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Desde que escrevi Prato Sujo – Como a Indústria Manipula os Alimentos para
Viciar Você, recebo dezenas de mensagens de leitores dizendo que começaram a
olhar a alimentação de um novo jeito. Muitos conseguiram retomar o hábito de
passar mais tempo à mesa saboreando as histórias contadas ao redor dela.
Espero que o Tarja Preta também seja entendido assim, não como um manual
do que fazer, mas como uma inspiração para melhores escolhas na hora de tratar
o corpo, a mente, a saúde e as relações.
Capítulo 2 - Remediolão
Posfácio
Créditos
SE TEM UM
Entenda o significado das cores das tarjas e dos diferentes tipos de receita.
AS TARJAS
SEM TARJA
São livres de prescrição médica, o que não significa que não precisam ser usados
de acordo com as orientações da bula ou do médico. Geralmente, ficam nas
prateleiras ou no balcão das drogarias. Se administrados corretamente, causam
poucos efeitos colaterais.
TARJA VERMELHA
Podem causar muitos efeitos colaterais e, por isso, devem ser receitados por um
médico. Alguns exigem retenção da receita, como os antibióticos e os
antidepressivos.
TARJA PRETA
AS RECEITAS
BRANCA
É usada para medicamentos com tarja vermelha. Em alguns casos, como para a
compra de antidepressivos e antibióticos, ela é feita em duas vias, para que uma
delas fique na farmácia.
AMARELA
AZUL
“Se algum deles perguntar por dados adicionais, diga que estamos reunindo
tudo, depois sugira que o médico coloque alguns pacientes em tratamento com a
droga.”
Os diálogos que você acabou de ler estão no depoimento12 que o cientista
David P. Franklin deu à Justiça americana sobre como os promotores de venda e
consultores médicos da farmacêutica Parke-Davis, comprada depois pela Pfizer,
eram orientados a falar com os profissionais da saúde.
Franklin entrou na empresa em abril de 1996 e pediu demissão menos de três
meses depois, principalmente por não concordar com práticas de promoção do
remédio Neurontin. Ele gravou e registrou várias conversas e e-mails para
comprovar as denúncias.
O Neurontin foi lançado em 1994 como medicamento coadjuvante contra
crises de convulsão em pacientes epiléticos que não respondiam bem a outros
tratamentos. Era um mercado relativamente pequeno. Acontece que as vendas
anuais do medicamento passaram de US$ 97,5 milhões em 1995 para US$ 2,7
bilhões em 2003 — um crescimento de 2.700%. E não foi exatamente porque
tivesse aumentado o número de doentes com esse quadro tão específico.
Segundo Franklin, a companhia contratava consultores médicos para atuar
exclusivamente como representantes de venda e oferecer dinheiro a quem
receitasse o medicamento e conseguisse influenciar o maior número de colegas
a fazer o mesmo. Os consultores eram orientados também a dizer que estavam
“envolvidos em pesquisas”, para passar maior credibilidade, quando na verdade
só estavam envolvidos mesmo em engordar suas contas bancárias. Não havia
estudos relevantes nem dados comprovados para divulgar.
No mundo ideal, consultores médicos trabalham em funções médicas,
científicas, sem nenhum vínculo com departamentos de vendas. No mundo ideal,
eles são treinados para oferecer informações técnicas (e verdadeiras) sobre os
produtos da empresa para onde trabalham, de modo a ajudar os médicos nos
consultórios.
Mas o mundo real pode ser diferente. De acordo com o depoimento, a
farmacêutica fornecia informações falsas sobre o medicamento, plantava
pessoas na plateia de congressos para fazer perguntas sobre os benefícios do
remédio, promovia medicamentos para usos não aprovados, dava dinheiro para
que médicos permitissem a presença de representantes do laboratório nas
consultas e ainda distribuía uns trocados para aqueles que fornecessem gravações
de conversas com pacientes que estivessem em tratamento com a droga. Eram
US$ 50 por cabeça mais pagamentos de despesas gerais. Teve médico que
mandou mais de 300 áudios, diz Franklin, embolsando US$ 15 mil na brincadeira.
Segundo ele, essas gravações não serviram, na época, para compor nenhum
estudo clínico. O negócio ali era incentivar os participantes a colocar mais
pacientes em tratamento contínuo com o remédio. A conclusão da Justiça é que
essas práticas tiveram potencial de induzir erro ou abuso nas prescrições.
Quando um remédio consegue registro no órgão regulador (Anvisa, no Brasil;
FDA, nos EUA), o fabricante só tem permissão para promover a medicação
para o tratamento indicado na bula. Mas o médico pode prescrever, por conta e
risco, para uso off-label (fora da bula, em tradução livre), para qualquer
condição, se analisar as evidências disponíveis e julgar adequado.
É que uma substância química costuma ter várias ações no organismo, boas e
ruins. De repente, uma droga contra um tipo de câncer funciona para outro, um
antidepressivo pode curar ejaculação precoce, um comprimido para tratar
epilepsia se mostra eficiente para ataques de pânico.
Acontece com a bupropiona, o princípio ativo de antidepressivos que
promovem a circulação de dopamina no cérebro. Ela é receitada para combater
a perda de libido causada por outra classe de antidepressivos, a dos
serotoninérgicos, que bombam a serotonina. Estes últimos são os mais populares,
tendo o Prozac (fluoxetina) e o Lexapro (escitalopram) na família. Já os próprios
serotoninérgicos são muitas vezes receitados contra ejaculação precoce. O efeito
deles na redução da libido pode ser benéfico para quem se afoba demais na
cama, promovendo relações sexuais mais duradouras, desde que administrados
na dose exata para evitar broxadas.
O caso mais famoso de remédio em que o efeito colateral passou a ser visto
como o principal é o do Viagra. Os pesquisadores faziam testes com o princípio
ativo da droga, a sildenafila, para tratar uma doença cardiovascular e
perceberam que os voluntários relatavam ereções frequentes e duradouras,
mesmo aqueles com impotência sexual crônica. Então os estudos caminharam
nessa direção e a companhia entrou com pedido de aprovação no FDA para o
tratamento de disfunção erétil.
Nos casos em que a droga já está no mercado, aprovada para outro fim, o
laboratório precisa voltar uma casa e fazer testes específicos de eficácia e
segurança das novas utilizações se quiser tirar proveito comercial delas. O
processo leva tempo, custa dinheiro e nem sempre termina bem. Acontece, por
exemplo, de os estudos mostrarem que o remédio não faz efeito para outros
males ou, pior, que aumenta o risco de morte em determinados grupos de
pacientes. Pode ser também que o trâmite da aprovação demore e saia quando a
patente do produto estiver para expirar.
Por conta disso, a indústria às vezes tenta pegar atalhos e aumentar, ela
própria, o número de consumidores de seus comprimidos vendendo-os pelo
efeito colateral. Escondida.
Receitar essas alquimias não tem nada de ilegal, como já dissemos. É parte da
função de um médico. Esse poder que os doutores têm, por outro lado, atiça os
laboratórios a dar-lhes mais agrados, começando o círculo vicioso. Foi
exatamente o que aconteceu lá no caso do Neurontin, que vamos ver em detalhes
agora.
• Transtorno bipolar.
• Enxaqueca.
• Neuropatia diabética, lesão dos nervos causada pela alta taxa de açúcar no
sangue em pacientes diabéticos.
• Tremor essencial: agitação constante das mãos mais comum do que mal
de Parkinson
• Neuralgia pós-herpética: dor crônica que atinge parte dos pacientes que
tiveram herpes-zoster.
“Todos nós sabemos que as vendas não vão crescer por causa do tratamento
[contra convulsões]. Não é aí que o dinheiro está. Controle da dor, isso dá
dinheiro. Monoterapia [tratamento exclusivo com um só medicamento], isso
dá dinheiro. Neurontin para dor, Neurontin para monoterapia, Neurontin para
transtorno bipolar, Neurontin para tudo. Eu não quero ver um paciente sequer
deixar de tomar Neurontin antes que ele chegue a pelo menos 4.800
miligramas por dia. E também não quero ouvir falar dessa porcaria de
segurança. Vocês experimentaram Neurontin? Cada um de vocês deveria
tomar um, só para ver que não tem nada, que é uma droga excelente.”
Douglas Briggs sofreu um acidente de carro e passou anos com uma dor
crônica nas costas. Foram três cirurgias para tentar resolver o problema, e nada.
Em fevereiro de 2004, ele começou a tomar Neurontin, receitado pelo médico, e
“virou outra pessoa”, afirma a mulher, Robin. Douglas era um homem ativo, que
jogava tênis e basquete, mas passou a ficar prostrado no sofá, irritado e
reclamando de dor. As brigas com a esposa, que antes não aconteciam, viraram
frequentes.
No dia 25 de dezembro daquele mesmo ano, ele insistiu para que a mulher e os
dois filhos fossem ao cinema. Queria ficar sozinho. A família achou estranho
deixá-lo ali justo no Natal, mas cedeu ao pedido. Quando voltou, Douglas estava
morto, enforcado no hall de entrada da casa.
É difícil comprovar a relação direta entre os episódios e a droga, porque outros
fatores, como histórico de saúde, propensão a doenças psiquiátricas, estilo de vida
e administração de outros medicamentos, contam também. Mas não há dúvidas
para os Briggs e outras famílias de 47 Estados americanos mais o Distrito de
Colúmbia que, depois de perderem parentes em uso do medicamento, ajuizaram
processos contra o fabricante. O laboratório foi acusado de omitir os riscos de
suicídio e de falhar ao não alertar os médicos.
Só em 2009 o FDA determinou14 que a bula de todas as drogas contra
epilepsia e convulsão trouxesse o aviso de que podem aumentar o risco de
suicídio, com a recomendação para que pacientes e familiares ficassem atentos
a alterações de comportamento e sintomas de depressão.
A agência reguladora avaliou dados de 11 remédios dessa categoria e concluiu
que todos eles dobram as chances de ter pensamentos ou comportamentos
suicidas em comparação com quem tomou placebo. Durante os testes, houve
quatro mortes entre os que receberam medicamentos dessa classe e nenhuma
entre os que não usaram.
Exemplos não faltam de escândalos e acordos multimilionários envolvendo a
indústria nos EUA, incluindo pagamento de propina a médicos e manipulação de
dados para fraudar o sistema de saúde americano, o Medicare.
Muitos têm a ver com uma categoria que se mostrou bem lucrativa a partir da
década de 1990, os antipsicóticos, aprovados principalmente para tratar
esquizofrenia e episódios de mania no transtorno bipolar.
Essa condição afeta aproximadamente 1% da população. É pouco. Pelo menos
não é o bastante para fazer de uma cápsula contra esquizofrenia um case
comercial. Mas, nos últimos anos, um antipsicótico, o Abilify, virou o segundo
remédio que mais dá dinheiro nos Estados Unidos (o primeiro é um anti-
inflamatório injetável para tratar doenças autoimunes, o Humira, que custa quase
US$ 1 mil a cada injeção e é bastante usado em hospitais).
Grande parte do sucesso dessa classe de remédios vem do aumento da
prescrição off-label para problemas psiquiátricos comuns, como depressão,
ansiedade e transtornos de comportamento.
Um dos casos mais famosos foi do antipsicótico Risperdal15 e a promoção
ilegal para uso em crianças e em idosos. A bula inicialmente aprovada pelo FDA
indicava que os estudos clínicos não incluíram um número significativo de
pacientes acima de 65 anos e, por isso, não era possível verificar a eficácia e a
segurança da medicação nessa faixa etária.
Segundo um memorando da Justiça americana 16, em 2003, depois da
ocorrência de mortes em testes da droga em pacientes mais velhos, o FDA
determinou a inclusão de uma nova advertência na bula para avisar sobre o risco
aumentado de óbito, acidente vascular cerebral e ataque isquêmico transitório
em idosos com demência sob tratamento com o princípio ativo. Isso foi feito.
Ainda assim, o laboratório teria continuado a orientar promotores para divulgar o
remédio como adequado e seguro para esse público.
A estratégia visava aumentar o número de pacientes que faziam uso da droga,
porque “devido à menor expectativa de vida entre esquizofrênicos, a doença
atinge uma porcentagem ainda menor de idosos”. Na prática, era como se a
farmacêutica estivesse vendendo bolacha: tudo o que interessava era capturar
mais um nicho de mercado.
O governo americano teve acesso a uma série de relatórios escritos por
executivos da empresa, com orientações para que os promotores dissessem aos
médicos e farmacêuticos que o remédio era indicado para demência. Em um
deles, o vice-presidente de marketing dizia “A prescrição de Risperdal para tratar
demência é o foco principal da força de vendas do ElderCare”, grupo de
promotores que atuavam apenas com ações para pacientes acima de 65 anos.
Outro jeito de promover o medicamento para uso não aprovado era bem mais
sutil: distribuindo nos consultórios amostras grátis de até 1 miligrama, na medida
para tratar demência. As doses recomendadas para esquizofrenia eram de 3,8
miligramas ao dia e de 2,4 mg para esquizofrenia em idosos. Para demência (uso
não aprovado), era de 0,9 mg.
Segundo os documentos, os promotores divulgavam fortemente o uso off-bula
da droga também entre os farmacêuticos, “importantes influenciadores” que,
“aproveitados corretamente, podem atuar como uma extensão da nossa força de
vendas”. Sim, você leu “força de vendas”. Fabricantes podem pagar comissão
por medicamentos vendidos no balcão.
Outro caso emblemático foi o da promoção do antidepressivo Paxil para
crianças e adolescentes nos EUA, mesmo sem aprovação do FDA para uso
pediátrico. Desde 2004, a bula dos antidepressivos traz a advertência de que eles
podem aumentar o risco de pensamentos e comportamentos suicidas em
menores de 18 anos.
A Justiça considerou que o laboratório “participou do preparo, da publicação e
distribuição de artigo médico enganador que presta informações falsas de que
um teste clínico de Paxil demonstrou eficácia no tratamento da depressão em
crianças e adolescentes, quando, na verdade, o estudo falhou em demonstrar
eficácia”.
Outra acusação foi a de pagar “milhões de dólares para médicos palestrarem
em congressos, às vezes em resorts de luxo”, para promover usos não autorizados
à época do antidepressivo Wellbutrin, como a indicação para perda de peso. O
documento diz que as estratégias envolviam “representantes de venda, falsos
consultores e programas supostamente independentes de educação médica
continuada”.
A empresa também foi acusada de não informar sobre efeitos colaterais
graves de um medicamento que chegou a ser o mais vendido no mundo,
inclusive no Brasil, para o tratamento de diabetes tipo 2: o Avandia.
A Justiça concluiu que o risco aumentado de ataque do coração e insuficiência
cardíaca congestiva foi ocultado pelo fabricante. E também que os médicos
receberam informações “falsas e enganadoras” em relação aos efeitos positivos
do remédio sobre o colesterol, “embora não houvesse estudos controlados para
sustentar essa informação”, e aos benefícios cardiovasculares, ainda que a bula
trouxesse a advertência sobre riscos cardiovasculares.
Na Europa e no Brasil, o medicamento foi retirado das prateleiras em 2010,
depois que uma análise 28 de 56 experimentos envolvendo 35 mil pessoas
mostrou risco 28% maior de infarto do miocárdio em usuários do princípio ativo.
Segundo a Anvisa 29, foram estimados cinco vezes mais casos de insuficiência
cardíaca nos pacientes tratados com a droga do que nos que receberam outro
medicamento para o mesmo fim. As conclusões foram de que os riscos do
remédio superavam os benefícios e que havia outras opções mais seguras.
Ei, mas os remédios não passam por rigorosos testes antes de chegar ao
mercado? Sim e não. Às vezes, o processo se assemelha mais a um roteiro de
filme de Francis Ford Coppola. É o que vamos ver no capítulo 3.
OPERAÇÃO FALSELOTES
MANUAL IMORAL
O passo a passo recomendado pela farmacêutica para influenciar
médicos a prescrever um remédio.
CONCHAVO
O diálogo entre o cientista David P. Franklin, seu supervisor e uma
consultora médica sobre a promoção de um remédio para uso não
aprovado em crianças com hiperatividade.
VENDA A JATO
O roteiro que os consultores médicos da farmacêutica deviam seguir
para aumentar as vendas de um remédio contra problemas
cardiovasculares.
• SE ele for experiente, pule direto para “os excelentes resultados que nós
estamos observando em dois testes clínicos”.
Pfizer
FEZ UM acordo de US$ 2,2 bilhões em 2013 para encerrar processos por
práticas ilegais de promoção de medicamentos e pagamento a profissionais da
saúde para que receitassem remédios da empresa nos EUA.
Abbott
Eli Lilly
EM 2009, a Eli Lilly aceitou22 pagar uma multa de US$ 1,4 bilhão por
propaganda ilegal do antipsicótico Zy prexa, por recomendá-lo para idosos com
demência.
Merck
Purdue
AstraZeneca
Novartis
FEZ UM acordo27 de US$ 422 milhões em 2010 para encerrar processos que a
acusavam de pagar comissão a médicos e farmacêuticos e promover o uso não
aprovado de vários medicamentos nos EUA.
Warner-Lambert
DAVID “Eu recebi uma cópia faz cinco minutos e vou digerir hoje à noite. Nós
sabíamos que isso poderia ser FEIO, e é. Vamos contra-atacar e ver o que
conseguimos.”
GAME OF CLONES
Com a chegada dos genéricos e similares no mercado, produzidos quando expira
a patente do medicamento de referência (aquele que foi desenvolvido pelo
laboratório), a vida das farmacêuticas ficou mais difícil. Os medicamentos de
referência são os pioneiros da cadeia. Trazem o nome da marca, e não dos
princípios ativos, e servem como padrão para a produção de genéricos e
similares depois que a patente expira.
Genéricos e similares são cópias dos medicamentos de referência, com o
mesmo princípio ativo. A principal diferença entre os dois é que genéricos são
quimicamente idênticos aos remédios de origem e os similares são parecidos.
Nos similares, algumas substâncias inativas, chamadas de excipientes, como
corantes, estabilizantes e conservantes, podem ser diferentes das originais. Isso
pode interferir na forma como o corpo processa a medicação. A não ser que o
fabricante apresente testes comprovando que agem exatamente do mesmo jeito,
os similares não substituem os de referência.
Já os genéricos sempre foram obrigados a comprovar que são clones dos
remédios de origem, e que funcionam exatamente da mesma forma, por isso
viraram alternativas aos de referência.
No rótulo dos similares aparece um nome fantasia. No dos genéricos, hoje
bem mais populares, o que vai impresso são apenas os princípios ativos.
A vantagem dessas cópias é que elas custam metade do preço ou menos. Mas
a gente prefere pagar caro por um novo remédio porque os mais recentes são
sempre mais eficientes e seguros do que os antigos, certo? Senta.
AQ UELE 1%
O controle da maioria dos testes e da forma como os dados são divulgados,
quando são, está inteiramente nas mãos dos próprios fabricantes. É quase como ir
a uma entrevista de emprego e, em vez de passar por um processo seletivo
coordenado pela empresa, levar resultados prontos de exames que você mesmo
conduziu mostrando que sua performance é ótima.
Quando querem aprovar um medicamento, os fabricantes não são obrigados a
provar se a nova droga é melhor do que outros tratamentos já existentes; apenas
se funciona mais do que um placebo. E nem sempre eles precisam publicar todos
os testes feitos. Se mostrarem dois, já está de bom tamanho, mesmo se os
omitidos indicarem que o medicamento não faz efeito ou deixa mortos e
sequelados pelo caminho.
Não é de surpreender que a maioria das pesquisas bancadas pelo fabricante
seja favorável ao remédio avaliado. Um estudo das universidades Harvard e de
Toronto36 com todos os testes envolvendo as cinco principais classes de
medicamentos, realizados entre 2000 e 2006, quis saber se os patrocinados pela
indústria eram mais benéficos a ela. Das 546 pesquisas que os cientistas
examinaram, 84% dos estudos financiados pelos laboratórios tinham resultados
positivos sobre as drogas. Entre as pesquisas pagas pelo governo, 50% eram
favoráveis.
Em outra análise, um antidepressivo vendido no Brasil e não aprovado nos
EUA, a reboxetina, foi pego no antidoping37. Os pesquisadores encontraram 13
pesquisas envolvendo mais de 4 mil pacientes. Só 26% dos dados tinham sido
publicados, todos mostrando que o princípio ativo funcionava melhor do que
placebo e era tão eficaz quanto outras do mercado. Adivinhe o que os outros 74%
indicavam? Que o novo remédio ou era pior que os equivalentes ou tinha o
mesmo efeito de pílulas de açúcar.
Se você tira uma selfie desfavorável à sua imagem, o que faz? Tira outra, para
ver se sai bonito na foto dessa vez. É mais ou menos isso que acontece com os
testes de remédios.
Boa parte dos estudos é feita comparando o medicamento com placebo, para
ver se o remédio que vai abocanhar parte do seu salário é melhor do que um
naco de farinha. Mesmo se o estudo incluir um medicamento concorrente, dá
para testar dosagens inadequadas do comprimido adversário, para que ele se saia
pior. Se eu quero lançar um anti-inflamatório, que é um tipo de remédio
conhecido por irritar estômagos, posso comparar uma dose baixa do meu produto
com uma maior do concorrente e concluir que o dele causa hemorragia e o meu
não faz nem cócegas.
