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NITERÓI
2008
2
Niterói
2008
3
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________
Profª Dr ª Sonia Maria Rummert – UFF (Orientadora)
_____________________________________
Prof. Dr. Rui Canário – FPCE-UL
_____________________________________
Prof. Dr. Roberto Leher – UFRJ
_____________________________________
Prof. Dr. Gaudêncio Frigotto – UERJ
_____________________________________
Prof. Dr. Osmar Fávero – UFF
_____________________________________
Profª Dr ª Margarida Machado – UFG (suplente)
_____________________________________
Profª Dr ª Lia Tiriba – UFF (suplente)
4
AGRADECIMENTOS
Muitos contribuíram, de variadas formas, para que esta tese chegasse ao seu término.
A todos, os meus sinceros e profundos agradecimentos. Mesmo correndo o risco da omissão
de alguns nomes, procurarei aqui, na medida do possível, referendar algumas pessoas e
instituições, consciente de que o coletivo de apoios, ajudas, incentivos e sugestões é muito
mais amplo do que o registrado nesta seção.
Ao CNPq, pelo apoio recebido na concessão da bolsa de estudos ao longo deste
percurso e na oportunidade de realizar, durante um semestre, o Estágio de Doutoramento em
Portugal.
À Universidade Federal Fluminense agradeço a oportunidade de dar continuidade a
uma longa interlocução. Afinal, entre a Graduação (1993-1997), o Mestrado (1999-2001) e
agora o Doutorado (2004-2008), contabilizo uma década e meia de UFF!
À professora Sonia Maria Rummert, que participou efetivamente de minha trajetória
acadêmica. Sua contribuição transcende, em muito, a escrita desta tese. Tê-la como
orientadora e amiga é um privilégio e uma conquista de grande valor.
Ao professor Rui Canário, pelo acolhimento generoso na Faculdade de Psicologia e
de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa. Suas aulas no Curso de Formação de
Adultos e no grupo de pesquisa me instigaram a redimencionar a “educação ao longo da
vida”.
Ao professor Roberto Leher agradeço a recepção na Faculdade de Educação da UFRJ
e as ricas discussões empreendidas nas suas aulas e no momento da qualificação, essenciais
para a elaboração dos dois primeiros capítulos desta tese.
Aos professores Gaudêncio Frigotto e Osmar Fávero, ambos “mestre de muitos
mestres”, pelo companheirismo e generosidade na interlocução acadêmica, minha gratidão e
carinho eternizados.
À professora Maria Margarida Machado, pela prontidão em ler meu trabalho, pela
presença na banca examinadora, pelas contribuições que certamente dará à versão final desta
tese, meu respeito e admiração.
Às professoras Sonia Maria de Vargas (UCP) e Maria Luiza Angelim (UNB), pelas
longas e generosas conversas e trocas. Pelo nome de Lia Tiriba agradeço a todos os demais
professores da UFF, particularmente àqueles do campo Trabalho e Educação e NEDDATE.
5
À professora Márcia Trigueiro, por ter realizado a trabalhosa revisão de meu texto,
enriquecendo-o com valiosas sugestões.
A André Vianna Carneiro e Marco Aurélio Santana, amigos e parceiros de trabalho,
pela ajuda na organização dos dados quantitativos e qualitativos relativos a ANPEd.
Aos fóruns de EJA. Apesar de não serem objeto desta pesquisa, o envolvimento com
os mesmos e a experiência de por dois anos estar como representante estadual e ter como
interlocutores os demais fóruns de EJA do Brasil me abriu caminhos de percepção das
mediações, limites e tensões que em muito potencializaram as reflexões empreendidas nesta
tese; espero que ao assinalar as suas contradições, contribua para a superação das mesmas.
Aos tantos amigos, cúmplices de diversas categorias: a Filippina Chinelli, Marisa
Brandão, Inês Bonfim, Ênio Serra, Dani Motta e Luciana Requião, pelas orientações,
coletivas e individuais, que me proporcionaram; a Flávio Anísio, Alexandre Maia, Elizabeth
Serra, Violeta Durão e Gleicimar Gonçalves de Lima, pelo carinho e incentivo.
Especiais agradecimentos, pela confiança que depositam em mim, aos meus
familiares. Primeiramente aos meus pais (Uiaciara e Damião), que pelos nossos horizontes de
classe não idealizaram o mestrado ou o doutorado, mas me acompanham e torcem orgulhosos.
E, em seqüência, a todos os tios, primos, cunhados e sogros, a quem – pelos nomes de Aline
Pereira, prima-comadre, e Francisco das Chagas, cunhado-irmão – agradeço e peço desculpas
pela ausência necessária para a escrita da tese.
Finalmente, ao grande companheiro Francisco, pela leitura, crítica e correção do
trabalho. As contribuições são tantas que já não é possível distinguir ou enumerar.
Cumplicidade e amor não se agradecem, por isso palavras de gratidão serão sempre poucas...
mas foi muito bom poder contar com ele na concretização desse sonho construído em
parceria.
6
Ressalto que é um fenômeno histórico. Não vejo a classe como uma “estrutura”,
nem mesmo como uma “categoria”, mas como algo que ocorre efetivamente
(e cuja ocorrência pode ser demonstrada) nas relações humanas.
(Thompson, 2004: 09)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
3.2.1. A EJA nos dois governos Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) ..........................124
3.2.2. A EJA no primeiro governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006) ..........................134
8
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
APÊNDICES
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 – Principais ações do governo federal relativas à EJA (1996 a 2002), p. 156
QUADRO 2 – Principais ações do governo federal relativas à EJA (2003 a 2006), p. 157
LISTA DE TABELAS
LISTA DE SIGLAS
RESUMO
ABSTRACT
The main objective of this research is to capture and to analyse the conceptions of
Youth and Adult Education (EJA) which are under dispute in the contemporary Brazilian
society. Thus, this study aims at understanding the process which led to the construction of
the current identity of the EJA and (as a result) it also points out the contradictions,
oppositions, convergence of interests, consensus and contours of the reformulations of the
EJA in the last decade. Moreover, it also discusses the alternatives and obstacles with relation
to the theoretical and practical processes of approach of both Work and Education and Youth
and Adult Education. Furthermore, this investigation seeks to demonstrate how the identity of
the EJA has acquired a more complex format since the 90s, a decade which was characterised
by the fragmentation of the undertaken actions. This fragmented format has been inspired by
the logic of the flexible accumulation pattern and the guidelines of the international
organisations, especially BIRD and UNESCO, which have added a new dimension to the
fragmentation content. To address this problem more effectively, this work analyses the
complex relationship between the EJA and the global policies, mainly concerning the
structural aspects of the capitalist system and its crisis; the Brazilian State Reform and its
implications in the educational field as a whole. In addition, it also discusses the concepts and
the proposals designed for adult education, developed by the international organisations in
reply to the new materialisation of the international capitalism, which has influenced the
debates and the formulations concerning the EJA in Brazil at the moment. Futhermore, this
study presents the recent configuration of policies regarding the EJA (1995-2006) as well as
the ways in which Fernando Henrique Cardoso (in both government terms), and Luiz Inácio
Lula da Silva (in his first term), dealt with this educational programme both legally and
practically, that is, in conceptual and in practical terms. The following chapter reflects upon
the concepts as well as the methodological and theoretical perspectives of the works presented
at the Post Graduation National Association and Education Research (ANPEd) meetings, and
the reports of the National Conference on Youth and Adult Education (ENEJAS), when this
research was being carried out. In addition, the analysis done in this study highlights the fact
that, at the moment, with regard to the EJA, what prevails are the different forms of access to
this type of educational programme, which is responsible for the uneven and unequal
distribution of knowledge. Finally, the concluding chapter points to the tensions, the
contradictions and the challenges existing in the predominant logic that contributes to mantain
or to overcome the prevailing social order in the EJA, and in the Brazilian contemporary
society.
Key words: Youth and Adult Education, Professional Education, Work and Education
15
INTRODUÇÃO
1
Além de acompanhar e participar das reuniões do Fórum EJA/RJ desde 2001, e participar dos encontros
nacionais (ENEJA) ressalto a atuação como representante do movimento no biênio 2004-2006.
2
No mestrado, nossa investigação focalizou a experiência de formação profissional de nível básico,
desenvolvida no âmbito do Ministério do Trabalho: o Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador
(PLANFOR). Buscou-se compreender os processos redefinidores das políticas públicas para a educação de
jovens e adultos na década de 1990, tomando como referência investigativa o PLANFOR, por considerá-lo
representativo da concepção política e pedagógica em construção pelo Estado brasileiro para essa modalidade de
educação.
16
3
O PLANFOR e a Educação de Jovens e Adultos Trabalhadores: a subalternidade reiterada (Ventura, 2001).
18
divisão recai precisamente sobre a modalidade básica da educação profissional, aquela que
atinge a parcela da população que, dado seu alijamento econômico e sociocultural, é
historicamente atendida pela EJA. Nessa "divisão de tarefas", enquanto se observava o
esvaziamento, a indefinição e a descentralização no MEC, o MTE estabeleceu como principal
diretriz a ampliação da educação fundamental (noções básicas, mínimas) e a formação
profissional de nível básico, executadas a partir de projetos e atividades com uma perspectiva
predominantemente aligeirada e assistencialista. O Planfor – Programa Nacional de
Qualificação Profissional é a política que de 1995 a 2003 melhor expressa concepção
fragmentada e focal de educação básica para os trabalhadores e que melhor expressa a divisão
pedagógica e institucional naquele momento. Pode-se dizer que as políticas públicas para a
área aproximam-se do que Neves (1997) denomina formação para o trabalho simples para a
atual geração de trabalhadores4.
Rummert (2003) afirma, baseado em Castro (1985), que as iniciativas no campo da
educação básica e profissional para jovens e adultos trabalhadores, principalmente a partir de
1995, podem ser agrupadas tomando-se como referência frações da classe trabalhadora às
quais se destinam. Desse modo, destaca:
[1] Para aqueles destituídos de todos os direitos sociais, entre os quais se destaca o
direito à educação, o MEC implementa ações centradas na filantropia, no apelo ao
voluntariado e à solidariedade e/ou nas parcerias, voltadas para a meta recorrente de
eliminação do analfabetismo. Nos anos de 1990, a política destinada a esse campo
restringiu-se às iniciativas desenvolvidas pelo Programa Alfabetização Solidária.
[2] Para a formação de trabalhadores destinados a ocupar postos de trabalho em
setores que contam, ainda, com razoável grau de proteção, no núcleo central do
capital, ligado, predominantemente às novas tecnologias, o MEC tem atuado, ainda
de forma tímida, no Ensino Médio e na educação profissional de nível técnico e
tecnológico. (...)
[3] [...] aqueles empregados em setores economicamente declinantes, obrigados a
abrir mão de direitos para manter ou obter empregos, ou, ainda, aqueles que
executam serviços de baixa produtividade, com proteção mínima ou, mesmo
nenhuma e em condições de trabalho precarizadas. (...) A esses trabalhadores estão
destinados os programas de formação profissional, a maioria implementada pelo
MTE em particular, aqueles executados com recursos do Fundo do Amparo ao
Trabalhador (FAT). (p. 4-5)
4
Neves (1997) subdivide as políticas governamentais para a formação do trabalho simples em dois tipos:
formação da atual geração de trabalhadores e formação das próximas gerações de trabalhadores.
19
Em primeiro lugar, sua ótica não parte dos indivíduos, nem da sociedade enquanto
somatório de individualidades. Se há natureza no homem, ela é social e, portanto,
passível de transformação. Os homens têm uma sociabilidade própria que lhes é
dada, em cada momento da história, pelo lugar que ocupam no processo de produção
e de trabalho. (Mendonça, 2001:13)
5
Como exemplo da lógica dominante na área, ver Rummert (2005).
6
Compreensão é aqui tomada no sentido atribuído por Kosik (1995): “compreender o fenômeno é atingir a
essência” (p.16), é um esforço por ir além do aparente e chegar à “coisa em si” e “conhecer-lhe a estrutura”
(p.18). Tratamos compreensão na perspectiva da filosofia da práxis, de forma indissociável à idéia de ação para
transformação.
7
É importante salientar que a incorporação, no Brasil, de proposições difundidas pelos organismos
internacionais, em particular sobre a relação linear entre educação e economia determinada pelo
desenvolvimento tecnológico, ficou evidente no encaminhamento da política educacional a partir do início dos
anos 1990. Por exemplo, em 1993, o “Plano Decenal de Educação para Todos”, formulado pelo MEC, continha
as posições, supostamente consensuais, expressas na Declaração Mundial sobre Educação Para Todos:
Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem (Unesco, 1990), evento promovido pela UNESCO,
UNICEF, PNUD e Banco Mundial; problemática esta que será tratada mais adiante neste trabalho.
20
qual predomina a perspectiva da análise das diferenciações sociais sob a forma de classe, e
outra vertente em que predomina a perspectiva das múltiplas identidades e subjetividades,
compreendendo a EJA como campo de demonstração unicamente da diversidade cultural.
Neste ponto, podemos afirmar que, da existência de concepções distintas sobre o que é a EJA
e sobre as características sociais de seu público, derivam diferentes visões sobre a forma e o
conteúdo da condução das políticas educacionais na área.
Assim, esta pesquisa discute a educação de jovens e adultos do ponto de vista da
identidade de classe social, mediada pelo trabalho8, buscando demonstrar como a identidade
da EJA, a partir da década de 1990, caracterizada pela fragmentação das ações empreendidas,
foi tomando uma configuração própria, bem mais complexa, inspirada na lógica do padrão de
acumulação flexível9, que redimensionou o conteúdo da própria fragmentação. Atualmente,
mais do que negar o acesso à educação, o que prevalece são formas diferenciadas de oferta e
acesso, ou seja, verifica-se uma distribuição e regulação de diferentes acessos a variadas
ofertas de educação. A partir deste enquadramento, nossa hipótese é que os novos formatos
das políticas educativas voltadas para jovens e adultos pouco escolarizados tornam-se
compreensíveis à luz de suas intenções de controle social, estruturando-se a partir de objetivos
de caráter paliativo quanto à desigualdade social.
É importante registrar, ainda, que o processo de constituição da atual configuração da
educação brasileira é resultado da correlação de forças entre os vários setores organizados da
sociedade civil. No campo progressista, um exemplo significativo, dentre outros sujeitos
políticos coletivos, foi o empenho do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública10 na
Assembléia Nacional Constituinte de 1988, no Projeto de LDB (PL 1.258/88) e no Plano
Nacional de Educação – Proposta da Sociedade Brasileira (PL 4.155/98). Todavia, a tese não
se ocupará dos meandros desse, priorizando-se apenas o resultado da ação das forças
dominantes.
8
Referimo-nos à categoria trabalho enquanto produção da existência do homem, independente das formas de
sociedade, ou seja, como necessidade social-ontológica de mediação entre homem e natureza no processo de
produção e reprodução das condições de sua existência (Marx, 1984).
9
A acumulação flexível “é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia na
flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. [...] A
acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões de desenvolvimento desigual, tanto entre setores
como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego no chamado ‘setor de
serviços’ ” (Harvey, 1999: 140).
10
Segundo sua Declaração de Princípios (2001), o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública constitui-se em
uma articulação de entidades e movimentos sociais organizados da sociedade brasileira os quais, partilhando
princípios, valores, concepções e ideais semelhantes, buscam defender a educação pública, gratuita, democrática
e de qualidade social, para todos os cidadãos e cidadãs brasileiros(as).”
Disponível em: http://www.andes.org.br/forum.htm. Acesso em: maio de 2008
21
Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião e por tudo
o que se queira. Mas eles próprios começam a se distinguir dos animais logo que
começam a produzir seus meios de existência, e esse passo à frente é a própria
conseqüências de sua organização corporal. Ao produzirem seus meios de
existência, os homens produzem indiretamente sua própria vida material. [...]
11
Método é aqui entendido no sentido que lhe atribui Kosik: “O pensamento que destrói a pseudoconcreticidade
para atingir a concreticidade é ao mesmo tempo um processo no curso do qual sob o mundo da aparência se
desvenda o mundo real, por trás do fenômeno, a essência” (Kosik.1995:19)
12
Os pressupostos epistemológicos da dialética materialista histórica foram apresentados, por exemplo, em Marx
(1983). Dialogamos também com as contribuições de Kosik (1995); Gramsci (1991) e Thompson (2004);
Hobsbawm (1995) e Mészáros (2002).
13
Nesta perspectiva, para além da compreensão, busca-se a superação da realidade: “Os filósofos só
interpretaram o mundo de diferentes maneiras; do que se trata é de transforma-lo” (Marx e Engels, 1988: 97)
22
São os homens que produzem suas representações, suas idéias etc., mas os homens
reais, atuantes, tais como são condicionados por um determinado desenvolvimento
de suas forças produtivas e das relações que elas correspondem, inclusive as mais
amplas formas que estas podem tomar. (Marx e Engels, 1988: 13/20)
Para a dialética materialista a apreensão da realidade social pode e deve se dar na sua
totalidade, o que não quer dizer que seja investigar tudo, ou que, todos os aspectos da
realidade possam ser apreendidos. Todavia, tal posicionamento se contrapõe frontalmente à
posturas relativistas (como as de inspiração pós-modernas) que negam a possibilidade do
conhecimento humano alcançar o conjunto dos aspectos da realidade. De acordo com o
enfoque da dialética materialista histórica, a dimensão da práxis enquanto “método
revolucionário de transformação da realidade” tem papel central no desvelamento do real, ou
seja, “Para que o mundo possa ser explicado criticamente, cumpre que a explicação mesma se
coloque no terreno da práxis revolucionária” (idem, p. 22).
Por isso, como é sintetizado exemplarmente por Frigotto,
Por trás das disputas teóricas que se travam no espaço acadêmico, situa-se um
embate mais fundamental, de caráter ético-político, que diz respeito ao papel da
teoria na compreensão e transformação do modo social mediante o qual os seres
humanos produzem sua existência, neste fim de século, ainda sob a égide de uma
sociedade classista, vale dizer, estruturada na extração combinada de mais-valia
absoluta, relativa e extra. As escolhas teóricas, deste sentido, não são nem neutras e
nem arbitrárias – tenhamos ou não consciência disto. (Frigotto, 1998: 26)
Este ponto nos traz a dimensão de que, levando-se em conta o objeto deste estudo,
faz-se necessário alertar que a apreensão fenomênica e imediata do conceito de classe, só o
percebe como um conceito autônomo e utilitário. Todavia, amparados principalmente nos
23
Thompson (2004) assinala para o fato de que as concepções de classe social estão,
muitas vezes, marcadas por equívocos como a sua coisificação: "Existe atualmente uma
tentação generalizada em se supor que a classe é uma coisa" (p. 10). Enquanto fenômeno
histórico, que o conceito de classe precisa ser tomado como uma relação social e não apenas
como um mero local estrutural, presente nas visões economicista. Desta forma, assinala:
aos mais abstratos e distantes, buscando desvelar as conexões, interfaces e contradições entre
os caminhos tomados pela EJA contemporânea e os rumos do capitalismo nacional e
internacional.
Assim, os dois capítulos iniciais estabelecem as bases teóricas e os pressupostos
conceituais que serviram de instrumentos de análise, apresentando as matrizes conceituais e as
intermediações das relações capitalistas nacionais e internacionais que influenciaram a
educação de jovens e adultos no Brasil.
O Capítulo I, Crise do capital, reforma do Estado e educação no Brasil, analisa os
determinantes estruturais do sistema-capital e sua crise, a reforma do Estado brasileiro e suas
implicações no campo educacional. Em outras palavras, trata das transformações mais gerais
em curso no capitalismo contemporâneo, que, no Brasil, interferem diretamente nas políticas
de educação dos trabalhadores jovens e adultos implementadas pelo governo federal a partir
de meados da década de 1990. Com esse intuito, discute-se o processo de constituição da “Era
de Ouro” do capitalismo no século XX (Hobsbawm, 1995), e os novos métodos de expansão
do capital, consolidados, sobretudo na década de 1990, com a expansão do padrão de
acumulação flexível e da acumulação por espoliação (Harvey, 1999; 2004).
Segundo esta análise, o processo de reestruturação produtiva desencadeou uma
reordenação das instituições econômicas, políticas e sociais, refazendo antigas e
estabelecendo novas relações a partir da internacionalização do capital – como o
fortalecimento do capital financeiro e dos organismos internacionais –, que exigiram a
reordenação do capital nacional, a alteração do papel do Estado nacional e a construção de um
novo padrão da gestão pública, em especial no que tange às políticas sociais. Reformas que,
orquestradas à luz da ideologia neoliberal, impôs a lógica do mercado ao campo educacional e
sua subjugação explícita à razão econômica. Apesar da perspectiva utilitarista na educação
não ser novidade, as transformações recentes no capitalismo reeditam-na em renovadas
versões, visando criar os consensos necessários à manutenção da hegemonia do capital na
sociedade contemporânea.
O Capítulo II, A educação de adultos no quadro hegemônico internacional, trata dos
conceitos que fundamentam as propostas na área da educação de adultos desenvolvidas pelos
organismos internacionais como resposta à nova materialidade do capitalismo internacional e
suas influências nos debates e nas formulações relativas à educação de adultos no Brasil na
atualidade. No contexto de reordenamento do último quarto do século XX, de
internacionalização da economia no contexto imperialista (Harvey, 2004), observa-se a
subordinação externa ampliada na configuração da divisão internacional do trabalho (Arrighi,
25
1997), ao mesmo tempo em que se amplia o poder e a influência das agências multilaterais na
tomada de decisões dos governos de países periféricos, com destaque para as orientações
advindas do Banco Mundial. Assim, abordamos alguns aspectos do papel desempenhado
pelos organismos supranacionais na formulação de políticas públicas desses países, enfocando
particularmente as políticas educacionais voltadas para EJA. Neste capítulo, verificamos duas
ordens de questões complementares: por um lado, o retorno renovado da Teoria do Capital
Humano, e, por outro, o estímulo para que os Estados exerçam o papel de gestores de
estratégias para a “compensação” e o “controle” social. Neste sentido, no Brasil, como em
outros países periféricos, atribui-se à educação o papel de desenvolvimento e garantia de
estabilidade do capital. O lema “Educação para Todos”, marca da década de 1990,
empunhado pelo Banco Mundial e, em particular, pela UNESCO, está articulado ao projeto
político-econômico proposto pelos organismos internacionais, de alívio da pobreza e
governabilidade como estratégia de enfrentamento da crise estrutural e de reprodução do
capitalismo mundial.
Os dois capítulos seguintes analisam a EJA no Brasil, partir de três vertentes: as
políticas para EJA advindas do governo federal, as pesquisas apresentadas nas reuniões anuais
da ANPEd e as discussões empreendidas nos encontros nacionais dos Fóruns da área
(ENEJAs).
O Capítulo III, intitulado A educação de jovens e adultos trabalhadores, aborda a
configuração recente das políticas para EJA (1995-2006), focalizando a estrutura legal e as
formas como os dois governos Fernando Henrique Cardoso e o primeiro governo Luiz Inácio
Lula da Silva trataram essa modalidade de ensino, tanto em termos conceituais quanto no
âmbito das ações. Bouscou-se, portanto, uma aproximação com a identidade da EJA nas ações
políticas da União a partir da segunda metade da década de 1990. Esta, a nosso ver, apresenta-
se associada aos mecanismos de alívio à pobreza e de controle social exigidos pela
governabilidade; tem vínculos íntimos com inserção associada e subalterna do país ao
capitalismo globalizado; tem laços histórico-culturais com os processos que tradicionalmente
utilizados na manutenção autoritária da ordem diante da uma estrutura social secularmente
desigual.
O Capítulo IV, intitulado Concepções e referenciais teórico-metodológicos sobre
EJA presentes na produção da ANPEd e dos ENEJAs, realizamos um mapeamento dos
conceitos sobre EJA presentes nos trabalhos apresentados nas reuniões da Associação
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação e nos relatórios dos Encontros Nacionais
de Educação de Jovens e Adultos no período de 1995 a 2006, com o objetivo de desvelar a
26
identidade da EJA neles operada. Para tanto, na produção acadêmica, tal caracterização foi
elaborada por meio dos conceitos e das categorias básicas que nortearam os trabalhos
científicos, e nos ENEJAs, nas propostas e reivindicações dos seus diversos agentes políticos,
econômicos, culturais, governamentais, religiosos, empresariais, etc., registradas em seus
relatórios-síntese. Dentre as instituições sociais relacionadas ao tema, elegemos estas duas por
considerá-las as mais emblemáticas do debate que vem sendo travado sobre o tema, não só
por aglutinarem participantes de todo o Brasil, como por representarem os diversos agentes
sociais atuantes na área.
No capítulo V, Tensões, contradições e desafios: disputas entre lógicas de
manutenção e de superação da ordem social, buscamos interligar as bases teóricas que
nortearam este estudo com os dados legais e conceituais levantados ao longo dos capítulos
anteriores, apontando para tensões, contradições e desafios que foram identificadas no
decorrer da pesquisa. Nele, problematizamos o recente consenso que a categoria diversidade
desfruta no campo da EJA, construído em oposição à perspectiva de classe. Com isso,
abandona-se a crítica à estrutura social capitalista e a luta por transformações profundas na
sociedade, e, concomitantemente, adota-se sem questionamentos o referencial da educação ao
longo da vida. Os trabalhos fundamentados na categoria diversidade interpretam os conflitos e
tensões sociais como resistências a pontos específicos do status quo, desencadeadas por
grupos sociais específicos (geralmente minorias), com objetivos específicos; portanto, são
lutas separadas e estanques que, no máximo, podem render alianças estratégicas temporárias.
Desprezam e/ou se negam a compreender a inerente e complexa unidade social e cultural que
sustenta diversidade da “classe que vive do trabalho” – diferentes frações da classe
trabalhadora, com diversas formas de inserção laboral/social/cultural e com graus diferentes
de precariedade.
Muitas são as conseqüências desta forma de interpretar a realidade. Porém, a mais
imediata e desastrosa para os interesses dos que vivem do trabalho é a destruição dos direitos
sociais universais e das políticas por eles orientadas, substituídos pela fragmentação com foco
no atendimento de grupos sociais específicos através da prática usual de parceria Estado-
sociedade, expressando o arranjo de “novos” formatos conciliatórios de participação social.
Nessa perspectiva, a desigualdade social é entendida como inerente às sociedades humanas e
não como uma construção histórico-social; desse princípio decorre que às lutas sociais só é
possível diminuir e atenuar os seus efeitos mais contundentes e desumanos, sem jamais aboli-
las.
Desta forma e a título de considerações finais, apontamos para o imperativo de
27
CAPÍTULO I
Este capítulo tem por objetivo abordar a problemática da educação à luz das
transformações econômicas, políticas e sociais recentes nas sociedades capitalistas. Procede-
se ao estudo do processo de crise e reestruturação do capitalismo contemporâneo e de
reconfiguração do papel do Estado-nação, essencial para a problematização das diferentes
concepções de educação, a partir das quais se disputam conceitos e práticas, em particular na
área da educação de jovens e adultos – EJA. Partimos da premissa de que, sendo a educação
uma construção social, a definição conceitual e as concepções subjacentes às práticas
pedagógicas envolvem disputas por projetos de sociedade e, portanto, não podem ser
analisadas de forma dissociada da conjuntura socioeconômica e político-cultural do país.
Com esse intuito, apresenta-se inicialmente o processo de constituição da “Era de
Ouro” do capitalismo no século XX (Hobsbawm, 1995), que corresponde aproximadamente
ao período de 1945 a 1975. Nesse período, a valorização do capital se dava através do padrão
de acumulação fordista-keynesiano, até que a crise da década de 1970 sinalizou seu
esgotamento e a incapacidade de serem contidas as contradições inerentes ao capitalismo e
impôs a necessidade de criação de novos métodos de expansão, consolidados, sobretudo a
partir da década de 1990, com a expansão do padrão de acumulação flexível e da acumulação
por espoliação (Harvey, 1999: 2004). Assim, em que pesem as peculiaridades de cada país e
as diferenças produzidas pelo desenvolvimento econômico desigual, ao tomar esses dois
momentos histórico-econômicos como referências gerais para a análise empreendida nesta
tese, endossamos a afirmação de Frigotto de que:
Essa configuração nos permite apreender qual o papel reservado ao Brasil na divisão
internacional do trabalho e como se efetivam, nesse contexto, a formação do
trabalho simples e complexo e os desafios e dilemas que enfrentamos.
As concepções, os projetos e as políticas de educação escolar e de educação
profissional em disputa hoje, no Brasil, ganham sentido como constituídos e
constituintes da especificidade de projeto de sociedade em disputa pelo capital e pela
classe trabalhadora. (Frigotto, 2006: 242)
14
Segundo Arrighi (1997), “os Estados semiperiféricos podem se manter à frente da pobreza dos Estados
periféricos mas, enquanto grupo, nunca podem transpor o golfo que separa sua riqueza oligárquica dos Estados
do núcleo orgânico. O êxito nesse tipo de luta tem suas limitações inerentes. O próprio êxito das lutas contra a
exclusão leva a uma exploração mais intensiva dos Estados semiperiféricos por parte dos Estados do núcleo
orgânico e, portanto, acentua a capacidade desses últimos de excluir os primeiros das atividades mais
compensadoras e do uso ou gozo dos recursos escassos. O próprio êxito das lutas contra a exploração leva a uma
auto-exclusão do acesso aos mercados mais ricos e às fontes mais dinâmicas de inovações” (p. 219).
30
15
Nesse cenário, autores como Hobsbawm (1995), Altvater (1995), Arrighi (1997) e Mészáros (2002) apontam,
em suas análises, para o fato de que o modo de produção capitalista enfrenta a mais profunda crise da sua
história.
16
Sobre a natureza estrutural das crises cíclicas no modo de produção capitalista, “a literatura que analisa a
gênese e o desenvolvimento histórico do capitalismo, começando pelas análises de Marx, Engels e Rosa de
Luxemburgo, nos dá conta que, de tempos em tempos, o sistema, de forma global, enfrenta crises violentas e
colapsos que não advêm de fatores exógenos, mas justamente do caráter contraditório do processo capitalista de
produção” (Frigotto, 1995: 65).
31
17
Referindo-se tanto ao modelo de organização do trabalho fordista quanto à política estatal keynesiana.
32
e trabalho, mediado pelo Estado, e parecia que o sistema de metabolismo social do capital
seria duradouro e controlado. Tal aliança do mercado com o Estado desencadeava, ao mesmo
tempo, crescimento econômico e conquistas na esfera social – entre elas, as políticas de pleno
emprego, que, por um lado, alimentavam com a criação de novas vagas um mercado de
trabalho em expansão, e, por outro, garantiam a ampliação do mercado consumidor. Além
disso, é preciso considerar que, muito mais que um sistema de produção em massa, o
fordismo criava uma nova maneira de se relacionar com o mundo e de viver. Nas palavras de
Harvey (1999), criava um “modo de vida total”18.
Conforme análises empreendidas por Arrighi (1997), construiu-se mundialmente um
perfil de distribuição de riqueza em que se estabeleceu uma estratificação, simbolizando uma
estrutura e uma conjuntura reveladoras de uma distribuição desigual da riqueza. Esse autor
evidencia que a economia mundial estrutura-se em três níveis: núcleo orgânico, semiperiferia
e periferia. Para ele, o Brasil seria um caso típico de semiperiferia, com possibilidade de
mobilidade descendente. É preciso esclarecer, como faz Arrighi, que a utilização do termo
“semiperiferia” é “para nos referirmos a uma posição em relação à divisão mundial do
trabalho” (p. 144). O conceito de semiperiferia abrange o conjunto de países que possuem
atividades de núcleo orgânico e atividades periféricas, mas, dadas as relações de poder entre
os países, não conseguem alcançar o núcleo orgânico, embora também não sejam periferias.
Nas palavras do autor: “nos referimos a uma posição intermediária na estrutura núcleo
orgânico-periferia da economia capitalista mundial” (p. 207).
Nesses termos, em relação aos países periféricos e semiperiféricos, é preciso
relativizar o significado do fordismo, pois embora não tenha sido plenamente dominante, de
certa forma foi estruturante na organização social desses países. Nessas realidades, a euforia
do pós-guerra dava-se sob a forma da ideologia do desenvolvimentismo19. Nesse período,
ocorria no Brasil uma mudança da política econômica e a redefinição da atuação do Estado:
passava-se de uma política que visava criar um sistema capitalista nacional para uma política
18
Sobre essa questão, encontramos na obra de Gramsci (2000) importante análise sobre como a adaptação
psicofísica à racionalização fordista cria um novo tipo de trabalhador e de homem, adequado às suas
necessidades, ou o que ele chamou de “novo tipo humano”.
19
Toma-se aqui o conceito conforme explicitado por Bielschowsky (2000). Assim sendo, entendemos por
desenvolvimentismo a ideologia dominante nos anos 1950, baseada em um projeto de superação do
subdesenvolvimento através, principalmente, da industrialização, do planejamento e do apoio estatal. Nas
palavras deste autor, um “projeto econômico que se compõe dos seguintes pontos fundamentais: a) a
industrialização integral é a via de superação da pobreza e do subdesenvolvimento brasileiro; b) não há meios de
alcançar uma industrialização eficiente e racional no Brasil através das forças espontâneas de mercado; por isso,
é necessário que o Estado planeje; c) o planejamento deve definir a expansão desejada dos setores econômicos e
os instrumentos de promoção dessa expansão; e d) o Estado deve ordenar também a execução da expansão,
captando e orientando recursos financeiros, e promovendo investimentos diretos naqueles setores em que a
iniciativa privada seja insuficiente.” (p. 7)
33
internos dos Estados nacionais, seus problemas financeiros tornaram-se cada vez maiores
diante da crescente fuga das linhas de montagem do centro para a periferia do sistema,
embora o mercado dos países centrais continuasse a ser o destino principal das mercadorias.
Importante ressaltar que, por um lado, o aumento do investimento estrangeiro com a entrada
das grandes corporações nas regiões semiperiféricas contribuiu para o “milagre econômico”
da década de 1970; por outro, os novos países industrializados receberam linhas de montagem
já defasadas tecnologicamente (industrialização de segunda categoria), em geral sem
preocupação ambiental, implantadas em regiões com pouca ou nenhuma tradição sindical,
pagando baixos salários e, geralmente, com vários incentivos governamentais20.
Para Oliveira (1988) a internacionalização produtiva, afetou o padrão de
financiamento do capitalismo de bem-estar social, limitando os recursos destinados aos
investimentos e à manutenção dos serviços sociais, e rompendo, por conseqüência, o pacto
entre capital e trabalho na disputa pelo fundo público21. Trata-se de um momento de transição
no regime de acumulação do capital e no modo de regulamentação social e política a ele
associado. Para Harvey, tal transição caracteriza a história recente e fica evidente no fato de
que “os contrastes entre as práticas político-econômicas da atualidade e as do período de
expansão do pós-guerra são suficientemente significativos para tornar a hipótese de uma
passagem do fordismo para o que poderia ser chamado regime de acumulação 'flexível'”
(1999: 119).
