que com ela/nela se realiza. Em
conceitos, talvez cheguemos à conclusão suma, música e poesia encontram na
que o trabalho do músico se torna práxis, poiesis um pouco de suas razões de existir:
pela própria condição que nos é imposta pela poiéo, que se liga a essa palavra, expressa o
sociedade pós-revolução industrial.1 Isso fica “produzir”; não necessariamente a produção
mais evidente quando o antropólogo Stuart dos meios industriais, mas aquela que se
Hall afirma que liga diretamente ao sujeito. Assim, música
se produz e se (re) produz continuamente
Desde a Revolução Industrial, o trabalho ad infinitum. Verlaine, por ter sido antes de
tem predominado em nossas vidas. O
tudo um poeta, trouxe as artes que existem
primeiro emprego acontecia aos 15
ou 16 anos, numa jornada de 60 horas há milênios. Além disso, a arte da poesia
semanais, tendo-se um domingo livre proporciona a performance, termo tão
para ir à igreja. A aposentadoria ocorria utilizado em nossos cursos superiores de
quando já se estava exaurido, com formação de músicos intérpretes e músicos
uma expectativa de vida limitada. A
educadores. Sabe-se, porém, que no século
estrutura da vida estava amplamente
XIX o uso do termo performance traduzia-
1 Muitos questionam o prefixo ‘pós’ em relação se inicialmente pelo trabalho desenvolvido
à era industrial. Aqui fazemos alusão à Revolução
Industrial, já ultrapassada pela Revolução Tecnológica por um atleta, ou, de um modo geral,
da década de 1970 e pelos novos paradigmas que nos são
impostos pela era da globalização. 2 VERLAINE, P. L’ Art Poétique, 1884.

46
por uma ação cumprida. Falava-se ainda da escolha da obra que aqui analiso.
da performance linguística do sujeito.
Retrocedendo ao Século XV, a performance Primeiramente, a escolha da obra se deu
era vista como a execução de uma obra única e exclusivamente pelo fato de se
literária ou artística, como conhecemos tratar de uma poetisa com que trabalho,
mais intimamente nos dias atuais. O mais e por consequência que me interessa
interessante disso tudo é que o termo sofreu pessoalmente. Se tal fato é inegável,
evoluções e transformações e deu o músico apresentarei pelo menos relevância no
todo o seu significado, uma vez que é pelo estudo do corpus, uma vez que práxis e poiesis
domínio da técnica e o da interpretação que encontram, na superação da lógica binária,
o músico se lança (lança-se com o corpo de motivos de interseções mais do que de
fato e com a própria alma, ou seja, a sua vida oposições. É preciso lembrar em seguida que
psíquica) nas mais variadas formas musicais, explorarei poemas de expressão francesa, que
dando ao público um pouco de sua vida se inserem no que chamamos de literatura
laboral e virtuosística. E por que trazemos francófona, sem verdadeiramente incluir o
para este artigo reflexões sobre o poeta conjunto de escritores da chamada França
francês e o conceito de performance? metropolitana. Por isso devemos considerar
como francófona toda a produção literária
Um corpus estranho? produzida em países que foram colonizados
pela França por razões distintas.
Muitos professores de instrumento se
queixam da falta de leitura e de conhecimento Anissa Mohammedi, poetisa argelina, escreve
de mundo por parte de seus alunos, que no atual momento em que vivemos e possui
muitas vezes se limitam ao “ato de tocar”. uma trajetória um pouco mais peculiar, pois
Tentando trazer para a discussão que muitas vive atualmente na França, e por isso possui
peças musicais podem ser compreendidas certa distância do contexto espaço-temporal
primeiramente como um poema, e que da Argélia. Isso inclusive se torna comum nos
toda poesia traz em si ritmo e som (sendo dias atuais, criando uma espécie de “poética
então música), apresentarei nas linhas que da migração”. Porém, é preciso pensar que
se seguem uma análise da poesia de Anissa o trabalho do artista é antes um trabalho
Mohammedi. No entanto, trago, à guisa de de sustentação da cultura. Isso pode aguçar
esclarecimento, algumas explicações acerca o debate sobre atuais projetos do fazer

47
artístico, uma vez que a sua centralidade, (ou ela) é hoje um elemento essencial
apoiada pelos paradigmas do século XX, de cada cálculo global. (HALL, 2003)

dá lugar a deslocamentos/descolamentos, Todavia, um músico poderia questionar a


tendo em vista a realidade social, política e não-centralidade da cultura, uma vez que
econômica em que vivemos. Acerca disso, é especialista em compositores barrocos,
Hall tece reflexões importantes ao escrever clássicos ou românticos. Não seríamos
que: inocentes: Revolução Tecnológica nos
Em certo sentido, a cultura sempre foi permite maior trânsito com todas as culturas
importante. As ciências humanas e do planeta, e portanto mais motivos para
sociais há muito reconhecem isso. Nas nos deslocarmos de um centro cultural,
humanidades, o estudo das linguagens,
na medida em que o fluxo de informações
a literatura, as artes, as idéias filosóficas,
os sistemas de crença morais e impede maior pureza interpretativa,
religiosos, constituíram o conteúdo inclusive oriundas de artistas nativos de uma
fundamental, embora a idéia de que região onde nasceu o compositor, pois eles
tudo isso compusesse um conjunto  também se encontram no mesmo dilema.
diferenciado de significados - uma
Em suma, o nosso dilema pode ser igual ao
cultura - não foi uma idéia tão comum
como poderíamos supor.3 de qualquer outro neste planeta.

Em relação à Anissa Mohammedi, veremos


nas linhas da sua poesia que a performance
Agora sim, nas linhas do antropólogo, da palavra se liga àquela dos fonemas, das
podemos afirmar que os processos dinâmicos figuras de linguagem, dos simbolismos por
do artista que interpreta deveriam levar em vezes difíceis de compreender, e que por
consideração que fim produzem a performance do discurso
Antes, a “modernidade” era transmitida poético, que convoca o corpo e a mente.
de um único centro. Hoje, ela não possui Isso já faria do poeta um deslocado, já
um tal centro. As “modernidades” estão que a Argélia produziu tantos escritores
por toda parte; mas assumiram uma
no próprio território. É ainda interessante
ênfase vernácula. O destino e a sorte
notar em Mohammedi a preocupação com
do mais simples e pobre agricultor no
mais remoto canto do mundo depende a musicalidade e a apresentação de seus
dos deslocamentos não regulados do versos. Por isso, embora através de caminhos
mercado global - e, por essa razão, ele em certa medida tortuosos, espera-se
3 Hall, S. 1997

48
proporcionar ao intérprete uma reflexão biologia, Anissa Mohammedi, nascida em
acerca do seu “ofício”, e ao leitor sensível da Alger em 1967 e originária da cabília, afirma
complexa arte de viver: ao músico e a todos, que há conjugação entre a ciência da vida, a
viver é uma arte, apesar do lugar comum, biologia, e a ciência da alma, a poesia, pois
pois é algo que se elabora, que se constroi ambas se interessam pelas coisas invisíveis,
e que se apresenta ao público, ao mundo, à coisas que não surgiriam necessariamente
vida. do exterior. Aliás, a evocação da vida se torna
um ofício maior na poesia de Mohammedi,
A análise uma vez que a poetisa abandona o mundo
imaginado pela Argélia pós-colonial e retorna
Anissa Mohammedi envereda-se pelo mundo a uma das origens de sua cultura linguística,
povoado por espectros, fantasmas e outros a França, e inscreve em sua poesia as marcas
meios que ativam a memória contida em de um olhar invisível sobre o mundo e
sua poesia, trazendo à superfície do poema sobre a vida. Do mesmo modo, a música,
uma espécie de angústia existencial. É então poeticamente, é sempre o desnudamento
por meio da performance, sob a qual se do invisível que surge dos elementos escritos
desencadeia a evolução da criação poética, do compositor.
que se envolve o conteúdo de um passado
que parece permanecer um presente. De Das abordagens preliminares às vias de
um modo geral, a poesia continua sendo um análise, adentremos o universo poético
trabalho de metalinguagem e o verdadeiro de Mohammedi. Buscando atender aos
poema é quase sempre um metapoema. reclames de uma análise que privilegia os
Assim, a poetisa assina a sua escrita pelo assuntos ligados ao que aqui proponho,
título da obra que analisaremos, Au nom de contemplamos neste trabalho a leitura de
ma parole, sinalizando em cada poema que o uma das partes da obra em evidência, a fim
gozo cerebral que motiva o poeta a trazer à de demonstrar que a memória e o olhar do
tona o mundo abandonado ao holocausto é poeta demonstram, como afirma Foucault,
uma hemorragia que sai do crepúsculo e do um discurso que permite a superação
exílio e jorra sobre aquele que vê nas palavras metafísica e questiona o discurso dominante
do poema um pedaço de sua história. (FOUCAULT, 1972). Segundo o teórico,
percebemos na obra de Anissa Mohammedi
Com uma primeira formação acadêmica em o a priori histórico, já que a poetisa parece

49
fazer transparecer o jogo de continuidades chama de “discursos narcísicos” aqueles
e de descontinuidades dos fatos que evoca. que “incham” o “gozo cerebral”, reiterando a
Assim, os arquivos que se formam nas visão foucaultiana de um arquivo de fatos
linhas de sua poesia surgem pelo jogo de ou coisas que serão inseridos nas linhas
relações, que é o nível discursivo, nascem de sua poesia, au-delà da soma de textos
pela regularidade, ou seja, forma-se nelas um e da informação institucionalizada. Aqui o
sistema de discursividade: narcísico que explode pelo gozo cerebral
O domínio dos enunciados assim quebraria a linha da continuidade, fazendo
articulado segundo a priori históricos,
aparecer um novo olhar sobre o mundo que
assim caracterizado por diferentes
tentará fazer ver em seus poemas: Lorsque les
tipos de positividade e escandido por
formações discursivas distintas, não tem discours narcissiques/ gonflent la jouissance
mais o aspecto de planície monótona e cérébrale/ vos corps légers tremblent/ sous les
indefinidamente prolongada [...] deixa Lourdes sensations génésiques.5 E confirma no
igualmente de aparecer como elemento
poema que se segue: Lorsque mon verbe/ ne
inerte, liso e neutro em que vêm
supportera plus/ l’orgasme extrême/ mes yeux
aflorar, cada um segundo seu próprio
movimento, ou empurrados por algum vous diront/ sans permission/ le non de ma
dinamismo obscuro, temas, idéias, parole.6 Dentre as possibilidades de análise,
conceitos, conhecimentos. Trata-se frisemos nestes versos que a sequência au
agora de um volume complexo, em que
non de ma parole (o “não” da minha palavra)
se diferenciam regiões heterogêneas, e
com(funde-se) com o título do livro, Au nom
em que se desenrolam, segundo regras
específicas, práticas que não podem de ma parole (Em nome da minha palavra),
superpor. (FOUCAULT, 1972) fazendo das sequências fonéticas mais um
Os poemas que se congregam em Au nom de diálogo e menos um jogo de oposições. Isso
ma parole não se organizam como em um livro seria da ordem de um desempenho que liga a
tradicional ou a partir do fechado conceito de visão à audição, e por isso mesmo é algo que
“obra” literária. Desse modo, a poetisa abre o nos levaria a reflexões acerca da necessidade
conjunto de poemas sugerindo que as “fibras
se/ pelas fibras do meu verbo.
do seu verbo” capturem o leitor, se ele assim
5 Proposta de tradução: Quando os discursos
o permitir: Par le risque/ et la dépossession/ narcísicos/incham o gozo cerebral/ seus corpos leves
tremem/sob pesadas sensações genésicas.
Par l’exaltation/ et l’impulsion/ agrippez-
6 Proposta de tradução: Quando o meu verbo/
vous/ aux fibres de mon verbe.4 Em seguida, não mais suportar/ o orgasmo extremo/ os meus olhos
4 Proposta de tradução: Pelo risco/ e a lhe dirão/ sem permissão/ o ‘não’ da minha palavra
desapropriação/ Pela exaltação/ e o impulso/ capturem- (aspas minhas).