Vale ainda terminar a pesquisa antes do prazo se ela mostrar logo no começo
certa vantagem para o seu produto. Dá até para continuar só com os voluntários
que recebem o remédio do concorrente e ver se alguém ali sofre um efeito
colateral que mereça menção honrosa nos resultados. Também pode testar o
remédio em grupos menos doentes, em vez de pessoas que apresentam
complicações comuns ligadas à doença que a droga pretende tratar 38. Assim, os
resultados serão melhores.
Por essas, testes comparativos financiados pelo fabricante têm 20 vezes mais
chances de favorecer a nova droga 39. É como escolher a foto em que só você
ficou bem e ainda marcar o resto do pessoal, para destacar sua beleza
hegemônica.
Outro jeito de sair bem na selfie farmacêutica é escolher um bom filtro. No
caso, maquiar as palavras da bula. Em vez de dizer “Este antibiótico pode matar
na hora”, melhor optar por “reações de hipersensibilidade anafilactoides sérias e
ocasionalmente fatais têm sido relatadas”.
Claro, não faria sentido ser alarmista, senão ninguém mais coloca um
comprimido na boca e a saúde pública volta aos níveis da Idade Média, quando
qualquer unha encravada podia significar a amputação do seu pé, dada a
ausência de antibióticos. Medicamentos devem ser usados quando os benefícios
superam os riscos e a probabilidade de curar ou conter a doença é maior do que
a chance de sofrer prejuízos com a droga. Espalhar a insegurança seria
irresponsável. Por outro lado, também é irresponsável deixar de prestar
informações claras sobre os efeitos colaterais de qualquer medicação. Estamos
diante de uma questão que merece mais debates, no mínimo.
De qualquer forma, um caso que ganhou destaque nos EUA depois da
divulgação de uma troca de e-mails entre executivos da indústria 40 trouxe à tona
essa discussão. As mensagens eram sobre um remédio para esquizofrenia e
transtorno bipolar, o Seroquel, relacionado a um risco maior de ganho de peso e
aumento da quantidade de glicose no sangue:
“O principal fator é o aumento de 3 a 3,5 quilos em 52 semanas. Não sei como
você vai torcer isso; portanto, espero que o time possa resolver focando no
metabolismo da glicose, que vai amplamente desenfatizar a parte do ganho de
peso.”
Ora, se eu prescrevo um comprimido sabendo que o paciente vai engordar e
ainda conviver com açúcar extra passeando na circulação, preciso receitar
também dieta e exercícios físicos para diminuir as chances de obesidade e
diabetes, e pedir exames específicos para acompanhar a saúde cardiovascular e
os índices de glicose, colesterol, triglicérides. Sem a clareza desses efeitos
colaterais, fica complicado evitar que uma droga trate um problema sem causar
outros dois — tão ou mais graves.
Por que os cientistas envolvidos nas pesquisas não colocam a boca no
trombone sobre essas artimanhas? Porque, muitas vezes, são proibidos por
contrato de revelar qualquer dado sem a permissão do patrocinador. Os
laboratórios podem estabelecer cláusulas de confidencialidade e outras que dão a
eles pleno poder para interferir no processo, usar somente parte dos dados
coletados e aprovar o relatório final.
Por que então os médicos, antes de receitarem remédios, não recorrem a
artigos publicados em jornais sérios e independentes (alguns são patrocinados
pela indústria) em vez de se basear apenas em testes feitos com a intenção de
aprovar as drogas?
Existem milhares de veículos médicos com dezenas de artigos publicados a
cada edição. Para ler só os artigos relevantes que saem a cada mês, um médico
precisaria dedicar 29 horas por dia 41. Mesmo para os profissionais que investem
boa parte da rotina para se atualizar, é difícil separar o joio do trigo.
BASTIDORES INGLÓRIOS
Pedir ao departamento de marketing para dar um tapa no relatório final de um
teste clínico antes da publicação é uma prática comum (e dentro da lei) na
indústria farmacêutica. Como pega mal se o redator publicitário coassinar um
trabalho científico, os laboratórios submetem o estudo a um médico contratado
ou a um profissional de prestígio no mercado para que ele apenas revise e assine.
O documento enviado às revistas científicas (publicações especializadas que
divulgam os testes para a classe médica) vai com o nome do profissional de
saúde. É como se ele estivesse fazendo o papel de garoto propaganda do remédio
— e você nunca vai saber quanto ele embolsou com o trabalho.
Quando você vê na TV o George Clooney tomando café e seduzindo geral,
sabe que ele recebeu para isso. Provavelmente, o poder de atração dele é o
mesmo com chá, pinga ou leite de magnésia, não importa. A relação comercial
está clara e quem tira as conclusões sobre a credibilidade do que vê é o
consumidor. Se você não se sentir mais sexy tomando o mesmo café que o
Clooney, isso não vai trazer prejuízos a não ser para a sua autoestima.
Da mesma forma, quem deve avaliar o impacto de uma possível informação
tendenciosa sobre um remédio é quem prescreve. Porque pode ter armadilha até
mesmo onde não se espera.
O anestesista americano Scott Reuben, por exemplo, enganou até os grandes
laboratórios. Referência no tratamento da dor aguda, ele descobriu que um tipo
de anti-inflamatório era tão eficiente quanto anestésicos derivados da morfina
para controlar a dor no pós-operatório. Com a vantagem de que não causava
dependência, o que era um achado e tanto. Para fazer estudos clínicos que
comprovassem a teoria, Reuben entrou em contato com fabricantes de anti-
inflamatórios pedindo financiamento.
Os resultados animadores foram publicados em revistas de divulgação
científica e influenciaram milhares de médicos e pacientes pelo mundo. Afinal,
anestésicos da classe da morfina geralmente têm alto poder viciante e muitos
efeitos colaterais. Se existia uma alternativa melhor atestada por um expert, por
que não adotá-la? Porque as pesquisas nem tinham sido feitas. Era tudo puro
engodo. Reuben embolsou a grana, dando um chapéu nos laboratórios que o
contrataram.
Em 2010, ele foi condenado por inventar pelo menos 21 estudos e a devolver
mais de US$ 300 mil para a Pfizer e US$ 50 mil para a Merck42.
O caso mais trágico envolvendo médicos que assinam estudos de terceiros foi
o da talidomida. A droga, lançada na Alemanha Ocidental em 1957, era bem
popular em mais de 40 países, incluindo o Brasil, para tratar insônia, tensão,
náusea e, principalmente, enjoo matinal em gestantes. Os ginecologistas
recomendavam o medicamento porque os testes do fabricante indicavam que ele
não tinha nenhum efeito colateral. Na Alemanha daquela época, cabia ao
fabricante garantir e se responsabilizar pela segurança. Sobre eficácia, então,
ninguém falava.
A disseminação da talidomida entre as gestantes levou a farmacêutica
Richardson-Merrell a pedir aprovação da droga no mercado americano para
tratar náusea na gravidez. Com o pretexto de realizar testes clínicos enquanto o
trâmite não se desenrolava no FDA, a empresa distribuiu milhões de
comprimidos para mais de 1.200 médicos, a maioria ginecologistas, e buscou
aliados nos consultórios para assinar estudos.
Quem topou foi o obstetra Ray Nulsen, que emplacou um artigo no American
Journal of Obstetrics Gynecology 43 em 1961 atestando que o remédio era seguro
e funcionava para gestantes. A assinatura era dele, mas o conteúdo foi feito pelo
diretor médico da farmacêutica.
No mesmo ano, um pediatra alemão relatou ter identificado 150 casos de
bebês com más-formações relacionadas à talidomida, como a focomelia, em
que os braços e as pernas não se desenvolvem. Metade das mães tinha tomado a
droga no primeiro trimestre da gestação, quando os enjoos são mais frequentes.
Um único comprimido era suficiente para causar deformidades. Dez dias depois,
o medicamento começou a ser retirado do mercado.
A partir de 1965, a droga voltou a ser administrada em muitos países, como o
Brasil, sob controle especial para tratar complicações de hanseníase. Mais tarde
vieram a proibição para mulheres em idade fértil que não usam contraceptivos e
a liberação de uso em pacientes com aids, lúpus, alguns tipos de câncer e outras
doenças.
O caso da talidomida foi fundamental para que as agências reguladoras
endurecessem as regras de aprovação de medicamentos, mas não a de
promoção de remédios para quem provavelmente não precisa deles, como
vamos ver em seguida.
QUANDO VOCÊ DESCOBRE
que virou hipertenso, mesmo que a sua pressão arterial tenha permanecido
igual nos últimos 15 anos, significa que baixaram a linha de corte para a doença.
Q uem decide se a sua taxa de açúcar no sangue, a pressão, o colesterol e a
densidade óssea podem ser considerados normais são comitês de especialistas,
médicos que são referências em suas áreas e que desenvolvem pesquisas em
universidades de ponta.
Bom, a lógica de baixar a linha de corte é que doenças crônicas matam milhões
a cada ano — antecipar os cuidados pode ser melhor do que deixar o estrago
correr solto. E isso é ótimo. Mas será que essas decisões sofrem influência da
indústria farmacêutica? Tudo indica que, pelo menos em parte, sim.
DIABETES
Antes de 1997, diabéticos eram aqueles que, em jejum, tinham uma taxa de
açúcar no sangue maior do que 140. Depois, o nível baixou para 12644, porque
quantidades acima disso já podem trazer danos ao organismo. Da noite para o
dia, essa pequena mudança transformou 1,7 milhão de saudáveis em diabéticos
só nos EUA45, sem contar os novos pré-diabéticos, com glicemia em jejum
entre 100 e 125.
Pessoas com fatores de risco, que antes eram consideradas normais, estão
sendo tratadas como doentes. É que elas ficam no grupo limítrofe, flertam com o
problema sem namorar. Como não dá para saber quem vai mesmo assumir
compromisso, a ordem é acompanhar todo mundo. Mas acompanhar e medicar
são verbos bem diferentes.
Parâmetros laboratoriais não querem dizer que todos devam tomar uma droga
para forçar seus indicadores a caber neles. Existem níveis aceitáveis para cada
paciente, que o médico procura manter sob controle. Porque, às vezes, a
normalidade induzida pode ser perigosa, como indicou um estudo do National
Institutes of Health com 10.251 pacientes com diabetes tipo 2 e alto risco de
ataque cardíaco e AVC46.
Os participantes foram separados em dois grupos. Um recebeu terapia
medicamentosa intensiva para baixar a taxa média de glicose ao normal, e outro
seguiu a terapia padrão, para ficar em níveis aceitáveis, mas ainda acima do
ideal. O objetivo era acompanhar a evolução clínica dos voluntários durante seis
anos, de 2003 a 2009. Só que a pesquisa foi interrompida na metade porque tinha
muita gente morrendo… entre os pacientes da terapia intensiva.
Os cientistas observaram que tentar baixar a glicose à normalidade aumentou
em 22% o risco de morte e não diminuiu a possibilidade de ataques cardíacos e
AVC.
O chefe do comitê que tinha recomendado os novos índices de glicemia, veja
você, era consultor das farmacêuticas Aventis, Bristol-My ers Squibb, Eli Lilly,
GSK, Novartis, Merck e Pfizer 47. Todas elas fabricam remédio para diabetes.
O segundo medicamento mais vendido no Brasil em 2015 foi um para tratar
níveis anormais de açúcar no sangue. Só perdeu para um soro que desentope o
nariz. Mas o prêmio de droga lícita mais lucrativa do ano coube à losartana
potássica, para hipertensão.
PRESSÃO ALTA
Houve tempo em que pressão alta era acima de 16. Hoje, até 13,9 dá para
aceitar. A ideal é a 12 por 8. Em 2003, um comitê americano batizou quem tem
pressão normal, entre 12 e 13,9 por 8 a 8,9, como pré-hipertenso. Até aí, vale a
lógica de monitorar pacientes limítrofes e recomendar mudança de estilo de vida
para diminuir as chances de desenvolver a doença. A coincidência é que
começaram a surgir estudos em jornais renomados mostrando que a terapia
farmacológica fazia maravilhas para os limítrofes. Um deles48 reuniu vários
Ph.Ds de universidades americanas e durou quatro anos.
Nos primeiros dois anos, pré-hipertensos que tomaram remédio tiveram 66%
menos chance de ter alta na pressão em comparação com quem mandou ver no
placebo. O número é vistoso, mas quer dizer o seguinte: a maioria dos
participantes que recebeu medicação para baixar a pressão teve a pressão
baixada. Ok. Nos outros dois anos, todo mundo ficou só na pílula de açúcar. Ao
final da pesquisa, 53% dos que tinham tomado a droga na primeira etapa
desenvolveram hipertensão, contra 63% do time do placebo.
A conclusão dos cientistas foi de que o medicamento reduziu as chances de
pressão alta. Será que essa pequena diferença justifica passar a vida tomando
remédio para evitar uma doença que leva você a passar a vida tomando
remédio? É uma boa pergunta para o seu médico.
Mas, surpresa: o estudo foi feito por uma fabricante de remédio para
hipertensão. Oito dos 11 médicos que assinaram a pesquisa eram consultores e
palestrantes de mais de um laboratório.
Um deles, na época membro da diretoria de uma farmacêutica, declarou
receber “apoio financeiro” de 14 empresas de medicamentos. Outro era
contratado da fabricante que pagou pela pesquisa. Dois deles fizeram parte do
grupo que definiu em 2003 novos parâmetros de diagnóstico e tratamento de
pressão alta 49, recomendando o uso de novas drogas — que tiveram a eficácia
contestada depois. Nesse time, oito dos nove pesquisadores declararam ter
ligações com a indústria. O presidente do comitê tinha prestado serviços para
cinco grandes empresas e uma das médicas recebeu verba de pesquisa de 21
fabricantes, deu consultoria para sete e era diretora de um laboratório de
biotecnologia que faz produtos para diagnósticos médicos.
Essas relações perigosas se repetem em muitas outras doenças.
COLESTEROL ALTO
Em 2004, o Programa Nacional de Educação para o Colesterol (NCEP, na sigla
em inglês), dos EUA, baixou a régua dos pacientes que precisam tomar remédio
todo dia. A recomendação foi de prescrever medicação para homens e mulheres
saudáveis com “colesterol ruim”, o LDL, entre 100 e 129 ou entre 70 e 100 para
quem tem doença cardíaca, independentemente da idade 50.
Aí você pega seu exame de sangue e vê que colesterol entre 100 e 129 é
“desejável”, e abaixo de 100 para quem tem doença cardíaca também. Assim,
fica difícil acompanhar essa história.
Foi o que pensaram 35 pesquisadores independentes e médicos de hospitais e
universidades que estão entre as instituições mais respeitadas do mundo. Eles
encaminharam ao NCEP uma petição50 cobrando uma revisão isenta do painel
que decidiu os novos parâmetros para o colesterol ruim, porque o NCEP
inicialmente omitiu que oito dos nove médicos envolvidos recebiam dinheiro da
indústria. “Esses conflitos de interesse certamente poderiam afetar o julgamento
dos autores e minar a confiança pública no relatório”, observaram no
documento.
O ponto principal é que recomendar para todos esses milhões de novos
pacientes a ingestão diária de estatinas, a terapia medicamentosa padrão contra
colesterol alto, pode não ter fundamento.
A petição questionou as cinco pesquisas — financiadas pelas farmacêuticas —
que serviram de base para as decisões do comitê: “Esses alvos mais baixos de
LDL são justificados por evidências científicas? Mesmo aceitando a
interpretação de estudos feitos pelos próprios fabricantes (e sem ter acesso à
totalidade dos dados), nossa análise mostra que muitas recomendações não são
suportadas pelas evidências mais recentes”.
Estatinas são drogas que fazem o corpo produzir menos colesterol e ajudam
muita gente a despistar ataques do coração e AVC, principalmente quem tem
predisposição genética para desenvolver colesterol alto. Em geral, esse remédio
é eficiente e seguro, mas entre os efeitos colaterais estão danos musculares que
causam fraqueza, câimbras, espasmos e rigidez. Mulheres, idosos, diabéticos e
pacientes que exageram no álcool ou tomam outras medicações têm mais
chance de enfrentar esses problemas. Como esses grupos de risco tendem a ficar
de fora de estudos controlados para a aprovação de medicamentos, justamente
por terem mais chances de complicações, recomendar remédio para todo
mundo pode ser mau negócio.
OSSOS FRÁGEIS
Mulheres de meia-idade sabem: de uma hora para outra, muitas delas passam a
precisar de comprimidos de cálcio e vitamina D para prevenir osteoporose.
Ossos não são tão durões quanto aparentam. Eles vivem se renovando — e é
graças a isso que a gente se recupera de um dedo quebrado ou um joelho
trincado. Lá pelos 30 anos de idade, a produção de novas células atinge o pico e
depois começa a cair, até que a taxa de perda celular supere a de reposição. Ou
seja: a quantidade de osso que chega não repõe a que vai embora e a estrutura se
torna mais porosa e suscetível à quebra.
Esse processo não é rápido. Ossos porosos só costumam se tornar um
problema a partir dos 60, 70 anos. Ou melhor, costumavam. Em 1992, a
Organização Mundial da Saúde (OMS) promoveu um evento, patrocinado por
laboratórios farmacêuticos, que reuniu dezenas de especialistas para discutir
como prevenir o surgimento de fraturas causadas pela osteoporose 51. Se
houvesse uma forma de detectar antes a tendência para a doença, talvez fosse
possível brecar o avança dela.
Para tanto, foi preciso decidir o que é um osso propenso à osteoporose, e o que
não é. O comitê escolheu como padrão a densidade de mulheres brancas entre
20 e 29 anos, período em que a atividade celular está no auge e os ossos, tinindo.
Por que mulheres brancas? Elas têm mais chances de sofrer da doença.
O estrogênio tem efeito protetor sobre os ossos. Como a taxa desse hormônio
despenca a partir da menopausa, as portas para a osteoporose nas mulheres
ficam mais abertas. Nos homens, a função protetora está a cargo da testosterona,
e os problemas só tendem a aparecer quando eles passam dos 65, mais ou
menos. Além disso, a densidade óssea é cerca de 30% maior neles.
Foi assim que a saúde dos ossos passou a ser medida segundo parâmetros que
levam em consideração faixa etária, sexo e etnia comparados aos indicadores de
um grupo de mulheres brancas jovens.
Se a sua densidade óssea é parecida com a delas, o exame aponta que seu
índice é zero. Padrão. Se a densidade é maior, pode chegar a 1, 2 ou 3. Quando é
menor, vai para menos 1, menos 2, menos 3. Essa escala recebeu o nome de T
score, o índice T.
Com o envelhecimento, a densidade naturalmente diminui e começa a se
distanciar do padrão. Se você tem 50 anos e a sua massa mineral é comparada
com a de uma mulher 20 anos mais jovem, isso dá um número negativo, claro.
Mas existem níveis baixos que podem indicar osteoporose, definida pela OMS
como índice T igual ou menor que menos 2,5.
Ossos são feitos de cálcio — e a vitamina D ajuda na absorção do mineral.
Logo, aumentar a quantidade dessas substâncias no organismo parece ser uma
solução contra a doença. Mas a própria OMS admite que somente colocar mais
cálcio na estrutura pode não resolver o problema das fraturas na idade
avançada 52. Especialistas dizem que a qualidade da massa, e não só a quantidade
do mineral, é determinante.
Inquestionável mesmo é o crescimento do mercado de equipamentos,
diagnósticos e venda de suplementos e remédios para aumentar a densidade
óssea, principalmente depois de 2003, quando estabeleceram que quem tem
índice T a partir de menos 2 também precisa ser tratado com pílulas. Essa
decisão colocou mais 7 milhões de mulheres na mira da terapia medicamentosa
só nos EUA.
E quem tem entre menos 1 e menos 2? Está livre de passar na farmácia? Não.
Foi estabelecida uma nova condição médica para homens e mulheres, chamada
osteopenia, que é a diminuição da massa óssea, uma “pré-osteoporose”. A pré-
doença pode ser um convite para que médicos adotem um procedimento padrão:
prescrever remédio para todo mundo. Tudo bem, porque vitaminas e minerais
não fazem mal nem a uma mosca, certo?
Não temos certeza sobre as moscas, mas, no corpo humano, doses altas de
qualquer substância são perigosas. Aumentar a quantidade de vitamina D e cálcio
sem acompanhar os efeitos no organismo pode levar a danos nos músculos,
nervos, ossos e, principalmente, nos rins.
Os remédios de primeira linha para prevenção e tratamento, os bisfosfonatos,
têm entre seus efeitos colaterais dor incapacitante de músculos e ossos, úlceras
de esôfago, aumento de ocorrências de necrose do osso da mandíbula e fraturas
do fêmur 53.
Em 2013, a Anvisa recomendou54 que a prescrição de fármacos seja limitada
a casos confirmados de osteoporose com alto risco para lesões. A base da decisão
foram estudos que indicaram não haver diminuição das chances de fratura nos
grupos que receberam bisfosfonatos. Além dos riscos que todo medicamento
traz, não existem pesquisas que mostrem o que acontece no corpo depois de
quatro anos de uso contínuo dessa classe de remédios.