A intensificação da competitividade internacional, ocorrida no final dos anos 1960 e
início dos anos 1970, culminando com o fim do acordo de Bretton Woods22, significou o
marco da crise desse modelo23. Dessa forma, com a crise estrutural do capital, a rigidez do
sistema de acumulação fordista e a adoção do Estado de Bem-Estar Social passaram a ser
criticadas e responsabilizadas pela crise, redundando, segundo Harvey, na implantação da
acumulação de tipo flexível que envolve “rápidas mudanças dos padrões do desenvolvimento
desigual, tanto entre setores quanto entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto
20
Na literatura crítica, é consenso que existe uma relação entre o processo de crise e reestruturação do
capitalismo contemporâneo e a reação da burguesia internacional à resistência construída pelos trabalhadores à
exploração do trabalho sob o modelo fordista. O mesmo não pode ser dito quanto à situação da classe
trabalhadora nos países fora do núcleo orgânico do capital, onde o fordismo foi vivenciado, como já dito, sob a
forma de consumo de bens de massa e promessas desenvolvimentistas.
21
A internacionalização crescente retirou uma parte dos ganhos fiscais, porém deixou ao fundo público de cada
nação o financiamento da reprodução do capital e da força de trabalho (Oliveira, 1988).
22
Com o término do acordo de Bretton Woods – o fim do sistema de paridade fixa ouro-dólar, base estável de
referência para determinar as taxas de câmbio das outras moedas –, terminava-se com o padrão de financiamento
da acumulação criado no pós-guerra, e que havia possibilitado a necessária estabilidade para a expansão
econômica da “Era de Ouro”.
23
Harvey também chama a atenção para o fato de que a crise do fordismo não pode ser confundida com a crise
do capitalismo.
35
24
O neoliberalismo surge como corrente de pensamento no início do século XX, tendo em Friedrich Hayek um
dos seus principais idealizadores. Sua obra O Caminho da Servidão, lançada em 1944, se tornaria uma referência
do neoliberalismo no mundo. Hayek defendia, entre outras coisas, que a desigualdade social era necessária e
positiva para o funcionamento do capital.
36
25
Autores como Jameson (1996) e Harvey (1999), dentre outros, identificam na pós-modernidade a sua
materialidade e as possíveis mudanças de ordem estrutural que explicariam objetivamente a sua existência.
37
Assim é que, segundo Harvey (2004), a forma atual capitalista se deu principalmente
através da financeirização e da criação de um sistema internacional de livre comércio capaz
de desencadear surtos de desvalorização e de acumulação por espoliação. Para este autor, “A
acumulação por espoliação pode ser aqui interpretada como o custo necessário de uma ruptura
bem-sucedida rumo ao desenvolvimento capitalista com forte apoio dos poderes do Estado”
(p. 128). O autor também destaca que a transição para o padrão de acumulação de tipo
flexível amparou-se na disseminação do referencial teórico-político neoliberal:
26
Termo originário da experiência da fábrica automobilística japonesa Toyota.
38
A acumulação por espoliação se tornou cada vez mais acentuada a partir de 1973,
em parte como compensação pelos problemas crônicos de sobreacumulação que
surgiram no âmbito da reprodução expandida. […] Para que tudo isso ocorresse, era
necessário, além da financeirização e do comércio mais livre, uma abordagem
radicalmente distinta da maneira como o poder do Estado, sempre um grande agente
da acumulação, deveria se desenvolver. O surgimento da teoria neoliberal e a
política de privatização a ela associada simbolizaram grande parcela do tom geral
dessa transição (p. 129).
capital.
Nessa interpretação, globalização e imperialismo se inter-relacionam. Sendo assim, o
processo de globalização com práticas imperialistas seria uma das características do
capitalismo contemporâneo, um novo imperialismo que aprofunda e acirra o desenvolvimento
desigual, ampliando relações assimétricas historicamente construídas de dependência
econômica nos países da periferia capitalista. Em suma,
A interpretação de Leher enfatiza que não se pode minimizar o fato de que a crise
estrutural não se manifesta igualmente em todas as regiões. Destaca ainda que a “rediscussão
do “desenvolvimento desigual do capitalismo” é um dos maiores desafios teórico-práticos dos
movimentos sociais e das ciências econômicas e sociais dos países periféricos” (p. 156). Na
mesma linha de análise, Harvey afirma que a “acumulação flexível envolve rápidas mudanças
dos padrões do desenvolvimento desigual, tanto entre setores quanto entre regiões” (1999:
40
140). O novo imperialismo caracteriza-se, segundo este último autor, por processos
moleculares de acumulação do capital, e tais processos acirram o desenvolvimento desigual
característico da globalização com práticas imperialistas. Dessa forma, apontam os dois
autores que a globalização e o novo imperialismo seriam duas faces de um mesmo processo,
resultantes da expansão do capital em direção, particularmente, aos países da periferia e
semiperiferia, aprofundando a desigualdade, a dependência e a subserviência econômicas
desses países em relação aos do núcleo central.
[…] está em curso, no mundo, uma nova divisão internacional do trabalho. Não é
mais como no passado, quando havia uma diferenciação entre o trabalho agrícola e o
trabalho industrial. Agora falamos na diferenciação entre o trabalho de concepção e
28
“Até os anos 80, apesar de ter a quinta maior população do mundo, o Brasil respondia pela 13ª posição em
termos de desempregados. A partir da década de 90 fomos rapidamente perdendo a condição de baixo
desemprego. Tínhamos por exemplo, em 1989, 1,8 milhão de desempregados. Esse número saltou para mais de 8
milhões em 2002, segundo dados da PNAD (IBGE), o que nos colocou entre os três países com maior nível de
desemprego no mundo” (Pochmann, 2004: n. p.).
41
Nesse quadro, verifica-se que em países como o Brasil, caracterizados por serem
principalmente consumidores de ciência e tecnologia, o agravamento das condições de
assimetria socioeconômica é verificado de forma mais intensa. Outro indicador deste quadro
de assimetria entre países, é que, segundo dados de Pochmann (2001),
1987; Offe, 1989; Rifkin,1997) do fim do proletariado e do próprio trabalho. Nesse debate há
em comum a crítica ao marxismo, acusado de uma suposta incapacidade em dar respostas à
complexidade da realidade atual. Dentre outros, Wood (1999 e 2003), por exemplo, apresenta
consistente análise contrapondo-se a este tipo de argumento.
Cabe destacar que a fragmentação e a heterogeneidade da classe trabalhadora não
eliminam a sua existência e, apesar do seu apregoado desaparecimento, observa-se
exatamente o contrário, ou seja, que há atualmente uma ampliação da classe que vive do
trabalho (Antunes, 1995; 2000; 2003). Nessa perspectiva, concordamos também com
Bernardo (1998), quando afirma:
29
Convém, neste momento, considerar a observação de Frigotto (2006) em relação à perspectiva de análise de
Castel: “se contraditoriamente a defesa do emprego formal e da garantia dos direitos conquistados pela classe
trabalhadora é um ponto crucial na luta socialista, ainda mais numa sociedade como a brasileira, de parcos
direitos do trabalhador, não é o seu objetivo central e final. Trata-se de uma luta no plano das contradições do
sistema capital, mas cuja evidência histórica aqui demonstrada pelas análises de Marx, Gramsci, Harvey,
Chesnais, Mészáros e Hobsbawm, entre outros, indica que não é da natureza desse sistema criar condições de
pleno emprego. Ao contrário, na atual fase, sua tendência é incorporar cada vez menos trabalhadores e com um
nível de exploração e alienação mais acentuados. Mais do que nunca se apresenta como pedagogia contra-
hegemônica a tese da necessidade histórica do socialismo. Sem esse horizonte, a tese de Castel pode nos induzir
puramentea um viés reformista ilusório” (p. 282).
44
30
A contratualidade tem suas origens nos mecanismos reguladores que organizaram social, política e
culturalmente a sociedade moderna; esta capacidade regulatória ampliou-se após a Segunda Guerra Mundial,
com a intervenção do Estado, regulando, principalmente, a lógica excludente do capital.
31
Castel assinala que a mutação de nossa relação com o trabalho não é só uma questão de emprego/desemprego,
mas de uma mutação de nossa relação com o mundo; isto porque “O trabalho, como se verificou ao longo deste
percurso, é mais que o trabalho e, portanto, o não-trabalho é mais que o desemprego, o que não é dizer pouco.
[...] tratar-se-ia, então, de inventar uma maneira diferente de habitar esse mundo” (Castel, 1999: 496/497).
45
controlar as lutas sociais oriundas do trabalho – acabaram por suscitar a resposta do capital à
sua crise estrutural.” (p. 47-48). Em outro trabalho, Antunes (2003) chama a atenção para o
fato de que a potencialidade desse processo de mundialização da produção gerar uma classe
trabalhadora heterogênea, na qual se entrecruzam esferas distintas (local, regional, nacional e
internacional), poderia ampliar as fronteiras no mundo do trabalho. Assim, “Da mesma forma
que o capital dispõe de seus organismos internacionais, a ação dos trabalhadores deve ser cada
vez mais internacionalizada” (Bernardo, 2000 apud Antunes, 2003: 7).
Tendo em vista os aspectos mencionados, é possível perceber que as metamorfoses32
sofridas pelo mundo do trabalho deixaram a classe trabalhadora com uma conformação “mais
fragmentada, mais heterogênea, mais complexificada, mais polissêmica e mais multifacetada.
Uma conformação que só pode ser apreendida se partirmos de uma noção ampliada de
trabalho” (Antunes, 2003: 236). Valendo-nos do estudo e interpretação deste autor,
sintetizamos abaixo as principais mutações que redelinearam o mundo do trabalho:
1- Redução do proletariado industrial, fabril, tradicional;
2- Surgimento de formas desregulamentadas de trabalho, como trabalhos precários;
3- Aumento significativo do trabalho feminino;
4- Expansão do setor de serviços;
5- Dificuldade de acesso dos jovens ao mercado de trabalho;
6- Dificuldade de permanência ou de reingresso dos trabalhadores adultos,
precocemente considerados idosos pelo capital;
7- Utilização de trabalho infantil nas mais diversas atividades produtivas;
8- Expansão do trabalho no “Terceiro Setor”, abarcando um amplo leque de
atividades;
9- Expansão do trabalho em domicílio, decorrente da desconcentração do processo
produtivo e da expansão de pequenas e médias empresas;
10- Transnacionalização do mundo do trabalho: em virtude da transnacionalização do
capital e de seu sistema produtivo.
As características indicadas compõem a nova conformação do mundo do trabalho,
mas também a da classe trabalhadora, que se reconfigura mundialmente. A complexidade do
32
O capital deflagrou, então, várias transformações no próprio processo produtivo, por meio da constituição das
formas de acumulação flexível, do downsizing, das formas de gestão organizacional, do avanço tecnológico, dos
modelos alternativos ao binômio taylorismo/fordismo, dentre os quais se destaca o “toyotismo” ou modelo
japonês. Essas transformações, que decorrem por um lado da própria concorrência intercapitalista (num
momento de crises e disputas intensificadas entre os grandes grupos transnacionais e monopolistas) e, por outro,
da própria necessidade de controlar as lutas sociais oriundas do trabalho, acabaram por se apresentar como
resposta do capital à sua crise estrutural (Antunes, 1999).
46
período histórico atual exige considerar ainda “as estratificações e fragmentações que se
acentuam em função do processo crescente de internacionalização do capital” (Antunes, 2003:
235). A forma de ser do trabalho e da classe trabalhadora em nossos dias precisa ser pensada a
partir de uma concepção alargada. Nas palavras de Antunes:
sociedade de classes, as pessoas que compõem a classe trabalhadora também são atingidas por
opressões e discriminações, derivadas, por exemplo, de sua origem étnica (indígenas, negros),
de aspectos culturais regionais (nordestinos), de aspectos geográficos (do campo, ribeirinhos),
da orientação sexual (homossexuais). Todavia, queremos ressaltar, com Wood (2003), a
necessidade de um pluralismo “que reconheça a unidade sistêmica do capitalismo e que tenha
a capacidade de distinguir entre relações constitutivas do capitalismo e outras desigualdades e
opressões” (p. 224). Com propriedade, aponta ainda esta autora que “não devemos confundir
respeito pela pluralidade da experiência humana e das lutas sociais com a dissolução completa
da causalidade histórica, em que nada existe além de diversidade, diferença e contingência”
(p. 225).
É de se notar que a natureza da classe trabalhadora hoje metamorfoseou-se diante da
configuração contemporânea do capital, em seu estágio mundializado. De fato, o capital
mundializou-se, desenvolveu a capacidade de superar as fronteiras e fugiu de locais onde a
organização sindical era forte, enquanto os trabalhadores e suas ações políticas continuaram
limitados à territorialidade nacional. Nesse processo, uma das atitudes políticas essenciais dos
defensores do capital foi questionar, através das teses neoliberais, as garantias sociais
construídas pelos trabalhadores organizados. Dessa forma, o processo de transnacionalização
do capital parece ser uma resposta das grandes empresas (que passam a desenvolver
estratégias globais) aos poderes políticos e econômicos adquiridos pelos trabalhadores na
conjuntura do pós-guerra33. O retrocesso nas relações de trabalho são assim apresentados por
Pochmann (2001: 203):
33
Segundo Antunes (1999), o processo de reestruturação implementado pelo capital visou tanto recuperar o seu
ciclo reprodutivo quanto (ao mesmo tempo) repor seu projeto de dominação societal.
48
reconfiguração da classe trabalhadora diante do atual cenário econômico fez-se presente nos
países periféricos e semiperiféricos de maneira nefasta. Nesses países, os efeitos da
implantação das reformas neoliberais e a regressão socioeconômica rapidamente fizeram-se
notar na desestruturação do mercado de trabalho.
Até os anos 70, a tendência histórica foi que os Estados nacionais controlassem a
economia e as grandes corporações, [...] Assim, sociedade e Estado se tornaram
aliados no exercício de controle das corporações [...] Com a globalização, porém,
essa situação mudou por completo. As grandes empresas adquiriram um tal poder de
mobilidade, redução de mão-de-obra e capacidade de negociação [...] que tanto a
sociedade como o Estado se tornaram seus reféns. (Sevcenko, 2001: 31)
Claro que se por um lado o argumeto de Sevcenko é bastante pertinente, por outro,
também é preciso realtivizar no que tange a idéia do Estado ser apenas refém das grandes
empresas. Destaca ainda Sevcenko que, segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano da
Organização das Nações Unidas, do ano de 2000, “Entre 1990 e 1998 a renda per capita caiu
nos 50 países mais pobres e aumentou nos 28 mais ricos. Cerca de 1,2 bilhão de pessoas, o
que equivale a um quinto da população mundial, vivem em nível de miséria absoluta” (2001:
43). Ou seja, atualmente, o pseudo universalismo liberal, pode ser facilmente desmascarado,
já que idéias como igualdade e liberdade se tornaram uma retórica abstrata diante da
ampliação do desemprego e da desigualdade social inerentes ao funcionamento do próprio
sistema capitalista. Para o referido autor, a acentuada ampliação da desigualdade social intra e
entre países é o legado mais perverso do século XX para o XXI.
Para além da nomeclatura utilizada, para este estudo importa destacar que tanto
Fontes (2005) quanto Anderson (1995), Arrighi (1997), Harvey (1999), entre outros autores,
concordam que a compreensão das mutações exige uma análise das transformações do Estado
num contexto de integração econômica supranacional; consideram também que o capitalismo
atual tem como síntese ideológica o neoliberalismo. Anderson (1996:14) ressalta que o ideário
neoliberal articula-se em três esferas: econômica, social e político-ideológica; todavia, firma-
se especialmente no plano ideológico, sendo incorporado tanto por governos que se dizem de
direita, quanto de esquerda.
Em relação ao conceito de ideologia, Gramsci (1991) explicita seu significado como
um dos elementos que agregam os grupos sociais – “conservar a unidade ideológica de todo o
bloco social, que está cimentado e unificado justamente por aquela determinada ideologia” (p.
16). Para ele, é a ideologia que mantém unidas as diferentes classes sociais. É importante
ressaltar que na concepção gramsciana não existe uma única ideologia; as diferentes
ideologias são formas inacabadas da interpretação da realidade, sem equivalência entre si do
ponto de vista de sua verdade. Assim, as considerações a respeito de concepção de mundo
podem ser estendidas à ideologia: “somos sempre conformistas de algum conformismo”
(idem, p. 12), desde que se dê “ao termo ideologia o significado mais amplo de uma
concepção de mundo, que se manifesta implicitamente na arte, no direito, na atividade
econômica, em todas as manifestações de vida individuais e coletivas” (idem, p. 16). A
ideologia está, portanto, disseminada na sociedade, tornando-se “o terreno sobre o qual os
homens se movimentam” (ibidem), sendo preciso considerar que, “a escolha e a crítica de
uma concepção do mundo são, também elas, fatos políticos” (idem, p. 15). Cabe ainda
50
ressaltar que a ideologia é mais do que um sistema de idéias: ela também está relacionada
com a capacidade de inspirar atitudes concretas e de orientar para a ação. Para Gramsci,
ideologia é uma concepção de mundo que se manifesta em diferentes níveis (de acordo com o
rigor intelectual) – na filosofia, na religião, no folclore –, por isso o autor enfatiza a questão
da hegemonia e o importante papel dos intelectuais e dos aparelhos de hegemonia na
produção e disseminação das ideologias.
Assim, o neoliberalismo é uma ideologia do capital para manter sua hegemonia,
sobretudo no caráter de adesão ativa dos dominados às suas teses e pressupostos. Como, por
exemplo, no convencimento de todos do quanto é necessário para o suposto desenvolvimento
a adoção de lógicas e mecanismos de mercado na gestão do Estado, ou mesmo da educação.
A respeito, Rummert (2000) ressalta que a hegemonia é firmada em acordos estabelecidos
também no plano simbólico:
Dessa forma, vários estudos, como os já citados (Anderson, 1995; Arrighi, 1997;
Harvey, 1999), são unânimes em destacar que a hegemonia das teses neoliberais, como
instrumento político da dominação econômica, proporcionou, após os anos 1980, a adequação
político-jurídica ao novo regime de acumulação34. Tais políticas, correntemente chamadas de
ajustes estruturais35 do Estado, construíram um novo padrão de atuação pública, apontando
como um dos seus fatores prioritários a redução da esfera pública e a ampliação da esfera
privada e, conseqüentemente, do poder desta última no âmbito do Estado. A respeito, destaca-
se que:
34
Como já dito, as idéias neoliberais são bem anteriores à crise do capitalismo de bem estar social. A primeira
experiência de governo numa perspectiva neoliberal ocorreu ainda no início dos anos 1970, durante a ditadura
chilena de Pinochet. Em 1979, com a eleição de Thatcher na Inglaterra, a política econômica neoliberal é
adotada em um país de capitalismo avançado. Logo depois, em 1980, com Reagan na presidência dos EUA, essa
ideologia expande-se pelo Ocidente, avançando na Alemanha com Khol, em 1982, e posteriormente, na segunda
metade dos anos 1980 e início dos anos 1990, atinge a América Latina e o Leste Europeu.
35
O ajuste estrutural é uma expressão que refere-se a um conjunto de medidas que visam impulsionar as
reformas orientadas para o mercado. Dentre elas destacam-se a privatização de empresas estatais, a estabilização
macroeconômica, a normatização da política monetária e fiscal, a liberalização e desregulamentação dos
mercados e bens de capital.
51
macroecômicas, são compostos por três elementos básicos: redução dos gastos
públicos, realocação de recursos necessários ao aumento de superávites na balança
comercial e reformas visando a aumentar a eficiência do sistema econômico. Tais
orientações, que se colocam como exigências para a inserção das economias
nacionais no processo de globalização capitalista, incidem diretamente sobre as
políticas públicas de corte social, na medida em que impõem cortes nos orçamentos
e redução do gasto público. O Estado é entendido aqui não mais como o provedor de
serviços públicos, mas como promotor e regulador, devendo estabelecer suas
funções de acordo com sua capacidade36. (Simionatto, s. p.)
36
Simionatto I. Crise, reforma do Estado e políticas públicas: implicações para a sociedade civil e a profissão.
In: Gramsci e o Brasil Disponível em: http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv87.ht Acesso em: 19 mar. 2007.
52
37
A democracia formal baseia-se em idéia superficial de participação e na ilusão de igualdade de escolhas no
campo econômico e político; é uma pretensa liberdade, tendo em vista que as supostas escolhas ocorrem, na
realidade, em condições desiguais e submissas ao capital.
54
quanto Harvey (2004) apontam em suas análises para o fato de que não há ineditismo no
processo de globalização em si, enquanto expansão capitalista. Para Harvey, o que o termo
globalização expressa de novo em relação à ordenação espacial da economia mundial é a
tendência à eliminação de barreiras de todas as ordens ao capital. Em suas palavras, “a
evolução da paisagem geográfica da atividade capitalista tem sido impelida sem remorsos por
etapa após etapa de compressão do espaço-tempo” (2004: 86).
Por fim, ambos os autores concordam que o atual processo de globalização apresenta
particularidades decorrentes da reconfiguração capitalista contemporânea e destacam como
principais características: a revolução tecnológica, a internacionalização do capital, a ofensiva
às conquistas dos trabalhadores e a regionalização do mundo em blocos econômicos. Sobre o
último aspecto, ressalta-se o fortalecimento dos países ricos em detrimento dos países da
periferia do capitalismo, que se inserem nessa lógica de maneira subalterna diante de novas
formas imperialistas dos países centrais.
analfabetismo da população com 15 anos ou mais, registrada em 2004, foi de 11,6%, sem
considerar o imenso contingente de analfabetos funcionais38. Destaque-se, ainda, a elevada
demanda por educação e a sua desigual distribuição, que se observa no afunilamento do
número de estudantes à medida que aumenta o nível de ensino. De acordo com dados do
Censo Escolar de 2005, de 33 milhões de matrículas na Educação Básica, apenas 9 milhões se
realizaram no Ensino Médio regular. Além disso, desse total, em média 41% dos alunos
matriculados no Ensino Fundamental não o concluem.
O movimento de ressignificações no campo educacional tem demonstrado que, na
atual configuração capitalista, de corte neoliberal, criou-se um modelo de atuação pública nos
países semiperiféricos do capitalismo e, nesse âmbito, a educação reaparece como questão
central, agora relacionada ao tema da competitividade na economia globalizada. Observa-se,
portanto que
A educação ocupa, assim, nos dias atuais, lugar de destaque nos debates que
envolvem tanto as questões sociais quanto as econômicas. Esse destaque se deve,
fundamentalmente, ao fato de que é a educação o campo para o qual o
neoliberalismo catalisa, direta ou indiretamente, os elementos relevantes de seu
projeto identificatório. […] Tal centralidade, que tem se expressado através de
embates de diversas ordens, assumiu, ao longo da história, diferentes configurações,
ocupando espaços diversos e tendo pesos diferenciados na permanente luta por
hegemonia. (Rummert, 2000: 66)
38
O IBGE considera analfabeto absoluto a pessoa que não é capaz de ler e escrever um bilhete simples no
idioma que conhece, e analfabeto funcional a pessoa que possui menos de quatro anos de estudos completos.
Estima-se que aproximadamente 1/3 da população adulta brasileira possa ser considerada analfabeto funcional.
39
Para uma análise crítica da Teoria do Capital Humano, ver Frigotto (1993).
57
Assim, tomamos como ponto de partida o fato de que, para compreender a realidade
atual, é preciso levar em conta que o processo de expansão capitalista no Brasil caracteriza-se
pela forma dependente41 de sua inserção no quadro hegemônico internacional. O capitalismo
aqui não se desenvolveu nem ao mesmo tempo, nem sob as mesmas condições dos países do
núcleo orgânico e, como vimos com Arrighi (1997), não poderia ser de outra forma, uma vez
que a existência de regiões desiguais é inerente à lógica que sustenta o sistema do capital.
A partir da década de 1930, ocorreu um processo de ruptura política, social e
econômica com o Estado oligárquico, e uma transição na direção do desenvolvimento de um
Estado industrialista. O Brasil possuía uma economia praticamente não-industrializada até
meados dessa década, quando passou de país essencialmente agrário-exportador a país
industrializado. Inicia-se, nesse período, um processo de industrialização tardia, de caráter
40
Cabe esclarecer que a idéia de desenvolvimento, ou mesmo o termo desenvolvimentismo, é utilizado neste
trabalho como o faz Neves (1997), para identificar de forma abrangente o padrão de desenvolvimento econômico
e político-social vigente no Brasil no período de 1930 a 1989. Já a idéia de competitividade irá referir-se aos
tempos mais recentes, a partir de 1990, época caracterizada pelo acelerado processo de difusão das novas
tecnologias, pela abertura econômica e pelas reformas neoliberais no Brasil.
41
Sobre o conceito de dependência, convém sublinhar que “O horizonte teórico que assumimos situa-se no
horizonte das análises de Florestan Fernandes, que sublinha a tese do ‘capitalismo dependente’, e das análises de
Caio Prado Júnior e Francisco de Oliveira” (Frigotto, 2006: 281).
58
42
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.
43
A Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA), iniciada em 1947, é um marco no que se refere
à política da União, sendo considerada pela bibliografia (Paiva, 2003; Beisiegel, 2004) a primeira iniciativas de
política nacional para jovens e adultos no país.
44
Ver a respeito, nota 19 neste capítulo.
59
problemas tradicionais dos mercados de trabalho” (Rummert, 2000: 48, grifo nosso), como os
baixos salários e a mão-de-obra com pouca qualificação, marcada pela oferta de formação
profissional instrumental.
A política governamental de Juscelino Kubitschek operou uma ruptura com a
orientação da política econômica anterior, e isso em dois planos: tanto na redefinição do novo
setor industrial a ser privilegiado pelo Estado – o de bens de consumo duráveis –, quanto no
estabelecimento das novas estratégias para o financiamento da industrialização brasileira pelo
capital estrangeiro. Mendonça (1985) destaca que foi principalmente quanto à forma de
financiamento que “o modelo de acumulação delineado entre 1955-1960 mais se distinguiu do
anterior. [...] optou-se pela internacionalização da economia brasileira, abrindo-a ao capital
estrangeiro […]. Implantava-se aí o que alguns denominam modelo do capitalismo
dependente-associado” (p. 47).
Assim, invertendo o patamar de acumulação para a produção de bens de consumo
duráveis, a aplicação do Plano de Metas45 significou uma mudança na política econômica e
uma redefinição do papel do Estado: passou-se de uma política que visava criar um sistema
capitalista nacional para uma política orientada para o desenvolvimento econômico
dependente; a atuação do poder público no sistema econômico procurava acelerar o
desenvolvimento econômico, principalmente a industrialização, e impulsionar o setor privado
nacional e estrangeiro (Ianni, 1991).
Dessa forma, o período Kubitschek marca uma nova forma de dependência em
relação aos países centrais, por meio da abertura ao capital estrangeiro para financiar a
produção de bens de consumo duráveis. Esse processo de oligopolização da economia
brasileira baseou-se, em parte, na transferência de ganhos estatais para setores privados, e o
consenso em torno dele foi construído através de uma ideologia desenvolvimentista. Afinal,
de acordo com Mendonça, “nada mais ideológico do que um discurso nacionalista em meio à
plena abertura da economia ao capital estrangeiro” (1985: 59). Por essa ideologia, buscou-se
engajar todos os brasileiros num projeto comum de desenvolvimento e consolidação do
“capitalismo nacional”, ocultando-se as contradições que lhe eram inerentes.
Enquanto isso, a classe trabalhadora era submetida a péssimas condições de trabalho
e explorada ao máximo, o que possibilitou a expressiva concentração de renda que se verifica
na segunda metade dos anos 1950. É de se notar, ainda, que as altas taxas de crescimento
45
Este tinha por objetivos acelerar o processo de acumulação capitalista pela ampliação da produtividade dos
investimentos, e elevar o nível de vida da população, superando a miséria pela ampliação do número de
empregos e pelo estabelecimento de um novo modo de viver.
60
também representasse uma ruptura com o pacto populista, entre outros elementos, por
consentir com a expansão dos oligopólios. Em relação ao Golpe, Mendonça e Fontes (apud
Rummert, 2000: 46) afirmam, "o favorecimento da grande empresa era o seu objetivo. O
arrocho salarial, sua estratégia. O combate à inflação, sua justificativa legitimadora. O milagre
econômico veio a ser seu resultado". Ainda conforme as autoras, no processo de
industrialização a qualificação "nunca foi assumida como peça importante no
desenvolvimento da competitividade microeconômica. Uma opção por uma espécie de
taylorismo sem fordismo." (ibidem).
Em meados dos anos 1970, a crise mundial de acumulação capitalista refletiu no
Brasil sob a forma do colapso do modelo de substituição de importações e do Estado
autoritário que o manteve. A crise brasileira fica mais nítida no final dessa década e durante
os anos 1980 (conhecidos, sob uma perspectiva economicista, como “década perdida”), com
o fracasso do “milagre econômico”. Em relação à política econômica, esse período foi
dominado pela questão do endividamento externo e por suas implicações, como a aceleração
inflacionária, a recessão industrial do início da década (1981-1983), a estagnação após 1986,
e, principalmente, a ameaça de um processo hiperinflacionário no final da década. Destaca-se
quanto à crise dos anos 1980 que:
46
O termo “novo sindicalismo” refere-se a uma nova fase do movimento dos trabalhadores organizados,
caracterizada pela combatividade na ação sindical. Importante assinalar que, conforme destacado por Rummert
(2000), esse termo “amplamente utilizado na literatura acadêmica e no âmbito do movimento sindical para
marcar a retomada da ação sindical no final da década de 1970, foi cunhado na literatura internacional para
caracterizar os processos de transformação na organização sindical, ocorrida no final do século XIX. Sem
ignorar o fato de que a história não se repete, considero pertinente tomar a análise de Hobsbawm – escrita em
1981 – sobre a origem do novo sindicalismo britânico, nas décadas de 1880 e 1890, como referência auxiliar
para uma reflexão mais aprofundada sobre o novo sindicalismo brasileiro, tal como vem se apresentando um
século depois” (p. 107).
47
A campanha “Diretas Já” foi o movimento e o momento em que todos se “uniram”, buscando o direito de
votar para presidente da República. Os grupos conservadores, que defendiam a mudança de regime, percebendo
a ameaça, aliaram-se aos liberais da base política da ditadura, que, reunidos sob a legenda “Frente Liberal”, ao
término do regime deixaram de ser governo e se mostraram como oposição.
64
seguir, o governo de Fernando Henrique Cardoso, pela credibilidade que alcançou através da
estabilização da moeda, ampliou o projeto neoliberal, inserindo, de forma passiva e
subordinada, a economia brasileira no quadro econômico internacional. Em meio a uma
profunda reorganização da sociedade, as opções adotadas pelo governo em resposta à nova
realidade internacional aprofundaram a desigualdade social, e parcelas significativas da classe
trabalhadora viram-se cada vez mais empobrecidas.
O processo de reforma educacional empreendido na década de 1990 ocorre nos
marcos da nova ordem econômica internacional e da adaptação do governo brasileiro à nova
concepção de Estado, que tem como resultado a desconstrução dos compromissos políticos e
sociais firmados pelo Estado na Constituição de 1988. Como será aprofundado no Capítulo 3,
ao combinar centralização das decisões com descentralização das ações e das
responsabilidades de execução, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (nº 9.394,
de 96), e demais instrumentos legais correlatos imprimiram às políticas públicas, no âmbito da
educação, um tom acentuadamente pulverizado e compensatório, numa lógica que redefiniu
não só o caráter universal da educação estabelecido na Constituição, como também o caráter
do financiamento público e do conteúdo da ação governamental, passando a priorizar
estratégias de focalização em grupos de extrema pobreza48.
Como demonstra Andrioli (2002), são várias as conseqüências do neoliberalismo na
educação brasileira. Abaixo, procuramos sintetizar as principais:
- Diminuição de recursos financeiros; decorrente tanto da menor arrecadação (através
de isenções, incentivos, sonegação) quanto da não aplicação dos recursos e de
descumprimento de leis;
- Parcerias com a sociedade civil (empresas privadas e organizações sociais);
- Foco no Ensino Fundamental, como responsabilidade dos estados e municípios;
- Produtividade e eficiência empresarial como referência para a educação (máximo
resultado com o menor custo);
- Alteração do termo "igualdade social" para "eqüidade social", ou seja, a
preocupação com a igualdade como direito de todos deixa de ser a referência, e passa
a importar apenas a "amenização" da desigualdade;
- Autonomia apenas administrativa (critérios de "controle" e fiscalização continuam
dirigidos, bem como continuam centralizadas as avaliações nacionais, livros
didáticos, currículos, programas, conteúdos, cursos de formação de professores),
48
Para uma análise da questão no Brasil, ver Leher, (1999) e Uga (2004).
65
O Estado brasileiro promoveu uma ampla abertura comercial e uma também ampla
desregulamentação financeira que, articuladas, concorreram para o aprofundamento
da dependência da economia brasileira frente ao capital financeiro internacional. Um
aprofundamento da dependência que é, ao mesmo tempo, uma relativa alteração nos
termos dessa dependência. Hoje, o funcionamento do capitalismo brasileiro está
dependurado no fluxo de ingresso de capital financeiro internacional, que permite o
fechamento das contas externas, fluxo esse mantido graças a uma atrativa (para o
capital especulativo) e destrutiva (para os trabalhadores e para a produção interna)
política de juros altos. (Boito Jr, 2002: n. p.)
Entre esses direitos sociais básicos figura a educação em seus vários níveis e
modalidades: para cada um deles foram criadas, através de reformas, políticas tendo como
fios condutores a redução da presença do Estado e a subordinação às leis de mercado,
estabelecida a partir da atuação de organismos internacionais e nacionais voltados ao
atendimento dos interesses do capital. Na perspectiva da economia competitiva, um Estado
mais “produtivo” justifica a realização de amplas reformas desregulamentadoras,
eventualmente responsáveis por sacrifícios, vistos como necessários pelo senso comum da
população brasileira. E assim o pensamento único (neoliberal) expressa sua hegemonia,
afirmando o caminho das reformas49 para o conjunto da sociedade. Este pensamento único
difunde valores como a solidariedade social no nível da família e da cultura cívica, e a
autonomia com responsabilidade pessoal e coletiva. Instala-se, dessa forma, uma confusão
entre liberalismo e democracia, entre liberalismo econômico e progresso, entre reformas e
liberalização (Leher; Sader, 2006).
Em quase todos os países da América Latina é visível a influência dos organismos
internacionais ou multilaterais, principalmente, a intervenção do Banco Mundial nos sistemas
de ensino nacionais, não só por meio de recursos a projetos localizados, mas, especialmente,
na proposição e financiamento de amplos programas de reestruturação desses sistemas
(Draibe, 1993). Os organismos multilaterais, de modo geral, destacam duas tarefas para a
educação: a) ampliar o mercado consumidor, apostando na educação como geradora de
trabalho e consumo; b) garantir, através da subordinação dos processos educativos aos
49
“Para ganhar legitimidade, a palavra reforma teve que percorrer uma longa trajetória, enfrentando obstáculos
de distinta índole. A reforma protestante se opunha à rigidez do poderio da Igreja católica e era assimilada à
autonomia das pessoas para interpretar os textos sagrados e para definir os critérios de seu comportamento. Este
aspecto de autonomia individual foi um daqueles que favoreceu a identificação do protestantismo com a
extensão e a emergência do capitalismo, articulados em comum com o conceito de ‘indivíduo’ e sua liberdade
individual” (Leher; Sader, 2006: 03).