50
de expor, calar-se e negar a condição em atuais o complexo termo “contemporâneo”.
que vive a criação poética ou a própria Em seu ensaio “O que é contemporâneo?” o
poiesis. Na sequência, os poemas poderiam autor traz um primeiro questionamento: “De
ser divididos por temas. Teríamos assim um quem e do que somos contemporâneos?”
único poema, cuja expressão inicial “sabor Essa indagação poderia nos incomodar, pois
afônico” parece nos mostrar pelo paralelismo comumente se pensa que o contemporâneo
entre o “sabor” e a “voz que não fala” que a é o que se ligaria diretamente às produções
porta de entrada para a manutenção da recentes, em um sentido cronológico. No caso
vida é a boca, onde se sente o sabor e que da poesia que analisaremos, perceberemos
se combina com a voz que não pode falar uma escritora que se “descola” de um
(foi privada de liberdade?) e por isso talvez a contexto argelino pós-colonial e embarca
poesia represente a impossibilidade por meio em excursões mais amplas, questionando o
da sua paradoxal matéria: a palavra. Neste próprio fazer poético pelo questionamento
caso, o “fogo”, que seria a própria poesia, do fazer humano. Poderíamos então
tornaria-se a própria fonte de expressão e de afirmar que se trata aqui de uma poetisa
desejo: Saveur aphone/ je mastique la parole contemporânea e que escreve para um
prohibée/ Le feu devient alors source/ dans ma público contemporâneo? Seria a poesia
bouche.7 Os poemas que se seguem tratam de Anissa Mohammedi intempestiva, nas
então da overdose “das palavras”, “do silêncio” palavras de Roland Barthes, mencionado
e “do absurdo”, dos “nervos à flor da pele” e por Agamben no início de seu ensaio? A
finalmente da “Terra imortal”. Esses poemas poetisa aqui não seria contemporânea
constituiriam uma parte do todo do livro, que por estar presente em “nosso tempo”, mas
seguirá explorando outras possibilidades por trazer à baila questões pertinentes
ainda tão complexas para as quais o espaço para a manutenção da vida, assim como
deste trabalho seria insuficiente. muitos poetas e escritores já o teriam
trazido e que, portanto, seriam igualmente
Arte contemporânea? contemporâneos (ver poema de Drummond
no final do artigo). Percebemos então em
Giorgio Agamben (AGAMBEN, 2009), parece Anissa Mohammedi que a “overdose das
ter conseguido explicar ao estudioso dos dias palavras” chega às “cavernas”, lugar de
7 Proposta de tradução: Sabor áfono/ envernizo trevas: L’overdose des mots/ à redresser le
(decoro) a palavra proibida/ O fogo então se torna fonte/ sourire des cavernes/ tu entendras le souffle
em minha boca.

51
de l’indifférence/ gémir sous l’étreinte de la conceito privativo, a simples ausência de luz,
complainte em forme de dépotoir.8 Embora algo como uma não-visão, mas o resultado
a “luz” seja tradicionalmente o símbolo de da atividade das off-cells, um produto da
tudo o que liberta o homem de suas mais nossa retina». E ainda se pergunta e afirma:
diversas prisões simbólicas, é das “trevas” ou Por que conseguir perceber as trevas
que provêm da época deveria nos
da “escuridão” que aqui trataremos.
interessar? Não é talvez o escuro uma
experiência anônima e, por definição,
Ainda a partir do ensaio de Agamben, o impenetrável, algo que não está
olhar da poetisa se fixa em seu próprio direcionado para nós e não pode, por
tempo. Nele, a palavra, que sofre de isso, nos dizer respeito? Ao contrário,
contemporâneo é aquele que percebe
overdose, a própria poesia, parece atingir
o escuro do seu tempo como algo que,
lugares dados como cavernas que sorriem. A mais do que toda luz, dirige-se direta e
figura de linguagem aqui parece contrapor singularmente a ele. Contemporâneo
a escuridão das cavernas aos que nela é aquele que recebe em pleno rosto
habitam, talvez ofuscados pela luz fascista o facho de trevas que provém do seu
tempo. (AGAMBEN, 2009)
que reina sobre o mundo, e por isso, mundo
contemporâneo. Em seguida continua:
Assim, o escuro do seu próprio tempo é
L’overdose du silence/ à exorciser la frénésie/ tu
o que luta contra a ofuscante luz, sobre a
verras la nuit/ coupable du rêve/ abandoner
qual discorreremos mais adiante. Quanto
ses étoiles/ en forme de flots.9 Mais uma vez,
ao poema, nem palavra, nem silêncio. A
os termos « noite » e « sonho » e « estrelas »
overdose que lhe resta é a do absurdo, que
evocariam a escuridão necessária para se
estaria mais próximo da poesia, uma vez que
enxergar mais longe a poesia, e, portanto o
a palavra não conseguiria expressar, nem
próprio mundo. Talvez aqui fique também
tampouco o silêncio, como teria sido uma
o convite para enxergarmos a música pela
possível resposta: L’overdose de l’absurde/ à
via da criação do poeta, que é o compositor.
basculer le sens/ tu seras l’enjeu/ des mots et du
Agamben afirma que « O escuro não é [...] um
silence/ puis tu apprendras/ à devenir l’essor/
8 Proposta de tradução: A overdose das palabras/ d’un instant inédit.10 Por isso podemos afirmar
a endireitar o sorriso das cavernas/ tu ouvirás o sopro da
indiferença/ gemer sob a pressão do lamento/ em forma que as palavras ou o seu contrário, o silêncio,
de lixo. 10 Proposta de tradução: A overdose do
9 Proposta de tradução: A overdose do silêncio/ absurdo/ a bascular o sentido/ tu serás a aposta/ das
à exorcisar a frenesi/ tu verás a noite/ culpada do sonho/ palavras e do silêncio/ depois aprenderás/ a tornar-se o
abandonar suas estrelas/ em forma de fluxo. voo/ de um instante inédito.

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são difíceis de lutar contra a luz que ofusca du temps/ te traverse/ comme un cours d’eau/
a humanidade, e por isso o absurdo, como o Pour abreuver ta mémoire/ qui fait défaut/ le
voar em evolução de um pássaro (l’essor), no courroux éructe/ des ténèbres des fidèles.  12
instante que doravante se faz inédito. Percebe-se então, no segundo poema,
Os poemas que consideramos como um que a  Terra imortal não seria somente o
primeiro grupo terminam com a evocação planeta em sua constituição química, mas se
da “Terra”: aqui se constroi o maior número realizaria enquanto movimento humano que
de poemas (cinco), fazendo justamente da tudo decide, que impulsiona ao ultraje, que
“Terra” o nosso habitat maior, o centro de sua abrevia a própria memória. Essa abreviação
obra. Imortal, a terra se move em seu próprio da memória parece ser justamente o que o
sentido, o de mundo, país ou território, poema tenta trazer à superfície. Essa terra,
promovendo assim a quebra dos paradigmas no poema seguinte, amedronta como o
modernos de divisão política, e deixando ao canto da coruja. Essa ave, cristalizada pela
leitor a escolha da parte que lhe cabe no superstição, faz do seu ulular a representação
poema: Terre immortelle/ ton visage ombré/ do pavor diante do mundo. Assim a poetisa
pétille sous le ciel nuageux.11 Que dimensão descreve a Terra imortal, que agora se
territorial estaria evocando tais versos? relaciona com o corpo que treme e a carne
Limitar-se-ia ao todo, ao mundo? Ou a Argélia que provoca os frissons do desejo, em uma
e todo o Magreb também poderiam ser espécie de mistura entre o terror e o imenso
refluxos na memória do poeta? Assim, a Terra, prazer de estar no mundo: Terre immortelle/
enquanto arquivo, é a página principal de ton silence m’effraye autant/ que le hululement
uma longa introdução promovida pelo gozo des chouettes [...] j’attends l’aurore qui viendra/
cerebral e pela palavra que se cala, silencia e poser son baiser/ sur mon corps tremblant/ le
aposta no absurdo. Todavia, questionaríamos silence se tait/ dans les frissons de ma chair...13
ainda: por que o “rosto” de uma terra que é
12 Proposta de tradução: Tu propulsas o ultraje/
imortal permaneceria “escondido” e, velado, para proteger o sermão/ mas a promessa traiu/ e tu
liberaria “faíscas”? Mais adiante, no mesmo juras somente/ pela alma ancestral/ a força do tempo/
atravessa-te/ como o curso da água/ para nutrir a tua
poema lemos: Tu propulses l’outrage/ pour memória/ que tem a falta de algo/ a forte cólera arrota/
protéger le serment/ mais la promesse a trahi/ trevas dos fiéis.
13 Proposta de tradução: Terra imortal/ teu
et tu ne jures/ que par l’âme ancestrale/ la force silencio me amedronta/ tanto quanto o ulular das
corujas […] espero a aurora que virá/ dar o seu beijo/
11 Proposta de tradução: Terra imortal/ teu sobre o meu corpo que treme/ o silêncio se cala/ nos
rosto escondido/ libera faíscas sob o céu nublado. frissons da minha carne...

53
No terceiro dos cinco poemas sobre a Terra a recriação, ainda sobre a responsabilidade
imortal a poetisa convoca pela primeira vez do poeta, ou ainda do sujeito. Ao desenhar
a criança, a quem chama de “filho perdido”. outro rosto que ultrapassa a promessa, o
Terre immortelle/ je prends ton enfant perdu/ poeta vomita amargamente com palavras a
par la main/ je fixe son regard/ et je comprends sua denúncia diante de todos os enganos,
pourquoi/ mes mots son amers.14 O filho da todas as promessas e todo o imaginário
Terra, o deslocado em sua condição pouco alimentado pelo mundo contemporâneo,
satisfatória em relação ao poder mundial da que não passariam de violência ao
Terra imortal é contemplado pelo poeta e lhe sujeito (morsures) ou sujeira (crasse): Terre
dá os motivos pelos quais a estética de sua immortelle/ je te dessine um autre visage/ plus
escrita, neste caso de sua poesia, possui uma beau que la promesse/ mon regard ne croisera
carga semântica tão pesada, com palavras plus le mirage/ mes mains ne carresseront plus/
tão escuras e viscerais. No entanto, como les traces des morsures/ me mots ne cracheront
aquele que reflete sobre o universal, parece, plus/ sur la crasse du mensonge/ mes pas ne
nos versos que se seguem, sugerir uma connaîtront plus/ le chemin de l’exil.16
moral, a da participação para a mudança do
Finalmente, no quinto poema, o poeta
sistema, a responsabilidade do indivíduo
contempla o fruto do seu trabalho, o novo
sobre outrem: je lui montre le chemin/ de l’éden
rosto da Terra que permanece imortal. Uma
des enfants du monde/ son sourire éclôt/ avec
vez realizado, o novo desenho também se
les bourgeons du printemps/ je lâche la main/
imortaliza. O juramento, que pelo mundo
et je conjure mes mots.15 De qualquer maneira,
era feito em nome dos ancestrais, dos
de posse dos brotos que crescerão depois do
mortos pela violência do mundo em várias
inverno, o poeta parece querer firmar um
instâncias (políticas? sociais? religiosas?)
acordo com o mundo pela imortalidade da
é agora realizado em nome do sorriso da
Terra, trazendo a esperança mais do que o
criança, em lugar do já vencido “sorriso das
pavor e o desespero.
cavernas” como a covardia do sujeito, ou o
No quarto poema sobre a Terra imortal, surge ulular da coruja, que causa medo e pavor.
14 Proposta de tradução: Terra imortal/ eu tomo
o seu filho perdido/ pela mão/ fixo o seu olhar/ e entendo 16 Proposta de tradução: Terra imortal/ eu te
por que/ minhas palavras são amargas. desenho outro rosto/ mais belo que a promessa/ meu
15 Proposta de tradução: mostro-lhe o caminho/ olhar não cruzará mais a miragem/ minhas mãos não
do édem dos filhos do mundo/ seu sorriso escancarado/ acariciarão mais/ os traços das mordidas/ minhas
com os brotos da primavera/ solto a sua mão/ e suplico palavras não mais cuspirão/ sobre a sujeira da mentira/
por minhas palavras. meus passos não conhecerão mais/ o caminho do exílio.