Esses dados todos, claro, não diminuem a importância de detectar e prevenir
doenças incapacitantes. Mesmo assim, vale redobrar o cuidado para evitar
efeitos colaterais de remédios e vitaminas artificiais que não são tão inócuos
quanto parecem. Até porque, não faz muito tempo, cocaína e heroína também
eram considerados medicamentos com desvantagens irrelevantes — como
vamos ver agora, no capítulo 5.
BEBÊ QUE CHORA
demais à noite? Morfina nele. Dor de dente? Cocaína. Tosse, heroína. Anemia
infantil, cerveja. Esses eram alguns dos remédios mais populares do século 19.
Era uma época em que não havia agências reguladoras. A Anvisa é uma
adolescente, nascida em 1999. O FDA, a Anvisa dos EUA, começou a tomar
corpo em 1906, mas só vingou a partir de 1938, depois que um antibiótico com
solvente altamente tóxico chegou às prateleiras americanas sem passar por
testes e causou envenenamento em massa e mais de cem mortes. Até então, os
remédios entravam no mercado sem comprovação de segurança e eficácia. Os
fabricantes nem precisavam revelar os ingredientes da fórmula. E aí surgiam
produtos como este aqui, anunciado em jornais, revistas, livros de receitas e
capas de calendário nos EUA:
“Você é perturbada à noite e tem seu descanso interrompido por uma criança
doente sofrendo e chorando com a dor do nascimento dos dentes? Resolva de
uma vez e compre um vidro do Xarope Tranquilizante da Sra. Winslow. Vai
acabar com o problema do coitadinho imediatamente. Cura diarreia, regula o
estômago e o intestino, sara cólica, suaviza a gengiva, reduz a inflamação, dá
tônus e energia para todo o organismo.”
A ASPIRINA DE TUTANCÂMON
Os cientistas do século 19 tinham outro interesse botânico além das papoulas: as
folhas de um arbusto franzino, a Erythroxylum coca. Mascadas e usadas em
infusões pelos índios andinos em rituais religiosos, eram consumidas também
pelos nativos para vencer as dores de cabeça causadas pela altitude elevada,
combater a exaustão, reduzir o apetite e acalmar o estômago castigado pela
fome.
Depois que os europeus passaram a usar as folhas em formulações medicinais
e um químico alemão isolou um dos compostos ativos da planta, dando a ele o
nome de cocaína, a substância virou o ingrediente da moda em remédios e
tônicos. Um deles recebeu até um selo papal de qualidade pelas propriedades
terapêuticas, com chancela do papa Leão 13: o Vinho Mariani, criado por um
químico francês. Era uma bebida à base de álcool e extrato de folhas de coca
que prometia recuperar rapidamente a saúde, a força, a energia e a vitalidade, e
era indicado para “acelerar a convalescença, especialmente depois da gripe” e
“fortalecer, estimular e revigorar o corpo e a mente”.
De carona nesse sucesso, o médico e farmacêutico americano John
Pemberton criou sua própria versão do fortificante alcoólico em 1884. Só que o
vinho francês de coca do sr. Pemberton tinha ingredientes a mais, como o extrato
de um fruto africano rico em cafeína que os escravos comiam para suportar o
trabalho pesado e as dores.
As vendas iam bem para Pemberton, mas os americanos enfrentavam há
tempos uma epidemia de abuso de álcool e as comunidades se engajaram para
pressionar os governos pela proibição de bebidas alcoólicas. Antes que o país
decretasse a Lei Seca, em 1920, várias regiões tinham criado legislações
próprias. Foi o que aconteceu em Atlanta, onde Pemberton atuava. Ele tirou o
álcool da fórmula em 1886, colocou água gaseificada e mudou a marca, que
ganhou o nome dos dois ingredientes principais: a planta andina, coca, e o fruto
africano, a noz de cola. Estava criado o refrigerante mais famoso do mundo.
A Coca-Cola começou a carreira como um “tônico cerebral” vendido em
farmácias para curar vários males, de cansaço, nevralgia e dor de estômago a
histeria, dor de cabeça e melancolia. A fórmula conteve cocaína até os primeiros
anos do século 20. A partir dali, as folhas da planta continuaram na receita, mas
sem cocaína. A dose recomendada para náusea e vômito era de uma ou duas
colheres de chá, ou de acordo com a orientação médica.
Mas esses fortificantes não davam barato. Ferver ou mascar a planta é
diferente de consumir cocaína processada. Uma folha tem de 0,5% a 2% de
cocaína. São necessários 240 quilos de folhas da planta, 50 litros de solventes e 1
quilo de substâncias oxidantes para produzir menos de 1 quilo de pó, o cloridrato
de cocaína. Significa que a droga é o princípio ativo concentrado, fruto do
mesmo linchamento químico que faz nascer a maior parte dos medicamentos.
Você deve ter vários tipos de pó branco extraídos de alguma planta dentro do seu
armário.
Remédios são versões industrializadas da natureza. Nossos ancestrais
aprenderam que mascar certas plantas quando surgia dor ou indisposição dava
certo. Animais fazem isso, como o seu cachorro, que mantém firme a mania
ancestral dos lobos de comer mato quando bate uma dor de estômago. A
diferença é que nós, em vez de continuar comendo mato por tentativa e erro, não
só descobrimos quais eram as plantas (e fungos) mais eficazes como passamos a
isolar e refinar seus princípios ativos em forma de pós digeríveis.
O mais famoso desses pós é o ácido acetilsalicílico, mais conhecido como
aspirina, uma versão moderna do chá de casca de salgueiro que Tutancâmon
tomava.
O salgueiro fazia parte dos ingredientes farmacêuticos do Egito Antigo, listados
no Papiro Ebers, de 1550 a.C., considerado como o tratado médico mais
importante da Antiguidade. A planta é rica em salicilina, substância com
propriedades anti-inflamatórias.
Foi só no século 19 que os pesquisadores descobriram que a salicilina era
convertida em ácido salicílico no organismo. Apesar de eficiente, causava
irritações graves no estômago e no intestino. Os cientistas então decidiram
modificar a substância, juntando a ela um grupo de compostos chamado acetila.
Aí, sim, a droga ficou mais branda e passou a ser mais tolerada pelo corpo —
embora continue, até hoje, se estranhando com as mucosas. O processo,
parecido com a transformação da morfina em heroína, resultou no ácido
acetilsalicílico. Quem deu o nome comercial famoso foi a Bay er, que lançou,
em 1899, o remédio à base de outra planta rica em salicilina, do gênero Spiraea,
e o batizou de Aspirina.
Heroína, cocaína e aspirina são exemplos de como a farmacologia é um jogo
de tentativa e erro — coisa que, no fundo, ela continua sendo.
FREUD EXPLICA
A cocaína era considerada uma alternativa não viciante para curar dependentes
de morfina e álcool. A droga foi também o primeiro anestésico local, por isso
estava entre os ingredientes de pastilhas e gotas para dor de dente e garganta.
Pequenas cirurgias, como as de olho e nariz, eram feitas com soluções de
cocaína. Depois vieram os derivados da mesma família, como a benzocaína e a
xilocaína.
Existem relatos médicos da época contando casos de tratamento de febre
tifoide, pneumonia, asma, anemia grave e tuberculose com a substância. Até o
médico Sigmund Freud usou a droga para tentar livrar pacientes de males físicos,
como a dependência de morfina e álcool, e psíquicos, como a depressão. Para
isso, fez uso, ele próprio, da cocaína diluída em água e relatou a experiência em
quatro artigos publicados. O primeiro deles foi o Über Coca57 (Sobre a coca), de
1884:
Demorou pelo menos 11 anos para Freud perceber que a droga milagrosa
matava, e que em vez de cura trazia dependência crônica. Mais tarde, depois da
Convenção Internacional do Ópio, assinada em 1912, os países começaram a
reprimir o consumo de cocaína, ópio e derivados. A proibição foi criando um
mercado ilegal, e o resto desse drama culminou na explosão do consumo, da
população carcerária e da violência ligada ao crime organizado.
No mundo dos fármacos, o jeito foi tentar outra substância, que fosse eficaz,
mas não viciasse nem tivesse poderes recreativos. Vejamos o que temos aqui…
as anfetaminas, claro. A droga começou a ser produzida em laboratório para ser
usada como descongestionante nasal e broncodilatador.
O primeiro remédio de anfetamina foi a Benzedrina, popular a partir de 1930.
Os efeitos colaterais do medicamento eram tirar o sono, o cansaço e a fome. Por
isso, serviu de estimulante das tropas na Segunda Guerra Mundial. Até médicos
das Forças Armadas americanas adotavam para uso próprio. Um folheto
encaminhado a eles com um cupom para ser recortado dizia o seguinte:
Feridas na pele
Fraqueza extrema
Debilidade física
Hemorroida
Queimaduras
INGREDIENTE Uma rã.
Queimaduras 2
Dor de cabeça
Coriza
INGREDIENTES Pão com leite de uma mulher que acabou de dar à luz um
filho.
Constipação
MODO DE USAR Cozinhar com óleo e mel para ingestão durante quatro
manhãs.
Enrijecimento abdominal
Calvície
Gula
“O Xarope Tranquilizante da Sra. Winslow deve ser usado sempre que os dentes
das crianças começarem a nascer. Traz alívio imediato para o pequeno sofredor.
Promove um sono natural e tranquilo salvando a criança da dor, e o pequeno
querubim desperta ‘tão brilhante quanto um botão de flor’. Tem um gosto muito
agradável. Acalma a criança, suaviza as gengivas, afasta toda a dor, libera a
respiração, regula o intestino e é o melhor remédio conhecido para diarreia, seja
decorrente do quadro dental, seja de outras causas. À venda por todos os
farmacêuticos em todo o mundo.”
GOTAS DE COCAÍNA
Propriedades maravilhosas
MALZBIER
“Eu era assim [figura de um homem idoso]. Cheguei a ficar quase assim [figura
de uma caveira]. Sofria horrivelmente dos pulmões, mas, graças ao Jatahy
Prado, o rei dos remédios brasileiros, poderoso remédio contra tosse, bronquite,
asma e rouquidão, consegui ficar assim [figura de um bigodudo estilo Tom
Selleck, o Magnum], completamente curado e bonito. Garanto, sob minha
palavra de honra, a todos que sofrem de tosse e rouquidão, que fiquei
completamente curado desses males com Xarope de Alcatrão e Jatahy do sr.
Honorio do Prado, bem como tenho aconselhado a todas as pessoas de minha
amizade esse medicamento. Tenho obtido sempre bons resultados.”
CLORIDRATO DE HEROÍNA
O mais barato alívio
“Para cansaço da mente e do corpo. Feito com folhas frescas de coca e o mais
puro vinho. Recomendado para nevralgia, insônia, abatimento, etc. Como tônico
e revigorador, é sempre seguro, agradável e certeiro, sendo preparado com o
máximo de habilidade e precisão a partir das mais frescas folhas de coca e do
mais puro vinho.”
GLICO-HEROÍNA
Melhor que morfina
gente morrendo de overdose de remédios prescritos nos EUA do que por abuso
de coca e heroína somados60. A maior parte dos casos tem a ver com remédios
derivados da morfina, como a codeína, a metadona e a oxicodona, e, em menor
grau, de calmantes que podem estar no seu armário, como o Rivotril e o
Valium. Entre 1999 e 2010, o número de óbitos por overdose de remédio
cresceu 400% entre as mulheres e 265% entre os homens61. Esse aumento
maior entre o público feminino acontece porque elas são mais propensas a
desenvolver dor crônica e usar a medicação forte por períodos mais longos,
criar dependência mais rapidamente e obter receitas de vários médicos
diferentes, o que facilita uma interação medicamentosa fatal. No Brasil, as
mulheres representam 62% dos casos de envenenamento por medicamentos62.
Aliás, remédios são a principal causa de intoxicação por aqui, superando os
produtos de limpeza e os agrotóxicos62. Dos 99.035 casos notificados em 2012,
último período avaliado pelo Sistema Nacional de Informações Tóxico-
Farmacológicas (Sinitox), 27.008 foram de remédios — quase três em cada dez.
O mais alarmante é que bebês de 1 a 4 anos de idade são a faixa etária com
maior ocorrência na comparação com as outras definidas na pesquisa. Eles
chegam a 28% dos casos, quase o dobro do segundo maior grupo, entre 20 e 29
anos. Bom, depois vêm os acidentes com escorpiões (12.494) e o uso de drogas
de abuso (7.998), que podem causar dependência, como cocaína, heroína, crack
e álcool.
A cultura da automedicação e da autoprescrição ajuda a entender esses
números. Nos últimos cinco anos, foram 60 mil internações hospitalares no
País63 motivadas pelo uso de remédios sem acompanhamento profissional. Uma
pesquisa do Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade Industrial64 mostrou que
a automedicação faz parte da rotina de 76,4% dos entrevistados acima de 16
anos. Cinco em cada dez carregam comprimidos para tomar quando surge
algum incômodo; 16,5% usam analgésicos toda semana. Considerando apenas os
jovens entre 16 e 24 anos, nove em cada dez compram frequentemente
remédios sem qualquer orientação médica. Quanto mais escolaridade, maior o
consumo por conta própria. Metade dos entrevistados com ensino fundamental e
84,8% dos que completaram o ensino médio dispensam a consulta antes de
passar na farmácia.
A gente faz isso porque tem a sensação de estar o tempo todo no controle da
situação. É só não exagerar na dose, certo? Nem sempre, porque exagerar na
dose não é tão difícil assim em alguns casos. O paracetamol, por exemplo.
Digamos que, para superar um resfriado, você decida recorrer a 750 mg de
paracetamol (um Ty lenol) para dor e febre, bem menos do que a dose máxima
considerada segura, que fica entre 3 e 4 gramas por dia. Para potencializar o
efeito, sua conclusão é de que não custa nada complementar com um antigripal
para desentupir o nariz. São mais 400 mg de paracetamol. Esses dois remédios
quatro vezes ao dia resultam em 4,6 gramas da droga, o que já traz risco de lesão
hepática irreversível e morte. Mas os casos de overdose costumam acontecer
com remédios bem mais potentes do que o paracetamol.
Os ansiolíticos viram suas vendas crescer em mais de 400% entre 1996 e
201365 nos EUA. A prescrição de remédios dessa classe, os benzodiazepínicos
(vamos chamá-los de “benzos”, como eles são conhecidos entre os íntimos),
aumentou 67% nesse período e a quantidade média em miligramas consumida
subiu 140%. Significa que as doses estão mais altas ou as pessoas estão usando
por mais tempo.
Em 2013, três em cada dez mortes por remédios envolveram calmantes. Isso é
uma surpresa, porque o que costuma acontecer em casos de superdosagem de
benzo é o paciente dormir até passar o efeito. A dose alta dificilmente mata,
como ocorria com os tranquilizantes mais antigos, os barbitúricos, da família do
Gardenal. Esses tiraram a vida de muitos famosos e anônimos entre as décadas
de 1950 e 1970. Marily n Monroe e Judy Garland, a Dorothy de O Mágico de Oz,
sofreram overdose desses remédios.
Então o mais provável é que as pessoas hoje estejam usando ansiolíticos de
forma errada — misturando mais de um deles ou tomando com analgésicos ou
álcool em excesso, por exemplo.
Tranquilizantes deprimem o sistema nervoso central. Se ingeridos com álcool
ou outras substâncias que também diminuem as funções do organismo, como
alguns antidepressivos e remédios para dor, um potencializa o efeito do outro — e
o sistema cardiorrespiratório pode parar.
ANALGÉSICOS Q UE MATAM
O número de intoxicações e mortes entre quem mistura benzo e analgésicos
triplicou entre 2004 e 201166 nos EUA em todas as faixas etárias acima de 17
anos. Mas não estamos falando de quaisquer analgésicos, e sim daqueles da
família da morfina: os opioides.
Entre as mulheres, o coquetel de benzodiazepínicos e analgésicos barra pesada
tem sido um problema crescente 67. E as grávidas, naturalmente, são o grupo que
mais deve receber atenção. Esses remédios, assim como o álcool, o tabaco e
drogas ilícitas, atravessam a placenta e afetam o bebê, podendo causar um
conjunto de problemas chamado síndrome de abstinência neonatal (SAN). O
recém-nascido passa por um sofrimento parecido com o de um ex-viciado no
processo de desintoxicação e tem distúrbios físicos ou mentais. Entre 2000 e
2009, o número de SAN aumentou quatro vezes.
Remédios tarja preta para dor são a principal causa das mortes por overdose
entre as mulheres67. Em segundo estão os calmantes benzodiazepínicos, seguidos
por antidepressivos. Só depois vêm cocaína e heroína. Para cada uma que perde
a vida pelo uso de analgésicos prescritos nos EUA (e são 18 por dia só naquele
país), 30 vão parar no pronto-socorro. As mulheres entre 25 e 54 são as que mais
sofrem intoxicação. Já a maioria das vítimas fatais está na faixa entre 45 e 54.
Não é difícil entender por que, para homens e mulheres, a situação pode sair
tanto do controle. Quando a morfina e outros analgésicos da classe dos opioides
entram na circulação, a sensação é de leveza. Prazer. No cérebro, nos músculos
e nos intestinos, o medicamento finge ser uma substância natural anestésica que o
corpo produz, a endorfina, nossa morfina interior. O sofrimento evapora.
O processo poderia parar depois que a doença foi controlada ou curada. Mas
vários pacientes continuam, não exatamente por falta de força de vontade. É que,
em poucas semanas, o organismo diminui a produção de endorfina, até ficar
próxima de zero. Claro, dizem as células, já tem bastante analgésico nadando no
sangue.
Na primeira tentativa de se livrar do remédio, surgem dores que mais
parecem castigo, porque não há mais anestésico natural circulando. Podem
acontecer câimbras no abdômen, diarreia, vômito, náusea, insônia, taquicardia,
hipertensão, suor frio. É preciso acompanhamento médico para diminuir
gradualmente a dose, ou entrar com um químico substituto, que atenue a falta dos
anestésicos naturais e ajude a atravessar o período de desintoxicação — um
exemplo é a metadona, um medicamento sintético que age exatamente como os
derivados do ópio, mas é absorvido de forma mais lenta pelo organismo e não
causa crises de abstinência tão graves.
O objetivo de remédios como a metadona é desacostumar o corpo
gradualmente àquelas doses grandes de analgésicos que emulam a endorfina e
ajudá-lo a restaurar a produção natural da substância. Pode ser um longo e
doloroso calvário. Até por isso, muitos desistem da recuperação no meio do
caminho e continuam com os opioides.
RECOMPENSAS EM SÉRIE
O vício é inerente ao Homo sapiens. É que, você sabe, existem coisas na vida que
dão prazer. Elas acionam o centro de recompensa do cérebro, ligado aos nossos
instintos de preservação dos genes, e liberam dopamina, a substância que inunda
o corpo com uma sensação gostosa que leva à repetição da experiência. Fazer
sexo, comer e aquecer o corpo ao sol liberam dopamina. É um mecanismo sábio
da natureza para que a espécie produza descendentes, não morra de fome e não
congele. Mas esse centro de recompensa tem sido enganado. Se uma droga
libera a produção de dopamina, o cérebro fica salivando por ela. E quem fisga o
centro de recompensa muito bem é a heroína. Outros que não deixam a desejar
são a cocaína, os analgésicos da família da morfina, o álcool e, em grau bem
menor, os calmantes e os estimulantes como a Ritalina, usada no tratamento do
transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH).
Cada substância age em maior ou menor intensidade, dependendo da
quantidade do princípio ativo, da forma como ela funciona e de como o
organismo responde. Mas o que determina mesmo o poder viciante de uma
substância é a relação entre a dose ingerida, a via de administração, o tempo
para chegar ao pico de ação e a demora até a eliminação.
Se a droga é absorvida rapidamente — por exemplo, injetada na veia em vez
de consumida por via oral —, vai começar a fazer efeito quase imediatamente e
atingir o ápice num tempo mais curto. Quando a excreção também é ligeira, o
corpo pede uma nova remessa logo para repor a que sumiu. Para minimizar o
desejo pela próxima dose, a indústria tem investido em versões de analgésicos e
calmantes de liberação lenta, que levam 12, 18 horas para começar a perder o
efeito — intervalo suficiente para que o comprimido seguinte chegue antes da
sensação de que não vai dar para aguentar.
A repetição do uso pode levar o organismo a se acostumar com a droga. Aí,
são necessárias doses cada vez maiores para alcançar o mesmo efeito. Os
médicos chamam isso de tolerância.
Quantidades grandes de opioides no sangue são uma cilada. Eles deprimem
com maestria o sistema nervoso central, diminuindo a atividade dos centros da
dor e da vigília. Basta passar um pouco da quantidade terapêutica para reduzir
também a atividade de regiões que controlam a respiração, a pressão e os
batimentos cardíacos.
Ansiolíticos modernos também podem levar à tolerância, à dependência física
e a outros males, como perda irreversível de memória (vamos falar mais sobre
isso no capítulo 8, sobre ansiedade).
Livrar-se dos ansiolíticos depois de usá-los diariamente por mais de três meses
não é fichinha. “A retirada brusca da medicação causa tremores, taquicardia,
sudorese, insônia, diarreia, ansiedade”, diz o psiquiatra Márcio Bernik,
coordenador do Ambulatório de Ansiedade do Hospital das Clínicas, em São
Paulo.