67
[...] impedidos de agir nas políticas de desenvolvimento, resta aos Estados nacionais
na América Latina a administração das políticas de funcionalização da pobreza. [...]
Como as forças do trabalho foram grandemente erodidas e perderam a capacidade de
propor políticas e afiançá-las, ou de vetar as anti-reformas, os Estados nacionais na
América Latina roçam o que a literatura chamou no passado de populismo. Mas a
denominação é equívoca, pois o populismo no passado significou a inclusão pela
“via passiva”, autoritariamente, das classes trabalhadoras na política, enquanto o
neopopulismo – aceitemo-lo por enquanto – é a exclusão dos trabalhadores da
política e sua transformação em objetos de políticas compensatórias. Nun que me
perdoe, mas a “massa marginal” converte-se, pelas políticas de funcionalização da
pobreza, em manutenção dos “exércitos de reserva”, aptos a manejar processos de
trabalho os mais primitivos, com o que ganham lugar funcional na acumulação de
capital.
50
Como será explicitado no capítulo III, a atual oferta de escolarização na área da EJA não chega a 10% da
demanda potencial no Ensino Fundamental.
68
Ganhou força, nos anos 1990 – num retorno à Teoria do Capital Humano, agora num contexto
de desemprego estrutural –, o discurso sobre a necessidade de ampliação e elevação da
escolaridade da força de trabalho, exigida pelo capital como pré-condição para o aumento da
produtividade. A baixa escolaridade da população passou a ser considerada um dos obstáculos
à nossa competitividade econômica numa suposta “sociedade da informação ou do
conhecimento”. Essas expressões, carregadas de determinismo tecnológico, se baseiam numa
análise superficial da realidade e resultam na apologia das novas tecnologias de informação e
comunicação e na negação da centralidade do trabalho e das classes sociais na atualidade.
Ancorado no velho discurso liberal de “democratização das oportunidades”, o
processo de mercantilização da educação no Brasil tem se dado em múltiplas frentes. As
propostas neoliberais para a política educacional seguem a lógica do mercado, restringindo,
de modo geral, a ação do Estado à garantia da educação básica. Especificamente no caso
brasileiro, a obrigatoriedade do Estado com a oferta de vagas recai apenas no Ensino
Fundamental, isto é, na primeira etapa da Educação Básica, deixando o Ensino Médio e a
Educação Superior, bem como, as modalidades de Educação Profissional e de Educação de
Jovens e Adultos sujeitos às leis da oferta e procura; enfatizando os direitos do consumidor51.
Exercendo papel fundamental na conformação do novo sujeito coletivo, a idéia da
aldeia global – que atinge a tudo e a todos e promete a satisfação pelo consumo – é veiculada
por diferentes aparelhos de hegemonia, entre eles o sistema educacional, que tem sido levado
a contribuir para a criação e difusão de uma cidadania política, baseada na colaboração de
classes. Num cenário em que as políticas neoliberais levam à ampliação do número de
trabalhadores precarizados, além de difundir-se a “pedagogia da competitividade, centrada
nos conceitos de competências e habilidades, opera-se uma mudança profunda no papel
econômico atribuído à escola [...], a função econômica atribuída à escola passa a ser a
empregabilidade ou a formação para o desemprego” (Frigotto, 1998: 12).
Dentre essas reformas educacionais neoliberais, uma das expressões mais
significativas é a política de currículo encarnada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais -
PCN. Trata-se, segundo Falleiros (2005), do processo de criação de um “novo homem”:
51
Bianchetti, ao analisar as políticas sociais no modelo neoliberal, explica que “nas sociedades de economia
livre, onde o bem-estar é identificado com o consumo, cada indivíduo tem a possibilidade de adquirir os bens
que seu próprio esforço lhe permitiu. [...] o êxito ou o fracasso é resultado de condições do próprio indivíduo, e
não daqueles com quem se relaciona, sempre que todos tenham respeitado as regras do jogo. O volume dos
resultados individuais e coletivos está determinado pela sorte e pela decisão individual. Portanto, a noção de
justiça social é considerada como uma forma de intervenção externa na busca de uma igualdade de resultados,
contrariando a concepção liberal que defende a idéia da igualdade de oportunidades” (1996: 90-91).
69
Não restam dúvidas de que, nas últimas décadas, a influência dos organismos e
agências multilaterais no âmbito educacional ampliou-se significativamente na América
Latina. Tais organismos apresentam enorme capacidade de implementação das suas idéias,
desempenhando papel preponderante na manutenção da hegemonia e na difusão, para os
países periféricos, de uma determinada concepção de educação apresentada como via de
diminuição da pobreza e/ou das desigualdades entre países. Assim,
Os reflexos diretos esperados pelo grande capital a partir de sua intervenção nas
políticas educacionais dos países pobres, em linhas gerais, são os seguintes: a)
garantir governabilidade (condições para o desenvolvimento dos negócios) e
segurança nos países “perdedores”; b) quebrar a inércia que mantém o atraso nos
países do chamado “Terceiro Mundo”; c) construir um caráter internacionalista das
políticas públicas com a ação direta e o controle dos Estados Unidos; d) estabelecer
um corte significativo na produção do conhecimento nesses países; e) incentivar a
exclusão de disciplinas científicas, priorizando o ensino elementar e
profissionalizante. (Andrioli, 2002)
CAPÍTULO II
Com base nas considerações teóricas apresentadas no capítulo anterior, acerca das
mudanças contemporâneas no mundo do trabalho e as conseqüentes modificações no campo
da educação no Brasil, podemos afirmar que a redefinição dos sistemas educacionais, a partir
da década de 1990 está diretamente relacionada aos programas de ajuste estrutural impostos
pelos organismos internacionais.
No quadro de mundialização (Chesnais, 1996), vivemos por um lado, um
acentuamento da concentração de capital, dos processos de precarização da força de trabalho
e de fragmentação do mundo do trabalho. Por outro, vivemos um aprofundamento do
processo de internacionalização do capital, com forte predomínio do financeiro. Nesse
contexto de reordenamento do último quarto do século XX, observa-se a ampliação do poder
e da influência dos órgãos de regulação supranacionais (as agências multilaterais53) na tomada
de decisões dos governos de países periféricos. A totalidade dos Estados situados na
semiperiferia, conforme anteriormente assinalado, vêem sua dependência e subordinação
externa ampliadas na configuração da divisão internacional do trabalho (Arrighi, 1997).
A internacionalização da economia no contexto imperialista (Harvey, 2004) torna-se
evidente, entre outros exemplos, pelo grande alcance das orientações advindas do Banco
Mundial. Segundo vários autores (entre eles, De Tommasi et al., 1996), a força da influência
dessa instituição nos Estados-nação é inquestionável, e sua importância deve-se mais ao seu
desempenho no processo de ajuste neoliberal e estabilização macroeconômica dos países
periféricos do que ao volume de seus empréstimos.
As mudanças ocorridas na década passada, em muitos desses países, foram
provocadas pela ação de governos submetidos às exigências de organismos internacionais, em
52
Utilizamos aqui o termo Educação de Adultos por ser internacionalmente a nomenclatura adotada.
53
Neste cenário, os organismos multilaterais, principalmente o Banco Mundial e o FMI, passam a ter o papel de
tutorear as reformas dos Estados nacionais, em particular as de países do capitalismo periférico. A UNESCO
assume o papel de assessora técnica no plano pedagógico, realizando eventos e produzindo um grande número
de documentos “orientadores” de prioridades na educação. A OMC, no plano jurídico-econômico, vai traçando
uma legislação cujo poder ultrapassa o domínio das empresas transnacionais, e cada dia mais exerce, também,
grande influência na educação. Regionalmente, há ainda, no plano econômico, a CEPAL (Comissão Econômica
para a América Latina e o Caribe) e, no plano educacional, a OREALC (Oficina Regional para a Educação na
América Latina e no Caribe).
72
particular do Banco Mundial. Este continua a exercer grande influência (direta e indireta) nas
orientações das políticas públicas desses países, com conseqüentes alterações não só no
campo econômico como nos campos social e cultural. No que diz respeito ao âmbito
educacional, observamos duas ordens de questões complementares: por um lado, um retorno
renovado da Teoria do Capital Humano, e, por outro, um estímulo para que os Estados
exerçam o papel de gestores de estratégias para a “compensação” e “controle” social.
Nos países periféricos, atribui-se à educação o papel de desenvolvimento e garantia
de estabilidade do capital. Nesse sentido, o lema “Educação para Todos”, marca da década de
1990, empunhado pelo Banco Mundial e, em particular, pela UNESCO, está articulado ao
projeto político-econômico proposto pelos organismos internacionais, de alívio da pobreza e
governabilidade como estratégia de enfrentamento da crise estrutural e reprodução do
capitalismo mundial. Dessa forma, duas características centrais aparecem nas reformas
educacionais postas em prática: a educação dirigida à formação para o trabalho simples e a
educação dirigida à gestão da pobreza (Oliveira, 2000). Conforme estudos de Leher (1999;
2005), a “investigação dos acordos educacionais do Brasil com os Estados Unidos e do modo
de atuação do Banco Mundial e da UNESCO permitem evidenciar que a preocupação com a
segurança é constante” (p. 18). Todavia, conclui o autor, a questão da segurança tem
significado, na verdade, uma preocupação com o estabelecimento da ordem social para a livre
circulação do capital. Além disso, é importante também destacar a função de controle social
que as promessas de “inclusão”, sobretudo pela educação, exercem sobre o conjunto da classe
trabalhadora, contribuindo com a perpetuação da hegemonia do sistema capital.
Há um discurso hegemônico que, de forma simultânea, supervaloriza a educação,
atribuindo-lhe o papel de meio de ascensão social e superação de desigualdades entre
indivíduos e países, e a defesa do enfrentamento da baixa escolaridade da população com
iniciativas focais, “simulacros de processos educacionais [...] anunciados como portadores
potenciais de inclusão” (Rummert, 2007: 37-38). Do mesmo modo, a política educacional
brasileira, sob a orientação de agências internacionais, enfatiza em suas formulações a relação
entre “educação e desenvolvimento”, ou, na versão renovada, “educação e competitividade”.
Essas relações são justificadas pela defesa de que a educação é elemento estratégico nas
políticas de redução da pobreza, funcionando (aberta ou veladamente) como promotora de
contenção social, traduzido atualmente como educação para inclusão e eqüidade social.
Entendemos ser impossível alcançar o objetivo deste segundo capítulo sem
considerarmos esse conjunto de fenômenos contemporâneos imbricados. Assim, considerando
o cenário de reordenamento do mundo do trabalho, partimos do pressuposto de que os
73
parâmetros definidores das políticas educacionais são orientados, em grande parte, pelas
agências internacionais e pelos organismos vinculados ao mundo produtivo de cada país –
intelectuais coletivos do capital mundializado –, coadunados aos interesses internacionais.
Consideramos as agências internacionais sistemas de poder amparados pelos Estados
nacionais, ou seja, ligados ao Estado e atuando na governabilidade do capital, operando o
próprio capital e influenciando as políticas sociais, dentre elas, as de educação nos países
periféricos.
Nesse quadro, o objetivo deste capítulo é traçar uma breve análise sobre o papel e a
influência dos organismos supranacionais ou agências multilaterais na formulação de políticas
de educação básica e profissional de jovens e adultos trabalhadores em países semiperiféricos,
como é o caso do Brasil. Para discorrermos sobre a inter-relação entre a concepção
internacional de educação e a concepção nacional de EJA, teremos como eixo condutor a
seguinte questão: quais os significados das teses acerca da "educação ao longo da vida" para
países semiperiféricos? Para elucidarmos essa questão, trabalharemos a partir de dois pontos:
a) as propostas políticas presentes nos acordos e declarações internacionais; b) as visões
contidas na tese da “educação ao longo da vida”.
indiretos na estrutura educacional do país, uma vez que ocorre “mediante a atuação direta e
presencial de assessores desses bancos ou mediante a atuação de especialistas nacionais
formados segundo as orientações assumidas pelas instituições financeiras – um caso peculiar
de afinidades eletivas (p. 52)”, além do fato de que vários quadros de tecnocratas e
intelectuais brasileiros fazem parte desses organismos.
Importa-nos, neste momento, captar o ideário internacional, para, mais adiante, poder
apreender o modo como influencia e se materializa, na especificidade da realidade brasileira,
esse referencial internacional. Para tanto, procuraremos articular o particular e o universal na
disseminação de conceitos e diretrizes que, através de conferências, documentos, assessorias
técnicas etc., formam consensos nos países periféricos.
Cabe destacar que, apesar de reconhecermos a influência dessas agências na
formulação de políticas sociais, estaremos atentos à advertência de Oliveira (2000), segundo a
qual
54
Tal recorte não significa que não reconheçamos a atuação coadunada do FMI com o Banco Mundial e com a
UNESCO, nem sua importância, principalmente, no que se refere à gestão do endividamento externo.
75
55
Cabe destacar que a “questão dos direitos humanos é parte integrante da tradição cultural ocidental. As
primeiras discussões acerca dessa idéia datam do período medieval da história européia e, na era moderna,
ganharam amplitude e profundidade com as obras filosóficas dos contratualistas, como Hugo Grotius, Thomas
Hobbes e John Locke. [...] [todavia] A discussão sobre os direitos humanos no âmbito das relações
internacionais é relativamente recente – data de após a Segunda Guerra Mundial –, não obstante o Congresso de
Viena (1815) ter iniciado o processo de abolição do tráfico de escravos já no século XIX. Até então, a questão
dos direitos dos indivíduos era considerada como de âmbito exclusivo do Estado [...]. Foi o advento do nazismo
que produziu uma mudança na percepção da questão. [...] A consciência de que crimes como os praticados pelos
nazistas não poderiam mais ser repetidos em parte alguma, e de que não poderia haver mais lugar para a
dominação colonial no mundo do pós-guerra, fizeram com que a questão da defesa dos direitos humanos fosse
incluída em todo o processo de criação da ONU como matéria de grande relevância. O ápice desse processo,
iniciado com a Carta das Nações Unidas, foi alcançado em 10 de dezembro de 1948, ocasião em que veio a
público a Declaração Universal dos Direitos do Homem” (Gonçalves, 2004: 41-42).
56
Disponível em: <www.unesco,org.br> Acesso em: 7 ago 2007.
76
Esta pauta é constituída com base no programa Educação para Todos, sendo este,
atualmente, o “cerne de suas principais atividades na área da educação” (UNESCO, 2007: 5),
por meio do qual são empreendidas ações direcionadas ao apoio a políticas nacionais de
ampliação do acesso à educação.
A análise da trajetória desta agência apontou que nas décadas de 1950 e 1960 a
UNESCO apresentava um discurso mais próximo das demandas dos países periféricos,
especialmente quanto à defesa da descolonização, de crítica ao racismo e de defesa da
ampliação do acesso à educação. Apesar de os projetos educacionais empreendidos pela
instituição situarem-se nos marcos do projeto do capital, tal desempenho chegou a ser
considerado por conservadores norte-americanos como de favorecimento ao comunismo,
culminando com a saída dos Estados Unidos da UNESCO em 1984.
Durante a década de 1970 a UNESCO passou a difundir com ênfase a Teoria do
Capital Humano, estimulando publicações e ações que associavam educação e
desenvolvimento, expandindo a idéia de que o investimento em capital humano, através da
educação, resultaria em crescimento econômico e desenvolvimento mundial. Assim, o
crescimento econômico era considerado necessário, mas não suficiente, sendo a educação
considerada a estratégia fundamental para resolver a questão do empobrecimento nos países
periféricos. Baseando-se em um discurso aparentemente progressista e em prol do “bem
comum”, fomentava-se a crença de que o avanço da ciência e da tecnologia traria
desenvolvimento e progresso para todos57.
Nessa direção política, no período empreendido entre 1970-1990 a UNESCO
promoveu conceitos como os de educação permanente e educação ao longo da vida, conforme
será retomado adiante, como fonte de constante capacitação e aperfeiçoamento dos
trabalhadores frente aos reordenamentos do mundo do capital.
Além do escritório regional de educação da UNESCO, a Oficina Regional de
Educação para a América Latina e o Caribe (OREALC), com sede em Santiago, que
57
Finger (2005), por exemplo, destaca que “Historicamente, a educação de adultos é um movimento nascido de
uma idéia de mudança social. A UNESCO viu-a como uma idéia de humanização da civilização. Mas, a própria
UNESCO nunca imaginou que a ciência e a tecnologia pudessem ser um problema. Para ela, a ciência e a
tecnologia eram boas e seguiam na direção certa, mas a sociedade deveria estar à altura delas, não para mudar a
orientação, mas simplesmente para acompanhar a sua evolução” (p. 22).
77
58
Faz-se necessário explicitar que “O Banco Mundial é um organismo multilateral. Ou seja, assim como o FMI,
ele pertence a governos nacionais – 184, no caso. Cada governo tem uma cota-parte em função de seu poder
econômico. Como os votos são proporcionais à quantidade de quotas, quem acaba determinando a política do
Banco são os cinco países mais ricos do mundo: Estados Unidos, Japão, França e Inglaterra. Um acordo entre
eles assegura que sempre que o diretor do FMI for europeu, o do Banco Mundial será estadunidense. Mas só os
Estados Unidos, donos de 20% cotas-parte, têm poder de veto. Isso porque, pelas normas do Banco Mundial,
para aprovação de decisões importantes são necessários 85% dos votos, mais do que a soma de todos os outros
países membros” (Machado, 2002: 16-17).
78
59
A forma como as agências internacionais concebem o tema Capital Social, dentre elas, especialmente, o Banco
Mundial, refere-se a uma interpretação que tende a minimizar as “imperfeições” do mercado e que pretende
proporcionar uma melhora nos índices de desenvolvimento. Assim, o conceito de capital social associa-se, de
forma instrumental, a temas correlatos, como o desenvolvimento regional e a governança local, tendo em vista
impulsionar a eficiência dos empreendimentos locais pela atuação (chamada, em geral, de participação) de
indivíduos e grupos, sem, no entanto, desencadear processos de democratização ou redistribuição de poder.
79
ligar o ‘interruptor da luz’ que é a educação.” (The task force on higher education and society,
2000, p.19, in Siqueira, 2001a: 4, grifo do autor) 60.
O Banco Mundial foi criado em 1944, em Bretton Woods, nos EUA, e como
organismo especializado das Nações Unidas (ONU) em 1947, com o objetivo de colaborar na
reconstrução da economia dos países capitalistas da Europa após a Segunda Guerra Mundial.
Inicialmente, restringia-se à concessão de empréstimos em longo prazo, tendo em vista a
estabilidade e o crescimento econômico dos países beneficiados. Em seguida, no contexto da
Guerra Fria, a partir de 1950, passou a priorizar a assistência econômica, política e militar aos
países periféricos, principalmente com o financiamento de infra-estrutura, na perspectiva de
fortalecimento do Bloco Capitalista.
Na década de 1970 (mais precisamente no período entre 1968 a 1981, referente à
presidência de McNamara), inicia-se uma fase de preocupação com a pobreza. Expande-se a
influência do Banco Mundial na América Latina, financiando particularmente o setor social.
A proposição principal era de que a pobreza absoluta desapareceria como conseqüência do
crescimento econômico dos países. Nos anos 1980, com o fim da ameaça de adesão ao
modelo comunista e a eclosão da “crise de endividamento”61, o Banco passou a priorizar
empréstimos condicionados a programas de ajuste econômico estrutural, e assumiu,
juntamente com o FMI62, um papel central na renegociação, no monitoramento e na garantia
do pagamento das dívidas externas, e na reestruturação e abertura das economias dos
devedores, além da criação de condicionalidades para a obtenção de novos financiamentos.
Na década de 1990, a pobreza volta a ser considerada o grande entrave para o
desenvolvimento, associada à idéia de que os países da periferia do capital necessitavam
aumentar sua competitividade no mercado mundial. No documento Prioridades e estratégias
para a educação fica clara a concepção do papel que a educação deveria desempenhar:
60
Para Siqueira (2001), este documento seria a melhor demonstração da consolidação da tendência que vimos
discutindo, uma vez que expressa a adesão da UNESCO a um documento bastante distante das suas diretrizes
originais. Segundo a autora, “não foi uma surpresa que este documento ‘conjunto’ Banco Mundial-UNESCO se
assemelhasse mais aos demais documentos do Banco Mundial do que aos da UNESCO, não só em termos de
forma, mas também de conteúdo, para não mencionar também de metodologia de elaboração” (p.15).
61
“O processo de desenvolvimento econômico nesses países, nos anos 1950 e 1960, realizou-se via
endividamento externo. A economia brasileira entrou em crise no fim dos anos 1970, com o segundo choque do
petróleo – em 1979 –, momento em que sofreu drasticamente” (Ugá, 2004: 56).
62
Fundo Monetário Internacional.
80
Outro componente que podemos destacar é que o Banco Mundial passou de uma
aproximação com os países subdesenvolvidos, voltada para frear a influência do comunismo,
a uma aproximação que visava justificar as desigualdades, uma vez que as promessas de
desenvolvimento cederam lugar a argumentos justificadores das diferentes formas de
expropriações e a compromissos de valorização de diferenças e diversidades. Enfim, a
mudança de objetivos e prioridades do Banco são decorrentes das modificações no próprio
contexto econômico e político mundial63.
No Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 2000/2001, o próprio Banco
Mundial avalia sua trajetória em relação à temática da pobreza, considerando que:
63
Consolida-se mundialmente a influência do Banco “na reestruturação econômica dos países em
desenvolvimento por meio de programas de ajuste estrutural” (De Tommasi et al., 1996: 18), transformando-se
de banco de desenvolvimento em banco facilitador da abertura das economias desses países aos requisitos do
capital baseado na mundialização financeira (Chesnais, 1996).
81
64
O Banco Mundial é composto por cinco instituições: Banco Internacional para a Reconstrução e
Desenvolvimento (BIRD), a Associação Internacional de Desenvolvimento (AID), a Corporação Financeira
Internacional (CFI), a Agência de Garantia de Investimentos (AGIN) e o Centro Internacional para a Resolução e
Disputas sobre Investimentos (CIRD).
82
65
É preciso considerar, como faz Gonçalves (2004) que, “entre o fim da Segunda Guerra Mundial (1945) e o
desmantelamento do Muro de Berlim (1989), o comportamento dos atores internacionais foi condicionado pela
estrutura bipolar do sistema internacional. [...] O eixo Leste-Oeste, o da segurança, era polarizado pelas duas
superpotências – Estados Unidos e União Soviética – e seus respectivos blocos. Sua formação deu-se em 1947,
após a dissolução da grande aliança que derrotou as potências do Eixo – o nazismo alemão, a fascismo italiano e
o militarismo japonês – na Segunda Guerra Mundial. [...] O eixo Norte-Sul, o do desenvolvimento econômico
social, começou a esboçar-se em meados da década de 1950, no contexto das independências das colônias
européias na Ásia e na África, e da reflexão sobre a questão desenvolvimento/subdesenvolvimento, levada a
efeito principalmente por intelectuais latino-americanos”. (p. 8-9) Ainda de acordo com este autor, podemos
dizer que “a vitória do mundo capitalista sobre o mundo comunista e o conseqüente término da Guerra Fria
permitiu aos Estados Unidos, muito mais desenvoltamente, compor a nova agenda internacional em consonância
com os interesses dos países que compõem o Grupo dos Sete. Supondo que o fim da Guerra Fria tornara o
mundo homogêneo, essas potências investem no projeto de implantar e fortalecer a democracia de matriz anglo-
saxônica em todas as nações, e abrir os mercados para o livre fluxo de capitais e mercadorias, além, claro, de
enfatizar a questão da proteção do meio ambiente, do desarmamento, do combate ao narcotráfico, ao terrorismo
internacional e da defesa dos direitos humanos em todos os planos” (p. 29).
83
Tal empenho “é um esforço admirável, apesar de seus erros e limitações” (ibidem). E, para
exemplificar como o processo é complexo e contraditório, o autor cita a Declaração dos
Direitos do Homem, de 1948, que, se por um lado “merece ser aplaudida” (p. 353), por outro,
também se pode afirmar que é um “texto importante, embora não animador: muito
conformado aos esquemas do existente quando menciona os graus de instrução, óbvio e
esquemático quando indica os fins, claramente preocupado com o excesso de estatalismo e
com traços implícitos de confessionalismo quando exalta o papel dos pais.” (p. 354).
Como pode ser depreendido nas passagens acima, Manacorda (1992) compreende a
UNESCO, no movimento contraditório do real. Pretendemos, buscando seguir o exemplo
deste autor, empreender uma análise das CONFITEAs e da UNESCO tendo também a
categoria contradição como horizonte, ou seja, não as percebendo como maléficas, mas
tampouco como neutras ou dotadas apenas de “boas intenções” e virtudes.
As CONFITEAs vêm sendo realizadas desde 1949, com doze anos de intervalo em
média. Assim, até o momento houve cinco Conferências: I – Dinamarca, 1949; II – Canadá,
1960; III – Japão, 1972; IV – França, 1985; V – Alemanha, 1997. A VI deverá ocorrer em
maio de 2009, pela primeira vez na América Latina, e será sediada pelo Brasil.
Cada CONFITEA reflete as inquietações e as tendências mundiais dominantes na
década anterior à sua realização. Para a primeira Conferência Internacional sobre Educação de
Adultos (Helsingor, Dinamarca, 1949) foram convidados todos os Estados, membros ou não
da ONU. “O Relatório da Conferência manifesta claramente a preocupação e o entusiasmo
existentes” (Gusmão; Marques, 1978: 3). A I CONFITEA pretendia ter “o papel de encorajar
a tolerância entre as nações, promover a democracia nos países, criar uma cultura comum
englobando a elite e as massas, trazer esperança aos jovens, dar às populações um sentimento
de pertença a uma comunidade” (Bhola, 1989: 14, apud Canário, 2000: 12). Atribuiu-se à
educação de adultos, nesse período pós-guerra, um caráter de educação cívica; a ênfase foi
posta na questão do respeito aos direitos humanos e na paz. Como a escola não havia
conseguido evitar a barbárie da guerra, considerava-se “necessária uma educação ´paralela`,
fora da escola, cujo objetivo seria contribuir para o respeito aos direitos humanos e a
construção de uma paz duradoura” (Gadotti, 2000: 34).
Na II CONFITEA (Montreal, Canadá, 1960), que teve como tema “A Educação de
Adultos num Mundo em Mutação” (Gusmão; Marques, 1978: 3), o foco central foi o debate
sobre a relação entre desenvolvimento econômico e a educação de adultos; “a partir deste
84
[...] designa a totalidade dos processos organizados de educação, seja qual for seu
conteúdo, o nível ou o método, sejam formais ou não formais, ou seja, que
prolonguem ou re-iniciem a educação inicial dispensada nas escolas e universidades
e na forma de aprendizagem profissional, graças às quais as pessoas, consideradas
como adulto pela sociedade a que pertencem, desenvolvem suas atitudes,
enriquecem seus conhecimentos, melhoram suas competências e técnicas
profissionais ou lhes dão nova orientação, e fazem evoluir suas atitudes ou o seu
comportamento na dupla perspectiva de um enriquecimento integral do homem e
uma participação em um desenvolvimento socioeconômico e cultural equilibrado e
independente. (UNESCO, 2005: s. p.)
A última CONFITEA realizada até este momento (Hamburgo, Alemanha, 1997) teve
como principal perspectiva conceber a educação de adultos dentro do contexto da educação
continuada ao longo de toda a vida. Cabe destacar que, na avaliação da UNESCO (2007), esta
Conferência é considerada especial: “La CONFITEA V, considerada una conferencia hito,
planteó uma visión global del apredizaje y la educación de adultos en la perspectiva del
aprendizaje a lo largo de toda la vida”.
Da V CONFITEA, que ressaltou a defesa de duas vertentes complementares: a
escolarização e a educação continuada, resultaram dois documentos: a Declaração de
Hamburgo e a Agenda para o Futuro (UNESCO, 1997), que sistematizaram e divulgaram os
conceitos de educação continuada ao longo da vida e de necessidades de aprendizagem,
calcados nas perspectivas da cooperação e a solidariedade internacionais para um novo
conceito da educação de adultos. Assim, para analisarmos as formulações que estão postas
neste importante e recente marco, é preciso problematizar seu conteúdo implícito quando, por
exemplo, a Agenda para o Futuro da Educação de Adultos da Declaração de Hamburgo
assinala:
66
Art. II, p.7. Disponível em: <http://www.unesco.org/education/uie/confintea/paris_s.pdf> Acesso em: 30 ago
de 2007.
67
Disponível em: http://www.unesco.org/education/uie/confintea/paris_s.pdf Acesso em: 2 set. de 2007.
86
adultos, e servirá como uma base para as questões econômicas, sociais, culturais e
políticas, emergentes em relação a educação e desenvolvimento internacional.
CONFINTEA VI oferecerá a oportunidade de articular a educação e aprendizagem
de adultos com os arcabouços internacionais principais em relação à educação e
desenvolvimento: as metas da Educação para Todos (EPT) e as Metas de
Desenvolvimento do Milênio (MDMs), como também a Década das Nações Unidas
para a Alfabetização (UNLD), a Iniciativa de Alfabetização para o Empoderamento
(LIFE) e a Década da Nações Unidas para Educação e o Desenvolvimento
Sustentável (DESD). (UNESCO/UIL, 2007: 1-2, grifos nossos)
68
“Anteriormente llamado el Instituto de la UNESCO para la educación, es la institución más antigua de las
Naciones Unidas en Alemania. De conformidad con su nuevo estatuto jurídico, el UIL tendrá la responsabilidad
del trabajo de la UNESCO en las áreas de la alfabetización, de la educación no formal y del aprendizaje de los
adultos. El UIL también coordinará la Iniciativa para la alfabetización: saber para poder (LIFE), una iniciativa
creada por la UNESCO para reforzar el Decenio de las Naciones Unidas para la alfabetización.”
Disponível em: <http://portal.unesco.org/education/es/ev.php-
URL_ID=52478&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION= 201. html> Acesso em: 19 fev. 2007
69
Disponível:<http://portal.unesco.org/education/es/ev.phpURL_ID=52592&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SEC
TION=201.html> Acesso: 14 dez. 2007.
88
É quase um lugar comum entre aqueles que analisam a educação na década de 1990
mencionar que a Conferência Mundial de Educação para Todos realizada em Jomtien, na
Tailândia, em março de 1990 – organizada e patrocinada pela UNESCO, pelo PNUD, pelo
UNICEF e pelo Banco Mundial –, é considerada um marco na formulação de políticas para a
educação nas duas últimas décadas. Durante sua realização, vários países comprometeram-se
a oferecer educação para todos, tendo em vista a eliminação do analfabetismo (o ano de 1990
sendo proclamado de Ano Internacional da Alfabetização). A Declaração e o Plano de Ação
de Educação para Todos, decorrentes da Conferência, encerraram as principais diretrizes
educacionais adotadas posteriormente pelos diversos países, através dos Planos Decenais e de
acordo com suas posições no sistema capitalista.
70
Cabe mencionar as Conferências Internacionais de Educação da Unesco e da OEI (Organização dos Estados
Iberoamericanos para a Educação, a cidadania e a cultura), realizadas ao longo da década de 1990.
89
71
Entre as grandes conferências internacionais destacam-se: a Conferência Mundial das Nações Unidas sobre o
Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Rio de Janeiro, em 1992), a Conferência Mundial sobre a População
(Cairo, em 1994), a Conferência sobre os Direitos da Mulher (Pequim, em 1995), a Cúpula Mundial sobre o
Desenvolvimento Social (Copenhague, em 1995), a Cúpula Mundial sobre Alimentação (Roma, em 1996).
Relacionados, especificamente com a educação, podemos destacar ainda o Encontro de Nova Delhi (UNESCO,
1993), a Reunião de Kingston - VI Reunião de Ministros de Educação da América Latina e o Caribe (UNESCO,
1996) e a Reunião de Cochabamba – VII Reunião de Ministros da Educação (UNESCO, 2001).
72
Embora não possamos, tendo em vista os objetivos da tese, aprofundar cada uma das reuniões, cabe mencionar
que, segundo Juan Casassus, ocorreram cinco marcos no contexto dos processos de reforma da educação na
América Latina. São eles: a Conferencia Mundial de Educação para Todos, “o Promedlac IV. [...] Em 1991, em
Quito, ocorreu a Quarta Reunião. [...] O terceiro marco foi estabelecido pela 24ª Reunião da CEPAL, que
convoca os Ministros da Economia e Finanças. Ela ocorreu em Santiago do Chile, em 1992. Seu propósito era o
de analisar a conveniência de voltar a situar a educação e o conhecimento no cerne das estratégias de
desenvolvimento. [...] O quarto marco foi o Promedlac IV, que se realizou em Santiago, em 1993. O propósito da
reunião era criar, identificar e esboçar ações que permitissem melhorar os níveis de qualidade das aprendizagens.
Para tanto, chegou-se à conclusão que no nível macro os instrumentos eram a criação de sistemas nacionais de
avaliação e o desenvolvimento de programas de discriminação positiva. Em último lugar, o quinto marco, mais
técnico que político, foi o Seminário Internacional organizado pela UNESCO sobre descentralização e currículo,
que ocorreu em Santiago do Chile, em 1993” (Casassus, 2001: 11-12).
73
O Plano Decenal de Educação para Todos e o Acordo Nacional foram desdobramentos do compromisso
assumido pelo Brasil em Jomtien, na Tailândia, onde se tornou signatário da Declaração Mundial sobre
Educação Para Todos: Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem (UNESCO, 1990), num evento
promovido pela UNESCO, pelo UNICEF, pelo PNUD e pelo Banco Mundial. A Declaração continha as
posições consensuais que deveriam constituir as bases dos planos decenais de educação dos países de maior
população do mundo ali presentes (sem que as mesmas tivessem sido previamente discutidas em cada um dos
90
alcançado. Pode-se dizer que o documento que primeiramente expressou essa orientação em
nosso país foi o Plano Decenal de Educação para Todos (1993-2003)74:
No início dos anos 70, a educação foi considerada, [...] como meio para o
provimento de técnicos para o setor produtivo [...]. Esta diretriz explica a ênfase
conferida ao ensino profissionalizante no interior dos projetos desenvolvidos à época
pelo Banco junto ao ensino brasileiro. No final da década de 70, o interesse do
Banco direcionou-se para a educação primária. (idem, 230)
76
Especialmente entre 1995 e 2002, período referente às duas gestões de Fernando Henrique Cardoso na
presidência da República.