54
Terre immortelle/ je contemple ton nouveau nova ordem correlacional, acrescentando
visage/ je n’ai plus besoin de le redessiner/ et je sempre aos significados precedentes. É o
ne jure/ que par le sourire de l’enfant.17 que afirma Wander Melo Miranda (MIRANDA,
1999):
Conclusões
A lógica do colecionador vale-se da
Anissa Mohammedi parece nos fazer singularidade, em oposição ao típico
e ao classificável, atuando contra
contemplar a complexidade dos arquivos
a reificação, que é uma forma de
que abre, pela descontinuidade dos
esquecimento. O trabalho arqueológico
acontecimentos do mundo contemporâneo. de anamnesis opera por cortes e recortes
O exílio tanto exposto parece sinalizar a no continuum da história - individual,
necessidade de se observar que estaríamos familiar, coletiva - modificando o já
fixado e estabelecendo uma nova
todos diante de um exílio no próprio mundo,
ordem correlacional, que se acrescenta
sobre o qual a poesia consegue pelo menos
a um significado precedente [...].
lançar fachos de luzes intermitentes, que
apontariam, talvez para uma esperança
Há exílio ou libertação durante a performance
ou para uma nova luz, diferente daquela
de uma obra musical? A paroleem Mohammedi
que nos obstrui a memória, que nos limita
parece querer nos dizer que o exílio é
o pensamento e que ofusca nossa frágil
inevitável, mas luzes intermitentes podem
visão. Quanto ao músico que lê os versos
surgir, piscar aos poucos e continuamente.
da poetisa, pergunta-se: haveria espaço no
Que esperança poderíamos trazer ao mundo
palco e na mente do público para novas
do excesso de luzes midiáticas, fascistas, de
interpretações? De qualquer modo, debater
correntes homogeneizadoras nós, os que
com a prática interpretativa não é tarefa
pensamos, ou que pelo menos “pensamos
fácil, pois significa tentar mexer com fixidez
que pensamos” música e/ou poesia? E a
e material cristalizado por hábitos que
palavra (ou o instrumento)? Calar-se-á?
herdamos de tantas gerações e de tantas
Ou gritará ao mundo do ritmo, do corpo e
tradições, em sua maioria europeias. Por
do som que a vida deve perpetuar? Em se
isso mesmo é que poderíamos pensar que
tratando de (quase) elucubrações, fiquemos
em lugar da reificação do repertório que
por enquanto com um poema de Carlos
colecionamos poderia se ceder lugar a uma
Drummond de Andrade que, assim como
17 Proposta de tradução: Terra imortal/ contemplo
o teu novo rosto/ não preciso mais redesenhá-lo/ e juro
Anissa Mohammedi, não nos lembra o que
somente/ pelo sorriso da criança.

55
devemos fazer, mas ajuda-nos a esquecer, a me aguardar, segredo
que morta cozinheira ali depôs
pois, como “Arestas cortantes de sentido”,
para que um dia eu o desvendasse.
a vida, a arte, a poesia são feitos de “cacos”, Lavrar, lavrar com mãos impacientes
sucedem-se metonimicamente como um ouro desprezado
fragmentos, sem nunca constituírem, no por todos da família. Bichos pequeninos
fogem de revolvido lar subterrâneo.
entanto, uma totalidade ou algo completo. Se
Vidros agressivos
de qualquer modo Mohammedi permanecer ferem os dedos, preço
distante, Drummond poderá igualmente ser de descobrimento:
a coleção e seu sinal de sangue;
útil, uma práxis, para a revisão da poiesis com
a coleção e seu risco de tétano;
a qual lidamos todos os dias de nossa vida, a coleção que nenhum outro imita.
musical ou não. Escondo-a de José, por que não ria

Já não coleciono selos. O mundo me nem jogue fora esse museu de sonho.18
inquizila.
Tem países demais, geografias demais.
Desisto.
Nunca chegaria a ter um álbum igual ao
do Dr. Grisolia,
Orgulho da cidade.
E toda gente coleciona
os mesmos pedacinhos de papel.
Agora coleciono cacos de louça
quebrada há muito tempo.
Cacos novos não servem.
Brancos também não.
Têm de ser coloridos e vetustos,
desenterrados -faço questão - da horta.
Guardo uma fortuna em rosinhas
estilhaçadas,
restos de flores não conhecidas.
Tão pouco: só o roxo não delineado,
o carmesim absoluto,
o verde não sabendo
a que xícara serviu.
Mas eu refaço a flor por sua cor,
e é só minha tal flor, se a cor é minha
no caco de tigela.
O caco vem da terra como fruto 18 Carlos Drummond de Andrade, Coleção de
cacos, Boitempo II.

56
REFERÊNCIAS

AGAMBEN, Giorgio, O que é contemporâneo? e outros


ensaios. Chapecó: Argos, 2009.

FOUCAULT, Michel, Arqueologia do saber. Lisboa:


Vozes: 1972.

HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre


as revoluções culturais do nosso tempo. Educação &
Realidade, Porto Alegre, v. 22, nº2, p. 15-46, jul./dez.
1997.

__________. Da diáspora: identidades e mediações


culturais. Organização de Sovik. Belo Horizonte:
UFMG, 2003.

MOHAMMEDI, Anissa. Au nom de ma Parole. Québec:


Écrits de Forges, 2003.

MIRANDA, Wander Melo. Cad. Esc. Legisl., Belo


Horizonte, 2(4): 95-113, jul/dez. 1999. Disponível em
www.almg.gov.br/CadernosEscol/Caderno4/miranda.
pdf

57
58
ANÁLISE COMPARATIVA DE PEGUEI
A RETA: UMA CONTRIBUIÇÃO PARA
O ESTUDO DO TROMPETE NO
CHORO
Pedro Francisco Mota Júnior
Professor do curso de bacharelado em música da Faculdade de Música do Espírito Santo “Maurício de Oliveira” -
FAMES, mestre em música pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG

Resumo Abstract
Estudo acerca das escolhas interpretativas contidas The present study focuses on interpretative elements
em duas gravações do choro Peguei a Reta, composto registered in two recordings of choros Peguei a Reta
pelo trompetista-compositor Porfírio Costa (1913-?). by trumpet player and composer Porfírio Costa (1913-
A comparação interpretativa desse choro foi realizada ?). Comparative analysis was made between Porfírio
entre os registros sonoros de COSTA feito em 1948 COSTA’s recording of Peguei a Reta from 1948 and
e de Joatan NASCIMENTO em 2002. Os resultados Joatan NASCIMENTOS’s of 2002. The results reveal
revelam características de práticas de performance characteristic performance practices of each player as
específicas de cada intérprete e traços estilísticos de well as stylistic traces of their respective times.
suas respectivas épocas.
Keywords: trumpet in choro - musical interpreta-
Palavras-chave: trompete e choro - interpretação tion - analisys of recorded music.
musical - análise de música gravada.
Introdução todas as possibilidades de interpretação
do choro Peguei a Reta nem tampouco
Este artigo apresenta um estudo acerca definir princípios definitivos para a prática
das escolhas interpretativas contidas na do trompete no choro. A ideia primordial
interpretação do choro ao trompete. Para consistiu na averiguação dos traços
tal, comparamos uma gravação histórica estilísticos característicos dos anos de 1940
situada no ano de 1948 com uma gravação e da atualidade. A partir desta pesquisa,
mais atual, ou seja, de 2002. A amostragem verifica-se a necessidade de futuras
de intérpretes é constituída por dois pesquisas no tratamento do trompete na
trompetistas brasileiros: Porfírio Costa (1913- música popular brasileira.
?) e Joatan Nascimento, nascido em 1968.
O choro peguei a reta e seus intérpretes
Ao longo do texto descrevemos dados
artísticos e biográficos de cada músico em Peguei a Reta teve o seu primeiro registro
questão, seguidos das descrições de suas sonoro feito em 1948, por Severino Araújo e
respectivas interpretações. Nesse contexto, Sua Orquestra Tabajara. O compositor Porfírio
as práticas de performances são expressas Costa dedicou-o ao trompetista alagoano
em leadsheet1, tais como: articulação, Pedro Jerônimo (NASCIMENTO, 2002). Ao
alteração rítmica e efeitos, tudo observado longo dos anos houve diversas regravações
por meio de escuta atenta das gravações. deste choro, com solos executados em
diferentes instrumentos e formações. Cosme
Descrevemos ainda as similaridades e Teixeira – O Assobiador (1956) e Paulo Moura,
diferenças presentes em cada interpretação. no álbum Confusão Urbana, Suburbana e
Para a elaboração desta etapa, utilizamos Rural (1976) são alguns exemplos.
como base quatro parâmetros distintos:
instrumentação, estrutura formal, Na estrutura composicional de Peguei a Reta,
modificações rítmico-melódicas e encontramos diversos exemplos de motivos
articulação. recorrentes no repertório de choro. São eles:

Com este estudo não se objetivou esgotar


1 Leadsheet - partitura comum na
música popular que inclui apenas a melodia e
cifras de acordes (FABRIS, 2006).

60
a) Motivos cormáticos

Ex. 1 – Peguei a Reta, P. Costa,


c.39, cromatismo.

b) Motivos baseados em arpejos de-


scendentes com sexta

Ex. 2 – Peguei a Reta, P. Costa,


c.4, arpejos com sexta.

c) Motivos com valorização do con-


tratempo

Ex. 3 – Peguei a Reta, P. Costa,


c. 1-2, valorização do con-
tratempo.

O trompetista-compositor Porfírio Costa choro Diplomacia. Esse foi o primeiro choro


dentre vários outros sucessos deixados pelo
Em Campina Grande, cidade pólo do estado trompetista-compositor.
da Paraíba, nasceu Porfírio Alves da Costa, no
ano de 1913. Seu interesse pela música sur- Em 1934, na Rádio Clube de Pernambuco,
giu em 1926 aos 13 anos de idade, tendo sido participou da orquestra de um dos conhe-
suas primeiras orientações com o maestro cidos compositores nordestinos, o maestro
Severino Lima. Após cinco anos dedicados à Nelson Ferreira. Anos depois, ao estabele-
música em sua cidade natal, Costa transfere- cer-se no Rio de Janeiro em 1941, Costa foi
se para Recife, Pernambuco. Neste mesmo o responsável pela transferência de Severi-
ano, 1931, registramos a composição do no Araújo da Paraíba para o Rio de Janeiro

61
(CORAUCCI, 2009, p.54). (PAES, 2008). Nessa ocasião, o acompanha-
mento ficou a cargo da Orquestra Tabajara,
Integrou a orquestra do maestro Otaviano do instrumentista e compositor Severino
Romero Monteiro, mais conhecido como Araújo. A orquestra era formada por saxo-
Maestro Fon-Fon e Orquestra Tabajara, pre- fones altos, tenores e barítono, trompetes,
sença marcante no cenário musical brasilei- trombones, piano, guitarra, contrabaixo e
ro até os dias de hoje. Durante sua carreira percussão.
musical, Costa atuou ao lado de exímios in-
strumentistas como K-Ximbinho, Zé Bodega, Estrutura Formal
Geraldo Medeiros, dentre outros.
Estruturado em três partes, esse choro se-
Sua primeira composição gravada foi o choro gue os moldes da forma A-B-A-C-A. Antes do
Açude velho (1948) pela Orquestra Tabajara, início da seção A, temos uma introdução for-
e no mesmo ano o samba Primeirão (1948). mada por quatro compassos, executada pela
Em 1948, fez sucesso com o choro Peguei a orquestra (Ex.4).

Ex. 4 – Peguei a Reta, por P.