A síndrome de abstinência leva muita gente a usar remédios tarja preta por
anos a fio sem precisar. Porque, como acontece com o vício em heroína,
cocaína, crack ou mesmo tabaco, chega uma hora em que o objetivo é evitar as
sensações ruins que a falta do medicamento traz.
É justamente aí, quando o ansiolítico passa a fazer parte da rotina, que
aumentam as chances de achar que está no controle, quando, na verdade, esse é
o momento em que você coloca tudo a perder. E passa a correr o risco de se
tornar mais uma vítima.
VÍTIMAS FAMOSAS
Prince, músico
O BATERISTA do The Who tinha sérios problemas com álcool. Ele estava em
tratamento para deixar o copo e tomava clometiazol, sedativo receitado pelo
médico para ajudá-lo a vencer as crises de abstinência. Mas Moon não largava a
bebida. No dia 7 de agosto de 1978, ele deu uma entrevista ao vivo no programa
matinal de TV Good Morning America e chocou o apresentador ao dizer que
passava a maior parte do tempo “incrivelmente bêbado”. Um mês depois, foi
encontrado morto com 32 cápsulas do remédio no estômago, após passar a noite
em uma festa organizada por Paul McCartney. O caso de Moon levou vários
psiquiatras a se posicionar contra a prescrição de clometiazol por longos períodos
e para pacientes que não estejam em ambiente hospitalar. É que o remédio vicia
e o risco de overdose por excesso ou uso com álcool é enorme.
PARE DE LER este livro agora e coloque para tocar uma música de Nick Drake.
Pode ser Day is Done. Eu espero. Você vai entender melhor essa história se, em
vez de ler, sentir como era a personalidade do cantor e compositor, que só não
virou um grande astro em vida porque a timidez e o medo da rejeição eram mais
fortes do que ele. Drake fazia tratamento contra a depressão. Um dia, foi dormir
depois de compor em sua cama e não acordou mais. A causa da morte foi
intoxicação por amitriptilina, um antidepressivo com alto risco de morte em
superdosagens e que é um dos líderes de venda dessa classe no Brasil. A família
afirmou que Drake estava bem, melhor do que nunca naquelas semanas. Se ele
quis tirar a própria vida ou foi vítima do remédio é uma dúvida que vai pairar
sempre sobre o músico e outros tantos que morrem durante o tratamento de
depressão severa.
MUITA GENTE pensa que a causa foi overdose de heroína, mas o laudo da
autópsia diz: Jimi Hendrix morreu afogado no próprio vômito, provocado por
uma intoxicação causada pelo barbitúrico secobarbital, o calmante mais popular
da época. Com alto poder viciante, o remédio virou droga de abuso entre vários
famosos. Um ano antes de Hendrix, a atriz e cantora Judy Garland, a Dorothy do
musical O Mágico de Oz, havia sido vítima do excesso da substância, aos 47 anos.
E tem mais. O que você chama de TPM pode ser transtorno disfórico pré-
menstrual se os sintomas a seguir aparecem uma semana antes da menstruação,
melhoram depois do início e se tornam mínimos ou ausentes depois que ela
termina. Anote aí: mudança de humor, irritabilidade ou raiva acentuadas ou
aumento nos conflitos interpessoais, humor deprimido acentuado, sentimentos de
desesperança ou pensamentos autodepreciativos, ansiedade acentuada, tensão e
sentimentos de estar nervosa ou no limite. E também interesse diminuído pelas
atividades habituais, sentimento subjetivo de dificuldade de se concentrar,
letargia, fadiga fácil ou falta de energia acentuada, alteração acentuada do
apetite ou avidez por alimentos específicos, muito sono ou insônia, sentir-se
sobrecarregada ou fora de controle… Não acabou: sensibilidade ou inchaço nas
mamas, dor articular ou muscular, sensação de inchaço ou ganho de peso.
Quem sente cinco ou mais dessas manifestações em pelo menos dois ciclos
menstruais no ano é candidata ao transtorno mental listado no DSM. Publicado
pela Associação Americana de Psiquiatria (APA), o manual detalha sintomas,
comportamentos, traços de personalidade e sinais físicos dos pacientes, que
servem para embasar decisões de tratamento. Cada edição é elaborada por
comitês de dezenas de especialistas que são referências em suas áreas e se
reúnem durante anos em grupos de estudos. O número mais recente, o DSM-5,
lançado em 2013, levou 12 anos para ficar pronto.
O DSM não fez fama só por classificar problemas comuns em distúrbios
psiquiátricos. Parte do que está escrito ali veio da necessidade de aumentar o
conhecimento médico sobre males da mente, que não aparecem nos exames de
sangue nem na ressonância magnética.
E não precisa ir muito longe para puxar o fio dessa meada. Vamos até 1945,
fim da Segunda Guerra Mundial. Psiquiatras ligados às Forças Armadas
americanas constataram um aumento de doenças mentais entre os ex-
combatentes. Os hospitais não sabiam lidar com nove entre dez casos que
acometiam os veteranos, porque havia diferenças entre os males dos civis e os
dos que passaram pelos campos de batalha. Quem vê a guerra de perto pode ter
de lidar por anos, senão pela vida toda, com flashbacks de cenas de destruição e
morte, paranoia e incapacidade de voltar a se inserir no ambiente familiar, social
e profissional.
Foi preciso, então, ampliar o pouco que se conhecia sobre os problemas e
padronizar a nomenclatura deles, para facilitar a troca de informações médicas e
estabelecer uma base unificada de dados.
A Organização Mundial da Saúde já tinha um documento próprio, a
Classificação Internacional de Doenças (CID). Mas ele não contemplava
adequadamente os distúrbios psíquicos. Foi então que a Associação Americana
de Psiquiatria lançou o DSM, em 1952, com 132 páginas. Ali havia indicações
genéricas de sintomas e das possíveis causas e influências socioculturais.
Ninguém deu muita bola para essa nem para a segunda versão. Até que
chegou o DSM-3, em 1980. Saíram indicações como “o quadro paranoico é
particularmente isolado de grande parte do fluxo normal de consciência”, e
entraram comportamentos como o “transtorno de personalidade paranoide”, que
acomete quem “suspeita, sem fundamento, estar sendo explorado, maltratado ou
enganado pelos outros” e que “guarda rancores persistentes”.
Critérios antes obscuros viraram sintomas objetivos, daqueles que a gente lê e,
num ato de imprudência juvenil, vai marcando mentalmente para saber se
cumpre os pré-requisitos de alguma insanidade. O que estava escrito passou a
servir de base não só para o trabalho dos psiquiatras, mas para a indústria
farmacêutica desenvolver remédios, operadoras de convênios médicos
reavaliarem a lista de cobertura de doenças e tribunais decidirem quem pode
responder por crimes e quem é mentalmente incapaz.
O manual virou a maior referência mundial no diagnóstico e tratamento de
distúrbios mentais e influenciou até o CID, da OMS.
O peso da publicação é grande. Nos EUA, as pessoas correm o risco de ser
recusadas em processos seletivos e em solicitações de planos de saúde por
preencherem critérios de uma doença mental reconhecida pelo DSM. Mesmo
que seja transtorno disfórico pré-menstrual.
Cada vez que uma revisão é publicada, acontece um boom de novas doenças
que passam a ser detectadas nos consultórios. Em 1980, foi o transtorno bipolar.
Em 1994, quando saiu o DSM-4, veio uma enxurrada de pacientes com
transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. O TDAH já era reconhecido
em outras versões do manual, mas nesta houve uma ampliação dos critérios, o
que fez aumentar o número de diagnósticos.
Isso tem um lado bom. O transtorno bipolar é uma das maiores causas de
suicídio no Brasil. Leva a picos de estados mentais que tornam os pacientes mais
vulneráveis a tirar a própria vida. Com o TDAH não é diferente. O transtorno
pode paralisar a ponto de impedir que alguém estude, entregue uma tarefa no
trabalho ou compareça a qualquer compromisso agendado. Já o stress pós-
traumático deixou há décadas de ser sinônimo de trauma de guerra e se infiltrou
fortemente no mundo civil.
Quando males que trazem grande sofrimento e prejuízos por períodos longos
são documentados, o entendimento sobre eles aumenta. A discussão sobre formas
eficientes de tratá-los cresce e o preconceito contra eles diminui, ainda que a
passos lentos.
Se você pega sarampo, fica com febre de 39 graus e o corpo pintado de
vermelho. Ninguém vai dizer que é frescura. Se contar que tem depressão, ainda
há quem confunda essa condição com mera falta de força de vontade. Por isso,
quando bem utilizado, o manual serve como norte, mas não veredicto. Embora
nada disso signifique que o DSM esteja a salvo do marketing das farmacêuticas.
BEBÊS BIPOLARES
O interesse da indústria no conteúdo desse guia médico tem um motivo óbvio: o
DSM virou o maior vendedor de remédios do planeta. Quem faz essa crítica é
um renomado psiquiatra americano, que trabalhou por 20 anos nas revisões do
DSM e dirigiu a equipe responsável pelo DSM-4, norteador de práticas na área
mental no mundo todo. O nome dele é Allen Frances71.
Frances me contou que, antes de publicar o DSM-4, ele e a equipe rejeitaram
incluir 92 das 94 sugestões de novos transtornos por falta de embasamento
científico. “Qualquer diagnóstico adicional tem potencial de causar danos
inesperados, porque se alguma coisa no DSM puder ser mal-usada, ela será mal-
usada”, disse.
Mesmo com o cuidado para não ampliar demais o número de desordens, o
detalhamento que o DSM-4, de 1994, estabeleceu sobre elas ao longo de 886
páginas foi ainda mais determinante para uma inflação de diagnósticos pouco
embasados. E por colocar nas listas de mais vendidos remédios tarja preta, como
antipsicóticos, desenvolvidos para tratar esquizofrenia.
O pai do DSM-4 diz que os laboratórios se basearam nas definições genéricas
do manual para adaptar o uso de medicamentos e promover essas doenças como
“subdiagnosticadas” entre crianças e adolescentes. Não por acaso, remédios para
menores de 18 anos de idade formam um belo filão. São um novo mercado a ser
explorado, já que o adulto está abarrotado de opções.
Bom, a partir do DSM-4, a quantidade de crianças diagnosticadas com
transtorno bipolar subiu 40 vezes. Triplicou o número de adolescentes e crianças
(muitas com 3, 4 anos de idade) tomando tarja preta para TDAH. Frances alerta:
“Talvez 2% ou 3% das crianças tenham hiperatividade e desatenção
suficientemente graves para justificar o diagnóstico e o uso de remédio. Mas
estamos rotulando e medicando 15% delas e deixando de fora quem realmente
precisa de tratamento”.
Quando a equipe colocou no DSM-4 a síndrome de Asperger, distúrbio que,
resumidamente falando, caracteriza pessoas com dificuldades de interação
social, Frances esperava um crescimento de 15% nos diagnósticos. Mas o
aumento foi de 1.900% — 20 vezes mais.
Associações de pacientes patrocinadas por fabricantes de medicamentos
passaram a divulgar o novo mal em eventos direcionados aos pais. Até que… o
DSM-5 tirou o Asperger da lista — faz parte do jogo, porque o manual é um livro
dinâmico, em constante revisão e, por isso, é passível de trocas e correções. Mas
e todas aquelas pessoas diagnosticadas com a síndrome? Aconteceu uma
realocação e elas passaram a ser classificadas como portadoras de transtorno do
espectro autista, uma fusão entre os diagnósticos ligados ao autismo até então.
Outros distúrbios relacionados a comportamentos de crianças e adolescentes
podem ser mal conduzidos por médicos. Como o transtorno de oposição
desafiante. O paciente precisa apresentar pelo menos quatro destes sintomas:
perde a calma com frequência; é sensível ou facilmente incomodado; é raivoso
ou ressentido; questiona figuras de autoridade (no caso de crianças e
adolescentes, os adultos); desafia acintosamente ou se recusa a obedecer a regras
ou pedidos de autoridades; incomoda deliberadamente; culpa outros por seus
erros ou mau comportamento; foi malvado ou vingativo pelo menos duas vezes
nos últimos seis meses. Em suma: um profissional despreparado pode
tranquilamente enquadrar pessoas sem nenhum problema psiquiátrico como
portadoras do distúrbio.
A nova edição do DSM também tem mudado o conceito de luto. Agora, ficar
triste por mais de duas semanas pode indicar transtorno depressivo maior. No
DSM-3, o período aceitável era de um ano. No 4, dois meses. “Na próxima
edição, serão duas horas”, diz, brincando a sério, o pesquisador dinamarquês
Peter Gotzsche, diretor da divisão nórdica do centro Cochrane, grupo global de
cientistas que fazem revisões independentes de estudos da área da saúde.
A última edição, o DSM-5, abriu as comportas para o uso excessivo de drogas
psiquiátricas para combater problemas emocionais comuns. “Antigamente, a
prática médica era pautada por um modelo biológico e psicossocial. Ele fornecia
a imagem mais completa da natureza humana e guiava melhor as decisões de
tratamento”, diz Allen Frances. “Infelizmente, as duas vertentes se separaram e
houve um reducionismo. Cada uma capta apenas uma parte da verdade sobre a
mente.”
Para ele, o tempo e a terapia são melhores do que a medicina na maioria dos
distúrbios psiquiátricos leves e moderados. Mas pacientes com problemas graves
geralmente precisam de medicação, porque estão em risco de psicose, suicídio e
delitos que levam à prisão ou à vida nas ruas. “Estamos supermedicando quem
não tem necessidade”, diz Frances.
Não é por acaso. Muitos profissionais dos comitês do manual ganham verbas
de pesquisa e outros incentivos dos laboratórios. No DSM-5, sete em cada dez
membros tinham ligação com a indústria farmacêutica. Nos grupos responsáveis
por incluir, tirar e reformular desordens em que o tratamento com remédios é a
primeira escolha, como depressão, o número chega a 100% 72.
CABEÇA FEITA
A Década do Cérebro. Foi assim que os americanos chamaram os anos 1990. E
não foi modo de dizer. O governo sancionou uma lei instituindo que até 1999
destinaria verbas mais gordas para estudos sobre o sistema nervoso e daria
incentivos fiscais para empresas que investissem nisso.
Foram centenas de pesquisas com células nervosas ligadas a eletrodos e
banhadas com neurotransmissores. Dezenas de seres humanos se dispuseram a
ter os miolos vasculhados por aparelhos de imagem.
O trabalho permitiu investigar melhor o funcionamento dos neurônios e a ação
de substâncias químicas cerebrais, produzindo um avanço mundial no
conhecimento sobre doenças como epilepsia, Parkinson e Alzheimer.
Mesmo assim, os males que mais afetam as pessoas, como ansiedade e
depressão, continuam sem respostas. “A neurociência básica deu um salto na
parte técnica e permanece fornecendo um olhar fascinante sobre o
funcionamento do cérebro. Mas até agora não livrou um único paciente de um
transtorno mental”, afirma Frances.
É que cérebro não é como o dedão do pé, que mal sabe se mexer sem levar os
outros quatro junto. Esse território entre suas orelhas é uma loucura, com 86
bilhões de células nervosas capazes de fazer trilhões de conexões e liberar
borrifos de substâncias químicas distintas, em quantidades variadas, cada vez que
conversam. E não falta assunto ali.
Quando se está diante de uma ameaça, o papo interneuronal é regado a
noradrenalina e adrenalina; o corpo fica em estado de alerta. Quando você come
chocolate, o tom da conversa muda para dopamina e serotonina, traduzidos como
prazer e bem-estar. Talvez a serotonina ajude a diminuir o sofrimento de quem
tem depressão e ansiedade. A dopamina e a noradrenalina podem estar
envolvidas no TDAH. Por isso, muitos remédios mexem com a disponibilidade
dessas substâncias no organismo.
O mais intrigante nesses processos é que cérebro tem RG. Não existem dois
iguais. Embora sua cabeça venha de fábrica com configurações básicas, a
intensidade e a forma exata como essa comunicação acontece são únicas,
moldadas de acordo com fatores internos, como a expressão dos genes, e
externos, como o ambiente e as experiências ao longo da vida. Daí a dificuldade
em dar o diagnóstico ideal. Mas isso não significa que estamos perdidos. É o que
veremos na parte 2 deste livro, logo a seguir.
VAMOS COMEÇAR
pelo final, para ninguém aí querer pular até a última página deste capítulo.
Ansiedade não é doença. Ela deixa o organismo em alerta e melhora a
capacidade de funcionar bem sob forte stress. A vida moderna está sempre
provocando esse sentimento para que ele saia das profundezas e cause
problemas, mas existem vários caminhos para domá-lo quando a coisa foge do
controle. Pronto, agora podemos sair do futuro, o lugar preferido dos ansiosos,
e dar uma chegada até a Pré-História, onde tudo começou.
Tinha dois caras atravessando a savana, um ansioso e um tranquilão. De repente,
o ansioso para, arregala os olhos e sai correndo. Quando o tranquilão vai
perguntar o que foi, já era: vira almoço de um predador.
Essa piada mórbida é baseada em fatos reais vividos pelos nossos ancestrais. A
moral da história é que a ansiedade pode ter sido fundamental para a
preservação da espécie, porque aumenta a capacidade de avaliar riscos
iminentes e diminui as chances de morte por alguma ameaça à espreita. É um
mecanismo de defesa em três fases.
Primeiro vem a antecipação do risco, quando você tem a sensação de que
pode estar em perigo. O cérebro liga o alerta amarelo da hipervigilância, recruta
os neurônios para vasculhar a área ao redor, processar as informações coletadas,
ir até os arquivos guardados no setor da memória, cruzar os dados e produzir
relatórios complexos de probabilidade e estatística.
Também é preciso coordenar a liberação de hormônios para que as partes
subalternas do corpo se preparem para iniciar, caso necessário, o procedimento
seguinte. Tudo isso em milésimos de segundo.
A ameaça em questão pode ser um filhote de tatu ou um tigre-dentes-de-sabre.
Ninguém tem essa informação ainda. Mesmo assim, o cérebro prefere ser frio e
calculista: se você sair correndo, vai gastar 100 calorias em 2 quilômetros. Se
pagar para ver, botará umas 480 mil calorias — seu corpo todo — em risco.
Quando chega a confirmação de que tem mesmo um bicho escondido ali
perto, mas ainda não existe perigo iminente de destruição do organismo, vem o
alerta vermelho. Hora de acionar o protocolo M, do medo.
A produção de adrenalina vai a mil. O coração acelera, a respiração se torna
ofegante. O sangue circula menos pela pele e mais para os músculos, que
ganham força máxima para defender o reino. O suor aumenta para o organismo
não superaquecer e o sistema digestivo é inibido, porque não é hora de pensar em
batatas fritas. A saliva fica no volume morto e a boca seca. O foco se volta inteiro
para a situação. É preciso reagir rápido.
Nessa hora, há duas escolhas: “congelar” de medo, na tentativa de passar
despercebido quando o predador chegar, ou tocar sebo nas canelas, em fuga. Se
tudo der errado, vem a terceira fase, a do pânico.
Quando você percebe que o bichão ali não está de brincadeira, sirenes
imaginárias tocam no último volume. É hora de lutar ou morrer.
Esse mecanismo de deixar o corpo em alerta é bom. Vira problema quando
fica exacerbado, gerando um estado de apreensão crônica. É quando surgem
constantemente pensamentos relacionados a perigos iminentes, reais ou
imaginários. O processo de antecipação de situações ruins fica ligado o tempo
todo e desencadeia aquelas reações físicas e emocionais envolvidas, como foco
no problema, congelamento ou reação de fuga.
Isso pode evoluir para a preocupação excessiva ou irreal com os problemas do
cotidiano, ataques de pânico, obsessão, compulsão e fobias, como o medo
incontrolável de dirigir, sair de casa e ter interação social.
Aí, acabou-se vantagem competitiva. O ansioso deixa de ser mais apto a tomar
decisões ligeiras. Um estudo da Universidade de Tel Aviv 78 indicou que os não
ansiosos são dotados de um sistema de alerta precoce, porque notam sinais sutis
de ameaças com antecedência e conseguem se preparar para reagir a elas. Já os
ansiosos têm a percepção global menos afiada e deixam escapar pequenas
mudanças no ambiente ao redor. Provavelmente, porque a mente deles está
focada em um problema futuro ou imaginário, e não no presente. Com a atenção
apontada lá para a frente, eles são sempre surpreendidos ao perceberem que o
perigo chegou perto. A ansiedade seria uma tentativa de compensar a falta de
sensibilidade, deixando o organismo em alerta permanente para não virar
almoço nem jantar.
O sentimento patológico é sempre negativo e prejudicial, porque fica tão forte
que interfere em atividades no trabalho, nos estudos e na vida pessoal. Quem
sofre com esses transtornos está sujeito a dores musculares e de cabeça,
dificuldade para relaxar, cansaço permanente, tremores, inquietação, insônia,
irritabilidade, taquicardia, suor excessivo, tontura, digestão lenta e diarreia.
Nada a ver com aqueles momentos bons em que a gente se diz ansioso, mas
está mesmo é na expectativa de fazer a viagem dos sonhos ou receber uma
encomenda. “O paciente com transtorno de ansiedade acorda e vai dormir com
a sensação de que algo ruim está para acontecer”, diz o psiquiatra Márcio Bernik,
coordenador do Ambulatório de Ansiedade do HC. “Isso leva a uma série de
limitações na vida que predispõem a outros males. Quase metade dos pacientes
evolui para um quadro depressivo ou fadiga crônica. É comum eu atender
pessoas que me dizem carregar o mundo nas costas, sustentar a família, ter dois
ou três empregos. Elas contam que, antes, davam conta de tudo. Mas depois
cansaram, chegaram ao limite.”