77
Sobre a centralidade do debate sobre educação básica, ver Oliveira (2000); sobre as diferentes concepções de
educação básica de qualidade, ver Rummert (2000).
94
Recursos humanos y desarrollo son dos temas muy vinculados entre sí. El
reconocimiento de esta vinculación ha inducido a la CEPAL a iniciar, en conjunto
con la Oficina Regional de Educación de la UNESCO para América Latina y el
Caribe (OREALC), un esfuerzo sistemático para profundizar en las interrelaciones
entre el sistema educativo, la capacitación, la investigación y el desarrollo
tecnológico, en el marco de los elementos centrales de su propuesta, es decir, la
transformación productiva, la equidad social y la democratización política. El
presente documento es un primer intento de esbozar lineamientos para la acción en
el ámbito de las políticas e instituciones que pueden favorecer las vinculaciones
sistémicas entre educación, conocimiento y desarrollo, tomando en cuenta las
condiciones existentes en el decenio de 1990.79
Silva Jr. (2002) aponta que, ao analisarmos os documentos de referência e outros que
resultaram das ações da UNESCO, no contexto das reuniões mundiais (que, em geral,
contavam com financiamento e assessoria do Banco Mundial), observamos a construção de
78
A pós-modernidade irá referir-se a um conjunto de idéias e práticas que surgem não apenas da crise de
paradigmas da sociedade contemporânea como, principalmente da crise do sistema capitalista, que diante da
necessidade de construção do consenso e das insatisfações cria um clima de novo na busca por enterrar o velho.
79
Disponível em:
<http://www.eclac.org/cgi-bin/getProd.asp?xml=/publicaciones/xml/0/4680/P4680.xml&xsl=/tpl/p9f.xsl>
Acesso em: 10 ago. 2007.
95
“um pacto social mundializado”, para o qual convergiria o foco da “adaptação às mudanças”.
Assim, destaca o autor,
A Declaração Mundial sobre Educação para Todos - Plano de Ação para Satisfazer
as Necessidades Básicas de Aprendizagem, em seu "Preâmbulo", expressa a
preocupação política com as "mais de 100 milhões de crianças, das quais 60 milhões
são meninas, não [terem] acesso ao ensino primário"; com os "mais de 960 milhões
de adultos - dois terços dos quais mulheres, são analfabetos, [...] [sendo o]
analfabetismo funcional um problema significativo em todos os países
industrializados ou em desenvolvimento"; com mais de "um terço do mundo [que]
não tem acesso ao conhecimento impresso, às novas habilidades e tecnologias, que
poderiam melhorar a qualidade de vida e ajudá-los a perceber e a adaptar-se às
mudanças sociais e culturais", sedutoras preocupações políticas que sensibilizaram
muitos políticos e educadores bem-intencionados mas também os oportunistas. (p.
212, grifos do autor)
Nesse sentido, Silva Jr. destaca duas ordens de questões: as minorias e a eqüidade
social. Em primeiro lugar, é interessante ressaltar as diferentes posições e prioridades
assumidas pelas agências internacionais na Conferência de 1990. Essas posições diferentes
(que são, no entanto, complementares) deram origem à concepção predominante nos
documentos oriundos da Conferência e revelam tendências contrárias, que não serão
hegemônicas na Declaração, mas se farão hegemônicas nas políticas educacionais
empreendidas – como, por exemplo, na perspectiva reducionista da educação defendida pelo
Banco Mundial.
Nos termos do Banco Mundial, por exemplo, como destacado no Relatório sobre o
Desenvolvimento Mundial de 1995, intitulado “O trabalhador e o processo de integração
mundial”, o ajustamento dos trabalhadores ao modelo de desenvolvimento imposto e à
pobreza é assim apresentado:
expressos sob a forma de ampliação dos índices de escolarização nos países periféricos.
Tendo em vista as idéias defendidas pelo Banco Mundial sobre educação e pobreza,
aqui brevemente alisadas, percebe-se o receio existente pelo capital quanto aos riscos de um
clima de instabilidade gerado em decorrência do aumento desordenado da pobreza. Observa-
se que os organismos internacionais atribuem à educação a tarefa de atenuar a exclusão social
através da formação para a empregabilidade, preparando principalmente a “população de
risco” para as incertezas. O Banco Mundial revela frequentemente sua preocupação quanto ao
“crescimento da pobreza no mundo”, divulga como solução que a educação é o meio de tirar
“os pobres da pobreza” e afirma que a “educação determinará quem tem as chaves dos
tesouros que o mundo pode fornecer. Isso é particularmente importante para os mais pobres,
que têm que confiar no seu capital humano como o principal, se não o único, meio para
escapar da pobreza” (World Bank, 1999 p.1. apud Siqueira, 2001b: 12, grifo nosso). Assim, o
Banco delega à educação, o papel ideológico de operar as contradições advindas da exclusão
estrutural dos países periféricos. Seguindo o mesmo raciocínio, Leher (2005) destaca:
80
Fazemos referência, especialmente, aos documentos: Do confronto à colaboração: relações entre a Sociedade
civil, o governo e o Banco Mundial no Brasil, datado de 2000; Relatório Sobre Desenvolvimento Mundial
2000/2001 - Luta Contra a Pobreza; Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 2004: Eqüidade e
Desenvolvimento; Relatório Sobre o Desenvolvimento Mundial 2006: a Eqüidade Aumenta a Capacidade de
Reduzir a Pobreza.
81
Segundo estudo realizado pela ONG Ação Educativa, em 2005 os países da América Latina e Caribe que
participavam da IVR eram Honduras, Guiana e Nicarágua. “A IVR é gerenciada por uma co-presidência que
funciona em regime rotativo e é composta por um doador do G-8 (grupo dos oito países mais ricos do mundo) e
por outro doador de fora do G-8. Esta co-presidência é apoiada por um comitê diretivo e por um secretariado
localizado nas instalações do Banco Mundial” (Silva et al., 2005: 38).
82
Aliás, a “criação de uma organização para administrar o comércio internacional constava como um dos
projetos da ONU, quando de sua fundação. Havia a preocupação, sobretudo da parte dos Estados Unidos, em
reduzir as tarifas alfandegárias que haviam se elevado excessivamente ao longo dos anos 1930. [...] O governo
americano não conseguiu, todavia, convencer suas elites econômicas a aceitarem se submeter à autoridade de um
organismo tal como o esboçado na Carta de Havana. Como solução provisória, optou-se pela assinatura de um
acordo, o GATT (General Agreement on Tariffs and Trade), ou Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio. Em
seus 47 anos de vigência o GATT promoveu oito rodadas de negociações [...]. A inclusão dos serviços e da
propriedade intelectual nas negociações da Rodada Uruguai [1986-1994] fez com que essa fosse a mais
complexa entre todas [determinando a criação da OMC. Assim, criada em 1995, a OMC é] uma instituição
intergovernamental global, multilateral, que promove, monitora e arbitra as relações comerciais internacionais.
Seu objetivo é estabelecer regras que facilitem a expansão da produção de bens e serviços. Sediada em Genebra,
a OMC ocupa-se da regulamentação dos três amplos domínios do comércio de bens, de serviços e da
propriedade intelectual” (Gonçalves, 2004: 30). Através da OMC, as economias mais fortes “continuam a usar
seus maiores recursos para impor sua vontade, principalmente mediante o artifício de invocar proteção ao meio
ambiente e aos direitos humanos, como forma de retaliar economias mais fracas que aumentam sua
competitividade em determinados setores da produção de bens e serviços e passam a concorrer com vantagens
com os mesmos setores das mais desenvolvidas” (idem, p.32).
99
83
São seis os objetivos: 1) expandir e melhorar a e ducação e os cuidados na primeira infância; 2) assegurar o
acesso de todas as crianças em idade escolar à educação primária completa, gratuita e de boa qualidade; 3)
ampliar as oportunidades de aprendizado dos jovens e adultos; 4) melhorar em 50% as taxas de alfabetização de
adultos; 5) eliminar as disparidades entre gêneros na educação; e 6) melhorar todos os aspectos da qualidade da
educação.
84
Na Declaração de Nova Delhi, os países se comprometem a “buscar com zelo e determinação as metas
definidas pela Conferencia Mundial sobre Educação para Todos” (UNESCO, 1993, art.1). O documento
reconhece e aponta que “os conteúdos e métodos de educação precisam ser desenvolvidos [...] proporcionando-
lhes o poder de enfrentar seus problemas mais urgentes – combate à pobreza, aumento da produtividade, melhora
das condições de vida e proteção do meio ambiente” (idem, art. 2.4, grifo nosso). Ao final, o documento convoca
os colaboradores das instituições financeiras internacionais para que, “sob o prisma de ajustes estruturais,
reconheçam a educação como investimento crítico isento da imposição de tetos preestabelecidos, e que
promovam um clima internacional capaz de permitir aos países sustentar seu desenvolvimento socioeconômico”
(idem, art. 4.2).
85
Não foram consideradas declarações mais específicas, apesar de estarem no mesmo contexto, como, por
exemplo, a Declaração de Salamanca, sobre Princípios, Política e Prática em Educação Especial, de 1994, e a
Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI: visão e ação, de 1998.
100
menor ênfase, o acesso à educação como base para a eqüidade, a inclusão e a coesão sociais e
a solidariedade entre os povos, requisitos para enfrentar os desafios da “sociedade do
conhecimento”. A imperiosa necessidade de “adaptação às mudanças” é o foco convergente
em todos os documentos (acordos e declarações), tanto os oriundos do Banco Mundial quanto
os da UNESCO.
Nesse sentido, o Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 2000/2001. Luta
contra a pobreza “propõe uma estratégia para atacar a pobreza em três frentes: promover
oportunidades, facilitar a autonomia e aumentar a segurança” (Banco Mundial, 2001: 6).
Afirma ainda que
Outro aspecto central que esclarece o “como ajudá-los (aos pobres)” aparece, por
exemplo, expresso no recente documento UNESCO. O que é. O que faz (UNESCO, 2007),
onde afirma-se que, para acelerar o alcance das metas da educação para todos, atualmente a
Unesco prioriza três iniciativas em áreas estratégicas:
86
“Na região da América Latina existem dois países que foram considerados nesse Programa: Haiti (por suas
altas taxas de analfabetismo) e Brasil (por ter mais de 10 milhões de analfabetos)”. Disponível em:
<http://www.campanaderechoeducacion.org/news.php> Acesso em: 10 out. de 2007.
101
87
Como, por exemplo, “não há uma palavra mencionada sobre o processo de acumulação prévia – quer dizer,
como países ricos ficaram ricos; não há uma palavra sobre como o modelo de ‘desenvolvimento’ baseado na
industrialização/teorias da modernização vem por anos contribuindo para a criação da pobreza” (Siqueira,
2001:12). E, ainda, “a inexistência de críticas mais radicais ao crescente endividamento e ao aprofundamento da
concentração de renda e ampliação das desigualdades dos países periféricos diante da difusão da ideologia da
‘globalização’ será somada à defesa da diversificação das instituições de ensino e da diversificação das fontes de
financiamento da educação” (Lima, 2005: 108).
88
Dentre outros, destacamos, especialmente os seguintes documentos: Relatório sobre o Desenvolvimento
Mundial 2000/2001 – Luta contra a pobreza. Panorama Geral (Banco Mundial, 2001) e Desenvolvimento e
Redução da Pobreza (Banco Mundial, 2004).
102
anterior, mas uma reconceituação, e seu significado, no debate atual, passa ao largo do
significado original de sua matriz. Segundo os autores supracitados, o conceito difundido a
partir de meados da década de 1990 muda o sentido, distorce ou mesmo nega projetos
políticos originais, como, por exemplo, o pressuposto da educação como direito coletivo e
responsabilidade do Estado.
A visão sobre a educação permanente não mais é vinculada a um direito social e
coletivo, calcado na referência de Estado-providência e pleno emprego, e sim a uma
responsabilização individual, dentro do contexto de mudanças da atuação do Estado e do
desemprego estrutural. Além disso, a educação permanente aproxima-se de uma educação ao
longo da vida, que serviria como meio para a solução de problemas da competitividade e do
desemprego, e como capacidade de adaptação ao mercado.
Nesse sentido, adverte Moraes (2006) que atualmente a noção de formação contínua
“atribui ênfase à formação profissional, à sua capacidade de modernização e adaptação
funcional à economia e ao mercado” (p. 397). No contexto de predomínio do ethos mercantil
e de responsabilização individual do direito à formação observam-se deslocamentos não só da
educação para formação, mas também da formação para aprendizagem. Surge a
“‘aprendizagem ao longo da vida’ como política educativa do novo Estado neoliberal,
orientado [...] para o reforço das vantagens competitivas de indivíduos, empresas e nações”
(ibidem). Assim, a noção de “aprendizagem ao longo da vida” é vista como obtenção e
renovação de competências necessárias para a participação na “sociedade do conhecimento”.
Temos, assim, nos anos mais recentes, a defesa de uma lógica de redefinição,
segundo a qual:
89
Em 1968 a UNESCO publicou o documento A crise Mundial da Educação – uma análise sistêmica, no qual
Philip H. Coombs, diretor do Instituto Internacional de Planificação da Educação (IIPE) da UNESCO, se apoiava
em trabalho desse Instituto para analisar os problemas da educação no mundo e recomendar ações inovadoras
(cf. Delors, 2004: 268).
90
A Comissão era composta por sete pessoas: Edgar Faure (França), Felipe Herrera (Chile), Abdul-Razzak
Kaddoura (Síria), Henri Lopes (República Popular do Congo), Arthur V. Petrovsky (URSS), Majid Rahnema
(Iran), e, Frederick Champion Ward (USA).
104
91
A Comissão foi composta pelos seguintes membros: Jacques Delors (França), In’am Al Mufti (Jordânia), Isao
Amagi (Japão), Roberto Carneiro (Portugal), Fay Chung (Zimbábue), Bronislaw Geremek (Polônia), William
Gorham (EUA), Aleksandra Kornhauser (Eslovênia), Michael Manley (Jamaica), Marisela Padrón Quero
(Venezuela), Marie-Angélique Savané (Senegal), Karan Singh (Índia), Rodolfo Stavenhagen (México), Myong
Won Suhr (Coréia do Sul), Zhou Nanzhao (China).
92
Referindo-se, entre outros, à experiência francesa de ocupação das universidades pelo movimento estudantil, e
de formulação cultural de contracultura, que ficou conhecido como Maio de 1968.
93
Sobre essa observação, Siqueira (2001: 02) destaca o fato de que em 1974, por exemplo, os países em
desenvolvimento “conseguiram a aprovação na Assembléia Geral da ONU da Proposta de uma Nova Ordem
Econômica Internacional, baseada nos princípios de solidariedade, cooperação, soberania, autodeterminação dos
povos, respeito à diversidade etc. Contudo, ocorreram as crises do petróleo, e daí, por um lado uma grande
necessidade de recursos, e por outro lado uma vasta massa de recursos, os petrodólares, depositados em bancos
americanos (Chase e Citibank), que precisavam ser reciclados. Daí nascem os grandes empréstimos, boa parte
com juros flutuantes, e as grandes dívidas, que vão explodir com o aumento das taxas de juros.”
105
94
O Relatório Delors é composto por três partes (1- Horizontes, 2- Princípios e 3- Orientações), totalizando nove
capítulos, seguido de epílogo e apêndice. Cabe destacar que todos os capítulos, ao final, apresentam pistas e
recomendações (uma síntese das idéias centrais), e que o epílogo apresenta textos individuais elaborados pelos
membros da comissão (com análises mais específicas sobre seus países).
95
Siqueira (2001:5) ressalta que, apesar de o Relatório indicar a necessidade de financiamento para todos os
níveis de ensino e anunciar que a educação não deve ser regulada pelo mercado, no que tange ao ensino superior
ele “colocou muita ênfase na expansão do ensino superior como forma de reduzir o clima de crescente frustração
entre os jovens, gerado pelo desemprego em massa; alias, como a ÚNICA saída. Isso significa uma grande
despolitização sobre a questão do desemprego, das relações de trabalho, das relações de produção, do lucro, etc.”
(grifo nosso).
96
Sobre a “independência” do trabalho da Comissão que produziu o Relatório Delors, o fato é que esta foi
“Financiada pela UNESCO, e servida de um secretariado posto à sua disposição por esta mesma organização”
(Delors, 2004: 268), assim como dispôs dos recursos e do acervo de informações daquela agência.
106
conceito passível de diferentes interpretações. Além disso, a ampla repercussão sobre a sua
importância estratégica é interpretada por alguns autores como regresso ou atualização dos
ideais da educação permanente. Esse sentido de continuidade está implícito, de uma maneira
geral, nos documentos da Unesco e em grande parte dos autores.
Na interpretação de Dias (2002), o Relatório Delors retoma essencialmente as
mesmas idéias do relatório de 1972: “uma das preocupações nucleares do relatório da Unesco
é a temática dos valores, articulados com a dimensão social e pessoal da educação, numa
perspectiva de educação ao longo da vida, concepção retomada do Relatório Faure” (p. 83),
acrescido de temáticas surgidas mais recentemente, como a do meio ambiente, do
desenvolvimento sustentável ou da situação das mulheres. Para o autor, “mais que uma
avaliação do último quartel do século XX, [o Relatório Delors] adota, na continuidade do
relatório anterior, um posicionamento perante os desafios, incertezas e esperanças do século
XXI, encarando a educação como um trunfo indispensável à humanidade na construção dos
ideais de paz, de liberdade e de justiça social” (ibidem).
Para Canário (2000; 2003), no entanto, a atual ênfase na educação ao longo da vida
pode parecer, “numa primeira, apressada e ingênua leitura” (2003: 193), um raciocínio que dá
continuidade à educação permanente; “contudo, nada é mais diferente” (ibidem), sendo
necessário para a análise e compreensão do seu sentido “negar essa continuidade e pôr em
evidência a ruptura existente entre as duas concepções” (2003: 191). O autor defende que a
ênfase “na importância da educação e da formação inscreve-se, fundamentalmente, numa
perspectiva de sobredeterminação da educação por uma lógica de caráter econômico que,
cumulativamente, induz uma visão redutora e pobre dos fenômenos educativos.” (2000: 89).
Canário (2003), ao situar o caráter central que o conceito de aprendizagem ao longo
da vida vem adquirindo na Europa a partir dos anos 1990, aponta que este se articula com a
relação direta estabelecida entre educação e atividade econômica, ou seja, a política de
formação como resposta às políticas de emprego. Este autor nos mostra que os argumentos
que sustentam a aceitação e expansão em torno do conceito de aprendizagem ao longo da vida
são: 1) a evolução tecnológica, “transição para uma ‘Era do Conhecimento’, concomitante
com uma ‘nova economia’ que tornaria obsoletas as competências atualmente existentes” (p.
194); 2) a eficácia produtiva “em torno da trindade (santíssima?) da produtividade,
competitividade e empregabilidade apela para uma outra gestão global da mão-de-obra”;
(ibidem), e, por fim, 3) a coesão social “traduz a preocupação central de combater ou prevenir
formas de conflitualidade social que poderiam abalar o sucesso da nova ordem econômica”
(ibidem). Desta forma, demonstra o caráter de subordinação das políticas de formação
107
CAPÍTULO III
97
As políticas de educação básica e profissional de jovens e adultos trabalhadores são políticas sociais, aqui
entendidas enquanto modalidades de política pública, como ação de governo com objetivos específicos
relacionados à proteção social. De acordo com Vianna (2002), “Como política pública, portanto, a política social
deve ser entendida em sua dimensão política e histórica” (p. 1). Desta forma, conforme assinala a autora, “as
ações governamentais com objetivos voltados para a proteção social começam a ser produzidas
contemporaneamente à consolidação dos Estados nacionais” (p. 2) na Europa Ocidental. Identificam-se três fases
ou tendências nas políticas sociais ao longo desse processo:
1 – A assistência pública nos séculos XVI a XIX, “primeira fase da evolução da política social consistiu nas
chamadas Lei dos Pobres [...] A pobreza, nesta fase, é o risco predominante. O Estado age para proteger a
sociedade da ameaça representada pela pobreza (à qual se associam a indigência, a doença, o furto, a degradação
dos costumes) e para proteger os pobres” (idem, p. 3).
2 – Numa segunda fase, o seguro social no final do século XIX e início o século XX. Os “Seguros sociais
compulsórios, para fazer face a riscos sociais associados ao trabalho assalariado, despontam como o modelo
dominante de proteção social. [...] Para a sociedade, mais que a pobreza, a ameaça agora está na recusa ao
assalariamento. [...] A forma seguro, implicando um contrato entre partes (sendo o Estado, na grande maioria dos
casos, uma destas partes), retirava da política social seu caráter meramente assistencialista. Por sua natureza
meritocrática [...] o seguro social destituía a política social de estigma. Deslocando seu alvo principal, da pobreza
para o trabalho assalariado, a política social ganha papel pró-ativo no sistema” (idem, p. 4-5).
3 – A seguridade social, em meados do século XX; nesta fase a natureza da política passa a ser universalista e a
referência à garantia de amplos direitos sociais a todos os cidadãos, configurando os Estados de bem-estar social.
Nesta concepção de proteção social, “O princípio da unidade tinha por metas a unificação das múltiplas
instâncias de gestão dos seguros sociais existentes e a homogeneização das prestações básicas. Universalidade, o
outro grande princípio, dizia respeito à cobertura – todos os indivíduos – e aos escopos da proteção (todas as
necessidades essenciais). Pode-se afirmar, assim, que introjeta-se na cultura política ocidental do pós-guerra uma
concepção de cidadania como trajetória cumulativa de direitos: direitos civis (as liberdades individuais), direitos
políticos e direitos sociais” (idem, p. 5, grifos do autor).
Atualmente, há uma redução da política social e da questão social a carências individuais, à pobreza e a uma
“definição de pobreza como uma situação em que indivíduos se encontram por falta de certos dotes, dotes que
uma vez adquiridos os capacitam a pular a linha da pobreza” (Vianna, 2007: 3). Neste novo modelo de proteção
social, o objeto da política social passa a ser certos indivíduos e grupos específicos. Assim, a referência a um
padrão universalista de proteção social, através de políticas sociais de natureza coletiva, vem sendo considerada
cara e acusada de não alcançar os pobres, e sendo substituída por “ações que se dirigem a indivíduos, a grupos
específicos, a segmentos da população pobre, que devem ser tratados de modo diverso em respeito às diferenças
que guardam entre si. [...] ou seja, a política social é uma ação para os pobres” (ibidem).
Com base no acima exposto, consideramos importante sublinhar a natureza política da política social e das
políticas públicas em geral, o que significa apreender o seu caráter circunstancial e historicamente definido.
110
O resgate histórico das ações implementadas pelo governo federal na área da EJA,
empreendida pela autora da presente pesquisa em sua dissertação de mestrado (Ventura,
2001), evidenciou o fato de ser a mesma tratada, recorrentemente, de forma marginal, tomada
de uma maneira geral, como dimensão residual e temporária na educação brasileira. O
referido estudo apontou, ainda, para um longo percurso de ausência de políticas públicas e
insucessos na promoção da escolarização da população, que se inicia no final da década de
1940 e se estende até os dias atuais. Nessa perspectiva, destacamos alguns instrumentos legais
relacionados com a EJA que fazem parte da reforma educacional iniciada e empreendida ao
longo da década de 199098.
A Constituição Federal de 1988 reconheceu a educação como direito de todos e dever
do Estado, firmando o Ensino Fundamental como obrigatório e gratuito, independentemente
da idade. Entretanto, nos anos 1990, no contexto das reformas da educação, novas bases
legais redefiniram os rumos da política educacional e significaram expressivo retrocesso e
desqualificação da Educação de Jovens e Adultos, acentuando-se o lugar secundário por ela
ocupado no conjunto das políticas educacionais.
98
De modo geral, “pode-se afirmar que a história política do Brasil a partir dos anos 90 tem sido a história de
recomposição e aprofundamento da hegemonia da burguesia brasileira nesse momento de mudanças qualitativas
da organização do trabalho e da produção e reestruturação do Estado no capitalismo monopolista internacional e
nacional” (Neves, 2005: 89). Conforme esta autora, após a eleição de Fernando Henrique Cardoso o Brasil
integrou-se organicamente ao projeto neoliberal, promovendo reformas nas quais a educação teve um papel
relevante para os ajustes estruturais.
111
Assim, apesar de escapar aos propósitos desta tese analisar os acordos travados ao
longo da extensa trajetória da LDBEN, convém destacar que a Lei aprovada em 1996
expressou a correlação de forças entre os defensores da educação pública e os defensores de
interesses privatistas de caráter neoliberal; esses últimos, ao longo dos anos de 1990, tornam-
se politicamente hegemônicos. Movimento que ganha nitidez ao atentarmos para os termos
utilizados na nomeiação dos diversos segmentos e modalidades de educação nos Projetos de
Lei anteriores ao aprovado – expressões das diferentes concepções em disputa.
No texto do primeiro projeto de LDBEN, apresentado em 1988, à Câmara dos
Deputados, pelo Deputado Octávio Elísio, a EJA estava contemplada em três artigos no Título
VI – Da Educação Fundamental, nos quais é definida como:
Art. 22 – Para aqueles que não tenham seguido ou concluído a educação escolar de
1º ou 2º graus na idade próprioa será organizado ensino regular específico, além do
ensino supletivo que abrangerá cursos e exames, conforme as normas baixadas pelos
Conselhos de Educação competentes. (Saviani, 1997: 45).
Em 1990, na versão que ficou conhecida como “substitutivo Jorge Hage”, a comunidade
educacional através, principalmente, do Fórum em Defesa da Escola Pública, estava
mobilizada e influenciou a relatoria do deputado Jorge Hage. Inspirada nas reivindicações da
comunidade educacional, a EJA aparece em um capítulo próprio intitulado Capítulo XII – Da
educação básica de jovens e adultos trabalhadores, que aponta a necessidade de um
tratamento articulado com a educação escolar regular e assegura as condições legais para
solucionar os principais problemas de acesso e permanência do aluno trabalhador na escola.
Nas palavras do substitutivo: “A educação básica pública oferecerá alternativas adequadas às
necessidades da população trabalhadora, jovem e adulta” (Art. 6299) e “O Poder Público
viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador na escola, mediante ações
99
Parágrafo único – As alternativasreferidas neste artigo incluirão, no mínimo: I – regime especial de trabalho
para trabalhadores-estudantes, (...). II – disponibilidade de aparelhagem e demais condições para recepção de
programas de teleducação no local de trabalho, em empresas e órgãos públicos com mais de 100 (cem)
empregados; III – oferta regular de ensino noturno, entendido como tal o oferecido a partir das 18 horas, nos
mesmos padrões de qualidade do diurno, e em escola próxima dos locais de trabalho e residência; IV –
alternativas de acesso a qualquer série ou nível, independentemente de escolaridade anterior, sem restrições de
idade máxima, mediante avaliação dos conhecimentos e experiências, admitida, quando necessária, a prescrição
de programas de estudos complementares em paralelo; V – conteúdos curriculares centrados na prática social e
no trabalho e metodologia de ensino-aprendizagem adequado ao amadurecimento e experiência do aluno; VI –
organização escolar flexível, inclusive quanto à redução da duração da aula e do número de horas-aulas, à
matrícula por disciplina e a outras variações envolvendo os períodos letivos, a carga horária anual e o número de
anos letivos dos cursos; VII – professores especializados; VIII – programas sociais de alimentação, saúde,
material escolar e transporte, independente do horário e da modalidade de ensino, financiados com recursos
específicos; IX – outras formas e modalidades de ensino, que atendam a demandas dessa clientela, nas diferentes
regiões do país.
112
Observa-se, então, que essa Seção V resultou bastante diversa do Capítulo XII do
Substitutivo Jorge Hage que tratava Da Educação Básica de Jovens e Adultos
100
(...) que incluirão: I – ações diretas dos sistemas de ensino, para implementação das providências contidas nos
incisos III a IX do artigo anterior; II – ações junto aos empregadores, mediando processos de negociação com os
trabalhadores, fiscalizando o cumprimento das normas legais, e criando incentivos e estímulos, inclusive de
natureza fiscal e creditícia, para as empresas que facilitem a educação básica dos seus emregados, na forma dos
incisos I e II do referido artigo; III – ações diretas do Estado, na condição de empregador, por si e por suas
entidades vinculadas e emresas públicas. Parágrafo único – O valor de bolsas de estudos ou outros benefícios
educacionais, concedidos pelos empregadores a seus empregados, não será considerado, para nenhum efeito,
como utilidade e parcela salarial, não integrando a remuneração do empregado para fins trabalhistas,
previdenciários ou tributários. (Saviani, 1997, p.93-94)
101
§ 1º – Os exames a que se refere o caput deste artigo se realizam: a) ao nível de conclusão do ensino
fundamental, para os maiores de quinze anos, denominado Madureza I; b) ao nível de conclusão do ginásio, para
os maiores de dezoito anos, denominado Madureza II. § 2º – os exames supletivos ficam a cargo de
estabelecimentos oficiais credenciados pelos vários sistemas de ensino, ampliando-se seu número
progressivamente até atingir a totalidade de estabelecimentos tecnicamente capacitados ao exercício desta
atribuição. (idem, p.138 – grifo nosso)
113
Daqui por diante, no que concerne ao quadro normativo da EJA importa, dentro do
escopo deste trabalho, colocar em evidência: 1) a Emenda Constitucional nº 14/96, que
modificou o inciso I do Artigo 208 da Constituição Federal e deu nova redação ao art. 60 do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; 2) a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei nº 9.394/96), que tratou a EJA de forma contraditória, pois se por um lado
conferiu à EJA uma nova identidade, assumindo-a como uma modalidade da educação básica,
por outro lado, manteve a ênfase em cursos e exames supletivos; 3) a criação do Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério
(Fundef) – Lei nº 9.424/96 – e, em seguida, a exclusão da EJA desta forma de financiamento,
o que desestimulou a ampliação de vagas; 4) a implementação do Planfor, através da
Resolução nº 126/96 do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador
(Codefat) e a reforma da educação profissional, através do Decreto nº 2.208/97, que, juntos,
ampliaram o caráter fragmentado e privatista da formação profissional da População
Economicamente Ativa (PEA); 5) por fim, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA,
Resolução CEB/CNE 1/2000, que reafirma a identidade própria desta modalidade da
educação e apresenta avanços e limites, conforme demonstraremos.
Desse modo, no que se refere às bases legais, a Emenda Constitucional nº 14/96, ao
modificar sutilmente a redação da Constituição102, excluiu o princípio da obrigatoriedade do
poder público em ofertar o ensino fundamental para os que a ele não tiveram acesso na idade
própria, por outro lado, o veto do presidente Fernando Henrique Cardoso, exclui as matrículas
da EJA para a composição do FUNDEF. É seguro que a Constituição Federal Brasileira de
1988 significou um marco legal importante no campo da EJA ao garantir “ensino fundamental
obrigatório e gratuito” (art. 208, inciso I) para todos. Além disso, pode-se ressaltar o destaque
para que a “erradicação do analfabetismo” (art. 214, inciso I) fosse enfrentada pelo Plano
Nacional de Educação, além de terem sido firmadas metas e compromissos do poder público
102
Da formulação original, que assegurava, “ensino fundamental obrigatório e gratuito, inclusive para os que a
ele não tiveram acesso na idade própria”, a Constituição passou depois da Emenda Constitucional nº 14/96 a
assegurar “ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para os que a ele
não tiveram acesso na idade própria” (Brasil, 1999: 121). Com esta alteração, manteve-se a gratuidade mas
retirou-se a obrigatoriedade da oferta.
114
Art. 37 - A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram
acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria.
§ 1º - Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos,
que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais
apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições
de vida e de trabalho, mediante cursos e exames.
103
Para uma síntese das disputas políticas travadas durante os oito anos de tramitação até a promulgação da nova
LDBEN, ver Saviani (1997).
104
Além da alteração na questão do financiamento expresso na Lei 9.424/96 (Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), o programa de reforma educacional
baseava-se, principalmente, na reformulação curricular da educação básica, expressa sob a forma de Diretrizes e
Parâmetros Curriculares Nacionais. No que tange especificamente à reforma da educação profissional na década
de 1990, as bases legais foram: o Decreto 2.208/97, a Portaria MEC nº 646/97, a Portaria MEC n º 1.005/97, o
Parecer CNE/CEB nº 16/99, a Resolução CNE/CEB 04/99.
105
Sobre esta questão, Leher chama a atenção para o fato de que “em um primeiro momento, responsabilidades
da União são repassadas para os estados e municípios. [...] Usualmente, o Executivo Federal se desobriga total
ou parcialmente dos custeios dessas políticas. [...] O passo seguinte, observado em países como o Chile, é a
completa transferência do ‘serviço’ para a ‘comunidade’” (Leher, 2001: 165).
115
-----------------------------------------------------------------------------------------------------
Art. 38 – os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que
compreenderão a base nacional comum do currículo, habilitando o prosseguimento
de estudos em caráter regular106.
[...] a mudança de ensino supletivo para educação de jovens e adultos não é uma
mera atualização vocabular. Houve um alargamento do conceito ao mudar a
expressão de ensino para educação. Enquanto o termo “ensino” se restringe à mera
instrução, o termo “educação” é muito mais amplo, compreendendo os diversos
processos de formação. (p. 12)
106
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L9394.htm> Acesso em: 4 mar. 2008.
107
Os termos cursos e exames são formas de atendimento diferenciadas, com características próprias. No
documento básico orientador das audiências públicas para subsidiar a reformulação do Parecer CNE/CEB
11/2000, fez-se a distinção, esclarecendo-se que: “Os cursos pressupõem a relação professor-aluno e buscam
assegurar que os saberes dos jovens, adultos e idosos trabalhadores sejam considerados no encaminhamento
metodológico próprio desta modalidade, bem como no tempo de permanência e conclusão do curso, utilizando-
se para tal de mecanismos internos de aproveitamento de estudos, classificação e reclassificação. Os exames
destinam-se a candidatos que, a partir de suas experiências de vida, vinculadas à apropriação de saberes ao longo
de sua história escolar e não escolar, se inscrevem nas redes públicas e, em alguns casos, privadas, estaduais ou
municipais para a aferição destes saberes e, em obtendo êxito, recebem certificação de conclusão de disciplinas
e/ou áreas do conhecimento ou de curso.” (Este documento está disponível em: www.forumeja.org.br )
108
Cabe destacar que o Parecer CNE/CEB 05/97 aborda a questão da denominação "Educação de Jovens e
Adultos" e "Ensino Supletivo", definindo os limites de idade fixados para que jovens e adultos se submetam a
exames supletivos, as competências dos sistemas de ensino, e explicitando as possibilidades de certificação.
109
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/PCB0597.pdf> Acesso em: 6 mar. 2008.
110
O documento básico orientador das audiências públicas para subsidiar a reformulação do Parecer CNE/CEB
11/2000 chama a atenção para o fato de que “Ao se fixar uma idade mínima para ingresso na EJA, deve-se
atentar, ainda, para um outro marco legal, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), que define
116
como adolescentes aqueles (as) compreendidos na faixa etária de 12 a 18 anos, e que, como tais, devem ter
assegurados todos os direitos fundamentais ao seu pleno desenvolvimento. [...] São comuns os relatos de que [...]