Costa, c. 1-4, introdução.

reta, gravado pela mesma orquestra na Con- Todas as três seções são apresentadas sem
tinental, e, na década de 50, o choro Passou. repetição. As únicas alterações feitas na for-
Em 1952, em São Paulo, passou a se apresen- ma A-B-A-C-A foram a introdução e a Coda.
tar junto à Orquestra de Osmar Milani. Nesta última parte o trompete solista sus-
tenta simplesmente uma nota longa por seis
Porfírio Costa interpreta Peguei a Reta compassos.

Instrumentação Modificação Rítmico-melódica

A gravação de Costa foi realizada em um Destacaremos, ao longo das três seções do


período em que as big bands eram funda- choro, alguns exemplos de modificações
mentais para a difusão do choro no Brasil rítmico-melódicas defendidas por SALEK

62
(1999).

No Ex.5, Costa altera o ritmo acrescentando notas de passagem. Em substituição à apojatura


grafada no segundo tempo do compasso, o intérprete opta pelo uso do mordente.

Ex. 5 – Peguei a Reta, por P.


Costa, c.58, notas de passagem.

Como identificado no Ex.6, o intérprete faz uma supressão das apojaturas. A maneira como
consta na leadsheet é apresentada somente uma vez, na repetição da seção A.

Ex. 6 – Peguei a Reta, por P.


Costa, c.5, supressão de apo-
jaturas

O Ex.7 aponta uma das maneiras utilizadas pelo intérprete para alterar o desenho melódico.
Todos os momentos em que esse motivo aparece, identificamos uma configuração diferente.

Ex. 7 – Peguei a Reta, por P.


Costa, c.37, alteração rítmica.

63
A utilização de ornamentos é comumente constantes de apojaturas e mordentes. Esse
encontrada na prática do choro, tornando-se tipo de improvisação é comum em choros
um componente essencial na performance cuja construção melódica é constituída por
desse gênero musical. Segundo Sadie, semicolcheias em andamentos rápidos (SÁ,
2000, p.24).
A ornamentação também representa
uma forma de improvisação; nesse caso,
o instrumentista ou cantor adorna uma
Articulação
linha determinada, em geral com muita
liberdade, para aumentar a expressivi- Na abordagem conferida à articulação, iden-
dade e exibir sua inventividade e brilho
tificamos na interpretação do trompetista
(SADIE, 2001, p.450).
Costa uma presença constante das ligaduras.
Logo nos primeiros compassos da seção A
Nesse contexto é que se insere a perfor- o intérprete apresenta variedades na utili-
mance do trompetista Costa. Encontramos, zação dessa articulação, não estabelecendo
ao longo de sua interpretação, utilizações nenhum padrão (Ex.8).

Ex. 8 – Peguei a Reta, por P.


Costa, c.5-8, ligaduras.

No c.9-12 Costa faz uma alternância de articulações entre ligaduras e tenuto. Essa realização
pode ser observada no Ex.9.

Ex. 9 – Peguei a Reta, por P.


Costa, c.9-12, alternância de
articulação.

A articulação utilizada no c.61 é um tipo de acentuação mais branda. Nesse compasso todas
as notas são executadas com esse mesmo tipo de articulação (Ex.10).

64
Ex. 10 – Peguei a Reta, por P.
Costa, c.61, acentuação.

O trompetista Joatan Nascimento Em Salvador, ocupa, desde 1989, o cargo de


trompetista da Orquestra Sinfônica da Bahia,
Joatan Mendonça do Nascimento nasceu aos além de fazer parte do corpo docente da Es-
16 de agosto de 1968 em Maceió, Alagoas. cola de Música da Universidade Federal da
Desde criança teve contato direto com a Bahia.
música. No ambiente musical em que cres-
ceu, faziam parte o avô materno, luthier, con- Somado às suas atuações no meio acadêmi-
strutor de violões e o Senhor João, seu pai e co e no universo de orquestras, Nascimento
saxofonista. Ainda fazia parte desse núcleo o desenvolve trabalhos na área de música
seu tio Edson Martins de Mendonça, que se popular. Em 2002, lançou seu primeiro disco
tornou sua mais importante influência. solo “Eu Choro Assim”, produzido por Ro-
berto Santana. O disco foi premiado com o
Suas primeiras aventuras musicais, super- Troféu Caymmi 2001/2002, na categoria Me-
visionadas pelo tio, foram feitas através dos lhor Disco Instrumental. Em 2003 foi indica-
instrumentos cavaquinho, trombone de vál- do para a categoria Revelação do Prêmio TIM
vulas e saxofone. A escolha definitiva pelo de Música.
trompete veio mais tarde.
Joatan Nascimento interpreta Peguei a
Paralelamente aos vários grupos de música Reta
popular de que Nascimento participou, dest-
acamos a sua atuação na Banda de Música Instrumentação
da Escola Técnica Federal de Alagoas e na
Orquestra Filarmônica de Alagoas. De certo, No álbum Eu Choro Assim, gravado por Nasci-
a sua vivência musical na juventude já apre- mento em 2002, encontramos uma formação
sentava os primeiros traços de sua versatili- instrumental peculiar para o choro Peguei a
dade no trompete. Reta. Nesta gravação, a melodia principal é
apresentada pelo cornetim e o acompanha-

65
mento é feito pelo Quinteto de Metais da Ba- tradicional forma rondó são expressos so-
hia. O referido quinteto, formado por profis- mente com a inclusão de uma introdução e
sionais atuantes no cenário musical baiano, uma Coda.
mantém uma formação tradicional: dois
trompetes, trompa, trombone e tuba. Os sete compassos introdutórios apresen-
tam uma alternância da linha melódica prin-
2.4.2 Estrutura Formal cipal entre o cornetim (Cor) e o trompete
(Trp). Paralelamente, os intérpretes execu-
Nesta interpretação todas as seções são tam cada membro de frase com dinâmicas
apresentadas com repetições. Os desvios da contrastantes (Ex.11).

Ex. 11 – Peguei a Reta, por J.


Nascimento, c.1-7, introdução.

Outra escolha interpretativa marcante na gravação de Nascimento são as variações improvi-


satórias. Neste trecho, o intérprete demonstra o domínio da linguagem do choro, apre-
sentando em sua improvisação elementos característicos. São estes: arpejos (A), bordaduras
(B), mordentes (indicado pela seta), motivos escalares (M.E.), cromatismos (C), valorização do
contratempo (V.C.), dentre outros (Ex.12).

Ex. 12 – Peguei a Reta, por J.


Nascimento, c.57-72, impro-
viso.

66
Modificação Rítmico-melódica

O acréscimo de notas é um recurso muito utilizado por Nascimento na interpretação de


Peguei a Reta. A adição de notas de passagem e apojaturas ornamentais são identificadas com
frequência (Ex.13).

Ex. 13 – Peguei a Reta, por J.


Nascimento, c.18-20, notas de
passagem.

A supressão de notas também é encontrada nesta gravação. Em nenhum momento o intér-


prete utiliza as apojaturas conforme grafadas na leadsheet (Ex.14).

Ex. 14 – Peguei a Reta, por J.


Nascimento, c.8, supressão de
apojaturas.

As alterações rítmicas são efetuadas de diversas maneiras. No Ex.15 podemos observar uma
dessas realizações.

Ex. 15 – Peguei a Reta, por J.


Nascimento, c.16 e c.89, alter-
ação rítmica.

67
Articulação

Em sua interpretação, Nascimento explora as mais diversas possibilidades de articulação. Há


uma constante alternância entre legatto e staccato, além de acentuações em contratempos.
Identificamos na introdução, c.2-4, um padrão de articulação em que os grupos de semicol-
cheias são apresentados com acentuações das primeiras e quartas notas de cada tempo (Ex.16).

Ex. 16 – Peguei a Reta, por J.


Nascimento, c.2-6, acentu-
ações.

Dentre outras formas de articulações, podemos visualizar nos exemplos abaixo o uso de notas
ligadas duas a duas e ligadura a partir da segunda nota do grupo de quatro semicolcheias
(Ex.17).

Ex. 17 – Peguei a Reta, por J.


Nascimento, c.8-9, diferentes
utilizações da ligadura.

Outra variação na articulação pode ser percebida nos c.11, em que o intérprete executa duas
notas ligadas e duas separadas (Ex.18) e, em outro trecho, todas as notas ligadas (Ex.19).

Ex. 18 – Peguei a Reta, por J.


Nascimento, c.11, duas notas
ligadas e as outras separadas.

Ex. 19 – Peguei a Reta, por J.


Nascimento, c.23-24, todas as
notas ligadas.

68
Em contraposição às articulações empregadas na primeira seção, identificamos na seção B uma
interpretação mais voltada para o legatto. Em associação a essa realização encontram-se algu-
mas valorizações do contratempo, efetuadas por meio de acentos (Ex.20).

Ex. 20 – Peguei a Reta, por J.


Nascimento, c-52-54, ligaduras
e acentos.

Na seção C deparamos com uma gama variada de acentuações. Neste trecho temos os c.72-
74 que são mais rítmicos, contrapostos dos c.75-76 que são executados em legatto (Ex.21).

Ex. 21 – Peguei a Reta, por J.


Nascimento, c-72-76, acentos e
ligaduras.

A mesma coisa acontece no c.90, em que são interpretados com acentuações em partes fracas
de tempo, sucedidos dos c.91-96 mais legatto (Ex.22).

Ex. 22 – Peguei a Reta, por J.


Nascimento, c-90-96, acentos e
ligaduras.

Similaridades nas interpretações de


parâmetro articulação, mesmo com algumas
Peguei a Reta
variações em sua realização, há uma priori-
dade para o uso do legatto e stacatto.
As escolhas interpretativas convergentes
nas interpretações dos trompetistas Costa
Diferenças nas interpretações de Peguei a
e Nascimento são infrequentes. A utilização
Reta
constante de ornamentos, como apojatura
e mordente, é uma das similaridades. No

69
As particularidades das interpretações de terpretações, foi privilegiado o uso das liga-
Peguei a Reta são marcadas, inicialmente, duras. O que distanciou uma interpretação
pelos instrumentos acompanhadores. Cos- da outra foi a gama variada de articulação
ta utiliza em sua gravação uma big band, apresentada por Nascimento. Em conse-
enquanto Nascimento usa um quinteto quência das articulações utilizadas, podem-
de metais. Essas escolhas retratam o con- os classificar a interpretação do trompetista
texto cultural de cada época. No período Costa como mais “chorada”, como se estivesse
da gravação de Costa (1948), as big bands deslizando pelas notas. Em outra mão iden-
estavam presentes nos principais meios de tificamos a interpretação de Nascimento
divulgação, sobretudo nas redes de rádio. Já como mais rítmica, mais virtuosística. Em sua
a utilização do quinteto de metais por Nasci- interpretação Nascimento demonstra pleno
mento retrata as transformações pelas quais domínio técnico do trompete, além de con-
o choro vem passando. hecimentos acerca da linguagem do choro.

Em relação à estruturação de Peguei a CONSIDERAÇÕES FINAIS


Reta, caracterizada pela forma tradicion-
al do choro, identificamos diferenças nas O objetivo deste estudo foi averiguar como o
repetições. As versões analisadas apresen- choro Peguei a Reta, interpretado por Porfírio
tam os seguintes esquemas: No parâmetro Costa e Joatan Nascimento, foram concebi-
modificação rítmico-melódica encontramos dos interpretativamente. Nesse contexto,
algumas diferenças. Em ambas as interpre- buscamos identificar as similaridades e difer-
tações, as realizações mais marcantes foram enças presentes em suas interpretações.
as utilizações de ornamentos. O emprego
de apojaturas e mordentes foi constante. Através da análise interpretativa das
Isso se justifica pela característica do choro gravações, foi possível compreender como
Peguei a Reta, que é construído basicamente cada trompetista, situado em época distinta,
por semicolcheias e é interpretado em anda- pensou e interpretou a música em questão.
mento rápido. No choro, estas características No que diz respeito à gravação histórica da
resultam em modificações, quase sempre or- década de 1940, deparamos com interpre-
namentais. tação realizada pelo próprio compositor, o
que nos leva a conhecer pelo menos uma
Na realização das articulações, nas duas in- das intenções do autor. Confrontando-a com

70
a gravação do século XXI, identificamos as tação mais “chorada”, enquanto Nascimento
transformações ocorridas na formação in- preza pela alternância entre as articulações
strumental dos grupos, na estrutura da músi- legatto e staccato.
ca e, sobretudo na interpretação.