É, tem muita gente nessa levada. Apesar de não precisarmos mais nos livrar
de animais famintos, lidamos com muitos outros predadores.
TERRA EM TRANSE
Não dá para dizer que a gente viva a Era da Ansiedade. Lidar com situações
extremas é uma prática constante para a nossa espécie. Pense nas multidões que
enfrentaram a peste bubônica no século 14, doença que dizimou um terço da
população europeia, nas epidemias de sífilis entre os séculos 16 e 20, nas duas
Grandes Guerras, na Gripe Espanhola de 1918, que matou pelo menos 50
milhões de pessoas em um ano.
Talvez o que aconteça hoje seja o aumento da exposição a agentes que
desencadeiam a ansiedade, porque convivemos com o excesso de informação.
Sete em cada dez brasileiros assistem à TV e olham o smartphone ao mesmo
tempo, de acordo com uma pesquisa feita pelo Instituto Ipsos para o Google
Brasil. A estimativa é de que mais de 30 milhões de usuários no País consumam
mídia em três telas diferentes — TV, celular e computador, tudo junto. Na
França são 19 milhões; no Reino Unido, 16 milhões.
A tecnologia nos transformou em seres hiperconectados e sempre disponíveis.
Lemos e-mails do trabalho em casa, trocamos mensagens de madrugada,
passamos horas (antes destinadas ao descanso) vendo textos e imagens. Sabemos
de crimes e desastres em tempo real, mesmo que aconteçam do outro lado do
mundo.
A superestimulação deixa todo mundo acelerado, mais suscetível a sofrer com
predadores bem mais perigosos: as poucas opções de lazer, a falta de acesso à
educação e a violência.
São Paulo é a cidade com maior incidência de transtornos mentais entre todas
as pesquisadas pela Organização Mundial da Saúde em 24 países. Três em cada
dez habitantes da região metropolitana apresentaram pelo menos um distúrbio
nos 12 meses anteriores à pesquisa Megacity 79. Os transtornos de ansiedade
foram os mais comuns, com 19,9%. A alta urbanização com opções reduzidas de
entretenimento e a baixa inclusão de boa parte da população explicam parte
desses males.
As mulheres que vivem em regiões mais pobres, com pouco ou nenhum
acesso à inclusão social, têm mais chance de desenvolver problemas afetivos e
de humor, como a depressão. Em geral, o público feminino sofre mais com
alguns tipos de males mentais. Pode ser por causa das alterações hormonais
durante o mês, com o sobe e desce de progesterona e estrogênio, que deixa as
emoções mais vulneráveis. Ou então porque as pressões sociais para que elas
desempenhem com perfeição os papéis de mãe, esposa e profissional funcionem
como uma carga pesada, que abre portas para os distúrbios.
Já os homens que migram de outras cidades e passam a morar em áreas
precárias estão mais propensos do que a média a ter transtornos de ansiedade.
Baixa escolaridade é outro fator de risco para ambos os sexos. Mas o verdadeiro
tigre-dentes-de-sabre moderno tem sido a violência.
Uma pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) mostrou que
80% dos 2.700 paulistanos entrevistados tinham sido expostos a situações de
violência ou trauma. De 10% a 15% deles desenvolveram o transtorno do stress
pós-traumático, quando a vítima passa a recordar permanentemente a
experiência, a se isolar e a desenvolver sintomas físicos, como dificuldade de
concentração.
Não há estudos com dados padronizados, mas dá para supor que essa seja uma
realidade nacional. A taxa de homicídios no Brasil é quatro vezes maior do que a
média mundial. Os homens são os mais atingidos, com índice dez vezes maior do
que o das mulheres. Dentro de casa, são elas que sofrem com a violência. Uma
em cada cinco brasileiras já foi espancada pelo marido, namorado ou ex.
Em alguns casos, pode ser que a mente não dê conta de se recuperar dos
baques. Aí a ajuda profissional é bem-vinda. Mas, segundo o estudo Megacity, só
três em cada dez pessoas que sofrem com transtornos mentais incapacitantes
procuram atendimento médico. Pode ser pelo estigma que os males psiquiátricos
ainda carregam, pode ser pela má fama que os remédios construíram ao longo
do tempo.
XAROPE DA PAZ
Depois que a humanidade tratou a ansiedade com morfina, pinga e heroína,
alguém na indústria farmacêutica decidiu colocar fim nessa esbórnia inventando
o calmante sintético.
Calmantes liberam a produção do principal depressor do sistema nervoso
central, o ácido gama-aminobutírico (Gaba). Resumindo em palavras nada
técnicas, eles grudam nos canais por onde escoam o Gaba e deixam a substância
vazar, para causar o efeito sedativo e deixar o corpo menos sensível a tantos
estímulos internos e externos.
Os barbitúricos, muito usados desde o começo do século 20 até a década de
1960, fazem isso de um jeito tosco, metendo o pé na porta e segurando para ela
não fechar. Como a passagem fica aberta, se a quantidade dessas moléculas
indelicadas for grande, vira uma inundação que leva ao coma e à morte. Por
isso, uma linha tênue separa a dose terapêutica e a tóxica. Hoje, a indicação dos
barbitúricos costuma ser para crises convulsivas que não respondem a outros
tipos de medicamentos, anestesias e procedimentos de eutanásia animal e
humana.
Os benzo são os sucessores mais gentis desses calmantes. Eles abrem e
fecham a porta constantemente para o Gaba passar, sem encharcar o recinto.
Por isso é bem menor o risco de morte por overdose, a não ser quando
combinados com outros depressores.
O Rivotril se tornou o mais famoso dessa família porque custa menos do que os
concorrentes no Brasil e, quando surgiu, era uma das poucas opções de
calmantes com meia-vida longa. Meia-vida é o tempo que leva para metade da
quantidade do remédio ser metabolizada pelo corpo. Dali em diante, o efeito
começa a diminuir. Tem remédio de ação muito curta, curta, média e longa,
dependendo da função dele. O Dormonid começa a perder efeito a partir de 1
hora, porque é usado como pré-anestésico em cirurgias — não precisa durar
mais tempo. O Rivotril leva pelo menos 18.
A ação prolongada torna confortável a administração, porque não termina nem
cedo demais — o paciente não volta a sentir os efeitos da ansiedade no meio da
noite ou do dia —, nem tarde demais, com a sedação por um tempo maior do
que o desejado. Mas o fato de serem mais cômodos e seguros não significa que
não causem mal. Os perigos são vários.
Assim como os barbitúricos, eles levam à tolerância, quando é preciso uma
dose cada vez maior para produzir o mesmo efeito, e à dependência física.
A síndrome de abstinência causada com a retirada ou diminuição brusca do
medicamento ou depois de mais de dois meses de uso é complicada, como a
gente viu no capítulo anterior. Inclui psicose, ansiedade extrema, tremor,
convulsão, insônia, confusão mental, dor de cabeça.
Os benzo também interferem no aprendizado. Imagine o seguinte: toda vez que
você está diante de uma situação aversiva ou estressante, como falar em público
ou conquistar alguém no bar, os neurônios que dão expediente atrás da sua testa,
no córtex pré-frontal, trabalham duro para manter o raciocínio lógico e controlar
estruturas que geram a ansiedade, como a amígdala. Se essa experiência for
repetida várias vezes, chega uma hora em que os miolos aprendem.
Enfrentar esses momentos apenas sob o efeito da droga ou do álcool priva o
cérebro do aprendizado. Ele não encontra um jeito de dar conta das emoções,
porque está sempre bêbado quando elas aparecem.
Para pacientes que precisam saber lidar com situações que desencadeiam
crises de ansiedade, mascarar o processo é ruim. Ainda mais porque parte
importante do tratamento é a terapia focada na mudança de padrões de
pensamento.
Assumir as emoções é um jeito eficiente de domar a ansiedade, mostrou um
estudo da Universidade da Califórnia em Los Angeles80. Os pesquisadores
reuniram quatro turmas de voluntários com fobia de aranhas e, durante uma
semana, botaram na frente deles uma caixa com uma tarântula dentro — olha
que maldade…
O primeiro grupo tinha de dizer uma frase com palavras negativas que
resumisse as emoções que estava sentindo. Algo como “Estou paralisada com
esse monstro que vai pular na minha cara em dois segundos”.
O segundo devia usar só expressões neutras: “Sou mais forte do que essa
peluda”. O terceiro falou coisas irrelevantes, sobre móveis de casa (“Na minha
geladeira tem um pinguim de porcelana”), e o quarto foi proibido de abrir a
boca.
No fim, os cientistas mediram quão perto da tarântula cada um conseguia
chegar e qual o nível de ansiedade relatado nas conversas e observado em sinais
como sudorese e palpitação.
A expectativa era de que o grupo que tentou dar outro significado ao medo,
dizendo que a aranha não fazia tão mal assim, se saísse melhor, porque essa é a
abordagem clássica de muitas terapias. Mas quem venceu foram os sinceros, da
primeira turma. Os realizadores do estudo acreditam que verbalizar as sensações
negativas, em vez de tentar negá-las, pode ser mais eficiente no tratamento do
transtorno.
ANSIOLÍTICOS EM XEQ UE
O poder que os calmantes têm de mexer com a cabeça vai além de interferir no
aprendizado momentâneo. É possível que os problemas apareçam só lá na frente,
anos depois da primeira dose, com prejuízos de memória que podem ser
irreversíveis.
Pesquisadores canadenses e franceses encontraram indícios de que tomar
benzodiazepínicos por mais de três meses seguidos aumenta de 43% a 51% o
risco de desenvolver Alzheimer 81.
Isso é preocupante, porque a prevalência de uso dessa classe terapêutica entre
os mais velhos vai de 7% a 43% em países desenvolvidos. “Por causa dos riscos,
os mais jovens têm uma resistência aos benzo, o que é bom”, afirma Bernik. “A
cada ano, a média de idade dos usuários aumenta. São pacientes que fazem uso
há um tempo, muitos de forma errada e com tendência de administrar doses
cada vez mais altas por longos períodos.”
Mas ansiolíticos podem ser necessários, por exemplo, no início do tratamento
de quadros graves de ansiedade generalizada, no princípio do ataque de pânico e
por curto período quando não há resposta a outra classe de remédios. No restante
dos casos, outros remédios começaram a ser preferidos em relação aos
benzodiazepínicos de dez anos para cá. Como a nova geração de antidepressivos,
que nem é tão nova assim. São os inibidores seletivos de recaptação de serotonina
(ISRS). O pai deles é o Prozac, que chegou ao mercado em 1988.
A gente vai falar sobre antidepressivos mais para a frente, mas, para acabar
com a sua ansiedade, esses remédios funcionam assim: toda vez que um
neurônio libera uma substância, parte é captada por outro, parte é destruída e
parte volta para a célula nervosa. Os ISRS bloqueiam a retomada de serotonina e
fazem com que ela permaneça mais tempo em circulação. Isso tende a regular o
humor e aumentar a sensação de bem-estar.
Médicos acreditam que essa classe de antidepressivos pode ser mais eficiente
para tratar quem tem preocupação crônica, medo de se relacionar e tendência a
ficar ruminando pensamentos negativos. Os efeitos iniciais demoram a aparecer
— em média, de quatro a oito semanas — e podem agravar alguns quadros,
como transtornos do pânico.
A vantagem dos antidepressivos é que não causam dependência física. As
desvantagens vão de queda na libido e ganho de peso a risco de suicídio, passando
pelos sintomas que podem aparecer nos dias seguintes à retirada do remédio,
como irritabilidade, mal-estar generalizado, letargia, ansiedade e insônia. Você
começa tomando um comprimido e acaba com uma farmácia particular para
contornar os problemas que ele causa.
Outra aposta farmacológica são os antidepressivos que agem na
disponibilidade da melatonina, o hormônio que tem entre suas funções a de
regular o sono e o humor.
Mas a indústria está andando em círculos quando o assunto é sistema nervoso
central. A maioria das drogas se baseia em mecanismos revelados entre as
décadas de 1940 e 1960. Por isso, as pesquisas tentam achar novos caminhos,
tanto para medicamentos como para tratamentos que dispensam comprimidos.
O INTERRUPTOR DA ANSIEDADE
Cientistas da Universidade da Carolina do Norte 82 querem descobrir se a nossa
cabeça tem um botão de liga e desliga da ansiedade. Eles investigam proteínas
chamadas de receptores opioides Kappa (KOR, da sigla em inglês), que inibem a
produção de um neurotransmissor, o glutamato, relacionado ao humor, à dor e ao
sentimento de segurança. Ratinhos que tiveram os KOR desligados apresentaram
maior liberação de glutamato e, com isso, menores níveis de ansiedade.
Os KOR são antigos conhecidos da farmacologia. Eles estão envolvidos no
mecanismo de ação de alguns analgésicos e remédios para tratar o vício em
álcool e ópio. Se agem com eficiência e segurança no controle da ansiedade,
ninguém sabe.
REALIDADE VIRTUAL
Terapia com equipamentos de última geração é outra aposta da ciência. Com
fone de ouvido e equipamento visual que projeta imagens relacionadas aos
geradores de ansiedade, o paciente aprende, aos poucos, a lidar com esses
gatilhos. Os experimentos vêm sendo feitos na Universidade de Washington.
NEUROFEEDBACK
Essa prática é utilizada por muitos médicos, inclusive no Brasil, para tratar
problemas psiquiátricos, como transtornos de ansiedade, depressão e TDAH. O
paciente veste uma touca cheia de eletrodos, que mapeiam a atividade elétrica
do cérebro. O profissional compara os dados com padrões neurológicos e
identifica quais regiões apresentam função anormal de acordo com a idade e o
sexo.
Esse relatório serve de base para determinar o tipo de treinamento cerebral
que o paciente vai passar a fazer no computador. O problema é que estabelecer
protótipos de normalidade para os neurônios pode não funcionar, porque o
cérebro é de uma versatilidade incrível e se molda continuamente a novas
situações.
Por isso, quando o assunto é transtorno mental, a ciência está batendo cabeça.
Ainda mais quando entra em pauta a depressão, que a gente vai ver no próximo
capítulo.
1
Reassumir o controle
A mesma pesquisa inglesa indicou que seis em cada dez participantes se dizem
incapazes de ignorar o smartphone, o computador ou o tablet. Eles só conseguem
dar um tempo se tomarem uma atitude drástica: desligar os aparelhos. Mas aí, a
vontade de saber se estão perdendo algo aumenta — e a tendência é de voltarem
ao mundo online. A sensação de impotência é natural, dizem os pesquisadores.
Quem é predisposto a ter ansiedade vê a tecnologia como um fator de pressão. O
sentimento é de estar mais sobrecarregado e inseguro com tanta informação na
cabeça. Para sair dessa, a orientação é assumir o controle da situação e
estabelecer limites, mesmo que pequenos. Por exemplo, deixando de acessar e-
mails da empresa depois de sair do trabalho.
Ouvir música
Cientistas da universidade McGill, no Canadá 85, relataram que ouvir música
aumenta em 9% a produção de dopamina, relacionada ao prazer. O crescimento
é comparado a outras experiências que ativam o centro de recompensa do
cérebro, como a comida e o dinheiro.
A meditação Mindfulness, que quer dizer “atenção plena”, é uma prática budista
que o mundo ocidental transformou em tratamento de saúde. Adotada por
psicólogos e psiquiatras, ela não só relaxa como treina o foco para o presente,
efeito bem-vindo para ansiosos.
O forte dela é a simplicidade. Um dos exercícios é ficar sentado por um ou
dois minutos numa posição confortável — não precisa contorcer as pernas como
um praticante avançado de ioga — e prestar atenção apenas na sua respiração.
Dá para fazer na cadeira do escritório. Com o tempo, a ideia é que o cérebro
aprenda a lidar com o stress e a viver no hoje em vez do amanhã.
Cientistas da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, encontraram
indícios de que práticas meditativas por 30 minutos ao dia, principalmente a
Mindfulness, têm efeito semelhante ao de remédios usados para tratar ansiedade
e depressão leve e moderada 86. Eles chegaram a essa conclusão depois de
revisar 47 estudos clínicos envolvendo 3.515 pessoas.
SÓ QUEM TEM
A própria tristeza pode ter sido uma peça-chave para aprofundar laços sociais
e conseguir a cooperação do grupo. É o que defendem o biólogo evolucionista
Paul Watson, o psiquiatra Anderson Thomson e o antropólogo Edward Hagen.
Para eles, o sentimento é um sinalizador de que alguém está com dificuldades e
precisa de ajuda. Um estímulo à compaixão.
Outras teses87 e 88 defendem que a tristeza nos torna introspectivos, o que
facilita na hora de manter o foco e processar pensamentos. Ficamos ali
ruminando a situação, estabelecendo conexões com outros acontecimentos,
testando hipóteses mentalmente, antecipando possíveis dificuldades. Tudo isso
ajuda na hora de encontrar soluções para dilemas complexos.
Existe ainda a teoria da hierarquia, dos psiquiatras evolucionistas Anthony
Stevens e John Price. Viver em bandos nas savanas ou em baias no escritório
demanda habilidade para obedecer a alguém. Para facilitar a adaptação da
espécie à subordinação, nossa máquina genética teria fabricado a tristeza como
um sentimento de conformidade que permite acatar ordens e aceitar a natureza
das coisas.
Tem também a hipótese da múltipla escolha: é difícil se manter satisfeito
porque o mundo hoje oferece mais opções do que jamais ofereceu. E muitas
possibilidades significam também muitas perdas, e decisões aparentemente
erradas — isso pode ser frustrante.
A tristeza serviria ainda como um sistema de resfriamento do organismo
quando ele vem da fervura de longos períodos de stress. Filhotes de mamíferos
separados da mãe, por exemplo, passam por um estágio inicial de agitação e
depois entram em um parecido com o de luto. Ficam imóveis para não gastar
calorias, o que os ajuda a não chamar a atenção de predadores até a volta dela.
Ou seja: a tristeza, por esse ponto de vista, seria uma adaptação primordial para a
sobrevivência dos nossos antepassados.
Acontece que esse diferencial competitivo da tristeza pode sair do controle se,
em vez de recurso momentâneo, virar modo de ação permanente. É quando a
felicidade se muda para o passado e cada dia passa a ser um suspiro pela volta no
tempo. Trabalhar, estudar, sair e conversar tornam-se fardos pesados, porque
tudo o que se quer é ficar ali, focado em um dilema qualquer. E aí podemos estar
diante de um quadro de depressão — a doença incapacitante que deve se tornar a
mais comum no mundo até 2030, segundo a Organização Mundial da Saúde.
O Brasil está em terceiro lugar no ranking89 de 18 países com maior
prevalência de depressão. A porcentagem da população com pelo menos um
episódio do transtorno durante a vida é de 18,4% por aqui. Perdemos apenas para
a França (21%) e os EUA (19,2%). Mulheres, inclusive, podem ser mais
suscetíveis à doença, especialmente após o parto.
DEPRESSÃO PÓS-PARTO
Durante a gravidez, a quantidade de hormônios, como estrógeno e progesterona,
atinge seus maiores níveis. Essas substâncias influenciam a comunicação entre os
neurônios. Algumas horas depois do nascimento do bebê, os níveis caem
drasticamente e isso pode causar descontentamento e irritabilidade por algumas
semanas. A privação de sono quando o recém-nascido acorda muitas vezes por
noite também contribui para essas alterações de humor.
Mas, para algumas mulheres, a sensação não passa — piora e se torna
incapacitante. A mãe não consegue cuidar nem de si nem do filho, tem
dificuldade para fazer qualquer atividade, inclusive amamentar, e se sente cada
vez mais culpada por não ser capaz de lidar com a situação. É a depressão pós-
parto.
Quem faz uso excessivo de álcool, tem histórico de depressão na família ou já
enfrentou episódios da doença corre risco maior de desenvolver a depressão pós-
parto. Outros agravantes são as situações de stress durante e depois da gestação.
Gravidez não planejada ou indesejada, por exemplo, pode desencadear o quadro.
No Brasil, a estimativa é de que uma a cada quatro mulheres tenha o problema
entre seis e 18 meses depois do nascimento da criança, segundo um estudo90 da
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Das 23.896 mães ouvidas, 26,3% tinham
depressão pós-parto, índice bem maior do que a média de 19,8% em países de
baixa renda, segundo a Organização Mundial da Saúde.
ANTÍDOTO SOLIDÁRIO
O Japão (6,6%) e a China (6,5%) ocupam os últimos lugares no ranking geral de
países com depressão. Como a doença é um enorme tabu nesses países, pode ser
que a maioria dos doentes não procure atendimento médico por medo do
preconceito e, portanto, não apareça nas estatísticas. Mas a psicóloga Joan Chiao,
da Universidade Northwestern (EUA), tem outra explicação para essa diferença
a favor dos orientais.
A teoria psiquiátrica mais aceita sobre a depressão é que o mal está
relacionado a um desequilíbrio bioquímico no cérebro, com níveis baixos de
neurotransmissores. Principalmente de serotonina, que, entre outras funções,
ajuda a regular o sono, o humor, o apetite e a sensibilidade à dor. Mas não
existem certezas sobre isso. Aliás, o que não faltam hoje são questionamentos.