Adolescentes têm visto na EJA a oportunidade para ‘acelerar’ seus estudos e a escola a possibilidade de ‘livrar-
se’ de alunos indisciplinados. Como conseqüência, temos uma confusão quanto aos objetivos e finalidades da
EJA, que passa a ser vista, exclusivamente, como uma forma de ‘acelerar’, de corrigir a ‘defasagem idade-série’
dos/das adolescentes. Não podemos contribuir para que a EJA seja vista como espaço de correção de
comportamento ou como castigo para os que não se adequam ao Ensino Regular, prejudicando, entre outros, a
afirmação da identidade da EJA.” (Este documto está disponível em: www.forumeja.org.br )
111
Uma vez que os seus alunos da educação de jovens e adultos não foram considerados na contagem do censo
geral das matrículas que podiam fazer jus aos recursos do Fundo, sob a alegação de que haveria dificuldade de
recenseamento e não disponibilidade de dados estatísticos no MEC/INEP.
112
Cabe ressaltar que essa restrição acarretou, em significativo número de municípios brasileiros, a redução da
oferta de vagas no supletivo, substituído pelo curso regular noturno, cujas matrículas eram contabilizadas nos
seus cálculos, sem que ocorresse, em geral, nenhuma adaptação de caráter pedagógico com vistas a atender às
especificidades dos jovens e adultos.
117
expressiva, para o alunado de baixa escolaridade, na medida em que seu público alvo era a
população em desvantagem social (pessoas desocupadas ou sob risco de desocupação).
Assim, no que diz respeito à formação profissional, em oposição ao breve tratamento
dado à EJA na seção V, a LDBEN de 1996, guardou, no Capítulo III, espaço bastante
significativo para a educação profissional, também apresentada como modalidade
educacional, voltada para o “permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva”
(Art. 39). Além de destacá-la da educação escolar, a LDBEN regulamentou a educação
profissional de forma genérica, permitindo diversas estruturas para a sua organização,
destacando-se a possibilidade de ser, “em articulação com o ensino regular ou por diferentes
estratégias de educação continuada, em instituições especializadas ou no ambiente de
trabalho” (Art. 40), e a oferta de “cursos especiais, abertos à comunidade” sem
condicionamento da matrícula ao nível de escolaridade (Art. 42).
Do mesmo modo, as modificações advindas do Decreto nº 2.208/97113 propiciaram a
chamada nova institucionalidade da educação profissional. A partir desse Decreto, as
instituições que ministravam a educação profissional passaram a oferecer cursos profissionais
de nível básico, independente do grau de escolaridade dos alunos, conferindo aos concluintes
o certificado de qualificação profissional. Tais cursos de qualificação de nível básico
caracterizam-se por serem de curta duração, fragmentados e vinculados à demandas pontuais.
Nesse sentido, o Decreto teve implicações diretas no campo da educação de jovens e adultos,
possibilitando a expansão do atendimento às demandas por educação para as frações mais
fragilizadas da classe trabalhadora (historicamente atendidas pela EJA) através de uma rede
paralela de qualificação, dissociada da rede escolar de educação básica114. Isto desviou o foco
do direito à educação de qualidade e gerou um campo propício à oferta de cursos de formação
profissional aligeirados e de baixíssima complexidade, que, na maior parte das experiências,
pouco acrescentava à formação plena dos jovens e adultos trabalhadores.
Em outras palavras, os instrumentos legais que proporcionaram a nova
institucionalidade da educação profissional, contribuíram, significativamente, para acentuar, o
desenho de uma "divisão de tarefas" (Ventura, 2001) entre o Ministério da Educação e o
Ministério do Trabalho, no âmbito da EJA, na segunda metade dos anos 1990. Como
conseqüência, o atendimento às demandas por educação da população adulta de baixa
escolaridade passou a ser realizado por meio da criação de uma rede de cursos de qualificação
113
O Art. 3º do Decreto 2.208/97 redefine em três níveis a formação profissional: I - básico, II - técnico e III –
tecnológico.
114
Os cursos ocorriam com gestão e financiamento do Ministério do Trabalho, utilizando recursos do Fundo de
Amparo ao Trabalhador (FAT), mas sua execução ficava a cargo das diversas instituições da sociedade civil.
118
115
Nesse período, o Plano Nacional de Formação Profissional (PLANFOR) foi emblemático da concepção de
educação que estava sendo desenhada. Para uma análise da relação entre a EJA e o Planfor, ver Ventura (2001).
116
Segundo o Art. 1º: I – formação inicial e continuada de trabalhadores; II – educação profissional técnica de
nível médio; e III – educação profissional tecnológica de graduação e pós-graduação (Brasil, 2004). Sobre o
debate acerca deste decreto, consultar Rodrigues (2005), Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005).
119
(Ventura, 2001). Cabe lembrar, que estes conceitos foram discutidos no primeiro capítulo do
presente trabalho.
A EJA passa a apresentar-se de forma mais ampla, mais fragmentada e mais
heterogênea. Tais características, entretanto, não alteram sua marca histórica: ser uma
educação política e pedagogicamente frágil, fortemente marcada pelo aligeiramento,
destinada, predominantemente, à correção de fluxo e à redução de indicadores de baixa
escolaridade, e não à efetiva socialização das bases do conhecimento; estar comprometida
com a permanente construção e manutenção da hegemonia inerente às necessidades de
sociabilidade do próprio capital.
Já na década seguinte, o principal marco legal foi a Resolução CNE/CEB nº 1/2000,
que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação e Jovens e Adultos,
baseadas no conjunto de formulações sobre a especificidade da EJA expressas no Parecer
CNE/CEB nº 11/2000117. É preciso destacar que nas audiências públicas e debates ocorridos
durante a elaboração do Parecer 11/2000, os vários atores envolvidos com a EJA
empenharam-se para que este documento contribuísse para recuperar o que se tinha perdido
com a esvaziada Seção V da LDBEN e com a Emenda Constitucional nº 14/96. Conforme
assinala Rummert, este é “um importante documento que, embora marcado por limites
político-ideológicos do momento em que foi elaborado, abriga enorme potencial de
valorização dessa modalidade de ensino” (2002: 121).
Assim, o Parecer CNE/CEB nº 11/2000 apresentou avanços e limites. Por um lado,
podemos destacar avanços como a ênfase da EJA como direito, particularmente direito
público subjetivo, o reconhecimento da sua especificidade como uma modalidade de ensino
“a EJA é uma categoria organizacional constante da estrutura da educação nacional, com
finalidades e funções específicas” (Soares, 2002: 31) e a referência à função reparadora,
entendida como “restauração de um direito negado: o direito a uma escola de qualidade, mas
também o reconhecimento daquela igualdade ontológica de todo e qualquer ser humano”
(idem, p. 34). Assim, responsabiliza os sistemas de ensino por construírem modelos
pedagógicos próprios para esta modalidade da educação básica, que propiciem o atendimento
aos interesses e necessidades do seu público.
Por outro lado, o mesmo Parecer atribui à EJA duas outras funções: equalizar e
qualificar. A primeira, baseada na discriminação positiva (políticas afirmativas); a segunda,
117
Ao longo deste capítulo estaremos muitas vezes utilizando o livro que Soares (2002) organizou com o Parecer
CNE/CEB nº 11/2000 “principal documento que regulamenta e normatiza a educacao de jovens e adultos no
Brasil, e outros documentos que são considerados importantes para compreender a configuracão da area, na
atualidade, no país” (p. 7).
120
118
Este conceito foi discutido no capítulo 2 deste trabalho, relacionado ao quadro hegemônico internacional.
121
119
Abordado no capitulo 1 do presente trabalho.
122
processo de adaptação ao mundo, mas sim para uma compreensão crítica que
permitisse intervir para transformar. Slogans como “a cultura não é uma flor na
lapela” ou “aprender a tocar flauta é um acto revolucionário” exprimiam o modo
como era vista, na época, numa perspectiva de educação popular, a articulação entre
educação e cultura. Uma história como a de Giuseppe Morandi não seria possível,
hoje, no contexto da política de “aprendizagem ao longo da vida”. Faltam os
movimentos sociais de cariz transformador que, a partir das fábricas e das escolas,
influenciaram, no início dos anos 70 as idéias e as práticas de educação e formação
que, a nível institucional, se viriam a traduzir no movimento de educação
permanente. (Canário, 2003: 192, grifo nosso)
120
A proposta de PNE da sociedade brasileira, expressa no PL 4.155/98, representava a síntese de uma
construção coletiva desenvolvida no I e II CONEDs (Congresso Nacional de Educação), realizados em 1996 e
1997 em Belo Horizonte/MG.
123
sem no entanto, (...) apontar meios para concretizar o intento proclamado. (Valente,
2001: 15)
Em síntese, no que tange à base legal, por um lado, há no país um conjunto leis que
garantem o direito de todos à educação. Esses novos instrumentos legais significaram
avanços, ao apresentarem indicações quanto à obrigatoriedade, gratuidade e respeito à
especificidade da EJA. A Constituição, por exemplo, assegura “a questão da garantia da
gratuidade dessa modalidade de ensino no nível fundamental (Art.208, inciso I) e, em seguida,
o destaque para o enfrentamento do analfabetismo como um dos objetivos de um Plano
Nacional de Educação (Art. 214, inciso I)” (Ireland et al 2005: 92). Por outro lado, a base
jurídica também possibilitou a existência e a multiplicação de cursos precários, com foco
apenas na certificação; do mesmo modo, permitiu a transferência da responsabilidade pela
educação do Estado para iniciativas da sociedade civil, favorecendo as parcerias e, nesse
horizonte, a legislação confirmou “tanto a subordinação da educação dos trabalhadores aos
interesses do capital em sua atual fase de acumulação, quanto a valorização de medidas que
alteram os indicadores estatísticos de baixa escolaridade da população, sem que se verifique
efetivo compromisso com a oferta de educação de qualidade” (Rummert, 2007: 64).
A seguir demonstraremos como se deu a execução desses preceitos legais na
materialidade e especificidade das ações de execução desenvolvidas pelo governo federal nos
dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso e no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da
Silva.
124
Nesta seção serão abordadas iniciativas que expressam, pela sua abrangência e
volume de recursos e/ou por explicitar as forças sociais que representam, o campo principal
de execução da educação básica e profissional dos trabalhadores no decorrer do período de
1995 a 2006. Pretende-se, assim, apresentar um esboço do quadro das políticas para a EJA
formuladas nos dois governos Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002) e no
primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006). Procuraremos demonstrar a
fragmentação na oferta e o caráter em geral precário da formação propiciada nos variados
programas e nos projetos dispersos estabelecidos por essas políticas, uma vez que a
centralidade de tais ações parece incidir mais na ampliação de mecanismos de certificação
relativos à conclusão do Ensino Fundamental, à formação profissional (particularmente a de
caráter inicial) e, mais recentemente, com maior referência, ao término do Ensino Médio, do
que à ampliação das condições de acesso ao conhecimento.
Ao examinarmos as políticas121 de educação básica e profissional dos trabalhadores
estabelecidas pela legislação, bem como as ações implementadas pelo governo federal,
buscaremos apreender o conteúdo das características que assume, no atual momento histórico,
o conflito estrutural entre o capital e o trabalho. Pretendemos, nesta seção, ir ao encontro da
apreensão das formas assumidas por esse mesmo conflito ao mostrar as estratégias criadas
pelos governos para materializar pressupostos legais.
3.2.1. A EJA nos dois governos Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002)
121
Conforme assinalado na nota 97.
125
122
Atual Ministério do Desenvolvimento Agrário.
123
Portaria nº 111/2002 – MEC/INEP. Disponível em: <http://www.inep.gov.br/basica/encceja> Acesso em: 03
jan. 2008.
124
Conforme assinala Machado (1998), “Quanto à proposta do Programa Alfabetização Solidária, esta sequer foi
colocada em debate no Seminário Nacional de Educação de Jovens e Adultos, realizado em Natal, onde seus
delegados foram surpreendidos com tal lançamento” (p. 5). Traçando um paralelo entre as duas concepções de
EJA (a do documento final do Seminário e a do Programa Alfabetização Solidária), esta autora elabora um
quadro apontando as características e divergências entre cada uma das concepções, demonstrando anacronismo
da proposta.
126
125
O PAS associa, até hoje, à histórica suposição de imaturidade do analfabeto, a concepção de tutela,
estimulada pela Campanha "Adote um Aluno".
126
O PAS esteve sob a responsabilidade do Comunidade Solidária até 1998. Desde então passou a ser
coordenado e administrado pela Associação de Apoio ao Programa Alfabetização Solidária (AAPAS), uma
organização não-governamental sem fins lucrativos e de utilidade pública. “Com estatuto próprio, a AAPAS
passou a ser responsável pelo gerenciamento da AlfaSol. A constituição da entidade proporcionou maior
autonomia para a captação de recursos e agilidade no gerenciamento das atividades. Todo o trabalho é
desenvolvido com base em parcerias mantidas com o Ministério da Educação, empresas, pessoas físicas,
127
organizações, governos municipais e estaduais, instituições de ensino superior e outras.” Disponível em:
<http://www.alfabetizacao.org.br/aapas%5Fsite/asalfasol10anos.asp> Acesso em: 19 mar. 2007.
127
Disponível em: <http://www.unesco.org.br/noticias/ultimas/alfasol10anos/noticias_view> Acesso em: 19
mar. 2007.
128
Pronera e o Planfor128.
128
No governo Luiz Inácio Lula da Silva o Planfor é substituído pelo PNQ (Plano Nacional de Qualificação); o
Pronera continua com o mesmo nome.
129
129
A cobertura do Pronera, no que se refere às matrículas por modalidade de ensino entre 1999 e 2002, foi de
94% na EJA (109.489 matriculados), enquanto que os outros 6% se dividiram em: 0,6% no Curso de
Magistério (696), 0,4% no Curso de Graduação em Pedagogia (448), 0,8 em cursos técnicos profissionalizantes
(916), 3,6% em cursos pós-técnicos (4.175) e 0,3 em outros (385) (Andrade et al., 2004: 27).
130
Segundo balanço realizado pelo MTE em 2003, o Planfor “Entre 1995 e 2001 envolveu 15,3 milhões de
trabalhadores nos Planos de Qualificação Profissional financiados com recursos do FAT. Ampliando o
atendimento de 153 mil educandos, em 1995, para algo próximo de 4 milhões, em 2001. Durante esse período,
houve crescimento significativo do volume de recursos disponibilizados pelo FAT. Passou de R$ 28 milhões, em
1995, para R$ 493 milhões em 2001” (Brasil, 2003: 18).
130
131
O Planfor assim define a parceria: “Uma das diretrizes básicas para execução de programas/ações de EP no
âmbito do Planfor é buscar, fomentar, estimular, construir PARCERIAS. (...) O conceito de PARCERIA vai
além de meras atribuições contratuais de executores (embora todo executor/contratado deva ser visto e atuar
como parceiro). PARCEIRO, na visão do Planfor, é quem oferece efetivo aporte de recursos – humanos, físicos,
de tecnologia e conhecimentos – à realização dos programas e projetos. PARCERIA é fundamental para atingir
os objetivos do Planfor, de qualificar anualmente 20% da PEA, buscando fontes adicionais de recursos, além do
FAT. Por isso, PARCERIAS devem ser construídas desde a fase de concepção dos planos e projetos” (Brasil,
1999a: 20).
132
Deve-se destacar particularmente os conceitos de “novo imperialimo” e “acumulação por espoliação”
(Harvey, 2004) contextualizados, brevemente, no primeiro capítulo deste trabalho.
131
sua expressão concreta em cada realidade nacional. [...] O paritarismo atual não
pode ser visto fora do contexto de extrema fragilização dos trabalhadores e seus
representantes, e o consenso por ele construído corre o risco de atender
principalmente aos interesses dos empresários e do Estado. Mesmo preservando a
proporcionalidade numérica da representação, a correlação de forças entre os
interlocutores políticos é, neste contexto, muito desigual. (p. 60-62)
Com base legal conferida principalmente pelo Decreto nº 2.208/97, o Planfor propôs
como meta ampliar a qualificação profissional da força de trabalho, desenvolvendo
habilidades e competências, tendo em vista desenvolver a empregabilidade133 de 20% da
População Economicamente Ativa (PEA) e melhorar a competitividade no mercado de
trabalho; contudo, conforme já dito, através de uma formação desatrelada da educação formal,
o que significou em torno de 15 milhões de pessoas envolvidas nos cursos de qualificação,
com carga horária média entre 60h e 100h134, estruturados em torno de habilidades básicas,
específicas e de gestão135 tendo em vista as demandas do mercado136. Nesse quadro,
referendada pelas avaliações externas do Planfor, aponta Kuenzer (2006: 889) que
Além do mau uso dos recursos públicos, [o Planfor] caracterizou-se pela baixa
qualidade e baixa efetividade social, resultante de precária articulação com as
políticas de geração de emprego e renda, desarticulação das políticas de educação,
reduzidos mecanismos de controle social e de participação no planejamento e na
gestão dos programas e ênfase em cursos de curta duração focados no
desenvolvimento de habilidades específicas.
Assim, cabe reafirmar que nos dois governos Fernando Henrique Cardoso as
políticas de educação passaram a funcionar por meio de projetos e programas, na condição de
mercadoria negociada entre governo e sociedade civil na busca por financiamento público.
133
“O conceito de empregabilidade tem sido utilizado para referir-se às condições subjetivas de integração dos
sujeitos à realidade atual dos mercados de trabalho e ao poder que possuem de negociar sua própria capacidade
de trabalho, considerando o que os empregadores definem por competências” (Machado apud Fidalgo, 1999a:
22).
134
No primeiro quadriênio do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1998) destaca-se: “carga horária
média por treinando: em torno de 100 horas em 1996/1997, caindo a 87 horas em 1998” (Brasil, 1999: 27). No
segundo (1999-2002), o próprio MTE destaca que a carga horária passou “para 60 horas médias” (Brasil, 2003:
18).
135
De acordo com o Ministério do Trabalho: “Habilidades básicas – competências e conhecimentos gerais,
essenciais para o mercado de trabalho e para a construção da cidadania, como comunicação verbal e escrita,
leitura e compreensão de textos, raciocínio, saúde e segurança no trabalho, preservação ambiental e outros
eventuais requisitos para as demais habilidades. Habilidades específicas – competências e conhecimentos
relativos a processos, métodos, técnicas, normas, regulamentações, materiais, equipamentos e outros conteúdos
específicos das ocupações. Habilidades de gestão – competências e conhecimentos relativos a atividades de
gestão, autogestão, melhoria da qualidade e da produtividade de micro e pequenos estabelecimentos, do trabalho
autônomo ou do próprio trabalhador individual, no processo produtivo”. (Brasil, 1999b: 41).
136
Vários estudos e avaliações externas apontaram os limites dos cursos ministrados, até mesmo sob a ótica do
que o Planfor se propunha a ser. Por exemplo, na avaliação externa realizada pela Unitrabalho (Fundação
Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho), foi destacado: “a carga horária pequena, impedindo
seu aprofundamento; a pouca quantidade de aulas práticas; a pouca articulação entre a teoria e a prática; a
precariedade dos equipamentos; o conservadorismo das metodologias de ensino, reproduzindo os modelos
existentes no mercado e com conteúdos pouco aplicáveis à realidade dos alunos; e a deficiente integração entre
as habilidades básicas, específicas e de gestão” (Unitrabalho, 1999: 120-121).
132
137
Cabe lembrar, que o Serviço Civil Voluntário criado no âmbito do Planfor foi reestruturado no primeiro
governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006) e passou a denominar-se Juventude Cidadã; no segundo
mandato, iniciado em 2007, com pequenas alterações foi agrupado a outros dois programas (Consórcio Social da
Juventude e Escola de Fábrica) e passou a chamar-se Projovem Trabalhador. Estes programas serão abordados
mais adiante.
138
Segundo o Anuário Estatístico 1995/1998 (Brasil, 1999: 44), em 1998 matricularam-se no Supletivo
Profissionalizante 43.560 treinandos, com um aporte de recursos da ordem de R$ 9.445.806.
133
139
Merece destaque, ainda que não possamos desenvolver o assunto nesta tese, o intenso debate e disputa que foi
travado no movimento sindical, principalmente na Central Única dos Trabalhadores, em relação ao Planfor e à
disputa pelos recursos públicos do FAT. Ver, por exemplo, Castro e Macedo (1998).
140
Vale sublinhar que, nesse período, sindicatos de trabalhadores e centrais sindicais voltaram-se intensivamente
para o desenvolvimento de ações de educação profissional. Sobre este aspecto, Rummert (2007) esclarece que a
ênfase dada pelas centrais à questão educacional resultou, principalmente, “de dois desencadeadores externos, o
primeiro, constituído pela própria exigência do sistema do capital em relação ao nível de escolaridade e de
qualificação profissional dos trabalhadores de modo a atender às demandas das inovações tecnológicas e da
reestruturação produtiva. O segundo, inerente à própria concepção e estrutura do FAT, que beneficiou as
entidades com significativos recursos extras. Tal processo promoveu um expressivo envolvimento global das
entidades nacionais, e daquelas a elas filiadas, com os temas e problemas da educação, em particular com a
educação de jovens e adultos trabalhadores”(p. 98).
141
Cabe mencionar que tal expressão foi cunhada em nossa dissertação de mestrado, tendo sido objeto de estudo,
particularmente, no quarto capítulo, intitulado “Planfor: ‘ser educado é ser empregável’” (Ventura, 2001).
134
142
Para uma análise detalhada do Projeto Escola de Fábrica, ver Rummert (2005).
143
Analisado em Rummert (2007).
144
Cabe esclarecer que nesta seleção não consideramos os projetos diretamente vinculados ao Programa
Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego (PNPE), como o Consórcio Social da Juventude, o Projeto
Juventude Cidadã e o Empreendedorismo Juvenil, dentre outros. Tais ações encontram-se desvinculadas da
Educação Básica e, do nosso ponto de vista, configuram-se mais como uma ação social com transferência de
renda para jovens pobres, do que como uma política de educação básica ou profissional, objeto do presente
estudo.
136
– SEEA, mas, desde 2004 encontra-se localizado na Secad145, originada da junção da SEEA
com a Secretaria de Inclusão Social.
O Brasil Alfabetizado tem por finalidade “capacitar alfabetizadores e alfabetizar
cidadãos com 15 anos ou mais que não tiveram oportunidade ou foram excluídos da escola
antes de aprender a ler e escrever”146. Segundo o MEC, o período estipulado para a
alfabetização é de até oito meses, com uma carga horária estimada entre 240 a 320 horas.
Segundo os documentos oficiais, o Programa atua sob a forma de transferência de recursos
financeiros aos estados e municípios, bem como a empresas privadas, universidades,
organizações não-governamentais e instituições civis, considerados parceiros no processo. A
assistência financeira concedida permite a execução de duas ações: a formação de
alfabetizadores e a alfabetização de jovens e adultos. Pelos termos do convênio, as instituições
são responsáveis pela cessão do espaço (salas de aula), pela formação dos educadores e
cadastramento dos alunos e professores. Não há destinação de recursos para material didático,
alimentação ou qualquer apoio pedagógico; quando estes existem, são considerados como
contrapartida da entidade parceira.
De uma forma geral, o Programa consiste no estabelecimento de convênio entre
MEC e entidades e instituições da sociedade civil147, mediante avaliação e credenciamento de
projetos de alfabetização. Em 2003, as regras de financiamento possibilitavam o acesso aos
recursos, em igualdade de condições, tanto por parte dos sistemas públicos quanto por parte
das organizações não-governamentais; como conseqüência, no primeiro ano do Programa
70% da captação de recursos foi realizada por instituições da sociedade civil. No ano
seguinte, foi estabelecido duas resoluções diferentes, sendo uma para as ONGs e outra para
órgãos públicos; ocasionando em 2004, uma captação de reursos em torno de 50% entre
sisitemas públicos e ONGs. “A assistência financeira será processada mediante solicitação
das entidades e instituições [...] por meio de projetos educacionais elaborados sob a forma de
plano de trabalho” (Brasil, 2005c). No convênio, denominado nos documentos como parceria,
as instituições148 ficam responsáveis pela capacitação dos alfabetizadores e pela alfabetização
145
A Secad reúne alfabetização e educação de jovens e adultos, educação do campo, educação ambiental,
educação escolar indígena e diversidade étnico-racial. Segundo o MEC, um dos objetivos desta Secretaria é
“tornar a multiplicidade de experiências pedagógicas dessas áreas em modos de renovação nas práticas
educacionais. Mais do que competências e experiências desenvolvidas, tanto pelos sistemas formais de
promoção da cidadania, da valorização da diversidade e de apoio às populações que vivem em situações de
vulnerabilidade social.” (Brasil. MEC/Secad, 2004).
146
Disponível: em www.mec.gov.br. Acesso: 6 maio 2006.
147
Deve-se destacar que não compreendemos o conceito de sociedada civil como algo dado ou naturalizado, mas
conforme discussão empreedida, mesmo que brevemente, no primeiro capítulo deste trabalho.
148
As instituições credenciadas são as mais diversas, de empresas a entidades filantrópicas. Dentre elas,
destacam-se: o Serviço Social da Indústria (Sesi), o Movimento de Educação de Base (MEB) da Confederação
137
de jovens e adultos por elas cadastrados, e o MEC financia os custos com a capacitação e o
pagamento dos alfabetizadores149. Sobre a questão dos docentes, cabe registrar que no ano de
lançamento do Programa havia um forte apelo à velha fórmula do mutirão e do voluntariado
na educação de adultos:
[...] avaliar o aprendizado dos estudantes, a gestão do programa por parte dos
parceiros (prefeituras, secretarias estaduais de educação, ONGs e universidades), o
desempenho das diferentes metodologias aplicadas pelos diversos parceiros em
diversos públicos, o índice de evasão, o impacto do programa nas vidas dos
alfabetizandos em relação a questões como situação socioeconômica,
empregabilidade, comportamento e outros150.
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Central
Única dos Trabalhadores (CUT), além de universidades e secretarias municipais e estaduais de educação.
149
Remuneração calculada pelo número de alunos na classe de alfabetização, sendo os recursos repassados ao
alfabetizador pela instituição conveniada.
150
Cf. www.mec.gov.br.noticias. Acessado em: 20 jan. 2005.
138
se reformular, ainda guarda relação com outras iniciativas tomadas com o mesmo objetivo ao
longo das seis últimas décadas. Desde o início, questionam-se as bases de sua concepção,
análogas às de tantas iniciativas fracassadas (como o Mobral e o PAS), e a desconsideração de
amplo conjunto de trabalhos que evidenciam as fragilidades e limites de tais iniciativas.
Diálogos entre a Secad e especialistas da área ao longo do período de implementação
resultaram em algumas alterações; entretanto, os ajustes têm se limitado a aprimoramentos de
uma mesma lógica, sem romper a sua estrutura programa apartado da educação básica151.
Em 2006, quando perguntado sobre o que mudou no Programa, a partir de 2004, em
relação à gestão do governo anterior, o ministro da educação, Fernando Haddad, destacou,
entre outros aspectos:
Uma vez que não é objetivo deste trabalho uma análise detalhada do Programa Brasil
Alfabetizado, iremos nos ater a dados divulgados que corroboram as críticas a ele formuladas.
Recebido com grande repercussão pela mídia154, o Brasil Alfabetizado, como as iniciativas
anteriores, foi apresentado pelo governo como a via de solução para o analfabetismo, que, no
início do século XXI, ainda atingia aproximadamente 15 milhões de brasileiros. Constituiu-se,
assim, em mais um entre os muitos processos de distribuição de ilusões relativas à educação,
em atendimento à permanente necessidade de construção e manutenção de hegemonia pelas
forças dominantes.
No final de 2006, a mesma mídia, embora com menor ênfase, divulga informações
desfavoráveis acerca do Programa. Dados apresentados pelo IBGE/PNAD 2005 (IBGE, 2006)
demonstravam que, dois anos após a implementação da nova “campanha”, e tendo sido gastos
aproximadamente R$ 330 milhões no biênio 2003-2005, a queda percentual no número de
analfabetos absolutos situou-se no reduzido patamar de 0,3%155.
Compreender as razões que dão origem a tais indicadores exige que nos debrucemos
sobre um conjunto de variáveis que transcendem o âmbito do próprio Programa. Considerar a
decisiva importância do contexto socioeconômico e cultural dos jovens e adultos da classe
trabalhadora e reconhecer o caráter decisivo da ampliação dos processos de produção cada
vez mais precária da existência é um procedimento teórico-metodológico que se impõe, se
pretendemos, efetivamente, alterar o quadro que os próprios órgãos oficiais nos apresentam.
Tal alteração exige, portanto, mudanças de caráter profundo no próprio modelo societário, a
serem empreendidas de forma integrada com novas e necessárias concepções e práticas no
âmbito da educação.
Apesar de nossa pesquisa limitar-se ao período referente ao primeiro governo de
Luiz Inácio Lula da Silva, consideramos pertinente tecer breves considerações quanto às
recentes alterações do Programa Brasil Alfabetizado. A partir de abril de 2007, passou a
vigorar o Decreto nº. 6.093, que determinou a reorganização do Programa, motivado
principalmente pela constatação de sua baixa efetividade156. A principal alteração refere-se
aos profissionais que atuarão com a alfabetização. De acordo com o Art. 5º, “As atividades de
alfabetização de turmas apoiadas pela União serão realizadas, preferencialmente, por
154
Notícias sobre o Programa Brasil Alfabetizado veiculadas no período de 2003 a 2006 podem ser encontradas
em www.uff.br/ejatrabalhadores.
155
Idem.
http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u19328.shtml
http://txt.estado.com.br/editorias/2006/09/17/pol-1.93.11.20060917.6.1.xml.
156
O afirmado foi amplamente divulgado pela mídia, a partir dos resultados das avaliações realizadas em turmas
do Brasil Alfabetizado.
140
professores das redes públicas de ensino” (grifo nosso). Todavia, ao contrário do que num
primeiro momento poderia parecer, o Decreto não proporciona a ampliação do número efetivo
de profissionais na educação de jovens e adultos, nem a expansão da rede pública de
atendimento dessa modalidade de ensino, pois, nos parágrafos seguintes, destaca que a
“atuação do alfabetizador deverá ocorrer em caráter voluntário” (§3o); que o “alfabetizador
poderá receber bolsa, para custeio das despesas realizadas no desempenho de suas atividades
no Programa” (§5o); e, por fim, que “as bolsas não poderão ser recebidas cumulativamente e
não se incorporarão ao vencimento, [...] do professor, para qualquer efeito, não podendo ser
utilizadas como base de cálculo para quaisquer vantagens ou benefícios trabalhistas ou
previdenciários” (§7o)157.
As orientações acima não deixam dúvidas quanto ao caráter de vínculo precário e
provisório que a bolsa estabelece entre os professores e o Programa de alfabetização. Desse
modo, apesar de serem professores concursados158, não lhes está sendo proposta uma
vinculação orgânica com a EJA, nem a perspectiva de profissionalização quanto às exigências
que a EJA impõe aos educadores como campo pedagógico próprio (Ribeiro, 1999). Portanto,
também pode não significar uma distinção qualitativa nos profissionais e nos resultados do
Programa159. Afinal, como exigir qualidade se na versão 2007 do Programa Brasil
Alfabetizado permanece a perspectiva filantrópica e de caráter voluntário, tão denunciado nas
pesquisas da área160 e conforme assinalam Fávero et al. (1999):
157
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6093.htm>
Acesso em: 3 mar. 2008.
158
Cabe lembrar, que tendo em vista os baixos salários e a proletarização docente, a bolsa possivelmente
significa apenas mais uma possibilidade de pequena ampliação no salário (como ocorre com os contratos
temporários e as duplas regências), acrescendo mais uma possibilidade de “bico” ao já acentuado quadro de
precarização da categoria docente.
159
O governo federal criou, ainda, “dois selos com o objetivo de estimular os gestores municipais a participar da
luta contra o analfabetismo no país: o selo Cidade Livre do Analfabetismo, a ser concedido a toda cidade que
alcançar 97% de alfabetização; e o Cidade Alfabetizadora, para o município que, em 2010, tiver reduzido a taxa
de analfabetismo em 50%, em comparação com os dados de 2001” (Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/secad Acesso em: 20 mar. 2008). Segundo pertinente análise de Werneck Vianna
(2007), este tipo de estratégia de enfrentamento da questão social coaduna-se com a estratégia do
empreendedorismo, particularmente do tipo “empreendedorismo social”. Nessa linha, “além de apresentada de
maneira recorrente como a política social destinada a promover a inclusão social de certos grupos, a estratégia do
empreendedorismo é vista quase como decorrência natural das transformações em curso na realidade. Com isso
se afirmam vitoriosas as teses gêmeas do empirismo e do consenso” (p. 3).
160
Quanto a pesquisas sobre a temática do professor de EJA, ver Machado (2002) e Pereira (2006).
141
161
Disponível em: <http://www.lpp-uerj.net/olped/documentos/1370.pdf> Acesso em: 07 jan 2008.
162
Brasil, 2005: 40. Disponível em: < http://www.lpp-uerj.net/olped/documentos/1370.pdf>
Acesso em 10 jan. 2008.
142
163
A partir de notícias veiculadas pelo próprio MEC, percebemos o quanto a oferta de educação no campo por
este ministério apresenta-se extremamente frágil, restrita a um baixo financiamento e com pouca abrangência.
Por exemplo, estima-se que a “demanda por estudo nessa faixa etária que vive em municípios rurais é de 800 mil
pessoas”, enquanto que o referido Programa “pretende formar cinco mil alunos até o fim de 2006” (Disponível
em: http://www.lpp-uerj.net/olped/mob_exibir_noticias.asp?codnoticias=9232 Acesso em: 13 jan. 2008).
Destaca-se, ainda, que “Cerca de 32 milhões de brasileiros vivem em áreas rurais”; para atender a este amplo
universo, “O programa está investindo R$ 10 milhões” e anuncia-se que “Cada aluno tem custo de R$ 1 mil por
ano”. No que se refere aos convênios, “Em 2005, o Saberes da Terra teve mais de 40 projetos inscritos. Foram
selecionados 12” (Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=content&task=view&id=5677&FlagNoticias=1&Itemid=5823 Acesso
em: 13 jan. 2008). A partir de 2008, o programa passou a se denominar ProJovem Campo; as alterações
anunciadas são a pretensão de que se amplie o número de atendidos, que se expanda a todos os estados, e que os
alunos recebam um auxílio mensal de cem reais.
164
Disponível em: http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/prog_formacao_eja.asp Acesso em: 26 mar.2008
143
165
Análise aprofundada sobre o Projeto Escola de Fábrica pode ser encontrada em Rummert (2005; 2007).
166
Cabe lembrar que o Projeto Escola de Fábrica foi instituído pela Lei nº 11.180, de 23 de setembro de 2005,
mas seu lançamento público ocorreu no final do ano anterior.