Descrevendo sinteticamente as especifici-


dades de cada intérprete do choro Peguei
a Reta, percebemos que as diferenças são
identificadas nos quatro parâmetros: instru-
mentação, estrutura formal, modificação rít-
mico-melódica e articulação.

Dentre as similaridades e diferenças con-


tidas nas interpretações de Peguei a Reta,
podemos citar a utilização de uma big band
como grupo acompanhador na gravação do
trompetista Costa, ao lado de um quinteto
de metais utilizado por Nascimento. Outro
ponto divergente em ambas as gravações
foram as repetições das seções constituintes
do choro. Costa realiza sua interpretação sem
nenhuma repetição, ao passo que Nascimen-
to, em contraposição a essa ideia, mantém as
práticas convencionais do choro, repetindo
regularmente cada uma das seções. As modi-
ficações rítmico-melódicas se dão no mesmo
nível. As alterações nas duas gravações são
ornamentais, não gerando grandes mudan-
ças no desenho rítmico melódico original.
Quanto à articulação, os dois intérpretes
apresentam grandes diferenças. Costa priori-
za o uso de ligaduras, tornando sua interpre-

71
REFERÊNCIAS
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ALBIN, Cravo (2010). Dicionário Cravo Albin da Música brasileira: samba e choro. São Paulo: Art Editora; Pub-
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NASCIMENTO, Joatan (2002). Eu choro assim. Maianga Graduação em Música (ANPPOM). Bahia: 2005.
Discos (CD digital estéreo).

72
MÚSICA NA SEGUNDA METADE
DO SÉCULO XX: UM PENSAMENTO
NOVO OU PARTE DE UM MESMO
CONTINUUM?
Gina Denise Barreto Soares
Professora do bacharelado e da licenciatura da Faculdade de Música do Espírito Santo (FAMES), violoncelista da
Orquestra Filarmônica do Espírito Santo (OFES), doutoranda em música pela Universidade Federal do Estado do Rio
de Janeiro (UNIRIO).

Resumo Abstract
O presente artigo busca refletir e analisar o pen- This article intends to show and analyze the musical
samento musical da segunda metade do século XX, thought in the second half of the XXth century con-
tomando como questão se tal música se configura sidering whether such music represents a rupture or
como uma ruptura ou continuidade da tradição mu- continuity of the Western European music tradition.
sical europeia ocidental. E, em direção ao objetivo Towards the proposed objective, a bibliographic re-
proposto, foi realizada pesquisa bibliográfica que search was made considering the development of the
consistiu de um levantamento do desenvolvimento relationship between man/music and how the sound
da relação homem/música e de que forma os recursos resources available in each space/time become part
sonoros disponíveis em cada espaço/tempo tornam- of the musical discourse.
se parte do discurso musical.
Keywords: musical thought – composition – music
Palavras-chave: pensamento musical - com- of 20th century
posição – música do século XX
Analisar acontecimentos recentes significa Mundial”. Ambas, tensão e agitação, foram
por si só um desafio. O envolvimento com manifestadas no campo musical através de
eventos relativamente próximos, ainda não experiências radicais. “Esses anos puseram
distanciados suficientemente no tempo, fim não só ao período clássico-romântico,
é passível de provocar ilusões de ótica, como também às convenções em matéria de
incorrendo no risco de distorcer os fatos, tonalidade, tal como os séculos XVIII e XIX as
dificultando ou até mesmo inviabilizando haviam entendido” (GROUT, 1994, p. 653).
completamente a análise. Tal situação torna-
se mais grave quando nos debruçamos sobre Em sintonia com um acelerado
acontecimentos que estão associados a uma desenvolvimento tecnológico, o pensamento
tradição consolidada, ao mesmo tempo em musical do início da segunda década do
que são influenciados por ideologias de século XX toma feições próprias. Ao final
vanguarda. Seguir a linha da tradição e, a dos anos 40 e início dos anos 50, podemos
um só tempo, configurar-se como algo que identificar duas forças propulsoras operando
tende a se desprender, por alguns aspectos ativamente no domínio musical: o serialismo
ou tendências geradoras de diferenciação de e “o advento do gravador de fita”. A música
tal tradição, remete-nos a certo desconforto. eletrônica vai tornar-se possível em função
Por tais razões perguntamos: o pensamento do gravador de fita, e este proporcionará
musical que tomou lugar na segunda ao compositor “versatilidade e flexibilidade
metade do século XX se mostra como parte na gravação e estocagem dos sons”. A
da tradição sem a ela se confinar à medida manipulação da altura e do ritmo através
que abriga inovações técnicas e estéticas? da alteração da velocidade de gravação,
Ou significa uma ruptura, já que a expressão assim como a sobreposição, organização
musical se mostra altamente diferenciada do e reorganização dos sons na ordem
que o senso comum apreende como música? desejada, são “técnicas que permitiram o
nascimento da música eletrônica”. Apesar de
Em contraposição aos últimos anos do instrumentos musicais elétricos, tais como
século XIX, caracterizados por certa as ondas de martenot e o trautonium, que
estabilidade, “o início do século XX foi permitiram a produção de alguns novos
marcado por uma agitação social e uma timbres, e Messien haver demonstrado em
tensão internacional crescentes, que viriam sua composição denominada Turangalila
a culminar na catástrofe da Primeira Guerra - eficácia dos “sons algo sobrenaturais

74
das ondas” (GRIFFITHS, 1987, p.145), foi o que toma lugar na segunda metade do
gravador de fita que permitiu a exploração século XX, à luz da longa tradição da música
de um universo sonoro mais amplo e rico de europeia ocidental questionamos: será que
possibilidades. estamos diante de uma ruptura ou de um
continuum de tal tradição?
Ao comparar a produção musical do século
XX com a de períodos anteriores, salta aos Um olhar sobre a história
olhos uma nova maneira de “ver” a música
a ponto de se duvidar de sua essência, Desde os primórdios, o homem se expressa
quando consideramos opiniões advindas também através da música. Em todas
do senso comum. Tamanho estranhamento as sociedades das quais temos notícia,
é percebido através de certas perguntas podemos reconhecer algo a que chamamos
recorrentes como a seguinte: “isso é música?” de “música”. Fato que se dá não apenas
Uma das razões que levam à ocorrência pela exploração sonora do próprio corpo,
de perguntas desse tipo é a presença mas também pela confecção de meios
de sonoridades e meios sonoros pouco artificiais, instrumentos que, manuseados,
comuns até então, fato que identifica parcela torna possível a produção sonora. Tanto a
considerável da música composta no século exploração do corpo quanto a utilização
XX. de instrumentos confeccionados, indicam
pesquisa e desenvolvimento da técnica de
Ainda que os movimentos desse período produção sonora, premissa imprescindível,
se configurem como movimentos de mas não única para a manifestação de um
vanguarda, a presente pesquisa busca refletir pensamento musical. Apesar de que “quando
se tais movimentos significam apenas uma falamos de música sempre atrelamos tal
mudança agregada ao que já existia ou se há ideia à presença do som”, pois “de um modo
a configuração de algo totalmente novo. No geral a música se dá na forma de sons”.
primeiro caso, teríamos uma continuidade Considerar a música como estreitamente
do pensamento musical desenvolvido até associada ao som torna-se uma premissa
então e, no segundo caso, uma ruptura para tão básica que construímos nossas questões
a emergência de algo inusitado – de um novo em relação a outros aspectos, dentre eles
pensamento. Considerando as “experiências sobre a significação dos sons. Por diferir do
radicais”, ao analisar o pensamento musical aprendizado da nossa “linguagem verbal –

75
associando sons específicos a significados quando se conjecturava sobre a existência
específicos” (FERRAZ, 1999), inúmeros “de uma harmonia das esferas, decorrente de
estudos têm sido desenvolvidos na tentativa um perpetuum mobile dos astros” (MENEZES,
de apreender o real significado da música, 2003, p.19)
como nos estudos realizados dentro do
campo da semiótica. O homem se sensibiliza com os sons,
manipula-os, trata-os e os utiliza de forma
O homem é afetado por um mundo de sons intencional. Em que ponto se dá a origem do
oferecidos pelo ambiente no qual se encontra discurso musical, ou seja, em que momento
imerso. São modelos e padrões sonoros os sons se transformam em música e tornam-
possíveis de serem imitados e reproduzidos, se manifestação de um pensamento musical?
capazes de influenciar a atividade humana de “A princípio não há linguagem1 no som. A
produção sonora, contribuindo assim para a linguagem é uma elaboração humana”. É
criação de espaço/tempo sonoro peculiares, através da linguagem que foi permitido ao
isto é, modificando o seu entorno. Para isso, homem “criar conceitos e controlar as forças
o homem se utiliza de variados recursos passíveis de controle, produtivas, que jaziam
que possui ao seu alcance, até mesmo ao seu lado”. Tal elaboração consiste em um
criando outros que podem ser utilizados em meio de sobrevivência simplesmente. “Na
interação com as sonoridades próprias de natureza, isso é da mesma ordem do que
seu ambiente (naturais ou construídas). faz uma aranha ao tecer suas teias; um meio
de sobrevivência, um mecanismo cujo uso
Em se tratando do fenômeno acústico e da capital é a preservação de um modo de vida
existência de sons, a primeira constatação particular”. Criamos o hábito de considerar
“diz respeito a esta dupla lei inexorável: a música como uma linguagem sonora que
sem movimento não pode haver som, e todo se compõe de aspectos rítmicos, melódicos
movimento produz som”, ainda que estes e harmônicos, e assim “nos esquecemos que
sons não sejam percebidos por nosso música é também tudo aquilo que se expande
“mecanismo auditivo”. A produção sonora
1 Considerando a finalidade desde
é ininterrupta, visto que as moléculas artigo, não abordaremos questões
estão em contínuo movimento. Raciocínio relacionadas à música como linguagem. O
semelhante foi projetado para proporções interesse se resume na contextualização
macroscópicas desde tempos remotos do som como discurso musical adquirindo
significações (nota da autora).

76
para além dos limites de uma linguagem e de lenda de Sirinx2 e de Uakti3 são exemplos
uma territorialidade” (PINHEIRO, 2000, p.78) de que a existência do som se dá através da
morte. Em ambas as lendas há semelhanças
Ao longo de toda a história da humanidade, curiosas: a atração entre o feminino e o
a música torna-se veículo de múltiplos masculino, a morte, o ar como matéria
significados, relacionando-se a “um conjunto prima do som e sua produção através de
de fenômenos diversos que toma forma tubos de madeira. A comparação entre
em regiões e níveis diferentes de nossa esses dois exemplos, em meio a tantos
consciência e da realidade” (BERIO, 1981, outros semelhantes, traz à tona a rede de
p. 5). Em várias sociedades, fazer música significações do ar (sopro, respiração) como
não significa apenas um deleite, mas uma fonte de vida e geradora do som (e da música)
necessidade genuína de expressão. Quanto marcando, dessa forma, a essencialidade da
à comunicação, consideramos que “a música música na existência humana. A produção
em si não comunica, ela é um espaço de do som através do sopro ou do vento (ar em
comunicações possíveis se assim o receptor movimento) inequivocamente nos remete a
a quiser, senão ela não comunica nada. Mas uma condição sine qua non para a existência
ela é sempre um espaço de escutas possíveis, 2 Sírinx ou Siringe é uma ninfa por quem Pã
se apaixonou. Sendo perseguida por Pã e, cansada
mesmo que alguém não queira ouvir”
de fugir, Sírinx pede às divindades para livrá-la do
(FERRAZ, 1999). A presença da música nos sofrimento. Tendo o seu pedido atendido, Sírinx foi
transformada em junco no momento que o deus Pã a
confronta com uma necessidade primária de
alcançou. Vendo-se abraçado a uma touceira de caniços,
elaboração e manifestação do pensamento Pã montou um instrumento formado pela união dos
tubos de diversos tamanhos dando origem, desta forma,
musical por parte do homem. Fato que leva
a Sírinx ou a Flauta de Pã. http://pt.wikipedia.org/
a crer sobre o caráter essencial da expressão wiki/5%C3%ADrinx. Acesso em 02 de agosto de 2010
às 21:40.
musical como uma manifestação arquetípica.
3 Uakti viveu às margens do Rio Negro. Possuía
seu corpo aberto em buracos que, ao ser tocado pelo
Inúmeras são as lendas e os mitos que se vento, emitia um som tão irradiante que atraía todas as
mulheres da tribo. Os índios, enciumados, perseguiram
reportam à produção sonora e confundem Uakti, o mataram e enterraram seu corpo na floresta.
a própria música como algo que está Altas palmeiras ali cresceram e, de seus caules, os
índios fizeram instrumentos musicais de sons suaves e
relacionado diretamente com a vida e a melancólicos semelhantes aos sons do vento no corpo
morte. Distantes no tempo e no espaço, a de Uakti. (...) Diz a lenda ainda que, ao ouvirem esse
som, as mulheres tornam-se impuras e sentem-se
tentadas. http://www.sonsdouakti.hpg.ig.com.br/
sonsdouaktigrupo/grupo.htm. Acesso em 02 de agosto
de 2010 às 16:15.