Joan fez uma análise 91 de dados de 29 países e descobriu que os povos do
Leste Asiático, como os japoneses e os chineses, têm o dobro de chances de
carregar uma mutação de um gene ligado ao transporte de serotonina, o que os
tornaria mais suscetíveis a ter depressão e ansiedade. Não é o que acontece: a
ocorrência desses transtornos por lá é baixa, mesmo com tamanha pré-
disposição. Um dos motivos é que carregar genes ligados a doenças não significa
que elas vão se manifestar, porque fatores como estilo de vida e crenças
socioculturais contribuem para isso.
Segundo o estudo, o individualismo cultivado em boa parte do mundo ocidental
ajuda a explicar por que sofremos tanto com a depressão. Apesar de os distúrbios
mentais serem um enorme tabu na China e no Japão. Fazendo com que a maior
parte dos doentes não procure tratamento, Joan afirma que os orientais tendem a
oferecer ajuda aos que estão em maior risco de transtornos psiquiátricos. Para
ela, esse hábito funcionaria como um escudo contra gatilhos sociais que
poderiam desencadear os males.
A pesquisadora diz que a colaboração protege contra emoções negativas e
reduz a prevalência de stress crônico, porque reforça normas que aumentam a
harmonia social e o apoio mútuo.
Interessar-se de verdade pelo problema dos outros serve de terapia preventiva.
Mas, depois que a doença se instala, pode ser preciso buscar ajuda. E ela
costuma vir em forma de comprimidos. Só que muita gente simplesmente não
melhora com antidepressivos. Isso gera uma frustração enorme e mais
sentimento de culpa. Fica inevitável fazer aquela pergunta “Será que o problema
é comigo?” Não, o problema pode ser com o remédio.
A INVENÇÃO DO ANTIDEPRESSIVO
Aconteceu por acaso. Os pesquisadores miraram no tratamento da tuberculose e
acertaram na depressão. Era década de 1950 e ninguém sabia por que a maioria
dos pacientes tratados com uma droga em desenvolvimento, a iproniazida,
derivada de um fármaco contra tuberculose, apresentava melhoras visíveis no
humor.
As teorias sobre neurotransmissores ainda estavam engatinhando. Os
resultados dos testes eram mais baseados em observações clínicas do que em
estudos controlados.
O upgrade no humor dos pacientes foi atribuído à capacidade da iproniazida de
inibir a ação de uma enzima chamada monoamina-oxidase (MAO), responsável
por destruir neurotransmissores, como a dopamina, relacionada ao prazer, a
serotonina, ligada ao bem-estar, e a noradrenalina, estimulante que mobiliza o
corpo e o cérebro para a ação.
Tirar a MAO do pedaço significa ter mais neurotransmissores circulando. Isso
explicaria por que 70% dos voluntários que receberam iproniazida relataram
aumento do apetite e do vigor, além de melhora na qualidade do sono e da
sociabilidade.
O problema é que a droga causava também agitação mental, motora e psicose
— efeito colateral de ampliar a presença de vários tipos de neurotransmissores
de uma vez só. Não é à toa que o cérebro seja dotado de mecanismos que
equilibram as doses, já que o excesso de neurotransmissores pode ser tão ruim
quanto a falta deles.
No mesmo ano em que o antidepressivo inibidor de MAO chegou ao mercado
com o nome comercial de Marsilid, pesquisadores publicaram os resultados do
teste de uma droga contra esquizofrenia, a imipramina. Também por acaso, a
substância que não se mostrou efetiva para a esquizofrenia fez com que pacientes
com depressão começassem a ter mais iniciativa, procurassem atividades sociais
e demonstrassem alegria. O melhor, segundo os cientistas, era que nenhum deles
tinha sofrido efeitos colaterais tão pesados quanto aqueles dos que tomavam
inibidores de MAO.
O mecanismo de ação parecia ser diferente. Em vez de inibir a destruição dos
neurotransmissores, a imipramina bloqueava a recaptação deles. Ou seja:
fechava os “ralos” nos neurônios por onde os neurotransmissores escoam depois
de um passeio pelo cérebro, fazendo com que ele permaneçam “alegrando” a
mente por mais tempo.
A aprovação do novo remédio inaugurou uma nova classe de medicamentos, a
dos antidepressivos tricíclicos (ADT). Essa nova alternativa não ficou livre de
efeitos colaterais, como aumento da frequência cardíaca, tremores, visão turva,
tontura, boca seca, sonolência, ansiedade e prejuízos de memória. Isso porque os
ADT também inibem a recaptação de vários tipos de neurotransmissores. Além
disso, o limite entre a dose terapêutica e a tóxica de ADT se mostrou baixo: nos
casos de overdose acidental, o risco de morte por intoxicação é alto.
Mesmo assim, ficava cada vez mais forte a tese da falta de neurotransmissores
nos casos de depressão. Em 1965, o psiquiatra americano Joseph Schildkraut
publicou um estudo92 mostrando que grandes quantidades de noradrenalina
levariam a estados de agitação e que pequenas resultariam em tristeza crônica.
Depois foi a vez de cientistas93 encontrarem baixa concentração de serotonina
no cérebro de deprimidos que tinham se suicidado.
Em 1974, então, surgiram as primeiras evidências de que uma substância
chamada fluoxetina inibia mais fortemente a recaptação de um tipo de
neurotransmissor: justamente a serotonina. Fazendo com que essa substância
fluísse pelo cérebro em quantidades maiores do que as outras, a fluoxetina
revelou-se uma nova opção no mercado de antidepressivos. Por conta dessa
característica seletiva, a fluoxetina foi classificada como um “inibidor seletivo de
recaptação de serotonina”, ou ISRS. Dali em diante, foram anos de testes e de
tentativas de aprovação da fluoxetina até o lançamento da pílula que virou ícone
cultural: o Prozac.
PÍLULAS DA FELICIDADE
Ele foi capa de revistas e assunto principal de jornais, programas de rádio e TV.
Ganhou espaço em filme do Woody Allen, tornou-se o remédio de Tony Soprano
e estrelou um longa-metragem: o Geração Prozac.
Com tantos holofotes, o Prozac foi parar na bolsa das celebridades e na
mochila dos estudantes em busca de uma vida menos ordinária. A depressão
virou sinônimo de qualquer tristeza e passou de doença estigmatizada a mal
banalizado. Nem um incômodo efeito colateral do Prozac, que é a diminuição na
libido, atrapalhou a ascensão do inibidor seletivo de recaptação de serotonina ao
estrelato.
A partir dali, dezenas de outros ISRS surgiram: paroxetina (Paxil), sertralina
(Zoloft), escitalopram (Lexapro e Exodus). A teoria de que depressão é uma
descompensação na química cerebral, envolvendo principalmente a quantidade
de serotonina que circula na massa cinzenta de cada um, pegou de vez. E mais
drogas chegaram às prateleiras.
Os antidepressivos que não se enquadram nas categorias de inibidores de
MAO, ADT e ISRS são chamados de “atípicos” ou pelas iniciais do seu
mecanismo de ação. Por exemplo, um dos mais usados atualmente no Brasil é a
duloxetina, do Velija 94. O remédio aumenta a serotonina e a noradrenalina, por
isso é conhecido também como IRSN (inibidor de recaptação de serotonina e
noradrenalina).
Recentemente, a indústria passou a apostar em antidepressivos que fazem
crescer a quantidade de melatonina, hormônio regulador do sono e do humor,
além de serotonina. Como a agomelatina (Valdoxan).
Uma revisão de estudos95 sobre a eficácia dessas novas drogas que atuam
sobre a melatonina mostrou que elas causam menos náusea, vômito e perda de
libido do que os ISRS. Os antidepressivos mais antigos (inibidores de MAO e
ADT) continuam no mercado, por agirem também contra depressão e alguns
transtornos de ansiedade.
E agora, com esse mundaréu de opções, parece que sempre vai haver uma
pílula capaz de trazer dias melhores. Mas, para alguns pacientes, isso não
acontece.
Como não temos acesso a todas as informações sobre os testes, e as bulas só
mostram uma parte da história, tendemos a supervalorizar os benefícios das
drogas e minimizar os riscos. Um exemplo: apesar de fabricantes dizerem que
até 5% das pessoas que tomam ISRS podem perder a libido, a realidade dá sinais
de desacordo. Uma pesquisa 96 concluiu que distúrbios sexuais foram comuns em
59% dos 1.022 participantes, todos com vida sexual normal antes de começarem
a tomar a droga. Homens (62,4%) enfrentaram mais desordens do que mulheres
(56,9%).
Dependendo do princípio ativo, os resultados foram piores para ambos os
sexos. Aqueles que tomaram citalopram foram os que mais relataram problemas
sexuais (72,7%), seguidos pelo grupo da paroxetina (70,7%), venlafaxina
(67,3%), sertralina (62,9%) e fluvoxamina (62,3%).
Cada paciente reage de um jeito, não faz sentido generalizar. Então, a escolha
feita pelos médicos se baseia não só nas promessas da indústria, mas nos
resultados alcançados individualmente. Os antidepressivos modernos têm efeitos
colaterais menos severos, por isso tendem a ser mais prescritos. Mas todos eles
estão na berlinda.
Nos últimos anos, revisões de estudos têm apontado que remédios para a
depressão muitas vezes podem não ser melhores do que pílulas de açúcar. Não
quer dizer que não funcionem. Significa que podem agir tanto quanto um
comprimido sem princípio ativo. Placebos têm uma função importante e cada
vez mais reconhecida pela ciência na melhora da saúde (tem mais sobre isso no
capítulo Efeito Placebo).
Uma análise de seis testes de eficácia de antidepressivos indicou que, para
casos leves e moderados, eles funcionam tanto quanto pílulas sem valor
terapêutico97. Para depressão muito severa, os medicamentos teriam ação mais
significativa, dizem os pesquisadores. Quanto maior a gravidade da doença,
maior seria o benefício dos medicamentos.
O psiquiatra americano Irving Kirsch98 e 99 é ainda mais categórico:
antidepressivos têm pouco benefício terapêutico se comparados a placebos em
qualquer caso. Nos graves, funcionariam só um pouco melhor.
Ele diz isso porque observou que a maioria dos pacientes envolvidos nos testes
dessas drogas está no estágio mais severo da depressão100. Ou seja, se os estudos
mostram que não há grandes diferenças, é porque não há grandes diferenças nos
quadros graves.
Para chegar a essas conclusões polêmicas que provocam debates no mundo
todo, incentivam mudanças nos hábitos de prescrição de drogas de alguns
médicos e despertam a fúria de muitos psiquiatras, Irving usou a lei de acesso à
informação nos EUA para conseguir documentos que a indústria não publicou.
Ele descobriu que 40% dos estudos feitos pelas farmacêuticas antes da aprovação
dos principais antidepressivos não tinham sido revelados, porque a maioria dos
trabalhos não demonstrou benefícios muito maiores que os do placebo.
Para o pesquisador, as drogas são pouco eficazes porque depressão não é falta
de neurotransmissores. “O problema nem é que existem poucas evidências
embasando a tese do desequilíbrio químico. O que existe é uma tonelada de
dados indicando que essa teoria da descompensação cerebral está errada”, diz.
O maior e mais caro estudo101 sobre o tratamento farmacológico de
depressão moderada e severa indicou que diferentes tipos de antidepressivos
tendem a produzir resultados semelhantes. A conclusão veio depois de sete anos e
US$ 35 milhões de gastos pelo governo americano.
Os participantes da pesquisa que não responderam bem ao tratamento com
algum ISRS específico tiveram a opção de trocar para outro antidepressivo que
aumenta a serotonina, ou para um que aumenta a serotonina e a noradrenalina,
ou um que aumenta a noradrenalina e a dopamina sem afetar a serotonina.
Independentemente da droga escolhida, um em cada quatro pacientes
apresentou melhora ao final do estudo. Para pesquisadores como Irving Kirsch,
isso significa que os antidepressivos são placebos, já que o próprio mecanismo de
ação de cada um parece ser irrelevante. Claro que isso não é consenso. É
possível que todos tenham algum grau de eficácia para determinados pacientes.
Mesmo assim, trata-se de uma ciência ainda nebulosa.
Um jeito de checar se a teoria da depressão causada por falta de
neurotransmissor é totalmente válida: pegando pessoas saudáveis sem histórico
de transtornos mentais e baixando o nível desses neurotransmissores no cérebro
delas. Se isso causar depressão, ok (quer dizer, ok para o cientista que conduzir o
experimento). Ele terá indícios de que pouca quantidade desses químicos naturais
pode levar à doença.
Mais de 90 grupos de pesquisadores já testaram essa hipótese. Uma revisão102
de 53 desses estudos indicou que diminuir a serotonina, a noradrenalina ou a
dopamina não causa depressão em pessoas saudáveis, apenas altera levemente o
humor de quem tem histórico de depressão na família, mas sem desencadear a
doença.
Mais: um antidepressivo aprovado na França e vendido em alguns países da
Europa e da Ásia funciona sabe como? Diminuindo a quantidade de serotonina. É
a tianeptina, que mostrou103 eficácia parecida com outros fármacos, com o
agravante de poder causar dependência 104.
O que isso tudo quer dizer? Que, apesar de as substâncias cerebrais estarem
envolvidas nos estados emocionais, ainda há muito para ser desvendado. Como
diz o psiquiatra Allen Frances: “O cérebro é a estrutura mais complicada do
Universo e revela seus segredos lentamente”.
Mesmo com tanta incerteza, só em 2015 foram 54 milhões de caixas de
antidepressivos vendidas no Brasil. Em 2010, eram 37 milhões94. E o número
não deve diminuir tão cedo. Até que alternativas apareçam, os antidepressivos
continuarão sendo a principal resposta farmacológica para tratar a doença,
porque funcionam melhor do que nada.
Pouco se fala também sobre como pode ser difícil deixar de tomar
antidepressivos. Nos dias seguintes à retirada brusca do remédio, é possível
surgirem distúrbios de humor, ansiedade, insônia, tontura, tremores, dor de
cabeça, náusea, vômito, alterações nos hábitos intestinais, dores musculares,
calafrios, congestão nasal. Por isso, essa tarefa tem de ser gradual e feita com
acompanhamento médico.
Toda essa discussão é importante não para incentivar a tomar ou deixar de
tomar esta ou aquela pílula. Isso é uma decisão médica. Essas questões são
fundamentais para que a ciência direcione esforços para novas soluções e
governantes planejem políticas públicas que incentivem outras opções
terapêuticas.
No Reino Unido105, a recomendação é que casos leves de depressão não
sejam tratados com remédios. E que, para todos os quadros, outras iniciativas
sejam consideradas. Exercícios físicos, por exemplo, já se mostraram eficientes
contra depressão. Uma pesquisa 106 dividiu pacientes em grupos com abordagens
diferentes de tratamento durante quatro meses: medicação, atividade física
supervisionada por um profissional, atividade física em casa (sem
acompanhamento) e placebo. As porcentagens de deprimidos que conseguiram
remissão da doença em cada turma foram, respectivamente, 47% (medicação),
45% (exercícios supervisionados), 40% (exercícios não supervisionados) e 31%
(placebo). O remédio vence, mas, mesmo assim, são resultados animadores a
favor de alternativas.
Outra análise 107 de estudos sobre os benefícios dos medicamentos e de
abordagens não farmacológicas não encontrou diferenças relevantes entre os
efeitos de antidepressivos e da terapia cognitiva comportamental (TCC).
Todas essas conclusões dão mostra de que, com mais jeitos de lidar com a
doença, pacientes que não encontram alívio na farmácia têm mais chances de
achar outras saídas.
REMÉDIOS DO FUTURO
Duas das linhas de pesquisa mais recentes sobre medicamentos para depressão e
ansiedade envolvem uma molécula que controla a reação do organismo ao stress
e uma rede de neurônios responsável por desligar emoções negativas.
Um estudo patrocinado pela empresa farmacêutica Heptares108 usou um
acelerador de partículas para conseguir uma imagem em 3D do CRF1, estrutura
envolvida na liberação de substâncias relacionadas ao stress, como o cortisol. O
objetivo é brecar essas descargas químicas para evitar que elas causem reações
em cascata, como ansiedade, depressão e mesmo diabetes tipo 2. Para isso, o
laboratório pretende desenvolver uma molécula que consiga se moldar ao CRF1
e servir de tampão.
Outra pesquisa inovadora vem do Massachusetts Institute of Technology
(MIT) 109. Neurocientistas observaram que duas pequenas estruturas cerebrais
em forma de amêndoas, as amígdalas, podem ser as portas das emoções.
Nelas estão duas redes diferentes de neurônios responsáveis por avaliar se uma
experiência é boa ou ruim e, depois, disparar a informação para que o cérebro
reaja de acordo. Por exemplo, quando você come chocolate, a rede positiva de
neurônios é acionada e libera a informação para o núcleo acúmbens, relacionado
à recompensa. Se você está na frente de um ladrão, a negativa entra em
atividade e avisa as células da amígdala centromedial, ligada ao medo e à fuga.
Mas, para fazer essa separação, as amígdalas precisam aprender o significado
de cada experiência. Alguém que sofreu um acidente de carro na estrada associa
uma viagem a algo potencialmente perigoso. Outro, que nunca passou por isso,
sente só alegria ao volante. Ou seja, a mesma estrutura cerebral pode processar
emoções de diferentes naturezas, dependendo do aprendizado afetivo.
Nos experimentos em ratos, quando a rede negativa foi bloqueada, os animais
não só deixaram de ter medo como passaram a demonstrar comportamentos
positivos. Isso acontece porque os dois grupos de neurônios parecem trabalhar
por exclusão: quando uma rede está inativa, a outra fica ativa. Dentro da sua
cabeça, as células concluem que, se um estímulo não é ruim, então é bom — e a
informação vai diretamente para o lado positivo. O medo desliga a recompensa;
a recompensa desliga o medo.
Uma das substâncias envolvidas nessa comunicação é a neurotensina, proteína
que ajuda no equilíbrio de um neurotransmissor responsável pelo processo de
memória e aprendizado: o glutamato.
Os pesquisadores acreditam que direcionar pesquisas de fármacos que atuem
nessa proteína e nas amígdalas pode trazer respostas que não temos hoje sobre
vários males mentais. Por falar em respostas, outro transtorno tem desafiado os
pesquisadores: o TDAH, tema do próximo capítulo.
BULA RÁPIDA
Antidepressivos atípicos
Apoiar
Conviver
vencer os nove capítulos anteriores deste livro, agradeça aos neurônios que
trabalham no centro executivo do cérebro, o córtex pré-frontal. Eles suaram
para regular a atenção, a memória, o planejamento, a determinação, as
emoções e a capacidade de ação. Foram bem pagos para isso, com doses de
dopamina liberadas pelo departamento financeiro do corpo, o centro de
recompensa.
Por algum motivo que a ciência ainda não explica, na cabeça de algumas
pessoas esse fluxo de trabalho vira uma zona. Na cabeça delas, não existe um
comando único, mas vários. As atividades sobrepõem-se umas às outras: ler este
livro, ouvir a conversa ao lado, ver TV, entrar nas redes sociais, ler notícia, jogar
Candy Crush, olhar as horas, saber a previsão do tempo, comer um sanduíche e
esquecer o que estava fazendo antes dessa lista toda começar.
JARDIM URGENTE
Um estudo com 6.323 crianças e adolescentes em 18 Estados brasileiros mostrou
que 68% dos pacientes que usavam um psicoestimulante para TDAH no
momento da pesquisa não tinham a doença. A maioria deles era das classes A e
B.
Entre os que preenchiam os critérios para o diagnóstico, 89% não tomavam a
medicação, a maior parte deles das classes D e E. “Esses dados sugerem duas
realidades diferentes: uma de subdiagnóstico e subtratamento entre os menos
favorecidos e outra de excessos em camadas mais altas, possivelmente por causa
da grande expectativa em relação ao desempenho escolar e ao controle
comportamental dos filhos, sem que haja educação para o desenvolvimento
dessas habilidades”, diz o neurologista Marco Antônio Arruda, coordenador da
pesquisa.
Pais e professores são parte importante no auxílio do diagnóstico, porque é
preciso avaliar todo o histórico da criança em ambientes diferentes. Os sinais
devem ser maiores do que questões de indisciplina e reações a conflitos
familiares ou sociais. “Na escola, por exemplo, a criança com TDAH começa a
ser discriminada, porque os outros alunos vão criando birra dela. A autoestima é
prejudicada e ela passa a não dar conta sozinha”, afirma o psiquiatra Mario
Louzã, coordenador do Projeto de Déficit de Atenção e Hiperatividade do HC,
em São Paulo.
Associações de pacientes com TDAH costumam organizar cursos e palestras
para fornecer a pacientes, pais e docentes mais informações sobre o transtorno e
dar voz a quem sofre com o problema. Essas entidades recebem verbas da
indústria farmacêutica, que patrocina inclusive os materiais didáticos distribuídos
nos encontros com orientações de como detectar sintomas da doença. A
Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA), por exemplo, tem apoio
financeiro da Novartis, que faz a Ritalina, e da Shire, do estimulante Venvanse,
para o mesmo fim.
A ABDA não retornou meus pedidos de entrevista. Já a Novartis topou falar.