167
Inicialmente, o Projeto previa a faixa etária de 15 a 21. Sobre esta questão, Jane Bauer, diretora do Escola de
Fábrica, esclarece que "Desde quando o projeto foi lançado, em dezembro [2004], estamos fazendo alguns
ajustes. Ao pesquisar o universo de beneficiados, as realidades das fábricas, das gestoras, constatou-se que a
idade ideal para abarcar todos os possíveis beneficiados do projeto precisava ser mais elástica. Então ampliamos
o limite de idade" (Folha OnLine. Educação. 20/04/2005). Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u17378.shtml Acesso em: 4 dez de 2007.
168
De acordo com a legislação, “poderá ser unidade gestora qualquer órgão ou entidade da administração pública
direta ou indireta, autárquica ou fundacional, empresa pública ou sociedade de economia mista, de qualquer
esfera de governo, inclusive instituição oficial de educação profissional e tecnológica, ou entidade privada sem
144
Formadora169, com capacidade para vinte alunos por ano. Os cursos oferecidos pelas
Unidades Formadoras devem se enquadrar em uma das áreas profissionais reconhecidas pelo
Conselho Nacional de Educação. A organização curricular dos cursos deve envolver
conhecimentos de formação profissional e conhecimentos de formação cidadã, abrangendo
temas transversais como saúde, meio ambiente etc., bem como conjugando atividades teóricas
e práticas em módulos que contemplem a formação profissional inicial e o apoio à educação
básica.
Destaca-se, na parceria estabelecida no Projeto Escola de Fábrica, a definição do
papel de cada um: ao MEC/Setec compete a seleção e credenciamento das Unidades
Gestoras, a disponibilização de recursos financeiros (repassados pelo FNDE) e a supervisão
do processo. À Unidade Gestora compete a implantação do Projeto nas Unidades Formadoras,
captando empresas e unidades produtivas para coordenar a produção técnico-pedagógica,
formulando o projeto pedagógico, o plano de trabalho, o material didático, e acompanhando o
andamento dos cursos, que envolve formação de instrutores, seleção, avaliação e certificação
de alunos, e a prestação de contas dos recursos recebidos. À Unidade Formadora compete
prover a infra-estrutura física, sala de aula, mobiliário etc., disponibilizar funcionários para
atuarem como instrutores e arcar com os demais custos de implantação do Projeto, como
alimentação, uniforme e transporte dos alunos. O Projeto prevê ainda a possibilidade de
instituições de Educação Profissional e Tecnológica atuarem no Escola de Fábrica como
Unidades Gestoras ou através de contratos de cooperação, prestando serviço às empresas que
atuam como Unidades Gestoras.
fins lucrativos, que possua comprovada experiência em gestão de projetos educacionais ou em gestão de projetos
sociais” (art. 6º, da lei nº 11.180/2005). recomenda-se, no último caso (gestão de projetos sociais) que a
instituição gestora esteja associada a instituições educativas credenciadas para atuar na educação profissional.
169
São consideradas Unidades Formadoras as unidades de produção, fábricas ou empresas de qualquer porte ou
natureza, incluindo-se as prestadoras de serviço e as responsáveis por empreendimentos agro-industriais e rurais.
145
170
Referindo-se aos Centros Federais de Educação Tecnológica, as Escolas Técnicas Federais, as Escolas
Agrotécnicas Federais e as Escolas Técnicas vinculadas às Universidades Federais.
171
Por exemplo, a Portaria nº 2.080, de 13 de junho de 2005, previa no Artigo 2º que os cursos seriam ofertados
obedecendo às seguintes proporções: “I – em 2006, dez por cento do total de vagas de ingresso; II – em 2007,
vinte por cento do total de vagas de ingresso; §1º A referência para as vagas de ingresso é o ano de 2005; §2º Em
2007, as metas fixadas neste artigo serão reavaliadas para o estabelecimento dos percentuais a serem aplicados a
partir de 2008.” Disponível: http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf1/proejaportaria2080.pgf Acesso em: 06
jan. 2008.
172
“A forma integrada é aquela em que o estudante tem matrícula única e o curso possui currículo único, ou seja,
a formação profissional e a formação geral são unificadas. Na forma concomitante, o curso é oferecido em
instituições distintas, isto é, em uma escola o estudante terá aulas dos componentes da educação profissional e
146
[...] como “quaisquer organizações da sociedade civil que não visem lucro
pecuniário na oferta de curso no âmbito desse Programa”. O documento destaca,
entretanto, como “parceiras preferenciais instituições pertencentes ao Sistema S”
(Proeja, Documento Base, p. 55. Itálico meu), num claro movimento de oposição em
relação aos pressupostos anunciados nas partes introdutórias do mesmo documento e
evidenciando a forte capacidade de intervenção do Capital nas propostas de
educação da classe trabalhadora apresentadas pelo Governo Federal.
Outro aspecto explicita o caráter híbrido da fundamentação teórico-política do
Documento Base. Seus autores, ao apresentarem os princípios que devem nortear o
PROEJA, afirmam que o “quarto princípio compreende o trabalho como princípio
educativo” (Ibidem, p. 35), compreendido não em sua perspectiva de emprego, mas
como forma de constituição da própria humanidade. Tal princípio, entretanto,
conflitua diretamente com a concepção de trabalho como princípio educativo, tal
como o é concebido pelos “parceiros preferenciais” eleitos pelo próprio MEC: os
empresários que regulam a formação dos trabalhadores segundo as necessidades
imediatas postas pelo mercado. (p. 44)
em outra do ensino médio ou do ensino fundamental, conforme o caso. As instituições que optarem pela forma
concomitante deve celebrar convênios de intercomplementaridade, visando o planejamento e o desenvolvimento
de projetos pedagógicos unificados”. Cf. http://portal.mec.gov.br/setec Acesso em: 07 jan. 2007.
173
“A idade mínima para acessar os cursos do Proeja é de 18 anos na data da matrícula e não há limite máximo”.
Cf. http://portal.mec.gov.br/setec Acesso em: 07 jan. 2006.
174
Documento disponível disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/setec/index.php?option=content&task=view&id=695&Itemid=848> Acesso em: 20
jun. 2007.
147
175
O ano de 2003 foi considerado um período de transição, a implementação do PNQ ocorrido a partir de 2004.
Nos termos do MTE, “esse grande conjunto de mudanças exige um tempo para implantação, inclusive por
limitações orçamentárias, mas, sobretudo pela disseminação de uma nova cultura” (Brasil, 2003: 21)
176
Cf. <http://www.planejamento.gov.br/planejamento_investimento/conteudo/radarsocial/trabalho.htm#6>
Acesso em: 08 de janeiro de 2007.
177
Brasil, 2003: 17. Disponível em: < http://www.oei.es/etp/plano_nacional_qualificacao_brasil.pdf> Acesso
em: 17 jan 2008.
148
178
Idem, p. 23.
179
Por exemplo, segundo o documento do Plano Nacional de Qualificação – PNQ 2003-2007, “entende-se a
Qualificação Social e Profissional como direito e condição indispensável para a garantia do trabalho decente para
homens e mulheres. Define-se Qualificação Social e Profissional como aquela que permite a inserção e atuação
cidadã no mundo do trabalho, com efetivo impacto para a vida e o trabalho das pessoas” (p. 24).
149
180
Instituído por meio da Lei 10.748/2003, que cria o PNPE e introduz o artigo 3º a Lei 9.608/1998, que dispõe
sobre o trabalho voluntário, com a alteração, abriu-se a possibilidade para o trabalhador voluntário receber uma
remuneração denominada de “auxílio financeiro” (anteriormente o trabalho voluntário era considerado atividade
não remunerada). No ano seguinte, a Lei 10940/2004, promoveu modificações quanto ao aumento do valor do
incentivo pago às empresas participantes do PNPE, além de criar facilidades operacionais.
181
O MTE destaca que o nível de desemprego nesta faixa etária (dos 16 aos 24 anos) é quase o dobro.
150
182
Disponível em: <http://www.mte.gov.br/pnpe/termojuventude.pdf> Acesso em: 03/04/2007.
183
Lei n.10.748, 22/10/2003.
184
Disponível em: <http://www.sementes.org.br/csj/files/doc /Termo%20de%20Refer%C3%AAncia.pdf>
Acesso em: 3 abr. 2007.
151
A partir de 2003, o Pronera iniciou uma nova gestão, ocorrendo uma redefinição das
estratégias de ação, bem como dos rumos financeiros e pedagógicos do Programa. Nesse
mesmo ano ocorreu o I Seminário Nacional do Pronera. Nele, o governo federal, através do
MDA e do Incra, firmou um protocolo de cooperação com a UNESCO, objetivando ampliar a
atuação do Programa. O acordo referendava a produção e publicação de materiais didático-
pedagógicos dirigidos aos assentados, a realização de eventos de formação continuada e a
capacitação com monitores da UNESCO, além da avaliação periódica dos projetos.
Nesta direção, observa-se nessa nova fase a ampliação e diversificação em níveis e
modalidades de ensino. Sendo assim, atualmente, o Programa apóia financeiramente a EJA
(com cursos de alfabetização, ensino fundamental e médio), os cursos de formação
profissional (técnicos) e os cursos superiores de graduação e em nível de especialização. O
Pronera também apresenta intensa atuação na capacitação de educadores para atuação nas
185
A Ação Educativa é “uma instituição civil sem fins lucrativos que desenvolve projetos de intervenção,
pesquisa, documentação, comunicação, assessoria e formação de educadores nos campos da educação e cultura
com jovens e adultos. A organização foi fundada em 1994 como sucedânea do Programa Educação e
Escolarização Popular do Centro Ecumênico de Documentação e Informação – CEDI” (Di Pierro, 2000: 139).
186
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CEB012000.pdf> Acesso em: 06/04/2008.
153
187
Informações disponíveis em http://portal.saude.gov.br/portal/saude/area.cfm?id_area=1261. Acessado em
12/01/2008.
154
militares temporários das Forças Armadas, principalmente quando estes estiverem próximos
de seu licenciamento por término do tempo de serviço, visando proporcionar melhores
condições de ingresso no mercado de trabalho quando saírem do exército. Os cursos são
ministrados, em geral, em parceria com o Sistema “S” e CEFETs, apresentam em média uma
carga horária de 160 (cento e sessenta) horas, com a duração de 20 (vinte) dias, e atividades
diárias de oito horas, com uma proposta pedagógica que envolve conteúdo programático
específico de qualificação profissional, noções básicas de empreendedorismo e palestras.
Após o término das aulas, os alunos aprovados fazem jus ao certificado de conclusão emitido
pela respectiva entidade de ensino e foram incluídos no Programa Nacional de Estímulo ao
Primeiro Emprego para os Jovens.
188
Disponível em: <http://www.mds.gov.br/servicos/fale-conosco/assistencia-social/beneficiario-nao-
beneficiario/psb-2013-protecao-social-basica/o-que-e-o-agente-jovem> Acesso em 15 dez. 2007.
155
189
Ibidem.
190
O valor da bolsa do Agente Jovem foi estipulado em 2001 e permaneceu o mesmo ao longo do primeiro
governo Lula.
191
Informações disponíveis em: <http://www.mds.gov.br/programas/rede-suas/protecao-social-basica/projeto-
agente-jovem-de-desenvolvimento-social-e-humano> Acesso em: 12 de janeiro de 2008. O relatório da avaliação
encontra-se disponível em:
<http://www.uff.br/obsjovem/mambo/index.php?option=com_content&task=view&id=376&Itemid=9>
Acesso em: 12 de janeiro de 2008.
192
Brasil. MTE. ProJovem, 2005: 13. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pceb002_05.pdf> Acesso em: 06 jan 2008.
156
da Política Nacional de Juventude, no Governo Luiz Inácio Lula da Silva”193, tendo em vista
alcançar a parcela da juventude mais vulnerável e menos contemplada por políticas públicas.
É coordenado pela Secretaria-Geral da Presidência da República, juntamente com os
Ministérios do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, do Trabalho e Emprego e da
Educação, que compõem um Comitê Gestor. A execução do Programa ocorre em regime de
parceria com prefeituras municipais, bem como com outras entidades e organizações da
sociedade civil sem fins lucrativos, após sua adesão ao Programa através de convênio com a
União.
O ProJovem na sua primeira versão destinava-se a pessoas com idade entre 18 e 24
anos, residentes das capitais, que não estejam matriculados em escolas, com Ensino
Fundamental incompleto (tendo concluído a 4ª e não concluído a 8ª série) e que não tenham
vínculo empregatício. Para este “público-alvo” oferta-se uma ação educativa organizada em
turmas (30 alunos), núcleos (5 turmas) e Estações Juventude (8 núcleos). O ProJovem foi
autorizado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) a conferir certificação de estudos,
tendo sido aprovado como projeto experimental pelo Parecer CNE/CEB nº 2/2005194.
O desenho do currículo é organizado em quatro unidades formativas, com duração
de três meses cada uma, “nas quais os diferentes componentes curriculares se integram em
eixos temáticos estruturantes que estabelecem, entre si, a progressão das aprendizagens, de
forma contínua e articulada”195. A carga horária total é de 1.600 horas (sendo 400 não-
presenciais), distribuídas em formação escolar equivalente ao segmento da 5ª à 8ª série do
Ensino Fundamental (800 horas), qualificação profissional inicial (350 horas) e participação
em ações comunitárias de “interesse público” (50 horas). A esta tripla vertente, atribui-se o
caráter de “formação integral”. Com cinco horas diárias de aula ao longo de 12 (doze) meses
ininterruptos de duração do curso, o aluno recebe um auxílio financeiro mensal que desde o
ano de 2005 estava estipulado no valor de R$ 100,00 (cem reais). Trata-se, portanto, de uma
ação que apresenta prévia definição de currículo, material didático e sistema de certificação.
É relevante registrar que o ProJovem constitui uma ação para a juventude já privada
de outros direitos básicos (além da educação), residente nas capitais e regiões metropolitanas
do país, onde a visibilidade da desigualdade social se faz mais evidente. Desta forma, ao
193
idem, 4.
194
Chama a atenção no ProJovem o conjunto de regulamentações que o institucionaliza: depois da Medida
Provisória (nº 238, de 1/02/2005) que o instituiu, ocorre a promulgação da Lei nº 11.129, de 30/06/2005, que de
fato, cria o Programa, e o Decreto nº 5.557, de 5/10/2005 que o regulamenta. Destaca-se ainda a aprovação de
diretrizes e procedimentos técnico-pedagógicos para a implementação do ProJovem pelos Pareceres CNE/CEB
nº 2/2005 e CNE/CEB nº 37/2006, e, por fim, a Resolução CNE/CEB nº 3/2006.
195
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/projovem.pdf.> Acesso em: 10 mai. 2007.
157
196
Entrevista coletiva concedida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 15 mai. 2007 à jornalista Carla
Corrêa, do Jornal do Brasil, publicada no jornal Folha OnLine. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u92429.shtml> Acesso em: 09 jan. 2008.
158
Finalizando esta revisão das políticas de EJA implementadas pela União entre 1996-
2006, os Quadros 1 e 2 apresentam os títulos das principais ações e órgãos federais nelas
envolvidos.
Conforme se constata pela leitura dos Quadros 1 e 2, houve uma visível ampliação
do número de programas desenvolvidos de 2003 a 2006, no primeiro governo de Luiz Inácio
Lula da Silva; isto, no entanto, não se fez acompanhar de avanço significativo na construção
da oferta de educação básica no sistema público de ensino. Como Rummert tem demonstrado
em suas análises, o retrospecto da história recente tem indicado que “esse intrincado leque de
ações e siglas, projetos e programas – novos, reformados, desativados –, bem como os
recursos neles alocados, não lograram, até hoje, alterar de forma substantiva sequer os
elevados índices de baixa escolaridade da população” (2007: 7).
159
Assim, embora o MEC tenha voltado a coordenar políticas próprias para EJA, não se
alterou a concepção hegemônica no governo federal quanto ao modo de formular e
compreender as ações para a EJA; sua realização por meio de políticas focais e dispersas em
vários ministérios e demais órgãos, inclusive com ações fora do alcance do MEC ou que nem
se identificam como pertencentes à modalidade, como foi o caso do ProJovem.
Como já foi dito, a descentralização do financiamento e da execução constituiu a
tônica do quadro de redefinição das políticas de EJA a partir da LDBEN de 1996. A partir de
2003, chama a atenção um discurso governamental que passou a valorizar a EJA, mas que
manteve um sistema de financiamento limitador das ações propaladas. Nesse processo,
constata-se, por exemplo, que, embora pautada no discurso da democratização da educação
para todos os brasileiros, a profusão de projetos e programas não tem democratizado o acesso
ao conhecimento, mas apenas multiplicado mecanismos de certificação, relativos à conclusão
do Ensino Fundamental e à formação profissional; também tem mascarado a opção pela oferta
privada (expressa na opção pela parceria), em detrimento da consolidação de políticas
permanentes para EJA no âmbito da escola pública.
Assim, embora tenha ocorrido a ampliação do acesso, a política educacional para a
EJA tornou-se ainda mais fragmentada e sobreposta. Ela é fruto basicamente, de um processo
de “democratização” que prioriza o alargamento de programas e projetos de baixa
institucionalidade, ofertados para o público da EJA (com particular ênfase, a juventude197) e
vinculados (direta ou indiretamente) à escolarização e/ou a algum tipo de educação
profissional. Este quadro pouco tem contribuído para a construção, no âmbito nacional, de
oferta significativa de educação escolar regular para jovens e adultos198. Como afirma
Rummert (2007), o discurso não se fez acompanhar de “ações concretas para a superação da
matriz construída na década anterior, como expressão cruzada das marcas históricas [...] em
associação ao ideário neoliberal” (p. 5). Assim sendo, a EJA apresenta mudanças e
continuidades, rearranjos da mesma lógica que preside as políticas para a educação de jovens
197
A esse respeito é ilustrativo o que ocorreu durante a solenidade de criação do Conselho Nacional da
Juventude, da Secretaria Nacional da Juventude e do Programa Nacional da Juventude (ProJovem). Para
demonstrar o empenho com esta parcela da população, o governo federal apresentou uma lista contendo nada
menos que 50 (cinqüenta) programas com ações voltadas para a juventude. As ações são as mais variadas, como,
por exemplo, o Brasil Alfabetizado e a Educação de Jovens e Adultos, o ProUni e o Financiamento Estudantil,
bem como os Pontos de Cultura, o Projeto Segundo Tempo, o Pronaf Jovem, o Projeto Soldado-Cidadão e o
Projeto Rondon. Ver lista completa em “Programas do governo federal com ações voltadas para a Juventude”.
Cf. Juventude Notícias, de 01.02.2005. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/SecGeral/juventude/arquivos_projovem/programajuventude.htm acesso em 20 de
jan. de 2008.
198
Apesar de prescrito na LDBEN (nº 9.394/96, Título III, Art.4º VI e VII), a perspectiva de educação escolar
regular para jovens e adultos adequada às condições do educando, às suas necessidades e disponibilidades,
garantindo condições de acesso e permanência na rede pública de ensino, ainda não se fez realidade.
160
199
“Marx divide o trabalho em trabalho simples e trabalho complexo ou qualificado. Segundo ele, o trabalho
humano mede-se pelo dispêndio da força de trabalho simples, a qual, em média, todo homem comum, sem
educação especial, possui em seu organismo. O trabalho simples médio muda de caráter com os países e estágios
de civilização, mas é dado numa determinada sociedade. Trabalho complexo ou qualificado vale como trabalho
simples potenciado ou, antes, multiplicado, de modo que uma quantidade de trabalho qualificado é igual a uma
quantidade maior de trabalho simples” (Neves, 1997: 18).
161
explicitando até aqui. A análise é baseada nos trabalhos acadêmicos que abordaram a EJA
apresentados na ANPEd nos GTs Trabalho e Educação, Educação Popular e Educação de
Pessoas Jovens e Adultas e sobre as reuniões anuais dos fóruns de EJA, que discutem e
deliberam sobre formulações de políticas para a área – os Encontros Nacional de Educação de
Jovens e Adultos – ENEJA’s, no período de 1995 a 2006.
162
CAPÍTULO IV
do real em suas múltiplas relações, este capítulo objetiva explicitar os conceitos e refenciais
teórico-metodológicos presentes em trabalhos sobre a EJA apresentados através da
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPEd – e dos Encontros
Nacionais de Educação de Jovens e Adultos – ENEJAs – que não só aglutinam participantes
de todo o Brasil, como representam os diversos agentes sociais atuantes na área. Procuramos
evidenciar que a realidade educacional brasileira e, particularmente, as concepções, políticas e
práticas que configuram o campo da EJA, entretecem um conjunto de amplas conexões que
formam não uma simples somatória de acontecimentos, mas um todo estruturado em que as
políticas para o campo de EJA, expressas em programas govenamentais, mantém relações e
mediações com concepções de EJA em disputa na sociedade, na qual se movem
pesquisadores, estudiosos, educadores e militantes; reunidos, por exemplo, em GTs na
ANPEd e/ou nos Fóruns que compõem o ENEJA.
Esta seção tem por objetivo apresentar a produção acadêmica a respeito da EJA de
três grupos de trabalho da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
(ANPEd)200: Trabalho e Educação, Educação Popular e Educação de Pessoas Jovens e
Adultas. A escolha dos GTs a serem pesquisados utilizou como critério a busca por grupos
que se debruçassem, de forma mais específica, sobre a educação (básica e profissional) dos
trabalhadores. Desta forma, justifica-se, além do GT Educação de Pessoas Jovens e Adultas –
200
A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) é uma sociedade civil,
independente e sem fins lucrativos. Seu objetivo “é a busca do desenvolvimento e da consolidação do ensino de
pós-graduação e da pesquisa na área da educação no Brasil”. Fundada em 1976, realiza reuniões anuais desde
1978, quando foi realizada a primeira, na Universidade Federal do Ceará. No ano seguinte, consolida-se sob a
organização de admissão de sócios institucionais e sócios individuais. As atividades da ANPEd estruturam-se em
dois campos: o fórum de coordenadores dos programas de pós-graduação em educação (EDUFORUM), que
representa os programas de pós-graduação em educação, e os grupos de trabalho (GTs), que reúnem
pesquisadores interessados na área da educação. Os GTs foram criados em 1983, organizados por temas, e são
constituídos por sócios interessados em pesquisar e debater temáticas da educação. Num primeiro momento,
foram criados oito grupos de trabalho: educação pré-escolar, educação de 1º grau, educação de 2º grau, educação
superior, educação popular, educação e trabalho, educação rural, educação e linguagem. Hoje, são vinte e dois os
GTs, cujos os trabalhos são apresentados nas reuniões anuais da ANPEd. Segundo o estatuto da Associação, os
grupos de trabalho participam do julgamento do mérito acadêmico dos trabalhos inscritos para serem
apresentados no seu âmbito. Para serem criados, os GTs precisam ter funcionado durante dois anos no formato
de grupos de estudo, com aprovação prévia da assembléia geral. Ao longo dos anos, a ANPED “tem se projetado
no país e fora dele, como um importante fórum de debates das questões científicas e políticas da área, tendo se
tornado referência para acompanhamento da produção brasileira no campo educacional”. Disponível em:
www.anped.org.br. Acesso em: 28 jan. 2006.
164
201
Nem todos os GTs analisados possuem este tipo de bibliografia. Foram considerados os seguintes textos: GT
9 – Trein e Ciavatta (2003), Kuenzer (1991, 1998), Frigotto (1998, 2001), Shiroma e Campos (1997), Ferreira
(2002); GT 6 – Fleuri (1999), Garcia (2001), Gohn (2001) e Azibeiro (2004). Não foram localizados textos desse
tipo sobre o GT 18.
165
202
Considerado um produto relevante da presente pesquisa, este catálago dos trabalhos apresentados nos GTs 6,
9 e 18 da ANPEd no período de 1995 a 2006, com o tíulo “Produção ANPEd – Trabalhos aprovados e
apresentados nos GTs 6, 9 e 18”, integrará o Banco de Dados da pesquisa “Educação básica e profissional de
trabalhadores. Políticas públicas e ações do Estado, do Trabalho e do Capital”, disponível em:
www.uff.br/ejatrabalhadores.
203
Devido à necessidade de delimitar o campo da pesquisa, Pôsteres e Comunicações sobre EJA que integraram
a pauta das reuniões anuais da ANPEd não foram contemplados nas análises empreendidas nesta tese, com
exceção das Comunicações apresentadas nos três primeiros anos do período estudado (1995, 1996 e 1997),
quando essas tinham, praticamente, o mesmo peso que os trabalhos apresentados.
166
204
Tomamos como pressuposto que “Toda teoria do conhecimento se apóia, implícita ou explicitamente, sobre
uma determinada teoria da realidade e pressupõe uma determinada concepção da realidade mesma” (Kosik,
1995: 33).
167
Deste ponto de vista, a prática educativa é concebida como uma prática social
contraditória que se define no interior das relações de produção da existência que se
estabelecem entre as classes sociais, numa determinada formação social; portanto, é alvo de
uma disputa de interesses antagônicos de classe (Frigotto, 1996). Nesse sentido, Kuenzer
(2004) destaca a relevância da categoria contradição:
Assim, para efeito do levantamento dos trabalhos apresentados nos GTs, foram
considerados os estudos relativos à educação formal ou informal, escolar ou extra-escolar que
tratassem da educação básica (incluídos subtemas ou temas conexos como a alfabetização,
205
Entendemos esta categoria como esclarece Kuenzer (1998): “a pesquisa deverá buscar captar a todo o
momento o movimento, a ligação e unidade resultante da relação dos contrários, que ao se oporem
dialeticamente, um incluindo-se/ excluindo-se no/do outro, se destroem ou se superam [...] buscando não
explicações lineares que ‘resolvam’ as tensões entre os contrários, mas captando a riqueza do movimento e da
complexidade do real, com suas múltiplas determinações e manifestações” (p. 65).
168
206
Nesta tese o ensino noturno é compreendido enquanto EJA, uma vez que não nos pautamos em referências
burocráticas, mas nas características do público a que este ensino se dirige. Assim, compreendemos que não é o
turno (diurno ou noturno), nem a duração (semestral ou anual) que designa a EJA, mas as características do
público a que se destina.
207
Sobre a amplitude e complexidade da área, cabe destacar o assinalado por Canário (2000): “a emergência
histórica da educação de adultos aparece, a partir do século XIX, associada a dois grandes processos sociais: por
um lado o deenvolvimento de movimentos sociais de massa (movimento operário) que estão na raiz da vitalidade
da educação popular; por outro lado, o processo de formação e consolidação dos sistemas escolares nacionais
que conduziu, segundo uma lógica de extensão ao mundo dos adultos, à emergência de modalidades de ensino de
segunda oportunidade. (...) A expansão acelerada da educação de adultos, no período subsequente à guerra, não
representou apenas um processo de simples crescimento linear, como aquele que ocorreu no caso dos sistemas
escolares. A difusão das práticas educativas dirigidas a adultos é acompanhada por um processo de diferenciação
interna e de complexificação do próprio campo da educação de adultos, cuja marca mais relevante passa a ser,
progressivamente, a da sua heterogeneidade” (p.12-13).
169
central dos trabalhos discutidos no GT 9 o qual, como afirmam Trein e Ciavatta (2003), vem
construindo sua identidade “menos como um recorte no campo educacional e mais como a
busca da elaboração conceitual que auxilie na compreensão da formação humana” (p. 144), a
partir do referencial teórico-metodológico marxista, com base no materialismo histórico,
marca que constitui, fortemente, a identidade do grupo e que tem balizado a pesquisa na área.
208
Kuenzer (1991) ao assumir a Coordenação de Educação e Trabalho no CNPq, organizou esse encontro para, a
partir de uma discussão da produção acadêmica, identificar lacunas e propor novos temas para investigação,
tendo em vista a criação de um programa de pesquisa para a área. Este Encontro se tornou um marco importante
para os pesquisadores da área Trabalho e Educação.
170
importante. Ele tem sido abordado tanto sob a perspectiva os trabalhadores e suas
demandas por mais qualificação, quanto sob a ótica do capital, diante do imperativo
da flexibilização que orienta a economia mundializada. [...] [2] a problemática da
materialidade histórica no plano das relações sociais de produção e das relações
sociais mais amplas. Nele, é abordada a concepção de formação humana politécnica
e o trabalho como princípio educativo, em contraposição a abordagens fragmentárias
onde o trabalho é visto apenas na sua dimensão mercantil. [...] [3] as questões
capilares que emergem da articulação Trabalho e Educação. Nelas vêm sendo
tratados temas como: currículo, gestão de formação, impactos da escolaridade no
mercado de trabalho, articulação entre formação básica e profissional e, ainda, temas
relacionados a grupos sociais específicos, onde são investigados: o trabalho infantil,
a inserção da mulher no mercado de trabalho, raça e etnia num contexto de
desemprego e exclusão social, dentre outros. (1996: 32, grifos nossos)
Entre 1995 e 2005 foram apresentados aproximadamente211 cento e vinte e seis (126)
trabalhos no GT 9, nas Reuniões Anuais da ANPEd. Verificamos que um expressivo número
209
Núcleo de Estudos Documentação e Dados sobre Trabalho e Educação da Faculdade de Educação da
Universidade Federal Fluminense.
210
O Relatório Síntese do I Encontro Nacional encontra-se publicado na revista Trabalho Necessário, ano 1, n.1,
2003. Disponível em: www.uff.br/trabalhonecessario/Intercritica
211
Os dados foram conferidos com os trabalhos mencionados nos Programas e Resumos das Reuniões Anuais da
ANPEd, embora, eventualmente, alguns possam não ter sido efetivamente apresentados. Por isso, consideramos
os dados aproximativos e sujeitos a revisão, entretanto, suficientes para o movimento de análise que
empreendemos neste estudo.
171
70
60 ESCOLARIZAÇÃO
(QUALQUER NIVEL OU
50 MODALIDADE)
40 OUTRAS TEMÁTICAS
30
20
10
0
212
Tal afirmação não significa que as temáticas gerais (análises com categorias econômicas e sociológicas) não
tenham articulado o mundo das relações sociais e produtivas ao mundo da educação.
213
O Gráfico 1 também demonstra ser infundada a crítica muitas vezes elaborada por outros campos/grupos de
pesquisa, de que o GT Trabalho e Educação não se preocupa com a escolarização.
172
Neste sentido, Kuenzer (1998) avalia que, “seduzidos pelo ‘discreto charme’ das
análises globais contemporâneas, [...] acabamos por perder a perspectiva da especificidade do
nosso objeto de análise: a educação, escolar e extra-escolar” e, como conseqüência, “muitos
de nós perderam sua identidade de pesquisadores em educação” (p.71). Por isso, a autora
destaca que um dos principais desafios aos pesquisadores da área Trabalho e Educação é
compreender que, se por um lado é preciso ir ao mundo das relações sociais e produtivas
concretas, por outro é preciso retornar à escola, tendo em vista subsidiar a compreensão dos
processos pedagógicos a que estão submetidos os trabalhadores.
O estudo aqui realizado sugere que, no que diz respeito à temática da Educação
Básica do trabalhador, fica explícito o predomínio de trabalhos sobre o Ensino Médio
articulado, ou não à Educação Profissional de nível técnico e tecnológico, destacando-se as
escolas de formação profissional como as escolas técnicas, por exemplo; por outro lado,
também se percebe o insuficiente número de trabalhos sobre a educação do trabalhador no
nível do Ensino Fundamental.
Em relação à EJA, enquanto modalidade da Educação Básica nos níveis fundamental
e médio, os estudos encontrados incidem sobre o sujeito (como, por exemplo, aluno do
noturno) ou sobre a análise do projeto (como, por exemplo, o Telecurso 2000). Contudo, em
geral, não fazem referência ao fato de aquele estudo referir-se a uma modalidade específica da
educação. Em termos quantitativos, apenas 17 trabalhos apresentam como temática central a
escolarização dos jovens e adultos trabalhadores, representando apenas 1,5 % da produção
total do GT 9.
De uma forma geral, podemos classificar os trabalhos apresentados que abordam a
questão da escolarização do trabalhador jovem ou adulto a partir de dois grandes grupos: 1)
análises de experiências empíricas de práticas educacionais, utilizando como “campo”
escolas/programas educativos de empresas ou escolas da rede pública de ensino, e 2) análises
teóricas de concepções de educação para o trabalhador.
O Grupo 1, composto por Arrais (18ª reunião, 1995), Deluiz (19ª reunião, 1996),
Souza (20ª reunião, 1997), Andrade (22ª reunião, 1999), Maia (23ª reunião, 2000), Cruz;
Bianchetti (24ª reunião, 2001), Bueno (25ª reunião, 2002) e Wendorf (27ª reunião, 2004),
caracteriza-se por trabalhos que refletem sobre: o supletivo/escola noturna, o Telecurso 2000,
o Programa de Complementação da Escolaridade do Trabalhador de uma empresa de
metalurgia, a escola SENAP mantida pela Nestlé, a Escola da Sadia S.A.
O Grupo 2 pode ser dividido em dois subtemas: 2.1) composto por Rummert (21ª
reunião, 1998), Cêa (22 ª reunião, 1999), Souza; Deluiz; Santana (22ª reunião, 1999), Kober
173
(25ª reunião, 2002), com ênfase em pesquisas teóricas com foco em análise de diferentes
concepções, como: disputa por concepções de políticas de formação profissional,
convergências e divergências sobre o conceito de educação básica de qualidade para a
formação dos trabalhadores, análise do consenso construído em torno da necessidade de
educação básica para o trabalhador e sobre os diferentes entendimentos sobre o papel da
educação para as centrais sindicais; e, 2.2) composto por Cêa (23ª reunião, 2000), Portela (23ª
reunião, 2000), Franzoi (27ª reunião, 2004), Rummert (28ª reunião, 2005) e Market (28ª
reunião, 2005), com ênfase pesquisas teóricas com foco análise de políticas públicas, como o
Planfor (MTE) e o Projeto Escola de Fábrica (MEC).
analisado por Portela (23ª Reunião, 2000) que o discute enquanto ação governamental que se
pretende promotora da cidadania, uma vez que “a proposta do Planfor não propõe apenas
qualificação do trabalhador para o mercado de trabalho, mas formação escolar básica voltada
para a construção da cidadania” (p.13). Assim, através do trabalho Relação: educação,
trabalho e cidadania, a autora reconstrói historicamente o conceito de cidadania e questiona a
possibilidade de que o Planfor possa contribuir para a construção de uma cidadania
emancipatória. Por fim, Franzoi (27ª Reunião, 2004), com o trabalho Da profissão como
profissão de fé ao "mercado em constante mutação": trajetórias e profissionalização dos
alunos do Plano Estadual de Qualificação do Rio Grande do Sul (PEQ-RS), discute como o
Planfor/PEQ-RS contribui para as trajetórias de profissionalização dos seus participantes. O
estudo enfoca as análises sobre a política do Planfor com as trajetórias ocupacionais e
formativas dos alunos. Para tanto, foram entrevistados “tanto alunos de cursos isolados,
quanto de projetos de elevação de escolaridade. Para este segundo grupo, foram escolhidos
alunos do Projeto Integrar Metalurgia” (p. 7).