77
da vida e da música, o próprio movimento. tativa de explicar sua relação com a música,
partiu em busca da comprovação daquilo
Nas sociedades não letradas, independente que julgava ser uma lei natural para a músi-
da época e do lugar, o divino sempre foi ca. Os gregos, no mundo ocidental, foram
identificado com “aquilo que anima o mun- os primeiros a se empenharem em formu-
do”, como algo que “confere poder, energia, lar leis que pudessem orientar a construção
centelha de vida”. É anima, palavra latina que de melodias e harmonias, e até o século XIX
denota alma e respiração, que anima o mun- esse desejo continuou a ser alimentado. Foi
do. O antropólogo Dudley Young considera Pitágoras quem iniciou as pesquisas em di-
inclusive que “se a alma do homem reside reção a tal objetivo, oferecendo inclusive
em sua respiração, a alma do mundo está no as primeiras formulações a respeito de um
sopro de Deus” (FONTERRADA, 2004, p.16). pensamento filosófico-matemático que con-
Dessa forma, estabelece-se a relação entre cebia a música como uma lei natural, esta-
som e vida. belecendo os princípios da música ocidental.

Considerando que música e sociedade pos- Séculos se passaram e inúmeros tratados


suem íntima relação, o desenvolvimento de foram escritos, mantendo viva a crença da
uma pode implicar no desenvolvimento da existência de uma lei natural para a música.
outra, numa perspectiva de mão dupla. Des- Zarlindo (séc. XVI), Marin Marsenne (séc. XVII)
de a antiguidade até os dias de hoje, a músi- e Rameau (séc. XVIII) foram alguns notáveis
ca, juntamente com suas práticas e teorias estudiosos que, aperfeiçoando formulações
que a sustentam revela, de forma bastante anteriores, representaram uma continuidade
precisa, a visão de mundo que permeia cada de pensamento sobre a busca de uma or-
período histórico. Longe de adotar um o- ganização do universo musical originado a
lhar determinista e cosmogônico em que partir das formulações pitagóricas. Rameau,
uma sociedade em certo período histórico revisando os estudos de Zarlino, chegou
se mostre completamente por meio de sua ao estabelecimento das bases da harmonia
produção cultural, cabe pontuar a relação moderna através do tonalismo. As formu-
existente entre o conhecimento humano e o lações de Rameau mantiveram a supremacia
pensamento musical. nos trezentos anos que se seguiram. Alguns
autores admitem que tal supremacia tenha
Durante alguns séculos, o homem, na ten- ocorrido devido à relação existente entre o

78
tonalismo e a física da série harmônica, pois Somente ao final do século XIX, Schoenberg
cada som que compõe tal série contém um propõe uma nova perspectiva para o tona-
acorde perfeito. Ao mesmo tempo em que lismo de Rameau, acrescentando-lhe uma
o acorde perfeito maior contribui para o for- boa dose de flexibilidade e individualismo.
talecimento do tonalismo, o acorde perfeito Desse modo, um novo pensamento musical
menor implicou numa fraqueza do sistema, emerge no século XX, apontando para outra
pois ele não conseguiu ser justificado até maneira de lidar com o fenômeno musical.
o momento por nenhuma das tentativas Kaltenecker (2006, p. 23) caracterizaria toda
empreendidas, levando em conta a acús- a música do século XX como um movimento
tica. Mesmo assim, apesar desse ponto de errante em um terreno desabitado e opaco,
fraqueza, a relação acústica que sustenta o no qual o sujeito tateava sem jamais ter a
tonalismo foi forte o suficiente para que as certeza de chegar a algum lugar. Para ele, tal
regras desse sistema, vistas como naturais, percurso era cristalizado, na maior parte das
ainda hoje sejam referência para o ensino e vezes, através de duas maneiras distintas:
a prática musicais. uma sanguínea e impulsiva e a outra uma
progressão errática. Em relação à primeira
Embora a tentativa de descoberta de uma teríamos Scriabin e suas sonatas compos-
lei natural tenha sido um fator de moti- tas de sobressaltos febris, o Schoenberg ex-
vação para inúmeras pesquisas, tal fato não pressionista das Peças para piano op. 10 ou
se mostra determinante nas relações com a de Erwatung, as obras de Edgar Varèse e os
música. Como afirma Barraud, cortejos imóveis de Messiaen. Já a impulsão
seira da ordem das proposições, como o não-
O fato de duzentos músicos e cantores desenvolvimento em Stravinsky, a música-
se reunirem numa sala de concerto,
mosaico de Janacek, a narração sinfônica de
cada um dos numerosos grupos que
compõem esse conjunto tocando ou Sibelius, sobre a qual a plateia nunca é capaz
cantando por sua própria conta uma de dizer o ponto que acaba de ser alcança-
música totalmente diferente da dos gru-
do, ou a música de Wolfgang Rihm, definida
pos vizinhos, e isso resultar finalmente
na Nona Sinfonia de Beethoven, é um como uma procura permanente por si mes-
fenômeno que talvez estivesse inscrito ma (KALTENECKER, 2006, p. 23).
por toda a eternidade nos destinos do
mundo em que vivemos, mas não em
O Século XX - da virada à primeira metade
leis naturais (BARRAUD, 2005, p.16).

79
Dentre tantos personagens que povoaram época em que viveram. Além do mais, cada
o início do século XX, Schoenberg se mostra um à sua maneira colaborou com as tendên-
como aquele que apresentou perspectivas cias surgidas no século XX. O desenvolvi-
inovadoras. Conjugando elementos a princí- mento de uma escrita harmônica e do tim-
pio considerados incoerentes, tais como bre é um legado do século XIX. A harmonia
lógica, sentimento e instinto, Schoenberg “motívica” forneceu estrutura e narração a
via a necessidade das regras ao mesmo tem- partir de certas propriedades que partem de
po em que considerava a sua utilização de Beethoven, passam por Brahms e atingem
acordo com a opção do compositor. Longe Schoenberg. Já a harmonia “tímbrica” visava
de apontar oposição entre consonância e a utilização de um acorde como cor. O mate-
dissonância, ele considerava apenas ferra- rial musical é então substituído pela matéria
mentas distintas a serem utilizadas nas mãos sonora que se desenvolverá mais a frente
dos compositores. Fato bem entendido ao no período designado por Impressionismo,
cunhar a expressão “emancipação da dis- presente nas obras de Debussy e, a partir
sonância”, admitindo ainda que a arte imita dos anos de 1960, nas obras de Ligeti, Peder-
a natureza. Considerava a tonalidade como encki, Xenakis, Dumitrescu e Redulescu
uma possibilidade e não uma obrigação, (KALTENECKER, 2006, p. 21).
pois o fenômeno sonoro é independente da
tonalidade. Cabe ressaltar o fato que Scho- O pensamento musical do século XX, incluin-
enberg percebia a importância da história e do também o de Schoenberg, foi preconi-
dos acontecimentos que, para ele, se suce- zado por compositores tais como Berlioz,
diam como um fluxo contínuo. Longe de des- Brahms e Wagner, que viveram em mea-
prezar o passado, propunha a compreensão dos do século XIX. A composição musical
deste como meio de criar perspectivas para foi tratada diferencialmente por cada uma
o futuro. dessas personalidades. Berlioz represen-
tou a primeira reação à “densidade sonora
Ao analisar a revolução desencadeada por assustadora” produzida pelas Sinfonias de
Schoenberg, devemos admitir que os frutos Beethoven. O território musical de Berlioz se
por ele colhidos tivessem sido plantados an- construía para além da realidade concreta,
teriormente por outros compositores, que pois para ele a música tinha necessidade de
também representaram posturas revolu- liberdade e de espaços mais amplos. Em seu
cionárias frente ao pensamento musical na Tratado de Instrumentação e Orquestração,

80
Berlioz revela o quanto buscava o efeito ma- a partir de Schoenberg. Brahms considera
terial da música. Para ele, “todo corpo sonoro que a fórmula musical é definida por sua es-
utilizado pelo compositor é um instrumento sência e pelo seu contexto histórico, além
musical” (KALTENECKER, 2006, p.15). Esse de considerar as formas sonata e variações
fato ganha maior significado quando con- como obrigações impossíveis de serem evi-
sideramos o comentário de um colega de tadas. Visto como um epígono, Brahms era
Berlioz sobre o tratamento dado à orquestra. o continuador de um passado do qual não
Tal colega tinha a impressão de assistir a uma conseguia e nem queria se libertar.
experiência acústica, com o objetivo de ex-
plorar o som, e não a expressão de uma ideia Kaltenecker (2006) admite que nas obras de
musical (KALTENECKER, 2006, p.15). Esse tipo Berlioz e Liszt o imaginário é exaltado e o “eu”
de pensamento consiste num precedente da é ideal, diferindo do pensamento musical de
pesquisa sonora tal qual ocorreu no século Brahms em que, mesmo o “eu” sendo ideal,
XX em que novas sonoridades foram incor- compõe exaltando o grave e o sério, o difícil
poradas à música. O pensamento musical e o complicado cultivados em detrimento
de Berlioz propôs um novo tratamento para “da sedução imediata das cores, das ‘visões’
a forma, dando um aspecto gigantesco e e dos efeitos. Além disso, refletindo sobre a
colossal às suas peças, cirando uma relação revolução musical que ocorreu no início do
particular com a tonalidade, pois compunha século XX, podemos encontrar alguns ante-
sempre com ela e não exatamente dentro cedentes desse desenrolar factual. Também
dela. O compositor tinha por princípio evi- Wagner colaborou efetivamente com o pa-
tar qualquer regra e era movido e levado por norama que se delineou no pensamento
um turbilhão de emoções. Seu interesse por musical do século XX.
Bach era apenas literário.
Num artigo polêmico, não exatamente
sobre a arte de Wagner, mas sobre o que
Ao contrário de Berlioz, Brahms era devo- essa arte poderia anunciar para o futuro,
tado à história e à tradição. Sacrificava a sua Berlioz fala desse cansaço “das harmo-
intuição espontânea para exaltar o trabalho nias consonantes, das dissonâncias sim-
ples preparadas e resolvidas, das modu-
como um valor. Considerando a musicologia
lações naturais e manipuladas com arte”,
de seu tempo, Brahms constroi a genealogia que faz prever que serão abandonadas.
de sua própria obra e inicia uma espécie de [...] Tudo isso mostra quão profunda-
autolegitimação que se torna predominante mente ele penetrou naquilo que estava