Disse considerar fundamental o trabalho educativo realizado por associações de
pacientes para esclarecer e evitar o preconceito em relação ao distúrbio. “É
importante que a escola conheça o problema e saiba lidar com ele. Não para
fazer diagnósticos, porque isso não cabe à área de educação, mas para ajudar no
dia a dia das crianças e adolescentes que têm o transtorno”, diz o neuropediatra
Marcelo Gomes, diretor médico de Áreas Terapêuticas da Novartis.
O efeito colateral da medida é o aumento de relatos de pais pressionados por
professores a levar os filhos ao psiquiatra. O consumo anual de metilfenidato
entre crianças e adolescentes de 6 a 16 anos tem um pico nos meses de agosto,
setembro e outubro, quando há maior cobrança por desempenho, e uma queda
nos meses de férias, em dezembro, janeiro e julho114. Ou seja: em muitos
casos, estamos medicando crianças e adolescentes que não têm transtorno
algum, só um natural aumento da tensão diante da pressão por resultados.
A Ritalina existe desde 1955. Viveu ali, no quadrado dela, até o DSM
popularizar o TDAH na década de 1990. A aprovação para comercialização no
Brasil veio em 1998. O Concerta, outro medicamento com metilfenidato, chegou
em 2002.
Entre 2003 e 2012, o consumo em miligramas da substância aumentou 775%
115 no País. Só entre 2009 e 2011, a quantidade de caixas para cada mil crianças
VIAGRA CEREBRAL
A Ritalina ganhou o apelido de pílula dos concurseiros, dos vestibulandos e dos
executivos que usam a droga para manter o sono longe e o foco perto durante
madrugadas de estudo ou trabalho. Outro estimulante que está fazendo a cabeça
de muita gente é o Modafinil, fabricado para tratar narcolepsia, doença que
causa grande sonolência durante o dia.
Militares passaram a usar o Modafinil na década de 1990 para ficar acordados
por mais de 60 horas nos combates. Depois, o consumo se popularizou entre
estudantes interessados em melhorar o desempenho cognitivo.
Substâncias promissoras no tratamento de Alzheimer, como as ampaquinas e a
donepezila, também estão sendo testadas para aumento da capacidade de
memória e aprendizado. Todas elas disputam o título de pílulas da inteligência.
Mas um estudo da Unifesp com 36 jovens de 18 a 30 anos sem TDAH contesta
esse poder das drogas de aumentar o QI. Os participantes foram divididos em
quatro grupos. Um tomou placebo e os outros três receberam doses diferentes de
metilfenidato.
Todos foram submetidos a testes de memória, atenção e funções executivas
cerebrais. Os resultados foram parecidos entre as turmas, independentemente da
quantidade (ou ausência) da droga. A conclusão foi de que, apesar de aumentar o
foco e a persistência, o remédio não altera a capacidade intelectual.
Outro revés dos estimulantes é que eles privam o corpo do descanso. A falta de
sono pode causar ansiedade, depressão, dificuldade para se concentrar e danos
no hipocampo, região cerebral que, entre outras funções, coordena a memória.
Parece uma piada de mau gosto, mas os comprimidos que prometem fazer
qualquer um corresponder aos altos padrões de desempenho podem surtir o
efeito contrário — e trazer ainda mais frustração.
Por falar em corresponder a padrões, um novo medicamento traz à tona um
antigo debate: vale a pena usar remédio para perder uns quilinhos e caber no
jeans? No próximo capítulo.
O MAIS NOVO
70 (PESO)
———— = 24,2
1,70 X 1,70 (ALTURA VEZES ALTURA)
A busca por soluções fáceis gera polêmicas. Principalmente por causa dos
efeitos colaterais dos medicamentos. Na bula da versão americana do Saxenda
(que, enquanto este livro era escrito, ainda estava para ser lançado no Brasil), os
problemas mais comuns listados são náusea, falta de açúcar no sangue, diarreia
ou intestino preso, vômito, dor de cabeça, sensação de peso no estômago,
fraqueza, tontura e dor abdominal. Os mais graves são aumento da frequência
cardíaca, pancreatite, insuficiência renal, pensamentos suicidas e tumores na
tireoide. “É importante fazer acompanhamento médico para monitorar as
funções orgânicas e ajustar as doses”, diz o endocrinologista Paulo Rosenbaum,
do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.
Pode valer a pena encarar esses riscos se a outra opção for se expor a males
como diabetes, hipertensão, problemas cardiovasculares e alguns tipos de câncer.
Mas, para quem quer apenas despachar uns quilinhos em prol da estética, o
custo-benefício não compensa.
No Brasil, a Anvisa proibiu em 2011 três remédios com ação parecida com a
das anfetaminas: o Mazindol, o Femproporex e a Anfepramona. Anfetaminas são
estimulantes sintéticos que, entre outras funções, tiram a fome. De quebra, como
já vimos neste livro, podem levar a taquicardia, insônia, boca seca, ansiedade,
irritabilidade, agressividade, pressão alta e até distúrbios psíquicos e problemas do
coração.
Só dois medicamentos, a sibutramina (Reductil) e o orlistate (Xenical), que não
é da família das anfetaminas, continuaram com permissão. O Xenical diminui a
absorção de gordura, mas causa flatulência. A sibutramina faz crescer a
quantidade de noradrenalina, que é estimulante, e de serotonina, reguladora do
humor. Esses efeitos parecem contribuir para a sensação de saciedade e evitar a
compulsão alimentar. O remédio pode aumentar o risco de ataque cardíaco e
AVC em quem tem problemas cardiovasculares.
Em 2014, um decreto legislativo suspendeu a proibição dos anfetamínicos e,
em 2016, o Senado aprovou um projeto que torna lei a permissão para produção,
venda e consumo, sob prescrição médica, desses inibidores de apetite.
A segurança do uso de emagrecedores vem sendo discutida há décadas e
divide opiniões. Principalmente depois que uma fórmula milagrosa ganhou fama
nos EUA.
Era 1992. O pesquisador Michael Weintraub tinha acabado de publicar um
estudo120 de quatro anos com 121 obesos dizendo que a combinação de dois
inibidores de apetite, a fenfluramina e a fentermina, fazia perder peso
consideravelmente. Em média, os participantes que tomaram os dois remédios
juntos diminuíram 15,6% do peso inicial em sete meses, enquanto a turma que
recebeu placebo emagreceu apenas 4,9% do peso inicial. Eram quase 14 quilos a
menos entre cada um dos medicados e nada entre os outros, com a vantagem de
que o maior efeito colateral do coquetel seria só boca seca.
Não deu outra. A notícia do tratamento sem problemas significativos se
alastrou no faminto mercado das pílulas emagrecedoras. Nos anos seguintes, o
fen-fen, apelido da combinação dos dois princípios ativos, virou febre entre os
americanos, mesmo aqueles que não sofriam de obesidade.
Só que os remédios tinham aprovação do FDA separadamente, para
tratamentos que durassem no máximo três meses, porque estimulantes tendem a
perder o efeito a partir de 90 dias. Não se sabe exatamente o motivo, mas uma
explicação é que o corpo se acostuma a eles.
A combinação fen-fen, ainda mais por períodos longos, não havia sido testada
oficialmente. Os médicos receitavam por conta e risco com base em bons
resultados com os pacientes e na pesquisa de Weintraub, que, àquela altura, já
era uma celebridade.
Entre 1992 e 1995, as vendas de fenfluramina cresceram 3.000% nos EUA.
Nesse período, outro remédio da mesma classe, a dexfenfluramina, foi
aprovado. As farmácias americanas receberam 18 milhões de prescrições de
fen-fen em 1996.
No Brasil, os medicamentos mais famosos dessa categoria foram o Isomeride,
o Minifage AP e o Fluril.
Até que começaram a surgir nos EUA dezenas de casos de hipertensão
pulmonar, que leva à morte em poucos meses, e danos nas válvulas do coração
em mulheres jovens sem antecedentes para as doenças. Todas tinham tomado a
combinação dos medicamentos ou só um deles, fenfluramina ou dexfen.
Nenhum dos casos envolvia pacientes que usaram só a fentermina. Nos anos
seguintes, vieram centenas de processos contra os laboratórios por mortes e
problemas graves de saúde relacionados aos princípios ativos.
Em 1997, a fenfluramina e a dexfenfluramina foram banidas dos mercados
americano121 e europeu. No Brasil, a Anvisa suspendeu as drogas em 1998 122.
Desde então, quando estudos mostram sérios efeitos colaterais com inibidores
de apetite, volta à tona o debate sobre o que a Anvisa deveria fazer: proibir ou
estabelecer um controle mais rígido para dificultar o acesso a quem não precisa
das substâncias? Para a compra da sibutramina, por exemplo, médicos e
pacientes devem assinar um termo de responsabilidade. Muita gente burla esses
mecanismos e se expõe aos riscos (no próximo capítulo tem mais sobre
automedicação), usando até drogas que não foram aprovadas para
emagrecimento. Como o hormônio HCG, que ressurgiu das cinzas em 2015.
DIETAS DA MODA
Quer perder 15 quilos em um mês com a dieta HCG sem botar o pé na
academia? Você vai ter de passar esse tempo comendo só 500 calorias por dia,
sem nada de açúcar, farinha, amido nem gordura, e ainda injetar um
hormoniozinho aí. Parece bacana? Então vamos começar de novo.
Quer perder 15 quilos em um mês sem botar o pé na academia? Você vai ter
de reduzir drasticamente a ingestão de carboidratos, porque eles se transformam
em açúcar no sangue e depois são estocados nas células de gordura. Como a
glicose é a principal fonte de energia do cérebro, a falta dela causa alterações no
sistema nervoso central, levando à sonolência, indisposição e confusão mental.
O hormoniozinho aí é a versão sintética da gonadotrofina coriônica humana
(HCG, da sigla em inglês), produzido na gravidez para mobilizar reservas de
gordura da mãe para alimentar o feto. Administrado como remédio, aumenta o
risco de trombose, embolia pulmonar e AVC, principalmente em obesos, porque
o excesso de peso, por si só, faz crescer as chances de trombose.
Ah, detalhe: não há comprovação científica de que o HCG ajude a queimar
gordura. O uso é aprovado apenas para tratar infertilidade feminina e masculina,
além de deficiências hormonais. “Qualquer pessoa submetida a 500 calorias por
dia vai perder peso rapidamente, mas dificilmente conseguirá a quantidade
básica de nutrientes necessária à manutenção da saúde”, afirma o
endocrinologista Alexandre Hohl.
Eliminar gordura em pouco tempo pode ser motivador, mas não funciona para
quem precisa de efeitos duradouros. E tem cada vez mais gente precisando.
Quilos a mais são uma realidade para seis em cada dez brasileiros. A mais
recente Pesquisa Nacional de Saúde 123, do IBGE em parceria com o Ministério
da Saúde, mostrou que 57,3% dos homens e 59,8% das mulheres estão acima do
peso.
Pela primeira vez, a avaliação mediu a circunferência abdominal dos
entrevistados. Homens com cintura maior do que 102 centímetros e mulheres
com cintura acima de 88 centímetros têm excesso de gordura nessa região. Para
esse grupo, há mais risco de desenvolver doenças crônicas, como diabetes e
males do coração.
Cada nova edição da pesquisa mostra que a obesidade só cresce.
Paralelamente, aumenta também a frustração de muita gente que quer diminuir
números na balança e não consegue. Em geral, quem tem (ou acha que tem)
quilos sobrando já passou por mais de um regime maluco e percebeu que voltar
a um peso saudável parece cada vez mais difícil. Parece, não. É.
EFEITO-REBOTE
Dieta é um jeito de dizer ao cérebro que quem manda no corpo é você. Tem
duas formas de fazer isso: partindo para a grosseria ou tentando o diálogo. O
modo deselegante é mais conhecido como regime da moda. Da noite para o dia,
seu cardápio passa de hambúrguer e quindim para quinoa com suco de couve. O
número de calorias despenca e, em retaliação, o cérebro manda cinco pragas
ancestrais.
A primeira é a fome, um comando imediato para que você dê um jeito de
coletar ou caçar alimentos para não morrer. Se as calorias não chegam, começa
a segunda praga: o metabolismo lento, um recurso para economizar a energia
que resta e prolongar as chances de manter a sua vida até que apareça um prato
gordo dando sopa. Se você for forte o suficiente, vai ter de lidar com a terceira
praga: a perda de massa muscular. Dietas restritivas demais diminuem a oferta
de glicose, o principal combustível do organismo. Na falta de quantidades
adequadas, o corpo apela também para o que está mais a mão, o glicogênio, que
é a energia armazenada nos músculos. Em outras palavras, além de queimar
gordura, o organismo frita boas quantidades de massa magra. Só que músculos
são grandes incineradores de caloria. Com menos quantidade deles, a queima é
cada vez menor.
Com o metabolismo lento e menos músculo para consumir energia, tudo o que
entra pela boca é lucro — a ordem é estocar. Essa é a quarta praga: a estagnação
da perda de peso. Mesmo que seu cardápio tenha se resumido a filé de frango
com alface, a balança continua travada no mesmo número.
Aí você decide jogar a toalha, porque isso não é vida. Voltam as doses
generosas de pizza e cupcake, mas o metabolismo continua lento, pois se adaptou
à pouca quantidade de combustível. Resultado: você engorda com muito mais
facilidade. É a quinta praga: o efeito-rebote.
Digamos que, antes de começar a dieta, seu corpo queimava umas 2 mil
calorias para se manter vivo. O que passava desse valor, virava gordura estocada
se não fosse queimada de alguma forma. Durante o regime, o metabolismo
desacelerou para economizar energia e se acostumou a gastar 1.500.
Se você consumia 2.500 calorias por dia, o excedente antes da dieta era de
500. Depois, passou a ser de mil. Na prática, significa fazer o dobro de esforço só
para manter o peso. Imagine, então, para emagrecer.
Um estudo124 com os participantes da oitava edição do reality show
americano The Biggest Loser, que premia quem conseguir despachar mais quilos,
mostrou que apenas um deles não havia recuperado boa parte do peso inicial
depois de seis anos. O ganhador, Danny Cahill, eliminou 108 quilos em sete
meses de programa e já tinha recuperado 45 kg.
Os pesquisadores verificaram que o metabolismo dos ex-participantes tinha
desacelerado drasticamente. Até aí, nenhuma surpresa. O inusitado foi que,
conforme os anos passaram e as pessoas foram engordando de novo, a queima
calórica não recuperou os níveis normais. Continuou muito mais lenta do que no
começo do programa.
Brigar com a balança é lutar contra milhões de anos de evolução. O corpo
batalha bravamente para recuperar a fartura de reservas energéticas, ainda mais
se a perda delas for rápida.
É por isso que exercício e reeducação alimentar são mais eficientes para os
resultados de longo prazo. Atividade física não só torra caloria como cria
músculos — e músculos queimam mais energia do que massa gorda, mesmo
quando você está em repouso.
Não faltam exemplos de quem consegue emagrecer muitos quilos depois de
passar a comer de forma mais saudável e ir à academia. Mas a obesidade é um
problema de muitas causas. Não tem a ver apenas com a quantidade de calorias
ingeridas e gastas. Além de influenciadores como questões emocionais, nível de
stress e qualidade do sono, existem fatores biológicos que dificultam a perda de
peso para uma parcela da população. Por exemplo, a predisposição genética e o
funcionamento dos hormônios.
A gordura pode levar ao desenvolvimento de resistência a substâncias
reguladoras do apetite e do balanço energético. Como a leptina, que sinaliza ao
cérebro quando os estoques de gordura estão altos. Sem receber essa mensagem,
o corpo continua guardando energia e disparando a fome, por mais esforço que
alguém faça.
O emagrecimento também induz alterações hormonais, porque faz cair as
substâncias que inibem a fome e subir as estimuladoras. Tudo para recuperar
logo as reservas.
Por isso, taxar um obeso de preguiçoso é como dizer a um deprimido que é só
dar bom-dia ao Sol que o sofrimento passa. Obesidade, depressão, transtorno
bipolar, transtornos de ansiedade e déficit de atenção precisam de mais
entendimento, mais opções de tratamento, menos promessas milagrosas. E
menos, bem menos preconceito.
A OBESIDADE NO BRASIL
Quilos a mais são uma realidade para seis em cada dez brasileiros. As
mulheres são as que mais enfrentam dificuldades com a balança.
DOR DE CABEÇA,
TYLENOL
PRINCÍPIO ATIVO Paracetamol
EFEITOS DESEJADOS O remédio diminui o envio de mensagens aos receptores
de dor e atua na regulação da temperatura do corpo, baixando a febre. Quando o
paracetamol é metabolizado pelo fígado, uma pequena parte se transforma em
uma substância tóxica, a NAPQI, que na maioria dos casos é rapidamente
eliminada.
EFEITOS INDESEJADOS Para adultos, a partir de 4 gramas por dia ou 1 g de
uma vez só, o fígado pode não dar conta de toda a NAPQI produzida. Nesse caso,
aumenta o risco de lesões irreversíveis e falência do órgão125. As crianças são
ainda mais vulneráveis.
Parte das overdoses de paracetamol é intencional, mas existe um grande
número de pessoas que passa da medida sem perceber. Ou porque acha que a
droga é 100% segura — e nenhuma é — ou por desconhecer que muitos outros
remédios para dor, coriza, febre, alergia e inflamação contêm o princípio ativo.
Digamos que você tome um Ty lenol para febre (750 mg de paracetamol) e
um Resfenol (400 mg) para coriza, congestão nasal e outros desconfortos do
resfriado. É 1,55 grama por dose, o que já traz riscos para o fígado, já que o
órgão metaboliza melhor até 1 grama de cada vez.
Bom, essa dosagem quatro vezes ao dia dá 6,2 gramas, enquanto o ideal para
não sobrecarregar o fígado é de 4 gramas para baixo. Se você ainda por cima
mandar aquele remedinho para relaxar a musculatura depois de um dia tenso no
trabalho, a conta aumenta. Um comprimido de Torsilax, o décimo medicamento
mais vendido no Brasil em 2015 e o segundo em faturamento126, coloca 300 mg
de paracetamol a mais na sua corrente sanguínea. Se suas noites forem
frequentemente banhadas a três doses de álcool, o fígado, que a essa altura estará
tomando uma lavada das NAPQIs, vai pedir para sair. Tomar paracetamol para
curar ressaca, então, é apagar fogo com gasolina.
Em 2011 127 e 2014 128, o FDA alertou os médicos para que deixem de
prescrever drogas que contenham mais de 325 mg de paracetamol em
combinação com outras substâncias. É uma tentativa de desestimular o consumo
casado, de mais de um remédio com o mesmo princípio ativo, que pode levar a
uma overdose acidental.
NEOSALDINA
PRINCÍPIOS ATIVOS Dipirona, mucato de isometepteno e cafeína.
EFEITOS DESEJADOS A dipirona diminui a dor e a febre, o isometepteno e a
cafeína reduzem o calibre dos vasos sanguíneos do cérebro, enfraquecendo a dor.
EFEITOS INDESEJADOS Não precisa nem exagerar no consumo para se expor
a dois efeitos colaterais raros, mas potencialmente fatais da dipirona. Um é a
diminuição da quantidade de células do sangue, como glóbulos vermelhos,
glóbulos brancos e plaquetas. Outro, especialmente em asmáticos, é o choque
anafilático, reação alérgica grave que pode acontecer mesmo em quem está
acostumado a usar a medicação. Esses riscos levaram muitos países129 a proibir
a dipirona, como os EUA e a Austrália.
Outro problema com os remédios contra dor de cabeça é que eles podem
diminuir a capacidade do corpo de liberar endorfinas, nossos analgésicos
interiores. O uso exagerado cria resistência, quando é preciso uma dose maior
para surtir efeito, e mascara outros distúrbios, que se tornam crônicos. Por
exemplo, se o incômodo vem de uma sinusite mal curada, o comprimido alivia o
sintoma, mas não resolve a causa. A inflamação na face vai ficando cada vez
mais difícil de tratar. E a dor só piora.
DORFLEX
PRINCÍPIOS ATIVOS Dipirona, citrato de orfenadrina e cafeína.
EFEITOS DESEJADOS A dipirona e a cafeína reduzem a dor e a orfenadrina
inibe os comandos de contração involuntária dos músculos, produzindo
relaxamento.
EFEITOS INDESEJADOS Além dos problemas da dipirona, a superdosagem de
orfenadrina é potencialmente tóxica. A ingestão de 2 g a 3 g dessa substância
pode levar à morte 130. Os efeitos colaterais do Dorflex vão de boca seca e
alterações nos batimentos do coração até alucinações, tremor, agitação e, em
doses altas, delírio e coma.
ASPIRINA
PRINCÍPIO ATIVO Ácido acetilsalicílico.
EFEITOS DESEJADOS A aspirina é três em um. Em baixas dosagens, até 1 g,
funciona contra dor e estágios leves de febre. Acima dessa quantidade, inibe
processos inflamatórios, principalmente as artrites.
EFEITOS INDESEJADOS A overdose costuma acontecer de forma acidental,
principalmente com idosos, que usam doses maiores do remédio, e crianças
pequenas131. Oito comprimidos são suficientes para aumentar o risco de excesso
de acidez no sangue e baixa acentuada de glicose, causando choque
cardiovascular e insuficiência respiratória — distúrbios que podem levar à morte.