Sobre o ano de 2004, o Comitê Científico avaliou que
pedagógicas deste modelo de educação na Alemanha” (p. 2). Conclui que conceitos
inovadores como o de “trabalho qualificante” podem vir a contribuir para a formação do
trabalhador, apto a agir autônoma e participativamente na organização produtiva, sem
desconsiderar que “precisa de suplemento da educação geral do tipo unitária” (p. 12).
Além dos aspectos acima destacados, o Quadro 3 sintetiza os trabalhos estudados e
ajuda a visualizar a incidência de determinados temas referente à EJA que os trabalhos
abordam, bem como os atores sociais envolvidos nesses estudos.
Observando no Quadro 3 os anos de 1999 e 2000, percebe-se uma ampliação no
número de trabalhos apresentados relacionados à EJA. Essa maior incidência poderia ter
alguma relação com o processo de criação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
EJA214, entretanto, a leitura dos seis trabalhos apresentados na 22ª e na 23ª Reuniões Anuais
da ANPEd não confirma esta hipótese, uma vez que as análises parecem desconhecer ou
desconsiderar a discussão específica da área da EJA enquanto uma modalidade da educação
nacional, com parâmetros e diretrizes curriculares próprias.
EP MTE/
2000 CÊA, Geórgia S. S. A educação do trabalhador que se realiza através do Planfor.
I –II MEC
MAIA,
Graziela; Aumento da escolarização dos trabalhadores, através de uma
2000 EJA Escola SENAP Empresa Nestlé
MACHADO, escola para os funcionários, mantida pela empresa Nestlé.
Lourdes
Os conceitos de educação, trabalho e cidadania. Discute o
PORTELA,
2000 EP TEM Planfor como ação governamental na área de trabalho e
Josania
educação que visa a promoção da cidadania.
214
Parecer CNE/CEB nº: 11/2000, aprovado em 10/05/2000. Ver o capítulo III desta tese.
182
RUMMERT, EP I MEC (SETEC/ A proposta de formação profissional inicial proposta pelo MEC
2005
Sonia M. EJA PROEP) através do Projeto Escola de Fábrica.
Conceito de “trabalho qualificante” e os conceitos inovadores
MARKET,
2005 EP Teóricos da educação profissional na Alemanha.
Werner
Legenda:
EJA: Educação de Jovens e Adultos,
EP: Educação Profissional (I – Inicial/Continuada, II – Técnica, III-Tecnológica)
EAD:Educação a Distância (EF, EM, EP I, II, III)
EJA (Alfa): Alfabetização de Jovens e Adultos
“aluno trabalhador” citado nos trabalhos do GT 9 não fosse o da modalidade de EJA. Como
destaca Kuenzer (1998: 74),
215
A esse respeito, ver indicação da nota 209 deste trabalho.
184
O GT Educação Popular também está entre os oito primeiros grupos criados pela
ANPEd. Ao contrário do GT 9, caracteriza-se por afirmar não ter uma perspectiva teórica-
metodológica predominante, sendo possível verificar como essa identidade se forjou.
Segundo Fleuri, ao longo de sua história o GT 6 passou por duas fases distintas. Na
primeira, ao longo da década de 1980, a pesquisa em educação popular caracterizou-se pelo
esforço em sistematizar as experiências passadas no campo da educação popular e, em
seguida, por se dedicar ao estudo das práticas de EJA216. A segunda fase, a partir da década de
1990, foi marcada pela primazia de estudos sobre a questão epistemológica e metodológica
nas pesquisas e práticas em educação popular. Entendemos que isto se relaciona às mudanças
na materialidade histórica, ou seja, relaciona-se à forma como este grupo de pesquisa
respondeu à crise dos anos 1990 e ao embate teórico ocorrido no contexto de crise de
paradigmas, de hegemonia do neoliberalismo e da perspectiva da pós-modernidade.
Nos primeiros anos de sua existência, no contexto político de redemocratização dos
anos 1980,
Destaca ainda Fleuri (1999) que, a partir da segunda metade da década de 1980, no
contexto de elaboração da Constituição Federal e do projeto de LDBEN, quando os
pesquisadores reunidos na ANPEd debatiam a política educacional do país, “o GT Educação
216
O primeiro momento, sob a coordenação de Osmar Fávero; o segundo, sob a coordenação, de Sérgio Haddad.
185
A partir de então, as pesquisas passaram a estudar a área da EJA e sua interface com
os movimentos sociais e o Estado. Assim, em um segundo momento, na segunda metade da
década de 1980, emergem de modo significativo temáticas sobre a luta popular pela escola
pública, a relação entre a EJA, movimentos populares e o Estado, e a escolarização do adulto
trabalhador, bem como a discussão e a elaboração de propostas sobre a escolarização de
jovens e adultos na elaboração do projeto de LDBEN. Assim,
Esta segunda fase, ainda atual, caracteriza-se, segundo os autores da área, pela
“amplitude, diversidade e flexibilidade de seu núcleo de interesse temático” (Fleuri, 1999: 8).
Partindo da crise dos paradigmas do conhecimento científico, a identidade deste grupo vem se
constituindo atualmente pela “busca de reelaboração de modelos epistemológicos a partir e
em função da diversidade de perspectivas e de interesses que constituem os saberes das
classes populares” (Fleuri, 1999: 1).
No GT Educação Popular da ANPEd, “o que aparece como crise dos movimentos
sociais passa a ser percebido como crise dos modelos de conhecimento” (1999: 10). Segundo
Azibeiro (2004), o jeito, ou seja, a identidade do grupo aponta para “o diálogo entre
perspectivas que se assumem e se respeitam como diferentes é (esta) a primeira marca desse
caminho que vem sendo construído no GT 6” (p. 1). A autora conclui, a partir da análise dos
textos apresentados no grupo, que “mais do que uma homogeneidade de escala ou
perspectiva, o que converge nas discussões e itinerários do GT 6 é a busca de outros olhares”
(p. 10). Como conseqüência, a questão das “diferenças” aparece de forma predominante nos
textos que realizam “balanços” do percurso e da produção do grupo; como, por exemplo, em
Garcia (2001), ao ressaltar que a “amorosidade é o que caracteriza o GT Educação Popular,
que acolhe amorosamente quem o procura, abrindo espaço para a diferença, sem pedir carteira
de filiação epistemológica que garantiria a pouco estimulante homogeneidade” (p. 53).
Nesse momento, vale trazer a análise de Frigotto, com a qual concordamos:
Por fim, podemos ainda destacar que o GT 6 privilegiou, em seus primeiros anos, a
187
educação popular, enquanto uma atuação política com estreita relação com movimentos
sociais (agrários e urbanos) e com segmentos da Igreja Católica, principalmente os grupos
oriundos da Teologia da Libertação (como as Comunidades Eclesiais de Base). Em seguida,
percebe-se que ocorre um deslocamento para as temáticas que discutem modelos teórico-
metodológicos, tendo como pano de fundo a crise do paradigma da modernidade; afastou-se
assim do terreno das ações de educação (alfabetização e/ou escolarização) entrecortada pela
politização, que pressupunha a organização de classe para aproximar-se de identidades
particulares diferenças e suas respectivas lutas e conhecimentos específicos em uma realidade
fluida e incerta217. Cabem alguns questionamentos, como: O que dizer da apologia à
diferença? Que significados recobriram esses dois momentos? Qual a relação desse
deslocamento de interesse do grupo e a criação de um GT específico para EJA, o GT 18,
Educação de Pessoas Jovens e Adultas?
217
A título de iustração destaca-se, por exemplo, o fato de encontrar trabalhos, na década de 1980, no GT
Educação Popular utilizando a categoria “adulto trabalhador”, hoje praticamente inexistente neste campo.
188
2. GRAMSCI, A. II I 3
3. MARX, K. I I I 3
4. BAKTHIN, M I I 2
5.FOUCALT, M. I 1
6. DURKHEIM, E I 1
Nas questões relativas aos aportes teóricos dos trabalhos selecionados, percebe-se, no
que tange aos autores contemporâneos, destacados na Tabela 4, uma grande variedade.
Destacam-se nesse universo os nomes de Vanilda Paiva e Sérgio Haddad, como referências
incontestes no grupo218. É digno de nota que referências históricas da EJA e da educação
popular no Brasil, como Moacir Gadotti citado quatro vezes, bem como, Celso Beisegel e
Carlos Brandão, tenham aparecido dispersos entre outros autores, citados três vezes. Muitos
desses autores são do campo da sociologia, como Henry Giroux, José de Souza Martins,
Miriam Limoeiro Cardoso e Otaíza Romanelli. Mas podemos mencionar ainda outros, citados
uma ou duas vezes, como Marilia Spósito, Pierre Furter, Cornelius Castoriadis, Edgar Morin e
René Barbier.
O universo quantitativo de autores contemporâneos é consideravelmente
significativo. Dos autores citados pelo menos uma vez, podemos destacar aqueles do campo
da alfabetização, com referencial construtivista, como Emília Ferreiro, Magda Soares, Ana
Lúcia Smolka e Telma Ferraz; autores do campo da educação popular, como Osmar Fávero,
José Carlos Barreto e José Eustáquio Romão; autores contemporâneos marxistas, como
Gaudêncio Frigotto, Ricardo Antunes, Perry Anderson e Emir Sader; autores do campo da
teoria social que criticam os supostos limites de interpretação da realidade do marxismo,
como os já citados Henry Giroux, Cornelius Castoriadis, Edgar Morin e René Barbier. No
entanto, esta heterogeneidade de autores não parece significar diversidade de referenciais,
218
Atualmente os dois autores compõem a coordenação de Organizações Não-Governamentais na área, Paiva no
Instituto de Estudos da Cultura e Educação Continuada, e Haddad na Ação Educativa, sucessora do Programa
Educação e Escolarização Popular do Centro Ecumênico de Documentação e Informação – CEDI. Entre as suas
obras destacam-se, como referência histórica: de Vanilda Paiva, Educação popular e educação de adultos (São
Paulo: Loyola, 1973) e Paulo Freire e o Nacionalismo Desenvolvimentismo (Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1980); e de Sérgio Haddad, Ensino supletivo no Brasil: o estado da arte (Brasília: INEP, Reduc, 1987)
e Educação de jovens e adultos no Brasil (1986-1998) (Brasília: MEC/ INEP/ Comped, 2002).
190
pois nos pareceu terem sido utilizados de forma fragmentada, em geral em citações que
objetivavam validar o referencial maior, de cunho freireano.
2. HADDAD, Sérgio I II I II 6
3. GADOTTI, Moacir I I I I 4
4. BEISIEGEL, Celso I I I 3
5. BRANDÃO, Carlos R. II I 3
6. GARCIA-HUIDOBRO, J. E. I I I 3
8. ROMANELLI, Otaíza I II 3
10. GIROUX, H. A. I I I 3
Partindo das fontes consultadas, registra-se que, de uma forma ampla, “em 1995
aprofunda-se o debate sobre as relações de poder inerentes à elaboração e relação entre
saberes” (Fleuri, 1999: 10). Quanto aos trabalhos apresentados na Reunião Anual da ANPEd,
Lima et al. (18ª reunião, 1995), abordando questões referentes à alfabetização, apresentam o
Projeto Ler para Viver – alfabetização de adultos em discussão, resultante de um convênio
entre a UFPi e a Prefeitura Municipal de Teresina. Evidenciando a abordagem construtivista
no processo de alfabetização dos adultos, os autores destacam três objetivos desse Projeto: 1)
capacitação e acompanhamento dos educadores; 2) alfabetização de adultos residentes na
zona urbana e rural de Teresina; 3) elaboração de uma proposta pedagógica para alfabetização
de adultos embasada na abordagem construtivista. No mesmo ano, Soares (18ª reunião,
1995), destacando a questão do acesso ao Ensino Fundamental, apresenta o trabalho O direito
à educação, onde discute a trajetória do Projeto Supletivo do Centro Pedagógico da UFMG,
discutindo a expansão dos serviços educacionais públicos. O autor destaca que, “como não
existe uma larga oferta de ensino voltada para o adulto-trabalhador, a luta deve começar do
lado de fora da escola, reivindicando, por exemplo, a abertura de escolas noturnas. (...)
191
Quando o trabalhador consegue ingressar em uma dessas escolas, a luta passa a ser do lado de
dentro. Ele tende a se organizar, ser sujeito no cotidiano escolar” (p.4).
Em 1996, de uma forma ampla, “formulam-se teorias capazes de permitir novas
interpretações das relações de saber-poder nas formas emergentes de organização popular
(como a teoria do apoio social), ou na elaboração coletiva do conhecimento (como a
sociopoética)” (Fleuri: 1999: 10). Moura (19ª reunião, 1996) analisa as ações de alfabetização
executadas pelo SESI e pelo MEB no Estado de Alagoas, apresentando o trabalho
Alfabetização de jovens e adultos - relação entre proposta pedagógica e práticas
desenvolvidas pelas entidades não governamentais. Destaca que a pesquisa integra a área de
EJA do Curso de Pedagogia da UFAL, espaço de integração entre a pesquisa, extensão e
ensino, particularmente no que se refere às questões relacionadas à alfabetização de jovens e
adultos. A pesquisa avaliou a relação existente entre as práticas alfabetizadoras desenvolvidas
pelas entidades não-governamentais em dois núcleos de alfabetização de adultos e as
propostas pedagógicas existentes
No ano de 1997, o GT 6 promoveu o Encontro de Intercâmbio de Pesquisadores em
Educação Popular219. Fleuri (1999) destaca que este Encontro
219
Realizado em João Pessoa/PB, com o tema “A Pesquisa em Educação Popular: novos olhares, novas
conexões, novas possibilidades de problematização.” Os trabalhos apresentados nesse Encontro foram
publicados no livro Educação Popular Hoje: variações sobre o tema (SP: Loyola, 1998). Segundo a organizadora
do livro, Marisa Vorraber Costa “os textos não são nem homogêneos nem unívocos. Pelo contrário: cada um traz
um olhar singular, uma perspectiva de discussão; eles constituem manifestações sem balizadores paradigmáticos
preestabelecidos” (p.7-8).
192
popular: o olhar de educadores, Oliveira (29ª reunião, 2006) discute como os educadores
populares estão trabalhando pedagogicamente as manifestações religiosas de seus educandos
nos ambientes alfabetizadores o foco do debate recae na necessidade de se trabalhar a
religiosidade no espaço escolar de uma forma mais ampla do que a do ensino religioso como
matéria de conhecimento. E, Onofre (29ª reunião, 2006) apresenta a pesquisa Escola da
prisão: espaço de construção da identidade do homem aprisionado?, em que se propõe a
repensar “caminhos para as escolas das prisões” (p. 1), neste intuito analisa possibilidades e
limites da educação escolar no sistema prisional, discutindo o que ela pode fazer no interior
das prisões.
O Quadro 4 sintetiza os trabalhos estudados e dá visibilidade ao nível educacional na
modalidade de EJA que os trabalhos abordam, bem como os atores sociais envolvidos nesses
estudos.
LIMA, Maria dos S. M. EJA Univers. Federal / Proposta de capacitação e acompanhamento dos educadores do Projeto de
1995
et. al. Alfa Governo Munic. Alfabetização de Jovens e Adultos, resultante do convênio entre a UFPI e a
Prefeitura Munic. de Teresina.
Univers. Federal /
EJA Associação dos Projeto de Extensão do Curso Supletivo de Primeiro Grau do Centro
1995 SOARES, Leôncio J. G.
Alfa Serv. da UFMG Pedagógico da UFMG.
MOURA, Tânia Maria EJA Relação existente entre as práticas alfabetizadoras desenvolvidas pelas
1996 SESI / MEB
de M. Alfa entidades não-governamentais e suas propostas pedagógicas.
ALVARENGA, Márcia EJA Discute como a categoria cidadania vem sendo construída e incorporada
2000 PAS
S. de Alfa nas políticas de alfabetização de jovens e adultos.
(Federação dos
Trabalhadores
Agrícolas do RN)
Gov Munic-MOVA
UFRGS /
FEITOSA, Débora EJA Os sentidos atribuídos a escolarização por mulheres trabalhadoras
2002 Assoc. Ecológica
Alves Alfa (recicladoras) na Associação Ecológica Rubem Berta, em Porto Alegre.
Rubem Berta
Legenda:
EJA Alfa: Alfabetização de Jovens e Adultos
EJA EF: Educação de Jovens e Adultos – nível do ensino fundamental
EJA EB: Educação de Jovens e Adultos – Educação Básica (ensino fundamental e ensino médio)
Observa-se no Quadro 4 que entre o período de 2003 a 2006, não foi encontrado no
GT 6 nenhum trabalho referente à EJA, fato que nos leva a questionar se não houve interesse
da área em pesquisas sobre a EJA, ou se nenhum trabalho sobre essa temática foi
encaminhado a este grupo. Chamando atenção que somente em 2006 voltamos a localizar dois
trabalhos, todavia ambos utilizam a EJA apenas como campo empírico, para uma discussão
cujo foco maior recai sobre manifestações religiosas e educação escolar em sistemas
prisionais.
Apesar do caráter histórico da realização da educação popular no meio rural, só um
trabalho faz menção à pesquisa de EJA no campo (Azevedo, 25ª reunião, 2002). Outro
aspecto que merece destaque refere-se ao fato de que, apesar de o GT 6 fazer a defesa dos
estudos que tratam da construção de identidades singulares (geracionais, étnicas etc.),
encontramos somente um trabalho que adotou essa perspectiva de forma clara, tratando a
questão de gênero numa experiência de EJA – o de Feitosa (25ª reunião, 2002) –, todas as
outras pesquisas tratam os educandos de forma ampla como “alunos”, acompanhados ou não
da palavra “trabalhadores”. Nesse aspecto, chama atenção o fato de que, no GT 6, o uso do
termo “trabalhadores” parece servir para atribuir uma qualidade, ou seja, para expressar uma
característica dos alunos da EJA, e não uma categoria.
Destaca-se, ainda, a título de ilustração do gradual abandono do conceito de sujeito-
coletivo, alicerçado em uma identidade social comum, ou seja, uma classe, com direitos
universais a serem defendidos, podemos destacar, no âmbito do quadro geral das pesquisas
selecionadas do GT 6, a análise sobre a Escola Quilombo dos Palmares (Rodrigues, 20ª
196
reunião, 1997) em que o pesquisador conclui: “O novo entendimento da Escola apóia-se nessa
nova perspectiva educativa, fundamentada na disputa de políticas públicas e não mais nos
conflitos de classe como fundamento para a construção de um novo projeto político” (p. 13,
grifo nosso).
Por fim, destacamos a percepção quanto à necessidade de aprofundamento sobre o
sentido que o GT 6 – Educação Popular atribuí a expressão "trabalhadores", bem como, a
investigação quanto a relação estabelecida entre no uso desta expressão no GT 6 e no GT 9 –
Trabalho e Educação. Não podemos deixar de questionar que, se ocorre o abandono da idéia
de sujeito-coletivo, conseqüentemente não deve haver um sentido de classe na utilização da
expressão “trabalhador”, pelo menos no GT 6 – Educação Popular. Entendemos que aspectos
como o desvelamento dos conceitos de trabalho e de trabalhador que guiam a atividade
prática e o debate teórico do GT 6, é de suma importância para nosso estudo, mas também
para a área de Educação de Jovens e Adultos. Neste sentido, consideramos importante
interrogar-mos sobre: Que conceitos de homem, cultura e classe popular norteiam a
concepção de EJA no GT 6? Qual o projeto de formação humana que norteia a atuação do GT
considerando-se o abandono da discussão acerca da temática escola?
GTs e com eles mantêm diálogo permanente. Sua filosofia de trabalho é “somar as produções
da Educação Popular e de Movimentos Sociais, contribuindo para que muitos pesquisadores
não-participantes da ANPEd fossem estimulados a fazê-lo, por se sentirem identificados com
essa nova organização temática.”220
A temática comum em torno da qual se organizam suas discussões refere-se a
estudos de experiências, programas e políticas voltadas, principalmente, para a escolarização
de jovens e adultos. Um levantamento da sua produção evidencia que desde a sua criação o
GT 18 parece vir se pautando por duas preocupações centrais: as tradicionais questões
pertinentes à alfabetização e/ou analfabetismo (projetos e programas de alfabetização vistos
sob a ótica do aluno, do docente ou enquanto proposta de EJA) e questões circunscritas ao
âmbito da escolarização (ensino noturno, supletivo, currículo para EJA, formação de
professores, EJA no Ensino Fundamental e Ensino Médio).
De forma geral, quanto às instituições de origem dos pesquisadores com destacada
atuação no GT (por o coordenarem, por realizarem trabalhos encomendados ou ministrarem
minicursos), os principais são provenientes de instituições de São Paulo, com destaque para
USP, PUC/SP e a Ação Educativa; esta última, apesar de não ser uma instituição de ensino
superior, apresenta recorrentemente suas pesquisas no GT 18, confirmando sua importância
no e para o Grupo221. Destaca-se, ainda, que dois dos quatro pesquisadores que compuseram
seu comitê científico são provenientes de instituições do Estado de São Paulo: Celso Beisiegel
– USP (em 2003) e Vera Masagão Ribeiro – Ação Educativa (2006-2007).
Chama a atenção na produção do GT 18, observando-se os minicursos e trabalhos
encomendados, o prestígio conferido às referências externas, ou seja, a predominância, nesses
momentos, de participantes exógenos ao grupo. Uma apreciação dos 16 trabalhos
encomendados entre 1998 e 2006 revela que dez (10) foram realizados por professores que
não participam regularmente do GT 18. Dos nove pesquisadores convidados (N. Alves, M. K.
de Oliveira, M. Arroyo, J. Kalman, A. Melo, M. T. Sirvent, M. N. Ramos, P. Carrano e M.
Sposito), destaca-se a professora Marília Sposito, por ter sido convidada três vezes (1999,
2001 e 2003) (Quadro 5). A mesma tendência é observada nos minicursos: dos sete (7)
propostos, somente dois (2001 e 2005) foram realizados por autores “internos” (Osmar Fávero
e M. C. Fonseca), ou seja, por autores que participam efetivamente do GT 18 (Quadro 6). É
220
Disponível em: http://www.forumeja.org.br/gt18
221
Sobre a Ação Educativa, ver nota 181 deste trabalho. Di Pierro (2000) destaca que “Pesquisadores vinculados
à Ação Educativa tiveram participação destacada na constituição do Grupo de Trabalho sobre Educação de
Pessoas Jovens e Adultas da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd). Ambas
as entidades mantêm parceria no exercício da secretaria da Revista Brasileira de Educação e no concurso de
dotações para pesquisas sobre o tema Negro e Educação” (p.140).
198
possível que esta seja a forma encontrada pelo GT de manter o diálogo com diferentes áreas
de pesquisa, considerando que a EJA relaciona-se a um amplo leque de temáticas de pesquisa.
2005 Tânia Maria Melo “A pesquisa realizada pelo “O trabalho e suas relações com
Moura (UFAL) MEC/UNESCO sobre o Programa o adulto trabalhador da
Brasil Alfabetizado” educação de jovens e adultos”
Eliane Ribeiro Andrade Marise Nogueira Ramos
2006 Tânia Maria Melo “Os processos de formação na educação de jovens e adultos: a “panha”
Moura (UFAL) dos girassóis na experiência do Pronera/MST”
Edna Castro de Oliveira (UFES)
222
Disponível em: <http://forumeja.org.br/gt18/> Acesso em fev.2008.
200
223
Conforme esclarecido na nota 97 deste trabalho, as políticas de educação básica e edcação profissional de
jovens e adultos trabalhadores são políticas sociais; aqui entendidas enquanto modalidade de política pública,
como ação de governo com objetivos específicos relacionados à proteção social.
201
refere-se à análise de ações a partir da atuação de instituições da sociedade civil (em parceria
com o governo, no âmbito municipal, estadual ou federal); fazem parte deste subgrupo os
estudos de Deluiz (25ª reunião, 2002 e 28ª reunião, 2005), o primeiro referente à atuação de
centrais sindicais e o segundo sobre a atuação das ONGs.
Em relação às instituições a que os autores dos textos selecionados se vinculam,
percebe-se o predomínio de instituições públicas de ensino superior, entre federais e
estaduais, tendo sido verificadas duas instituições privadas (Tabela 5). A Região Sudeste é a
que tem mais presença no GT 18 (considerando o universo dos trabalhos selecionados).
224
Além dos que contam na Tabela 5, cerca de cem (100) autores são citados apenas uma ou duas vezes. Dentre
eles, FÁVERO, O.; CURY, C.R.; SOARES, L.; RUA, M.G.; JARA, O; GADOTTI, M., por exemplo.
203
fundamental para o escopo das políticas praticadas” (p. 12) e destaca a importância da questão
do financiamento na efetivação do direito à EJA no âmbito dos sistemas públicos municipais,
para que se passe da proclamação à realização.
Ancassuerd (2005), em Educação de Jovens e Adultos no Grande ABC: duas
gerações de políticas públicas – 1987 a 2003, apresenta os programas, projetos e ações
desenvolvidos em municípios do ABC paulista e, num segundo momento, analisa as
diferentes concepções das políticas e sua implementação. Conclui a autora que:
[...] ainda não tomam a EJA como um direito, pouco tem se voltado para um
trabalho em que os educandos sejam vistos como jovens e adultos, inseridos ou em
vias de sê-lo no mundo do trabalho, mas sim utilizando práticas infantilizadas. Uma
das políticas que contribuiriam para uma outra forma de atender estes sujeitos do
processo educativo, sejam eles educandos ou educadores, seria através de um
processo contínuo de formação, o que em apenas um município se apresentou:
Goiânia.
Concluímos que nos municípios do entorno goiano há ainda falta de políticas
públicas voltadas para a EJA, em geral as ações empreendidas estão muito presas às
proposições da Secretaria de Educação do Estado, que ainda vê a EJA apenas como
suplência. Além disso, o que observamos foram ações descontínuas e fragmentadas
que desconsideram as demandas e ritmos dos jovens e adultos. A exceção a esta
prática foi o município de Goiânia [...]. (p.17)
225
Cabe destacar que esta pesquisa também é parte integrante do projeto pluriinstitucional em torno das
temáticas: juventude e EJA, de âmbito nacional, como visto anteriormente nesta mesma seção.
206
Soares (21ª Reunião, 1998) apresenta o estudo A Política Educacional para jovens e
adultos em Minas Gerais (1991-1996), cujo objetivo foi verificar o impacto da Resolução nº
386/91 do Conselho Estadual de Educação na ampliação do atendimento à EJA no Estado de
Minas Gerais. O autor ressalta que ocorreu uma expansão do atendimento através dos cursos
supletivos privados, simultaneamente ao contexto de esvaziamento da política do governo
federal e a conseqüente retirada dos governos estaduais.
Machado (21ª Reunião, 1998) no trabalho A trajetória da EJA na década de 90 -
políticas públicas sendo substituídas por ‘solidariadade’, analisa as políticas do governo
federal para EJA na década de 1990; identifica o Programa Alfabetização Solidária como
exemplificador do discurso neoliberal na EJA e, por fim, apresenta ações implementadas pela
SME de Goiânia como sinalizadora de uma perspectiva contra-hegemônica. A respeito do
arcabouço teórico produzido nos anos de 1990 na EJA, diz a autora:
[...] só podemos concluir que a escassez dos recursos públicos atribuídos às políticas
de educação de jovens e adultos representa um limite objetivo e, por vezes, um
obstáculo intransponível ao atendimento das demandas educacionais dessa parcela
da população, delineando um território de conflito e mobilização de atores em torno
de uma dimensão ainda não realizada da democratização do Estado brasileiro.
(ibidem)
sentidos da cidadania na perspectiva dos idealizadores do PAS e dos alfabetizandos” (p. 2). O
trabalho aponta que os diferentes sentidos sobre cidadania reatualizam os conflitos e as lutas
entre projetos de grupos sociais diversos. Na conclusão, indica que o PAS “revigora a ação
pedagógica de negação da cidadania dos sujeitos não alfabetizados” (p.13), pois, ao contrário
do discurso, cidadania não é apenas uma conseqüência da alfabetização e não se limita a ela; a
alfabetização não é suficiente “para transformar as condições sociais dos sujeitos, enquanto
for mantido um modelo político, social e econômico produtor da pobreza, da exclusão e do
aprofundamento das desigualdades sociais” (p. 13-14).
Moura et al. (2004), em ´Conteúdos’ e ‘competências básicas’ adquiridos e
utilizados por jovens e adultos do Programa Alfabetização Solidária, apresentam pesquisa
sobre habilidades de leitura e escrita e outros conhecimentos apropriados pelos alunos através
da participação no PAS. Sobre este aspecto, as autoras afirmam que
Ficou patente que os alunos que não tiveram experiência escolar anteriormente não
conseguiram em um só módulo que cursam desenvolver as “competências”,
relacionadas à leitura, a escrita e à resolução de operações matemáticas, o que se
aplicou também àqueles que já haviam passado pela escola anterior ao programa.
No caso dos alunos que já tiveram passagem pela escola, eles conseguem, no
máximo, rememorar alguns conhecimentos anteriores, adquirir e/ou melhorar
competências relacionadas à leitura e escrita. (p. 14)
Destacando ainda que os alunos não conseguem fazer uso da leitura e escrita, mesmo
quando a adquirem, pois há poucas oportunidades de utilizá-las em seus contextos sociais
cotidianos, as autoras concluem que “pouco do que o Programa propõe é alcançado, de forma
que os alunos se sustentam muito mais naquilo que aprenderam fora da escola, nas práticas de
letramento sociais, do que o que vivenciaram na prática escolar propiciada pelo Programa” (p.
15).
O PAS também foi analisado por Traversini (28ª Reunião, 2005) no artigo Debite um
analfabeto no seu cartão: a solidariedade como estratégia para alfabetizar a população e
desresponsabilizar o Estado. Através da análise do discurso de uma publicação, o Boletim
Alfabetização Solidária, a autora estudou “a administração do analfabetismo226 com base na
solidariedade” (p. 2), concluindo que “os problemas sociais, como o analfabetismo, estão
sendo empresariados, ou melhor, que o próprio Estado está sendo empresariado” (p. 14).
Na mesma Reunião Anual, Rocha (28ª Reunião, 2005), com o trabalho PAS x
226
A autora utiliza-se do “estudo dos escritos de Michel Foucault, particularmente sobre governamentalidade e
governamento. [...] Alfabetizar pode ser considerada uma forma de administrar, de governar cada indivíduo em
particular, bem como a população de uma comunidade, cidade, estado e país. [...] Isso quer dizer que, ao
alfabetizar, administra-se a parcela da população de um determinado modo, evitando a formação de áreas com
concentrado potencial de risco social” (p. 2).
210
Mobral: convergências e especificidades, apresenta uma análise comparativa entre esses dois
Programas desenvolvidos em contextos históricos distintos (1997 e 1970, respectivamente),
ambos vinculados ao governo federal e voltados para a erradicação do analfabetismo de
jovens e adultos no Brasil. São assinalados vários aspectos de convergência, principalmente
no que tange às concepções de alfabetização e analfabetismo, entre os dois programas. Afirma
a autora que,
[...] passadas várias décadas tanto da instituição quanto da extinção do Movimento
Brasileiro de Alfabetização, a visão de analfabetismo como algo que se deve
erradicar, de alfabetização como condição para o exercício da cidadania, como um
mal que pode e deve ser sanado a partir de campanhas, ganhou novas forças no
Programa Alfabetização Solidária – PAS e, a exemplo do que ocorreu com o
Mobral, forte inserção nos meios de comunicação de massa. (p. 19)
Por fim, no que se refere aos estudos sobre o PAS, a pesquisa O ‘programa
alfabetização solidária’: terceirização no contexto da reforma do Estado, de Barreyro (29ª
Reunião, 2006), analisa este Programa no contexto da reforma do Estado ocorrida nos anos
1990. Sinalisando para o fato de o PAS ter significado a implementação de um modelo de
tercerização de políticas educacionais, utilizando para esta finalidade as Instituições de Ensino
Superior, em sua conclusão destaca que
Por fim, também no âmbito do Pronera, o trabalho de Di Pierro (29ª Reunião, 2006)
intitulado Situação educacional dos jovens e adultos assentados no Brasil: uma análise de
dados da Pesquisa Nacional de Educação na Reforma Agrária traça um diagnóstico da
situação educacional dos jovens e adultos assentados. Entre outros aspectos relevantes, chama
a atenção para a “extensa demanda potencial não atendida, e [...] que as oportunidades
existentes são insuficientes [...] e marcadas pela precariedade das instalações físicas e do
preparo dos docentes para a etapa ou nível de ensino em que atuam” (p. 11). Dentre as
necessidades da educação no meio rural, destaca: “ampliação de oportunidades de acesso à
escolarização básica [...] construção ou melhoria dos equipamentos escolares [...] formação
inicial e continuada dos educadores envolvidos” (p. 11).
No que diz respeito ao subgrupo 2b), que analisa a atuação de outras instituições da
sociedade civil em parceria com o governo, Deluiz (25ª Reunião, 2002) apresenta a pesquisa
A atuação das centrais sindicais nas políticas de educação de jovens e adultos, onde analisa a
participação das centrais sindicais – CUT (Projeto Integrar), CGT (Projeto Resgate) e FS
(Projeto Ações-Escolares: educação em parceria) – nos programas de educação de adultos
desenvolvidos no âmbito do Planfor/MTE em meados dos anos 1990. O quadro de
“deslocamento da responsabilidade do Estado pela oferta de educação para jovens e adultos
para os organismos da sociedade civil”, bem como os novos “desafios postos pelo processo de
reestruturação produtiva aos trabalhadores” levaram o movimento sindical a atuar, “de modo
incisivo e pró-ativo, na esfera da Educação Básica e da Formação Profissional” (p. 13). Do
ponto de vista da ação concreta, afirma a autora que a CGT e a FS desenvolveram seus
projetos de Educação Básica e Profissional em uma perspectiva produtivista e instrumental da
educação, enquanto que a CUT parece ter tido seus programas alicerçados em uma
perspectiva civil-democrática de educação (p. 12).
A mesma autora apresenta dois anos depois a pesquisa Sociedade Civil e as políticas
de educação de jovens e adultos: a atuação das ONGs no Rio de Janeiro (Deluiz, 28ª
Reunião, 2005), em que investiga as concepções que orientam as propostas de educação das
ONGs nos programas voltados para EJA, desenvolvidos por elas a partir do Programa
Trabalhar e Aprender: Qualificação para a Cidadania, da Setrab, no âmbito do Planfor/MTE,
nos anos de 2001 e 2002, no Município do Rio de Janeiro. Deluiz analisou sete ONGs e
212
constatou que “a maioria não tem sua experiência relacionada aos movimentos sociais
tradicionais, que desenvolveram uma prática democrática de educação popular ao longo de
sua existência” (p.1). Quanto aos cursos desenvolvidos, destacou: a focalização dos
programas (jovens em situação de alto risco, populações carentes) e cursos de qualificação
voltados para os serviços pessoais e domésticos (corte e costura, cuidador de idosos, operador
de telemarketing etc.), ou seja, voltados ao mercado informal e pouco qualificado. Em síntese,
a autora conclui que a maioria dos cursos reflete uma visão produtivista de educação, uma
formação “fundada em uma perspectiva instrumentalizante e adequacionista, que subordina e
reduz seus conteúdos às determinações do mercado, sem a perspectiva de ampliação da
escolaridade básica, de reflexão sobre o mundo do trabalho e sobre a sociedade capitalista” (p.