81
em germe na arte de Wagner, mas que quanto pelos acordes, cada vez mais com-
não deveria realizar-se senão muito
plexos e estranhos ao contexto harmônico,
mais tarde. (BARRAUD, 2005, p.43)
gerando uma suspensão que leva a atenção
para o material sonoro. Sendo assim, há um
Wagner admitia em A obra de arte do futuro
movimento de dissolução geral: “ruídos da
(1849) que o povo era a única fonte em que
forma”, “efeitos absolutos”, “timbres enigmáti-
o criador deveria beber para que pudesse
cos”, “matéria sonora”, tendências essas que
escapar da alternativa “entre a abstração e
estão presentes em sua obra. Fato curioso é
a moda”, isto é, entre a arte em si mesma e
a análise de Brouillards realizada por Dieter
a arte como “máquina de luxo”. Influenciado
Schnebel em 1962, antes do aparecimento
pela leitura da obra O mundo como vontade
da categoria “Música Espectral”. Ele consi-
e representação de Schopenhauer, que trat-
derou o material harmônico presente em
ava de música e metafísica, Wagner passa
tal peça como originário de uma “seleção de
a acreditar que a música expressa a “essên-
segmentos do espectro harmônico, resultan-
cia interior das coisas”. Na tentativa de esta-
do em uma composição espectral” (KALTE-
belecer um diálogo entre esses dois pólos,
NECKER, 2006, p. 22).
ele nutre a ideia de uma orquestra cantora
na qual a voz humana está em cada instru-
Ainda em relação a Debussy, podemos dizer
mento. Ele acreditava ser possível compor
que a música moderna teve um ponto de par-
como um poeta, utilizando as palavras em
tida preciso: a melodia para flauta que abre o
seu valor puramente sonoro.
Prélude à l’Après-Midi d’un Faune (GRIFFITHS,
1984, pg.7), peça escrita entre 1892 a 1894
Foi então em Wagner que Debussy encontrou
e que tem como característica a libertação
a noção de elementos sonoros livremente
da tonalidade diatônica. Ainda que não seja
encadeados como simulando uma impro-
atonal, o procedimento composicional sig-
visação controlada, como se fosse um fluxo
nifica apenas que as velhas relações tonais
ininterrupto, de acordo com Barraqué (citado
já não possuem mais um caráter imperativo.
por KALTENECKER, 2006). A obra de Debussy
A atonalidade vai ser assumida por Schoen-
é um belo exemplo do desenvolvimento da
berg com profundo desconforto que atitude
harmonia, tanto no que diz respeito às vozes
semelhante poderia gerar. Além de seus
melódicas, por meio de notas de passagem
seguidores mais próximos, Berg e Webern,
estranhas ao tom, responsáveis pela distor-
poucos compositores aderiram a esse recur-
ção e deformação da estrutura harmônica,

82
so de imediato. Schoenberg escreveu que “se O Século XX – a segunda metade
vivêssemos numa época normal como antes
de 1914, a música de nosso tempo estaria O novo tempo, para alguns, era bem-vindo.
numa situação diferente” (GRIFFTHS, 1984, Para um novo tempo, uma nova música.
p. 97). Tal fato demonstra que Schoenberg Nesse contexto, podemos localizar os com-
admitia certa inevitabilidade do processo positores ligados ao movimento futurista
composicional em que se encontrava, como de Marinetti. Dentre eles, Luigi Russolo foi
se o pensamento musical fosse gerado em o mais influente e persistente dos composi-
função do contexto então vivido. tores ao defender a relação da música com
os sons e ritmos das máquinas e fábricas. Ele
Schoenberg começou a compor sem te- propôs que os sons estivessem sintonizados
mas ou tonalidade, quando Stravinsky
introduzia uma nova concepção de rit-
com a vida moderna, surgindo daí a “arte do
mo e desvios não menos radicais eram ruído”. Empenhou-se na fabricação de en-
tomados por Debussy, Bartók, Berg e genhocas para produzir sons e as apresen-
Webern. Mas essas revoluções surgiram
tou na Itália, em Londres e Paris. Mesmo não
da própria tradição, como extrapolações
de tendências já existentes na música tendo formação musical, o que fez com que
ocidental (GRIFFTHS, 1984, p. 97). sua capacidade como compositor estivesse
abaixo de suas ideias, estabeleceu uma nova
O início do século XX representou um alto e decisiva arrancada, marcando a música da
nível de experiências sonoras, mas depois “era mecânica” que se tornaria a grande novi-
da 1ª Guerra Mundial o período seria mar- dade em Paris.
cado por inovações estreitamente vincula-
das ao progresso tecnológico. O empenho Mas foi Edgar Varèse o compositor que mais
de Schoenberg em organizar novas regras proveito tirou do gosto futurista, utilizando
para reestruturar o pensamento musical de sonoridades urbanas. Para ele, uma nova
sua época levará à criação de novos procedi- era estava começando, em que a música se
mentos estruturais tal como a música serial. beneficiaria dos avanços do pensamento
Apesar da atitude inovadora percebida em científico. Varèse esteve empenhado, junto a
Schoenberg, suas últimas obras tonais eram fabricantes, engenheiros de som entre out-
“carregadas de nostalgia”, pois se referiam a ros profissionais da área, na produção de
uma época perdida no tempo. aparelhagens para geração de sons. Fez uma
previsão acerca das novas possibilidades da

83
música. Disse Varèse: estabelecidos por Kaltenecker (2006) com
relação ao ruído, significando uma continui-
São as seguintes vantagens que prevejo dade que parte dos românticos, passa pelos
em um aparelho como este: libertação
impressionistas e chega à música moderna e
do sistema de temperamentos, ar-
bitrário e paralisante; possibilidade de contemporânea.
obter um número ilimitado de ciclos ou,
se ainda se desejar, de subdivisões de
O segundo eixo é chamado de música espec-
oitava, e conseqüentemente formação
de qualquer escala desejada; uma in- tral, aquela que se relaciona ao computador,
suspeitada extensão nos registros altos permitindo a realização de microanálises
e baixos, novos esplendores harmônic- na via interna do som e controle geral do
os, facultados por combinações sub-
espectro sonoro no que diz respeito a seus
harmônicas hoje impossíveis; infinitas
possibilidades de diferenciação nos elementos harmônicos e inarmônicos. O
timbres e de combinações sonoras; uma pensamento musical em todas as suas di-
nova dinâmica muito além do alcance
mensões adquire um novo valor expressivo,
de nossas atuais orquestras, e em senti-
do de projeção sonora no espaço, graças criando a necessidade de um tratamento
a emissão do som a partir de qualquer global diferenciado. Compositores como
ponto ou de muitos pontos do recinto, Gérard Grisey e Tristan Murail esculpem o
segundo as necessidades da partitura.
som formando massas gigantescas, criando
Ritmos independentes nos entrecru-
zamentos em tratamento simultâneo... ligações entre momentos de harmonicidade
– tudo isto em uma dada unidade mé- e inarmonicidade e entre transparências e
trica ou de tempo impossível de obter
ruídos brancos.
por meios humanos (GRIFFTHS, 1984,
p.102-103)
O dois eixos citados representam duas es-
tratégias de narração e de inscrição do ruído
Lutou arduamente pela montagem de
na obra musical. Podem ser consideradas
aparelhos que permitissem realizar suas i-
como duas maneiras de articular o material:
deias musicais. Tomado por um otimismo
uma considerando a recuperação de uma
conquistador, constroi um mundo anti-musi-
força centrífuga e suspensiva buscando abrir
cal em que não aparecem o desenvolvimen-
“janelas” na forma incisivamente; e a outra se
to, o tema ou a melodia. Entram em cena
relaciona à narração interna da matéria so-
ruídos da vida moderna, sons industriais,
nora e procura aliar forças subjacentes.
concretos ou produzidos eletronicamente.
A música de Varèse representa um dos eixos

84
Um terceiro eixo seria a realização de uma só após 300 anos de supremacia, irá se desin-
coisa repetida juntamente com a intenção tegrar por meio da obra de Schoenberg em
de expulsar toda ideia de forma. Esse tipo de suas experiências composicionais. A partir
articulação está presente nos minimalistas da segunda metade do século XX, a reboque
norte-americanos, em Giacinto Scelsi e na do desenvolvimento tecnológico, a música
música de não-intervenção de John Cage, ganha características diversas ao incorporar
onde há a abolição de toda vontade hierar- novos recursos e novas sonoridades que só
quizada. foram possíveis em função do aparecimento
gravador e, posteriormente, do computador.
Considerações Finais As possibilidades de realização musical se
ampliam consideravelmente em função dos
Ao investigar o pensamento musical da seg- recursos tecnológicos disponíveis e, seguin-
unda metade do século XX como ruptura ou do nesta direção, o pensamento musical
continuidade, partiu-se de reflexões sobre a abarca tendências até então não cogitadas.
gênese da música na espécie humana, recor-
rendo a mitos de sociedades não letradas. Dentre as várias tendências que influenci-
Foram realizadas considerações sobre o som aram o pensamento musical da segunda
como matéria prima da música, ainda que metade do século XX, a que se caracteriza
essa não esteja circunscrita àquele. por uma postura mais radical ou mesmo
aventureira seria a música que se realiza to-
Buscou-se realizar uma breve reconstrução mando o computador e seus recursos como
sobre o desenvolvimento do pensamento apoio. A música assim produzida passou a
musical, desde a Grécia até início do século colocar “em cheque todo o arsenal teóri-
XX. Abordou-se de forma mais detalhada a co e prático adquirido na convivência ou
virada do século XIX para o século XX e os ac- aprendizado da herança musical tradicion-
ontecimentos que vieram influenciar o pen- al”. O reconhecimento da expressão musical
samento estético. E, dentro de tal contexto o como algo “baseado nos gestos instrumen-
pensamento musical veio a ser incrementado tais e vocal como modelos sonoros, e no
através de compositores românticos e pós- paradigma altura/duração” torna-se restrito,
românticos que ofereceram as bases para os pois outros aspectos entram em jogo am-
novos rumos da composição. É na primeira pliando, desta forma, a própria abrangência
metade do Século XX que o sistema tonal, do conceito do que é música. Sendo assim,

85
o campo sonoro disponível através de meios entre modos de produção de obras ou de
eletroacústicos e de novos sons criados por práticas, formas de visibilidade destas práti-
“transformações dos materiais gravados ou cas e modos de estabelecer os conceitos de
gerados eletronicamente” expande o acervo umas e outras” (KALTENECKER, 2006, p.7). As-
da música eletroacústica praticamente para sim sendo, Rancière propunha a análise de
o infinito. Assim, torna-se impossível que o exemplos e a identificação de operações que
ouvinte “tenha um conhecimento prévio do designam e revelam como certos materiais,
repertório sonoro de uma peça” (DI PIETRO, apreendidos pelos artistas, e determinadas
1999, p. 85). atividades eram consideradas parte de um
discurso estético.
Isso faz com que as ligações que o ou-
vinte constrói na audição de uma peça
eletroacústica com experiências relacio-
Desta forma, a continuidade ou a ruptura
nadas ao mundo fora da composição existente entre o pensamento musical da se-
– experiências sonoras e não-sonoras gunda metade do século XX e o desenrolar
-, sejam de fundamental importância
das tendências anteriores podem em algu-
tanto para o trabalho composicional
quanto para a escuta (DI PIETRO, 1999, ma medida, ou dependendo do referencial,
p. 85). ser considerados um e outro. Mas o denomi-
nador comum de todos os tempos e espaços
Levando em consideração a amplidão do es- é o uso da técnica à disposição do homem. “A
pectro do que é entendido como música e relação entre a música e o pensamento hu-
dos caminhos trilhados pelo desenvolvimen- mano é celebrada em tudo o que vincula a
to do pensamento musical e reconhecen- ambos o aparato tecnológico de cada época”
do que música é uma expressão artística, (VIANNA, 2007, p.1). A música e sua forma de
Jacques Rancière já manifestara a opinião de produção caminham em paralelo com a téc-
que aquilo que era designado por arte não nica adquirida pelo homem a cada momento
é identificado da mesma forma nas diversas de seu desenvolvimento. “Em cada giro de
épocas, mas somente através daquilo que inovação tecnológica, a música se apropria
ele chama de regime ou sistema. Apenas um de novos elementos para afinar essa relação,
modo de articulação entre maneiras de fazer, que parece estar num diálogo tão constante
formas de visibilidade e modos de apresen- quanto à busca pelo conhecimento inerente
tação de seus relatos configuravam esse re- ao próprio ser humano” (VIANNA, 2007, p.2).
gime ou sistema como “um tipo de ligação E essa é a grande diferença do pensamento

86
musical do período em questão, a segunda REFERÊNCIAS
metade do século XX. Em nenhum período
até então os recursos tecnológicos haviam BARRAUD, Henri. Para compreender as músicas de hoje.
se desenvolvido tanto a ponto de propor- São Paulo: Perspectiva, 2005.
cionar tamanha multiplicidade de meios de
expressão, independente dos rótulos “tonal, BERIO, Luciano. Entrevista sobre a música contem-
modal, atonal, pois já perderam o seu sig- porânea. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981.
nificado. Não existe senão a música para ser
arte como cosmos e traçar as linhas virtuais DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Felix. Mil Platôs. São Pau-
da variação infinita” (DELEUZE e GUATTARI, lo, Ed. 34, 1995,
1995).
DI PIETRO, Laura. Escuta eletroacústica. In:Cadernos
do Colóquio. 2000. Publicação do Programa de Pós-
Graduação em Música do Centro de Letras e Artes da
Uni-Rio. Rio de Janeiro, CLA Uni-Rio, 2000. p. 85-87.