Por causar queda nos níveis de açúcar, qualquer dosagem de aspirina pode
causar hipoglicemia em diabéticos que tomam medicamentos para controlar a
doença.
A aspirina e outros anti-inflamatórios também não devem ser usados antes de
procedimentos cirúrgicos, mesmo os mais simples, como arrancar um dente ou
uma unha encravada. Quando existe um corte na pele, as plaquetas se juntam e
formam tampões para não deixar o sangue escapar. A aspirina inibe essa
agregação e deixa a porta aberta para hemorragias.
Usar o remédio junto com outro anti-inflamatório ou álcool também é mau
negócio: aumenta as chances de úlcera e sangramentos estomacais e intestinais
severos.
SALONPAS
PRINCÍPIO ATIVO Salicilato de metila e levomentol.
EFEITOS DESEJADOS O salicilato de metila é um anti-inflamatório da mesma
família da aspirina, mas com ação diferente. Ele causa uma leve irritação na
pele, levando a maior irrigação sanguínea na superfície e menor nos músculos,
nervos e articulações sob ela. Isso distrai os receptores da dor. O levomentol
ajuda nesse trabalho de mudar o foco, porque causa a sensação de frio e seu
cérebro presta mais atenção no geladinho do que no incômodo.
EFEITOS INDESEJADOS É difícil o organismo absorver remédios aplicados na
pele, então os efeitos colaterais são raros. Os riscos aumentam se o paciente
toma anticoagulante ou medicação contra diabetes, tem alergia a aspirina,
histórico de sangramento ou úlcera gastrointestinais, ou ainda problemas no
fígado ou nos rins. Anti-inflamatórios da família dos salicilatos agravam esses
quadros132. O lado ruim mais comum do Salonpas tem mais a ver com a
eficiência do remédio: ele pode mascarar males mais sérios, que precisariam ser
investigados por um médico.
OMEPRAZOL
PRINCÍPIO ATIVO Omeprazol.
EFEITOS DESEJADOS Em vez de neutralizar, como fazem os antiácidos, o
omeprazol e outros medicamentos da mesma família inibem a produção do suco
gástrico. Com menos líquido irritante no pedaço, surge o alívio da dor. O remédio
também ajuda a prevenir e a cicatrizar lesões das mucosas.
EFEITOS INDESEJADOS A segurança dos inibidores de ácido estomacal não foi
estudada no longo prazo. O que existem são relatos de problemas com o uso por
grandes períodos134. Um deles é o efeito-rebote. Com a inibição da produção de
ácido clorídrico, o organismo tenta compensar a falta liberando mais gastrina,
que estimula a produção do ácido. Se esse mecanismo é acionado muitas vezes,
pode gerar excesso de gastrina. Aí, quando você deixar de tomar omeprazol
depois de um tempo, uma enxurrada de ácido estomacal faz suas crises piorarem
— e você volta correndo para o comprimido. É um círculo vicioso.
Tem também aqueles efeitos colaterais dos antiácidos, como o aumento do
risco de infecções e da dificuldade em absorver nutrientes com uso prolongado
sem prescrição. O desequilíbrio das quantidades de minerais pode levar a uma
baixa severa dos níveis de magnésio135. E isso pode trazer problemas ao
coração.
O omeprazol e outros inibidores de ácido clorídrico em geral são seguros e
eficientes. Mas, como não dá para saber se você se enquadra na regra ou na
exceção, melhor acompanhar com o médico os efeitos dele no seu corpo caso
esses remédios sejam companheiros de longa data.
NEOSORO
PRINCÍPIO ATIVO Cloridrato de nafazolina.
EFEITOS DESEJADOS Desentupidor de nariz não é tudo igual. Alguns são
soluções estéreis, sem químicos nem conservantes, apenas com água e 0,9% ou
3% de sal (cloreto de sódio). Outros têm também o cloreto de benzalcônio. E os
mais vendidos carregam um terceiro ingrediente na fórmula, a nafazolina, que é
um remédio. A água com sal hidrata a mucosa e dissolve o muco, desgrudando a
meleca para que ela saia dali. O benzalcônio é um conservante com ação
germicida. E a nafazolina é um químico que contrai os vasos sanguíneos,
diminuindo o inchaço das mucosas e facilitando a passagem do ar 136.
EFEITOS INDESEJADOS Os spray s de água e cloreto de sódio não têm
contraindicação a não ser para quem é sensível aos componentes ou para
hipertensos que usam as formulações com concentração maior de sal, de 3%. O
benzalcônio pode causar alergia. A nafazolina tende a induzir tolerância, efeito
rebote e dependência psicológica. É que, poucas horas depois da aplicação, o
edema volta e é preciso repetir a dose. Com o tempo, o corpo acostuma e pede
uma quantidade maior para entregar o mesmo efeito. Aí acontece a rinite
medicamentosa, causada pela droga. Você nunca sara e ainda passa a acreditar
que só vai conseguir respirar com a medicação. Provavelmente, a essa altura já
estará devorando nafazolina pelo nariz, o que pode aumentar a pressão sanguínea
e trazer problemas para o coração.
TORSILAX
PRINCÍPIO ATIVO Diclofenaco sódico, carisoprodol, paracetamol e
cafeína 137.
EFEITOS DESEJADOS O diclofenaco é um anti-inflamatório bem popular,
presente também no Voltaren e no Cataflam. O carisoprodol age deprimindo o
sistema nervoso central, o que causa uma leve sedação e o relaxamento da
musculatura. O paracetamol e a cafeína ajudam a reduzir a dor. A cafeína
também neutraliza a sonolência causada pelo carisoprodol.
EFEITOS INDESEJADOS Anti-inflamatórios como o diclofenaco, a aspirina, o
ibuprofeno (do Advil) e o naproxeno (do Flanax) podem detonar as mucosas do
trato digestivo. Eles inibem a ação de substâncias que, apesar de estarem
envolvidas na inflamação, também ajudam a diminuir a produção de ácido
estomacal e a aumentar o muco do trato digestivo. Sem esses efeitos protetores,
há mais chances de desencadear náusea, vômito, diarreia, cólicas abdominais,
sangramentos gastrointestinais e úlceras. Já o carisoprodol não deve ser usado
com outros depressores do SNC, como o álcool.
AMOXIL
PRINCÍPIO ATIVO Amoxicilina 138.
EFEITOS DESEJADOS Antibióticos matam ou paralisam a maior parte das
bactérias invasoras. As que sobram podem ser engolidas pelas células de defesa
ou por outro tipo de antibiótico.
EFEITOS INDESEJADOS O abuso leva à proliferação de bactérias resistentes a
antibióticos, o que é um perigo para a saúde pública. É o que veremos a seguir.
SUPERBACTÉRIAS
Os antibióticos são um dos alicerces da civilização. Sem eles, infecção seria
praticamente um sinônimo de morte. Mas, na guerra que travamos todos os dias
contra as bactérias, a seleção natural não trabalha a nosso favor. É que bactérias
competem por alimento contra outras bactérias. Quando o antibiótico entra, ele
nem sempre consegue matar todas. Sobram justamente aquelas que, por algum
acaso genético, já tinham nascido mais resistentes. Essas sobreviventes tendem a
crescer e se multiplicar depois da passagem do remédio, pois não terão a
concorrência de outras monstrinhas. É assim que os antibióticos criam
superbactérias. Isso não acontece toda vez que alguém toma o medicamento,
porque bactérias hiper-resistentes não surgem o tempo todo.
Mesmo assim, elas nunca deixarão de surgir: graças a mutações genéticas
aleatórias, sina de todo ser vivo, sempre haverá alguma nova superbactéria
resistente a qualquer superantibiótico que venha a ser criado. Mas isso não
significa que estamos de mãos atadas. Há, sim, muito o que fazer para
brecarmos esse mal.
Para começar, quem colabora para essa fábrica de bactérias cada vez mais
fortes é o médico que prescreve antibióticos indiscriminadamente. Pior: o
paciente descuidado que já recebeu várias receitas de antibiótico faz o quê
quando fica doente? Vai até a caixa de sapato que abriga uma sucursal da
farmácia e pega um resto de cartela de comprimidos.
A nossa displicência é outra grande amiga das superbactérias. É que os
antibióticos levam no mínimo cinco dias para reduzir a população de invasores.
Mesmo que você se sinta incrível já na terceira dose, lá dentro a batalha pode
estar só no começo. Se você parar nesse momento, terá matado só as bactérias
mais fracas. As mais resistentes a antibióticos (ainda que nem sejam assim
super-resistentes) verão caminho livre para se reproduzir à vontade. E sua
infecção tenderá a voltar com mais força.
Por causa de tudo isso, doenças que antes eram controladas estão virando
versões mais poderosas de si mesmas. Como a supergonorreia, na Inglaterra,
onde casos dessa doença sexualmente transmissível não respondem à medicação
padrão e caminham para se tornar intratáveis.
Para tentar conter o desenvolvimento das bactérias resistentes, a Anvisa
determinou que os antibióticos só sejam vendidos com retenção da receita.
A automedicação e a autoprescrição, de qualquer forma, alimentam uma
cultura enganosa, que acredita no poder supremo dos comprimidos — uma
crença ruim, já que nos faz usar remédios de forma errada e em momentos em
que eles são desnecessários. Por outro lado, a fé de que um tratamento realmente
funciona tem um potencial intrigante, e que tem sido cada vez mais estudado pela
ciência. Veja a seguir.
NAS ÚLTIMAS DÉCADAS,
REMÉDIO OSTENTAÇÃO
Placebo é uma intervenção palpável. E nem sempre vem na forma de pílula. Há
injeção placebo, com soluções neutras, acupuntura placebo, sem agulhas, exame
placebo, em que o paciente é “avaliado” pelo médico ou em máquinas que não
funcionam, cirurgia placebo, com pequenas incisões sem ação médica.
Cada tipo tem uma ação diferente. Dois comprimidos funcionam melhor do
que um. Placebos com marca de laboratório e nome fantasia dão mais resultado
do que pílulas soltas. Se tiverem um aspecto de remédio caro, com holograma na
embalagem e outras firulas, melhor ainda. Cápsulas, que parecem mais
modernas, fazem maior efeito que comprimidos. Injeções ganham das cápsulas,
porque o cérebro já sabe que seringas com agulha na ponta carregam remédio
concentrado. Cirurgias dão um banho no restante — o que ajuda a explicar o
relativo sucesso das “espirituais”, que simulam intervenções cirúrgicas.
Pílulas de cores quentes, como vermelho, amarelo ou laranja, tendem a se sair
bem nas pesquisas de estimulantes e antidepressivos. As azuis e verdes têm
performance superior nos estudos de calmantes.
Mas o poder do placebo não é consenso. Parte dos pesquisadores atribui a
melhora do quadro de saúde ao curso natural das doenças. Por exemplo, uma
gripe dura alguns dias. Nesse tempo, a dor e o mal-estar serão maiores no
começo, vão diminuir até sarar por completo, com ou sem intervenção. Há
também casos de melhora e cura de depressão sem pílulas ativas nem inativas,
só com mudanças importantes na vida, como um emprego que traz mais
propósito, o início de uma rotina de exercícios físicos, um novo amor.
Mas não é só isso. “A verdade é que quem tem problemas leves e moderados
geralmente sara sozinho”, diz o psiquiatra Allen Frances. “Se tomarem um
comprimido, porém, vão creditar ao remédio um poder de cura que ele não
merece.”
Uma análise 140 que Kirsch fez de 38 testes envolvendo 3 mil pacientes
deprimidos checou esse dilema entre o efeito de placebos e o curso natural de
algumas doenças. Quem tomou placebo teve melhora significativa e quem não
recebeu tratamento algum conseguiu apenas uma leve melhora. Ou seja, o ciclo
natural de eliminação do problema realmente explica algumas curas sem
remédio, mas não a maior parte delas.
O poder da autocura, de qualquer forma, pode estar ligado a vantagens
evolutivas.
Pense num soldado que tem a perna dilacerada numa batalha. Talvez ele não
sinta dor na hora. As energias estão focadas nas ações de sobrevivência ao
conflito, e não no ferimento. Só depois que a batalha acaba, vem o baque. Esse
fenômeno de ignorar a dor é atribuído à atenção seletiva, quando as funções do
organismo se voltam para uma tarefa específica, deixando outra de lado. O
placebo funcionaria mais ou menos assim, desviando a atenção de algo
incapacitante para algo produtivo.
A hipótese é de que quando alguém toma um comprimido com qualquer coisa
dentro, o cérebro entenderia que o mal está sendo tratado. Então as redes de
neurônios ligadas ao processamento das emoções negativas seriam adormecidas;
as relacionadas ao bem-estar passariam à ativa. Essa mudança estimularia as
substâncias ligadas ao mecanismo de controle da dor e de defesa do organismo.
Para o psicólogo evolucionista Nicholas Humphrey 141, professor da London
School of Economics, a evolução favoreceu seres que aprenderam a gerenciar
melhor os recursos naturais do corpo para lidar com repetidos ataques de
doenças, ferimentos e outras ameaças ao bem-estar. Ele compara essa
capacidade de controle interno com a administração de um hospital.
Imagine que o diretor queira melhorar as condições da instituição que está sob
seu comando. As medidas tomadas terão ligação com os problemas que
impedem o bom funcionamento da casa, como custos altos, gasto desnecessário
de energia, alocação malfeita de recursos disponíveis, falta de eficiência no
sistema de triagem de pacientes.
Essa lógica, diz Humphrey, também se aplica à autocura: a mente é capaz de
trabalhar para reduzir ou eliminar processos internos, como as dores fortes, que
interferem no bom funcionamento das células e diminuem as chances de
sobrevivência.
Mas o organismo não atuaria para limar imediatamente qualquer mal, porque
muitos não são defeitos de funcionamento — são defesas. A dor impede você de
se colocar em risco de novos ferimentos e estimula o repouso para a
recuperação. A tristeza sensibiliza pessoas próximas para a cooperação e ajuda a
resolver problemas. A febre aumenta a eficiência do sistema imunológico no
combate a micro-organismos invasores. O vômito expulsa substâncias tóxicas. O
medo afasta de situações de perigo.
Em alguns casos, é bom se sentir mal, porque isso evita algo pior. Quando essas
defesas ficam exacerbadas é que viram problema. Se a dor é forte e
compromete a mobilidade, deixa o organismo mais vulnerável a ataques. A
atenção se volta a ela e a capacidade de raciocínio fica comprometida. Até a
vontade de viver desaparece. A febre pode evoluir para convulsões, o vômito,
para a desnutrição, a tristeza, para a desconexão com outros membros do grupo
essenciais à sobrevivência.
Nessa hora, o cérebro pode começar a gerenciar os problemas internos e
resolvê-los. “Em alguns casos, esse mecanismo não é espontâneo, mas pode ser
disparado pela influência de algo externo”, afirma Humphrey.
Para ele, placebo é o estímulo que ativa nossa capacidade latente de
autogerenciamento. “É verdade que os efeitos podem não ser sempre
consistentes ou totalmente bem-sucedidos. Mas eles certamente ocorrem com
regularidade e em escala suficientes para provar que podem fazer uma
contribuição altamente significativa para a saúde humana.”
Placebo pode ser bom. Mas ele tem um gêmeo mau. O nome dele é nocebo.
EFEITO CONTRÁRIO
Testes de uma nova droga em comparação com placebos na maioria das vezes
geram um fato curioso. Parte dos voluntários que recebe pílulas inativas
abandona o estudo por sentir efeitos colaterais, como náusea, dor e aumento da
pressão arterial, como se estivesse tomando a medicação. Como os comprimidos
não têm princípios ativos que possam causar essas complicações, os cientistas
atribuem esses casos à autossugestão negativa. Os participantes têm uma
expectativa ruim em relação ao tratamento e realmente experimentam aquelas
consequências físicas. É o efeito nocebo, o oposto do placebo.
Pesquisadores italianos142 reuniram pacientes com e sem intolerância à
lactose e deram a todos eles um “leite placebo”, sem lactose. O esperado era não
haver reação adversa em nenhum dos grupos, mas 44% dos sensíveis à
substância e 26% dos que não tinham problema com ela apresentaram sintomas
gastrointestinais compatíveis com a intolerância. O efeito nocebo acontece
também com remédios. Há quem sinta efeitos colaterais de um medicamento só
lendo a bula.
Placebo e nocebo mostram como as expectativas pessoais e a atitude dos
outros ao redor influenciam o corpo e a mente. Por isso, saúde não se compra na
farmácia. É uma condição global interligada com as crenças, a cultura, a
qualidade das relações e a capacidade de reagir de forma positiva aos ferimentos
da vida.
A REALIDADE,
por mais utópica que seja, é algo de que as pessoas precisam tirar férias com
bastante frequência, escreveu Aldous Huxley no prefácio de uma edição de
Admirável Mundo Novo.
No livro, a humanidade vive em um planeta sem conflitos nem questionamentos,
cheio de seres eternamente jovens, belos, saudáveis e padronizados mentalmente
por uma droga universal, a Soma.
CAPÍTULO 2 • REMEDIOLÃO
12. Disponível em industry documents.library.ucsf.edu
13. “Warner-Lambert to pay $430 million to resolve criminal & civil health
care liability relating to off-label promotion”, The United States Department
of Justice, 13 de maio de 2004
14. “Statistical review and evaluation: antiepileptic drugs and suicidality ”,
U.S. Department of Health and Human Services Food and Drug
Administration, Center for Drug Evaluation and Research, 23 de maio de
2008
15. “Johnson & Johnson to Pay More Than $2.2 Billion to Resolve Criminal
and Civil Investigations”, The United States Department of Justice, 4 de
novembro de 2013
16. “United States memorandum for entry of plea and sentencing”, Janssen
Pharmaceuticals, Inc., The United States Department of Justice, 4 de
novembro 2013
17. “GlaxoSmithKline to Plead Guilty and Pay $3 Billion to Resolve Fraud
Allegations and Failure to Report Safety Data”, The United States
Department of Justice, 2 de julho de 2012
18. “Justice Department Announces Largest Health Care Fraud Settlement in
Its History : Pfizer to Pay $2.3 Billion for Fraudulent Marketing”, The United
States Department of Justice, 2 de setembro de 2009
19. “Pfizer Subsidiaries Reach $34.7 Million in Settlements”, FDA News
20. Conselho Federal de Medicina, Resolução 1999/2012
21. “Abbott Labs to Pay $1.5 Billion to Resolve Criminal & Civil
Investigations of Off-label Promotion of Depakote”, The United States
Department of Justice, 7 de maio de 2012
22. “Eli Lilly and Company Agrees to Pay $1.4 Billion to Resolve
Allegations of Off-label Promotion of Zy prexa”, The United States
Department of Justice, 15 de janeiro de 2009
23. “Merck to Pay More than $650 Million to Resolve Claims of Fraudulent
Price Reporting and Kickbacks”, The United States Department of Justice, 7
de fevereiro de 2008
24. “FDA A nnounces R esults o f I nvestigation I nto I llegal P romotion of
Oxy Contin by The Purdue Frederick Company, Inc. Company
Misrepresented Prescription Pain Reliever to Health Care Professionals”,
FDA, 10 de maio de 2007
25. “Pharmaceutical Giant AstraZeneca to Pay $520 Million for Off-label
Drug Marketing”, The United States Department of Justice, 27 de abril de
2010
26. “Bristol-My ers Squibb to Pay More Than $515 Million to Resolve
Allegations of Illegal Drug Marketing and Pricing”, The United States
Department of Justice, 28 de setembro de 2007
27. “Novartis Pharmaceuticals Corp. to Pay More Than $420 Million to
Resolve Off-label Promotion and Kickback Allegations”, The United States
Department of Justice, 30 de setembro de 2010
28. SE Nissen e K. Volski, “Rosiglitazone revisited: an updated meta-analy sis
of risk for my ocardial infarction and cardiovascular mortality ”, 2010 Jul 26;
170(14):1191-1201
29. “Risco cardiovascular do medicamento Avandia”, Alerta
SNVS/Anvisa/Nuvig/Gfarm nº 04, de 29 de setembro de 2010
FOTOGRAFIA Dulla
K25t
Kedouk, Marcia
Tarja preta. / Marcia Kedouk. – São Paulo: Abril, 2016.
256 p ; il. ; 23 cm.
2016
Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA ABRIL S.A.
Av. das Nações Unidas, 7221
05425-902 — Pinheiros
— São Paulo — SP — Brasil
Table of Contents
Folha de Rosto
Sumário
PARTE 1 TARJA PRETA - COMO A INDÚSTRIA FUNCIONA
Capítulo 1 - Big Pharma Brasil
Capítulo 2 - Remediolão
Capítulo 3 - O Poderoso checão
Capítulo 4 - Doenças S/A
Capítulo 5 - Elixires milagrosos
Capítulo 6 - Overdose de drogas lícitas
Capítulo 7 - O manual da loucura
PARTE 2 TARJA VERMELHA - COMO A INDÚSTRIA FUNCIONA
Capítulo 8 - Ansiedade: de aliada a vilã
Capítulo 9 - A vida em preto e branco: depressão e antidepressivos
Capítulo 10 - Déficit de atenção: a vida fora de foco
Capítulo 11 - Obesidade: verdades, mitos e mais mitos
Capítulo 12 - Automedicação: um perigo real
Capítulo 13 - Efeito placebo
Posfácio
Créditos