FERRAZ, Sílvio. Apontamentos sobre a escuta musical.


1999.http://silvioferraz.mus.br/apont.htm Acesso em
12 de julho de 2011.

FONTERRADA, Marisa Trench. Música e meio ambiente:


a ecologia sonora. São Paulo: Irmãos Vitale, 2004.

GROUT, Donald J. & PALISCA, Claude V. História da


Música Ocidental. Lisboa: Gradiva, 1994.

KALTENECKER, Martin. L’hypothèse de La continuité.


In: KALTENECKER, M & NICOLAS, F. Penser l’ouvre mu-
sical au XXè siècle: avec, sans ou contre l’histoire? Paris,
CDMC, 2006.

MENEZES, Flo. A acústica musical em palavras e sons.

87
Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2003.

PINHEIRO, Paulo. Por uma filosofia do som: a noção


de ritornelo entre música e filosofia. In: Cadernos do
Colóquio. Publicação do Programa de Pós-Graduação
em Música do Centro de Letras e Artes da Uni-Rio. Rio
de Janeiro, CLA Uni-Rio, 2000. p.74-84.

VIANNA, L. A música no cerne dos processos composi-


cionais. In: Anais do II Simpósio Nacional de Tecnologia
e Sociedade. Curitiba, PR: UTFPR, 2007.

88
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LINHA EDITORIAL poderá sugerir modificações de estrutura ou conteúdo ao


autor. Os trabalhos poderão ser devolvidos para correções
A publicação a tempo – Revista de pesquisa em música e modificações a serem realizadas pelo autor, que será
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tem como objetivo, divulgar produções científicas de material enviado é de inteira responsabilidade do autor.
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ensaios e resenhas inéditos. O material enviado é de não publicação dos artigos.
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publicados. Serão aceitas colaborações do Brasil e do
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Roman, tamanho 12 e apenas a primeira letra será
1 - Os artigos e ensaios devem ter uma extensão entre maiúscula em ambos.
3.000 e 6.000 palavras e as resenhas entre 2.000 a 4.000
palavras. b) O nome do autor deve estar localizado duas linhas
abaixo do título, alinhado à direita, com letras maiúsculas
2- Serão aceitos artigos, ensaios e resenhas escritos em apenas nas letras iniciais dos nomes.
português, inglês e espanhol.
c) RESUMO se localizará a três linhas abaixo do nome do
3 - Os trabalhos devem ser enviados ao e-mail da revis- autor e em português, independente da língua em que
ta, anexados com arquivo de texto em formato “doc” ou o texto tiver sido escrito. Colocar a palavra RESUMO em
“docx”. Devem conter identificação: nome do proponente caixa alta, corpo 10, seguida de ponto. Texto em parágrafo
e título do trabalho. único, espaço simples, justificado, com no máximo 150
palavras, com fonte Times New Roman, tamanho 10.
 4 – Os  artigos, ensaios ou resenhas, enviados por e-mail,
devem ter uma folha de rosto com o título do trabalho, d) Palavras-chave são em número de 03 a 05,
nome do autor e titulação, função e/ou cargo, unidade e localizadas duas linhas abaixo do resumo, em português,
departamento (cidade, estado e país), currículo do autor independente da língua em que o texto tiver sido escrito.
com o máximo de 10 linhas em que conste referência Colocar o termo Palavras-chave, em caixa baixa, primeira
de suas últimas publicações, além de seus contatos letra em maiúscula, com fonte Times New Roman,
(endereços eletrônico e residencial e telefones). tamanho 10. Cada palavra-chave deverá ser escrita em
caixa-baixa com apenas a primeira letra maiúscula. As
5 – Após o envio dos trabalhos por e-mail, deverão seguir palavras-chave devem estar separadas por ponto.
o envio pelo correio de uma cópia impressa e outra em
CD – Rom. e) ABSTRACT deve ser localizado duas linhas abaixo das
palavras-chave. A palavra ABSTRACT deve estar em caixa
6 – Os trabalhos devem ser enviados para os seguintes alta, tamanho 10, seguida de ponto. Redigir o texto em
endereços: inglês, em parágrafo único, espaço simples, justificado
atempo@fames.es.gov.br com o máximo de 150 palavras, com fonte Times New
Roman, tamanho 10 para todo o abstract.
e

a tempo – Revista de pesquisa em música f) Keywords são em número de 03 a 05, localizadas


Faculdade de Música do Espírito Santo “Maurício de duas linhas abaixo do abstract, com fonte Times New
Oliveira” (Fames) Roman, tamanho 10. Cada keyword deve ser escrita em
Coordenação de Pós- Graduação caixa-baixa com apenas a primeira letra maiúscula. As
Praça Poli Monjardim, 60, Centro, Vitória, ES - keywords devem estar separadas por ponto.
CEP: 29010-640
9– 2 - Elementos textuais:
7 – O conselho editorial, após apreciação dos trabalhos, a) Fonte: Times New Roman, tamanho 12, alinhamento
justificado ao longo de todo o texto. da ABEM, Porto Alegre, v.15, p. 11-26, set. 2006.

b) Espaçamento: simples entre linhas e parágrafos, Livros:


duplo entre partes do texto (tabelas, ilustrações, citações
em destaques, etc). GREEN, Barry. The inner game of music. New York:
Doubleday, 1986.
c) Citações: no corpo do texto, serão de até 03 linhas,
entre aspas duplas. Fonte: Times New Roman corpo 12. Capítulos de livros:
Quando as citações forem maiores do que 03 linhas,
devem ser destacadas fora do corpo do texto. Fonte: SANTOS, Regina Márcia S; REQUIÃO, Luciana. A educação
Times New Roman, corpo 10, em espaço simples, com musical no estado do Rio de Janeiro. In: OLIVEIRA, A;
recuo de 4cm à esquerda.  Todas as referências das CAJAZEIRA, R. (Orgs.) A Educação Musical no Brasil.
citações ou menções a outros textos  (tanto nas incluídas Salvador, Sonare, p. 129-144, 2007.
no corpo do texto, como as que devem aparecer em
destaque) deverão ser indicadas, após a citação, com as Monografias, dissertações e teses:
seguintes informações, entre parênteses: sobrenome
do autor em caixa alta, vírgula, ano da publicação, ALFONSO, Neila R. Prática coral como plano de
abreviatura de página e o número desta. Exemplo: composição em Marcos Leite e em dois coros infantis. 2004,
(SWANWICK, 1999, p. 15-16). Evitar a utilização de idem 154 f. Dissertação (Mestrado em Música). Programa de
ou ibidem e Cf. Quando for utilizado o apud, colocar as Pós-Graduação em Música, UNIRIO, Rio de Janeiro, 2004.
mesmas informações solicitadas anteriormente para o
autor do texto de onde a citação foi retirada. Exemplo: DUARTE, Mônica de Almeida. Por uma análise retórica
(DELEUZE, 1987, apud KASTRUP, 2001, p. 217). Incluir dos sentidos da música na escola. 2004. 265 f. Tese
todos os dados de ambos os autores e colocar somente (Doutorado em Educação Escolar) – Faculdade
as obras consultadas diretamente nas Referências. de Educação Escolar) – Faculdade de Educação,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2004.
d) Notas de rodapé: devem ser utilizadas, se necessárias,
para contribuir com a clareza do texto. Fonte: Times New Congresso, Conferências, Encontros e outros eventos:
Roman, corpo 10.
BORÉM, Fausto. Afinação integrada no contrabaixo:
e) Títulos e subtítulos das seções: ao serem constituídos desenvolvimento de um sistema sensório-motor
por palavras, não utilizar numeração arábica, inclusive baseado na audição, tato e visão. In: ENCONTRO ANUAL
Introdução, Conclusão, Referências e elementos pós- DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E
textuais, sem recuo de parágrafo, em negrito, com PESQUISA EM MÚSICA, 10. Anais do ... Goiânia, agosto,
maiúscula somente para a primeira palavra da seção. 1997, p. 53-58.
Ao serem constituídos apenas por números,  colocar o
número seguindo as mesmas regras anteriores e sem Citação de citação:
pontuação.
MARINHO, Pedro. A pesquisa em ciências humanas.
f) Elementos ilustrativos: tabelas, figuras, fotos, etc., Petrópolis: Vozes, 1980 apud
devem ser inseridas no texto, logo após serem citadas, MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. Técnica de pesquisa. São
contendo a devida explicação na parte inferior da mesma, Paulo: Atlas, 1982.
numeradas sequencialmente. Serão referidas, no corpo
do texto, de forma abreviada. Exemplo. Fig. 1. Fig. 2, etc Documentos eletrônicos:
9 – 3 - Elementos pós-textuais: CARPEGGIANI, Schneider. Pernambuco num concerto de
muitos ritmos. NordesteWeb, 9 de abr. 2001. Disponível
Referências: Usar espaçamento 1 entre as linhas das em: www.nordesteweb.com/not04/ne_not_20010409a.
referências e espaco 1,5 entre uma referência e outra com htm Acesso em: 19 fev. 2007.
alinhamento à esquerda.
CD-ROM:
Incluir a data de envio do artigo para publicação.
KOOGAN, A.; HOUASSIS, A (Ed.) Enciclopédia e dicionário
EXEMPLOS DE REFERÊNCIAS digital 98. Direção geral de André Koogan Breikman. São
Paulo: Delta: Estadão, 1998. 5 CD-ROM. Produzida por
Artigo de periódico: Videolar Multimídia.
FERNANDES, José Nunes. Pesquisa em educação
musical: situação do campo nas dissertações e teses dos
cursos de pós-graduação strictu senso brasileiros. Revista
GOVERNADOR DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
Renato Casagrande

VICE-GOVERNADOR
Givaldo Vieira

SECRETÁRIO DE ESTADO DA CULTURA


José Paulo Viçosi

SECRETÁRIO DE ESTADO DA EDUCAÇÃO


Klinger Marcos Barbosa Alves

FACULDADE DE MÚSICA DO ESPÍRITO SANTO


DIRETOR GERAL
Edilson Barboza

COORDENAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO DA FAMES


Gina Denise Barreto Soares

FACULDADE DE MÚSICA DO ESPÍRITO SANTO “MAURÍCIO DE OLIVEIRA”


Praça Américo Poli Monjardim, nº 60 - Centro - Vitória - ES
CEP: 29010-640
Tel: 27 3636-3600 - Fax: 27 3636-3608
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