14).
Para facilitar a visualização dos aspectos acima destacados, o Quadro 7 sintetiza os
temas, a forma de EJA que os trabalhos abordam, bem como os atores sociais envolvidos nas
pesquisas aqui abordadas.
Gov Fed.,
EJA Financiamento público da educação básica de jovens e adultos no Brasil
2000 PIERRO, Mª Clara Di Gov Est.
EB no período 1985/1999.
Gov. Munic.
VIEIRA, Maria
EJA Experiência de EJA empreendida no Município de Uberlândia/MG nos
2000 Clarisse Gov. Munic.
EF anos de 1980 e 1990.
Gov. Fed.-
FURTADO, Eliane EJA PRONERA
2001 Alfabetização de jovens e adultos do Pronera/UFC/MST.
Dayse Alfa. MST e Universidade
ALVARENGA, EJA Gov Fed-PAS / Programa Alfabetização Solidária e sua contribuição na promoção dos
2003
Márcia Soares de Alfab alfabetizandos sujeitos não-escolarizados.
ANDRADE, Eliane
EJA As políticas públicas de EJA empreendidas em vinte secretarias
2004 Ribeiro Gov. Munic.
EF municipais de educação da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
PAIVA, Jane
2004 VOLPE, Geruza C. EJA Gov. Munic A questão do direito à EJA, tomando dois municípios mineiros como
213
EJA
2006 PAIVA, Jane - Concepções e sentidos sobre o direito à Educação de Jovens e Adultos.
EB
227
Dado os objetivos deste trabalho, não nos debruçaremos sobre a história específica de cada Fórum Estadual
de EJA. Todavia, por ter sido o primeiro, é importante contextualizar que o Fórum de EJA do RJ, “surgiu
quando aconteceu a convocação do MEC, em parceria com a Secretaria de Estado de Educação do Rio de
Janeiro, em junho de 1996, para o Encontro Estadual de Jovens e Adultos. Esse Encontro foi convocado como
uma das etapas preparatórias à V Conferência Mundial de Educação de Adultos a realizar-se em julho de 1997
em Hamburgo, na Alemanha. Em nível estadual, e depois regional, visava apontar delegados, representando
organismos governamentais, não-governamentais e da sociedade civil diretamente envolvidos com a área, para
elaborar um documento que subsidiasse, a partir das diferentes realidades e experiências, uma política nacional
para a área.” (Paiva, s/d: 02)
215
228
A expansão dos Fóruns de EJA pelo Brasil, pode ser comprovada ao se considerar que, segundo o último
ENEJA, a dimensão dos Fóruns por região abrange: “Região Norte — Rondônia (RO) e Regional RO (Ji-
Paraná), Roraima (RR), Amazonas (AM), Tocantins (TO), Pará (PA), Acre (AC) e Amapá (AP); Região Sul —
Rio Grande do Sul (RS), Fórum RS e Fóruns Regionais RS (Porto Alegre e Região Metropolitana, Santa Cruz,
Ijuí e Bagé), Santa Catarina (SC) e Fóruns Regionais SC (Itajaí, Chapecó, Ibirama, Ituporanga, Canoinhas,
Concórdia, Brusque, Maravilha, Criciúma, Mafra, Araranguá, São Bento do Sul, Rio do Sul, Grande
Florianópolis, São Miguel do Oeste, Tubarão, Caçador, Videira, Campos Novos, Xanxerê, Palmitos, Joinville E
De Blumenau), Paraná (PR); Região Sudeste — Espírito Santo (ES), Minas Gerais (MG) e Fóruns Regionais
MG (Vale das Vertentes, Norte, Sudeste, Leste, Centro-Oeste, Inconfidentes, Zona da Mata e Metropolitano-
BH), Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP) e Fóruns Regionais SP (Nordeste e Oeste); Região Centro-Oeste —
Mato Grosso (MT) e Fórum Regional MT (Norte do Mato Grosso); Mato Grosso do Sul (MS), Distrito Federal
(DF), Goiás (GO) e Fórum Regional GO (Entorno Sul de Goiás); Região Nordeste — Bahia (BA), Fórum
Regional BA (Extremo Sul); Maranhão (MA); Piauí (PI) e Fóruns Regionais PI (Picos e Parnaíba), Alagoas
(AL), Sergipe (SE); Rio Grande do Norte (RN), Paraíba (PB) e Fórum Regional PB (Sertão Paraibano),
Pernambuco (PE) e Fóruns Regionais PE (Metropolitano, Litoral Sul, Mata Sul, Mata Centro, Vale do
Capibaribe, Agreste Meridional, Sertão do Moxotó-Ipanema, Submédio São Francisco, Sertão do Araripe, Sertão
Central, Vale do São Francisco e Sertão do Médio São Francisco); Ceará (CE) e Fóruns Regionais CE
Quixeramobim (do Sertão Central) e Iguatu (Centro Sul)” (ENEJA, 9. Relatório Síntese, 2007).
216
Na América Latina, o Brasil não somente sediou, como foi protagonista da reunião
preparatória regional, realizada em Brasília, em janeiro de 1997. Essa primeira fase
de mobilizações culmina com a participação de uma delegação nacional, de um
grupo de representantes de ONGs e de 22 educadores na V CONFITEA. (ENEJA,
1999: 1)
anteriormente, o quanto a defesa das parcerias foi funcional, no contexto pós 1990, para a
reforma do Estado e a ampliação das políticas de corte neoliberal. Portanto, para a
compreensão da natureza dos ENEJAs, é preciso observar que a sua origem não esteve
associada a uma demanda de articulação nacional de movimentos surgidos a nível local ou
regional. Ao contrário, surge de uma demanda do poder público em articulação com a
UNESCO e traz, portanto, sua marca e influência desde a origem. Por um lado, o Encontro
Nacional foi que estimulou e desencadeou a organização de Fóruns estaduais; por outro, os
Fóruns e o próprio ENEJA se tornaram possíveis pela estratégia de parceria entre Estado,
sociedade civil e organismos internacionais, tornando-se um espaço de interesses ambíguos,
contraditórios e de difícil conciliação.
Essa constatação é visível quando se toma, por exemplo, a lista de instituições que
contribuem para a realização dos ENEJAs, vendo-se entre os apoiadores representantes dos
interesses do capital e do trabalho229. Dessa forma, o desenho do conjunto de instituições que
contribuem para a realização desses encontros forma uma composição que abriga propostas e
ações no campo da EJA, tanto provenientes do empresariado quanto dos trabalhadores. Nessa
composição, cuja complexidade não podemos ignorar, cremos ser importante destacar, sem
negar a importância da contradição, que há entre elas muitas divergências na forma de
conceber o ser humano e a educação, em alguns casos potencialmente antagônicas. Essas
divergências ou convergências nas concepções de educação formuladas por entidades
representativas do capital e do trabalho, conforme chama atenção Rummert (2000), “não se
circunscrevem, estritamente, ao âmbito dos antagonismos estruturais das sociedades fundadas
no modo de produção capitalista” (p. 185), mas, ao contrário, circunscrevem-se no processo
de construção das concepções de educação. Conforme essa autora demonstrou em seu estudo
com centrais sindicais, “representantes de interesses de trabalhadores convergem, de forma
bastante significativa, para a mesma concepção apresentada pelo capital” (ibidem).
Desta forma, desde os primeiros encontros, os Fóruns Estaduais de Educação de
Jovens e Adultos surgem da continuidade da articulação de segmentos governamentais e não-
229
Para exemplificar, o VI ENEJA, realizado em Porto Alegre, “foi uma realização: Fórum Estadual de
Educação de Jovens e Adultos do Estado do Rio Grande do Sul, União Nacional dos Dirigentes Municipais de
Educação do RS / UNDIME-RS; Universidade de Cruz Alta / UNICRUZ; Federação de Atendimento Sócio
educativo do RS / FASE-RS; EJA Universitário; Objetivo; Diálogo Pesquisa e Assessoria em Educação Popular;
PUC/RS; SESI/FIERGS; Governo do Estado do Rio Grande do Sul / Secretaria de Educação; Prefeitura de Porto
Alegre / Secretaria Municipal de Educação. Tendo como apoios: o Centro de Integração Empresa-Escola / CIEE;
Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados; Fóruns de EJA; Fundação Bradesco; Ministério do
Trabalho e Emprego / MTE; Rede de Apoio à Ação Alfabetizadora do Brasil / RAAAB; Serviço Social do
Comércio / SESC Nacional; Serviço Social da Indústria / SESI Nacional; UNESCO; Universidade Luterana do
Brasil / ULBRA/RS.” (ENEJA, 2004: 1)
218
Como expressão da sua origem, os Fóruns se definem como espaços abertos, que
reúnem organismos governamentais e não-governamentais atuando com atividades de
informação e formação e tendo variados níveis de mobilização e intervenção. Nas palavras de
alguns dos seus representantes,
230
Em cada ENEJA é produzido um Relatório-Síntese, composto em linhas gerais da seguinte estrutura:
contexto geral em que o Encontro se realizou, conceitos/temáticas discutidas naquele Encontro e
encaminhamentos e moções da plenária. Os relatórios de todos os ENEJAs encontram-se disponíveis em:
http://www.forumeja.org.br/?q=node/771
219
231
Realizado no SESC Copacabana, no período de 8 a 10 de setembro de 1999. Contou com 298 participantes.
220
232
Documentos internacionais discutidos no capítulo II deste trabalho.
233
Realizado no Centro de Tecnologia Educacional, em Campina Grande, no período de 7 a 9 de setembro de
2000. Contou com 109 participantes.
221
Em 2001, o III ENEJA, ocorrido em São Paulo234, teve como tema “Plano Nacional
de Educação: a quem cabe cumprir?” Discutiu-se principalmente “a divisão de
responsabilidades entre os organismos governamentais das três esferas administrativas e as
organizações da sociedade civil para a consecução das metas relativas à educação de pessoas
jovens e adultas do Plano Nacional de Educação” (ENEJA, 2001: 1). Foi apresentada uma
análise de que a EJA, na maioria dos países latino-americanos, ocupa uma “posição marginal
no conjunto do sistema educativo e tem um caráter compensatório, vinculando-se às
populações pobres com pouca escolaridade” (ibidem), destacando-se ainda, que “a maioria
dos usuários dos programas de educação para adultos é composta de jovens, e que as reformas
educativas produziram uma falsa dicotomia entre investir na infância ou nos adultos,
privilegiando a primeira” (ibidem). Posicionando-se contrário a esta perspectiva, o Relatório-
Síntese reafirma a defesa de que “a educação é um direito das pessoas em qualquer idade,
entendida como processo que se estende ao largo de toda vida, e que tem nas escolas um
espaço privilegiado, mas não único” (idem, p. 2).
Outro aspecto a ser destacado é o fato de que, a partir da terceira versão do ENEJA, a
temática “diversidade dos sujeitos da EJA” passa a estar presente na pauta de discussão e irá
tornar-se, a partir de então, uma das temáticas de maior visibilidade nos encontros posteriores.
Pode-se afirmar que a atenção às peculiaridades culturais dos grupos juvenis, das populações
rurais e indígenas abrigadas sob a perspectiva da diversidade de sujeitos e enfoques passa a
pautar a referência quanto à especificidade da EJA.
No ano seguinte, 2002, o IV ENEJA, em Minas Gerais235, teve por temática “EJA:
cenários em mudança”. Dentre os temas debatidos, destacam-se: “a década da alfabetização, a
construção de diretrizes e bases, a articulação dos Fóruns estaduais e regionais da EJA e a
inserção da EJA nos planos estaduais e municipais de educação e no debate eleitoral”
234
Realizado no Centro de Convenções do Anhembi, São Paulo, nos dias 5 e 6 de setembro de 2001. Quanto ao
número de participantes, “O III ENEJA se realiza com a participação de cerca de 1.300 pessoas, das quais 240
delegados provenientes de 19 Unidades da Federação; mais de 700 professores, diretores e estudantes de escolas
municipais paulistanas; e os demais 340 participantes, outros interessados, em sua maioria professores da rede
estadual de ensino paulista” (ENEJA, 2000: 1).
235
Realizado no SESC Venda Nova, em Belo Horizonte, no período de 21 a 24 de agosto de 2002. Contou com
400 participantes. Participaram deste Encontro, segundo o Relatório-Síntese, “12 Fóruns estaduais (RJ, MG, SP,
AL, PB, GO, PR, RS, RN, MT, TO, ES), 3 Fóruns em processo de formação (CE, PE e BA) e 3 regionais
(Divinópolis, Leste de Minas e Nordeste Paulista). [...] compunham-se dos seguintes segmentos: administração
pública, Sistema S, Universidade, movimentos populares e ONGs, professores e alunos” (ENEJA, 2002)
223
(ENEJA, 2002: 1). Em uma seção sobre questões conceituais e práticas da EJA, o Relatório-
Síntese apresenta que “Tem-se um novo olhar sobre esses sujeitos. A preocupação não é
apenas com a trajetória escolar, mas principalmente com as trajetórias pessoais e humanas,
como homens, mulheres, indígenas, negros e negras, do trabalho, da construção social” (idem,
p. 2). A partir do tema geral sobre os cenários em mudança, foi elencado um conjunto de
perspectivas ou desafios para EJA, com relevo para:
Vale ressaltar que o documento assevera ter o Estado brasileiro assumido o dever de
garantir a educação para todos, faz a ressalva de ser “necessário, ainda, desconstruir outra
forte marca, a que associa a EJA à ‘empregabilidade’” (ibidem) e recomenda algumas
diretrizes para políticas na educação de jovens e adultos, como:
236
Realizado no SESC de Cuiabá, no período de 3 a 5 de setembro de 2003. Contou com 18 Fóruns estaduais, 2
Fóruns em processo de formação e 5 Fóruns regionais.
224
237
Realizado no Hotel Ritter, em Porto Alegre, no período de 8 a 11 de setembro de 2004, com 24 Fóruns
Estaduais e 19 Fóruns regionais participantes.
238
Ver, particularmente, os Relatórios-Síntese do I e do II ENEJAs (1999; 2000).
225
Observa-se assim que, até aquele momento, não existia qualquer questionamento
sobre a influência desses organismos na política educacional encaminhada no Brasil.
Sobre o papel político dos Fóruns, foi ressaltado no Relatório-Síntese que “Os
Fóruns de EJA, como movimento social, caracterizam-se pela diversidade na forma como
vêm se constituindo e pela capacidade de mobilização com que se têm instalado, alcançando,
atualmente, quase todo o território nacional” (idem, p. 5). Definindo-se em alguns relatórios
como novo movimento social (posição não consensual nos ENEJAs), alguns Fóruns se
classificam como produtores de “novas formas de ação, traduzidas em proposições de
políticas públicas, em nível local, na articulação com estados e municípios. Em nível nacional,
[avalia-se que] em interlocução com a Secad/MEC, algumas proposições têm sido
reconhecidas e legitimadas” (ibidem). Em síntese, os Fóruns se auto-identificam como uma
nova forma de fazer política, a partir do envolvimento de interesses e atores diversos de forma
propositiva em torno de um objeto comum, em diálogo/parceria com os governos.
No ano de 2005, em Brasília e em Luziânia, o VII ENEJA239 discutiu, a partir do
tema central – “Diversidade na EJA: papel do Estado e dos movimentos sociais nas políticas
públicas” –, questões como a ação do Estado e da sociedade civil organizada, as tendências da
área segundo os diversos segmentos que integram os Fóruns, e seu papel político diante das
políticas propostas para a EJA. Este Encontro240 considerou sete temáticas relevantes para
pautar as discussões: a configuração do campo da EJA; o papel do Estado e dos movimentos
sociais e entidades da sociedade civil organizada na construção das políticas públicas de EJA;
239
Realizado com a abertura no Centro de Convenções - Eixo Monumental, em Brasília, e o desenvolvimento do
Encontro no Centro de Treinamento Educacional da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria, em
Luziânia, Goiás, no período compreendido entre 31 de agosto e 3 de setembro de 2005. Participaram deste
ENEJA 473 delegados.
240
O VII ENEJA foi o único construído a partir da realização de encontros estaduais, com discussões pautadas
em um roteiro, que sugeria a realização de um diagnóstico da situação de cada Estado e um levantamento prévio
das tendências e propostas em relação às temáticas centrais do ENEJA, para, dessa forma, a partir de uma
discussão prévia dos dados, potencialmente possibilitar que o Encontro avançasse no aprofundamento das
discussões em âmbito nacional. Desta forma, vários estados enviaram seus relatórios (o relatório do Estado do
Rio de Janeiro está disponível em http://forumeja.org.br/files/Rio%20de%20Janeiro.doc) e, a partir do que foi
entregue, foi elaborado um texto-síntese (disponível em www.gtpaforumejadf.unb.br) para ser um dos
documentos que subsidiariam os delegados estaduais. Todavia, é importante ressaltar que esta metodologia de
construção da programação e das temáticas dos grupos de trabalho não foi incorporada nos encontros seguintes,
o que, a nosso ver, parece indicar que a experiência de construção do ENEJA de Brasília não expressa o
movimento nacional.
226
por fim, a extensão universitária como espaço de formação. Destacou-se nas discussões a
questão da configuração e identidade da EJA e suas implicações para a formação. Assim, foi
enfatizado que:
Outro aspecto que merece destaque refere-se à discussão sobre a identidade, o papel
e a atuação dos Fóruns estaduais de EJA como sujeitos coletivos. Nos Relatórios do VII e do
VIII ENEJAs, este é um tema em destaque, tendo sido pautado nos debates qual o sentido dos
Fóruns e o tipo de relação construído com o governo, principalmente, no âmbito federal, com
a Secad/MEC, vale ressaltar que o documento do VIII ENEJA registra a cobertura total de
todo o território nacional, com a existência de Fóruns de EJA em todos os estados brasileiros.
Diante do seu crescimento e capilaridade nos estados e municípios; cresce também, nos
últimos anos, um questionamento e auto-avaliação sobre a real identidade dos Fóruns. Por
exemplo, o Relatório-Síntese de 2006 assinala que:
241
Realizado na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), no período de 30 de agosto a 2 de setembro de
2006. Contou com a participação de 598 delegados.
229
242
A inclusão do IX ENEJA ocorrido em 2007, portanto posteriormente ao limite temporal por nós estabelecido,
visou propiciar ao leitor uma visão completa dos temas debatidos ao longo de todos os encontros, uma vez que
nesse foram discutidas as ações para EJA empreendidas no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
243
Realizado com abertura em Curitiba e reunião no Centro de Capacitação de Faxinal do Céu, em Pinhão, no
período de 18 a 22 de setembro de 2007. Contou com 634 participantes, dos quais 540 eram delegados.
230
envolvidos possam dialogar acerca das políticas inter-setoriais do MEC e também de outros
ministérios” (ENEJA, 2007: 4), destacando-se como positivo o fato de outros órgãos, além do
MEC, estarem presentes no Encontro, aproximando-se das discussões e demandas da EJA.
Foi especialmente sinalizada a presença de representantes das Secretarias de Educação
Profissional, da Educação no Campo e do Ministério do Trabalho, focando a Economia
Solidária.
A mesa-redonda sobre “Políticas e Financiamento na EJA” abordou as perspectivas
de mudança no financiamento da educação e os possíveis efeitos dessas mudanças na EJA,
com o início do Fundeb. Também enfatizou a necessidade de se localizar os atuais “´nós` da
política no financiamento, na formação de educadores e na persistência da concepção
compensatória [...]. Apontou como principais mudanças [positivas] [...] a inclusão orgânica da
EJA no sistema de Educação Básica, no Fundeb e Livro Didático” (ENEJA, 2007: 7), pois
tendem a ser mais duradouras e impactar a médio e longo prazos.
Quanto à terceira mesa-redonda, referente ao currículo na EJA, a abordagem foi, a
nosso ver, próxima àquilo que Silva (2003) classifica como a matriz referencial das Teorias
Pós-críticas do currículo244. Segundo registra o Relatório-Síntese:
Nesses dez anos pós V CONFITEA a avaliação regional sobre a situação da EJA nos
244
Segundo a classificação elaborada por Silva (2003), às teorias do currículo são divididas em teorias
Tradicionais, teorias Críticas e teorias Pós-Criticas. Segundo este autor, “a aparente disjunção entre uma teoria
crítica e uma teoria pós-crítica do currículo tem sido descrita como uma disjunção entre uma análise
fundamentada numa economia política do poder e uma teorização que se baseia em formas textuais e discursivas
de análise. Ou ainda, entre uma análise materialista no sentido marxista, e uma análise textualista” (p.145).
231
A luta histórica dos Fóruns tem sido para que o poder público assuma sua
responsabilidade na oferta da educação básica de jovens e adultos; que universidades
e sistemas públicos de ensino assumam a formação inicial e continuada de
professores e educadores; que a sociedade civil, organizada nos seus movimentos e
no setor empresarial, seja demandante desta oferta de escolarização para jovens e
adultos; que educadores se identifiquem de fato com a modalidade de ensino
fundamental e médio em sua especificidade. Todas essas ações são como que fios
diferentes que tecem uma só rede: a da educação como direito. (ENEJA, 2007: 13)
245
A referência desta crítica, além das considerações já realizadas neste trabalho, encontram-se em Neves (2005:
15), quando, por exemplo, afirma que “ a constatação de que o neoliberalismo vem-se desenvolvendo no Brasil
das últimas duas décadas por meio de um programa político específico – o programa da Terceira Via – é ponto
de partida para a análise sobre a difusão, na sociedade brasileira, dos novos ideais, idéias e práticas voltadas para
o consenso sobre os sentidos de democracia, cidadania, ética e participação adequados aos interesses privados do
grande capital nacional e internacional”.
232
exemplo, aparece proposto no VIII ENEJA, que exista a “articulação das ONGs com
movimentos sociais, assumindo o papel de formuladoras propositoras e fiscalizadoras de
políticas públicas”, destacando que, “Os movimentos sociais reconhecem que não são os
responsáveis pela efetividade das políticas públicas de educação, porém possuem um
importante papel no processo de mobilização, fiscalização e proposição de políticas públicas”
(Relatório-Síntese VIII ENEJA, 2006, p. 5). O caráter dúbio das parcerias entre órgãos
governamentais e não-governamentais e o conceito fluido da relação público/privado,
trouxeram profundas conseqüências nas práticas da área de EJA, conforme discutido
anteriormente, e, apesar de pautado nos ENEJAs como um aspecto relevante para a
construção de políticas públicas, não são abordados sob o aspecto de seus determinantes
estruturais.
Cabe assinalar que o primeiro ENEJA ocorre em um contexto caracterizado pelo
reordenamento do Estado e retração dos direitos sociais, em que, como assinalado em outros
capítulos, a política social do Estado foi sendo reconfigurada tendo na focalização uma das
marcas centrais. A abordagem restritiva do campo social e o caráter focal, apresentaram como
conseqüência, uma estratificação sucessiva, em parcelas e sub-parcelas, cada vez mais
específicas dos segmentos populacionais mais expropriados da classe trabalhadora246. Pelo
que podemos perceber, do ponto de vista da educação, os novos padrões de regulação
decorrentes da nova relação entre Estado, capital e trabalho, conforme afirma Kuenzer (2007,
p. 24), “apontam para duas direções que se interam: a crescente privatização mediante a
concepção da educação como função pública não-estatal e a fragmentação de ações através de
programas fragmentados em substituição à formulação de políticas públicas”. Ou seja, as
relações entre Estado e sociedade civil transformam-se em financiamento, por meio de
parcerias, da esfera pública para a esfera privada.
O mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, reconfigurou a relação dos ENEJAs com o
governo. Cabe lembrar que a realização do primeiro ENEJA ocorreu no segundo mandato de
Fernando Henrique Cardoso e, ao longo desse período, os ENEJAs ocorreram com pouca
participação de órgãos governamentais, evidenciado como apenas “financiadores eventuais” e
não como “parceiros de fato”(Relatório- Síntese V ENEJA, 2003, p. 1). A partir de 2003,
instaura-se, conforme destacado no Relatório do Encontro, um espaço de reconhecimento dos
Fóruns e de participação através da presença de representantes com “apoio político e
246
Dentre os exemplos, realizados em meados da década de 1990 circunscrita a esta lógica, podemos destacar o
Programa Comunidade Solidária (bem como os correlatos do mesmo período: Alfabetização e Capacitação
Solidária), vinculados ao governo federal, mas, organizados sob a forma de organização não-governamental,
com estímulo as parcerias com empresas e apelo ao voluntariado da sociedade civil.
234
247
Para Gramsci (1991) no senso comum predominam as características difusas e dispersas de um pensamento
genérico de uma certa época em um certo ambiente popular” (p.18). Assim, o senso comum (como a religião)
“não podem constituir uma ordem intelectual porque não podem reduzir-se à unidade e à coerência nem mesmo
na consciência individual” (p. 14). Portanto, o traço fundamental e mais característico do senso comum é o de ser
uma concepção desagregada, “adequada à posição social e cultural das multidões, das quais ele é a filosofia.” (p.
143). Todavia, destaca ainda este autor, o senso comum é o ponto de partida sobre o qual deve ser elaborada a
nova concepção de mundo, uma vez que ele contém um núcleo de bom senso, ou seja, um núcleo sadio do senso
comum, merecendo ser desenvolvido e superado (p. 160).
235
248
A ontologia do trabalho é anterior ao marxismo. Adam Smith e David Ricardo, representantes da escola
liberal clássica (denominada por Marx também de economia burguesa) já discutiam o trabalho como elemento
central na construção do ser humano. Sob o referencial materialista histórico-dialético, o elemento ontológico é
construído histórica e socialmente, não se tratando de um elemento de natureza metafísica ou da essência
humana e, por isso, distingue o ser humano do animal.
236
Compreendemos que para que a relação entre trabalho e EJA seja profícua é preciso
resgatar que é através do trabalho que o ser humano constrói sua própria história, acumulando
conhecimentos e transformando a natureza e a sociedade. Sendo assim é incipiente e vaga
uma proposta de “Inserção do conteúdo mundo do trabalho na alfabetização e na educação
básica” (Relatório-Síntese VIII ENEJA, 2006, p. 6). Sobre este aspecto, Rummert (2007: 91)
assinala que, recorrentemente, tem havido uma ausência de reflexão sobre o amplo
significado do conceito de trabalho; como conseqüência, o trabalho tem sido abordado apenas
como sinônimo de emprego ou ocupação, o que tem concorrido, também de forma recorrente,
para a manutenção da dualidade estrutural da educação.
Um outro ponto, que em certo sentido é conseqüência do anterior, refere-se a quando
se discute a questão da desigualdade social. Sobre esse aspecto é realçada a idéia de que o
debate sobre esse tema não pode reduzir-se apenas à questão de classe. Mesmo tendo
discordâncias teóricas com esta afirmação, não vamos tencioná-la neste momento. Nos
limitaremos, aqui, a compreender que concepção de classe está sendo considerada na
perspectiva dos documentos aqui analisados. Pode-se apreender dos Relatórios, quanto ao
tratamento da questão de classe, que: a) pressupõe-se a compreensão do conceito, portanto ele
não é discutido; b) utilizam-se várias terminologias, classes baixas, jovens em situação de
risco social, camadas populares, classes populares, excluídos, oprimidos etc.; c) todos
remetem a uma leitura de classe, simplista, vinculada à classificação de acordo com a renda
per capta ou familiar (portanto, uma visão harmoniosa e nos limites da ordem social
burguesa), desconsiderando a concepção de uma sociedade marcada pelo conflito social e pela
exploração do trabalho249.
Observa-se assim, o uso de pressupostos da economia clássica e da lógica liberal,
sobretudo, aqueles que transmitem a idéia de que os conflitos e problemas sociais estão
associados aos desequilíbrios, disfunções e mau funcionamento da ordem social burguesa, e
não de uma contradição estrutural da sociedade capitalista. Tal perspectiva coaduna-se com as
bases teórico-políticas, já anunciadas, por exemplo, por Adam Smith, em 1776, na obra A
Riqueza das Nações, onde defendia “o livre mercado” e que “a mão invisível do mercado”
harmonizaria os interesses individuais e promoveria o bem estar de toda a sociedade, sendo,
portanto, considerado que a disputa na economia de mercado é um estado natural de equilíbrio
249
A partir da formulação realizada por Marx e Engels (1988), o capital possui em si uma contradição: uma vez
que gera simultaneamente ampliação potencializada das forças produtivas (com criação de avanços tecnológicos
e riquezas), por outro lado e simultaneamente, a apropriação privada do resultado do trabalho humano, cria
relações sociais de extrema desigualdade. Tal contradição (tensão capital x trabalho) se expressa na luta de
classes como motor da história, ou seja, para esses autores, a história da humanidade é a história da luta de
classes.
237
CAPÍTULO V
que a perceba não de forma pontual e/ou escolarizante, mas em uma perspectiva de
continuidade, envolvendo a formação continuada/ampliação de conhecimentos etc.
Destacamos, por exemplo, os movimentos de educação e cultura popular do início dos anos
1960, interrompidos pelo regime civil-militar; bem como, aquelas ações empreendidas
posteriormente ao período de redemocratização, que buscaram superar a lógica de elevação da
escolaridade tardia (para compensar e repor), herdada dos longos anos do Mobral e do Ensino
Supletivo implementados no período da ditadura; bem como; aquelas experiências pioneiras
que resistiram às políticas de descaso do final dos anos 1980 e início dos anos 1990,
superando concepções e práticas uniformizadoras, centralizadoras e/ou calcadas na
perspectiva de formação instrumental de recursos humanos.
Todavia, a despeito do reconhecimento e do valor desse processo histórico,
chegamos ao final dos anos 1990 aderidos (de forma rápida e pouco crítica) à proposta
educacional formulada e disseminada pelas agências internacionais, que privilegia a
importância estratégica – para a competitividade do país – da educação ao longo da vida (e
seus corolários implicitamente associados: empregabilidade, competências, certificações etc.),
nos conformando ao consenso implementado globalmente de que esta seria a melhor (e única)
alternativa para as nações semiperiféricas e a mais emancipadora para o aluno da EJA.
A noção político-ideológica de educação ao longo de toda vida, norteadora da
educação para o século XXI (Relatório Delors e Declaração de Hamburgo, anteriormente
analisados), não é neutra, nem desprovida de intencionalidades. Pelo contrário, é uma
contribuição fundamental para tecer e manter a hegemonia250 através do controle ou
amenização das insatisfações, ao prometer e proclamar a educação como única via possível
para mudanças sociais, percebidas exclusivamente como ascensão individual nos limites do
sistema; e, ao mesmo tempo, ocultar e/ou negar as possibilidades de transformações
estruturais da sociedade capitalista, as contradições e os conflitos de classes e a exploração da
força de trabalho, ao adotar a renda e o consumo como os fundamentos da hierarquização
social. Conseqüentemente, a idéia de educação ao longo da vida coaduna-se ao “tom”
internacional de garantir a governabilidade, isto é, a coesão e controle social, e de aliviar a
pobreza no mundo ao ampliar a empregabilidade individual e estimular o empreendedorismo
250
Sobre a necessária construção do consenso para obtenção da hegemonia, é importante destacar que “O fato da
hegemonia pressupõe indubitavelmente que se leve em conta interesses e grupos sobre os quais a hegemonia se
exerce, que se forma certo equilíbrio de compromisso, isto é, que o grupo dirigente faça sacrifícios de ordem
econômica corporativista; mas é evidente que tais sacrifícios e tal compromisso não podem dizer respeito ao
essencial. Porque se a hegemonia é ético-política, ela não pode deixar de ser econômica, ela não pode deixar de
ter seu fundamento na função decisiva que o grupo dirigente exerce nos setores decisivos da produção”
(Gramsci apud Buci-Glucksmann, 1990: 100, grifo do autor).
243
251
Como assinala Chesnais (2001: 23-24), sobre a relação mundialização e acumulação com predomínio
financeiro, sob a dominância de um capitalismo regido por instituições que vivem de rendimentos, a sorte
reservada aos países em desenvolvimento tem sido: “Durante vinte anos, assistimos à reaparição, nos países
pobres, das piores calamidades de desnutrição, isto é fome, doenças e pandemias devastadoras. [...] Elas atingem
populações que são marginalizadas e excluídas do círculo da satisfação das necessidades básicas, portanto bases
da civilização, em razão da sua incapacidade de transformar essas necessidades imediatas em demanda solvente,
em demanda monetária. Logo, essa exclusão é de natureza econômica”.
244
pelo governo federal são balizadas por duas ordens de questões socioeconômicas
complementares:
[...] cria uma situação peculiar onde essas organizações são responsáveis perante as
agências internacionais que financiam e o Estado que as contrata como prestadoras
de serviço, mas não perante a sociedade civil, da qual se intitulam representantes,
nem tampouco perante os setores sociais de cujos interesses são portadoras, ou
perante qualquer outra instância de caráter propriamente público. (p. 101)
253
A expressão “Consenso de Washington” foi cunhada em 1990, referindo-se a um conjunto de
“condicionalidades” que os organismos internacionais impuseram à América Latina como condição para a
renegociação das dívidas externas e a readmissão desses países no sistema financeiro internacional. Esta nova
estratégia de desenvolvimento para a periferia do capital induzia a realização de um conjunto de reformas,
justificadas sob o argumento da sua necessidade para a retomada do crescimento econômico. Ao final da década,
em 1998, diante das evidências de um quadro de estagnação econômica e de ampliação das desigualdades sociais
após as reformas neoliberais realizadas, o Banco Mundial sugere um “pós-consenso de Washington”, chamando
a atenção para o potencial das instituições e propondo, para o desenvolvimento econômico, uma articulação entre
as políticas centradas no mercado e a participação ativa da população. Este “pós-consenso” faz críticas aos
“excessos” do neoliberalismo e, sem romper com os objetivos gerais do “Consenso”, apresenta um capitalismo
mais humanizado e uma harmonização social, estimulando a participação cívica e ativa da população.
246
Estão aí explícitas várias teses que orientaram as políticas de EJA implantadas desde
a segunda metade da década de 1990, bases da lógica de fetichização da sociedade civil.
Nessa linha, a “cidadania ativa” e o protagonismo social são categorias ideológicas que
articulam grupos e pessoas, por intermédio de “parcerias” com a aparelhagem estatal e/ou
outros organismos da sociedade civil, na busca de soluções para problemas imediatos que
afligem grupos específicos no interior da sociedade, estimulando-se, assim, um novo tipo de
associativismo que substitui a mobilização social por conciliação nacional.
O caráter associativo, voluntarista, harmônico e funcionalista do fetiche da sociedade
civil opõe-se à teorização de Gramsci sobre essa categoria, que a vincula ao Conceito de
Estado Ampliado254. Por esse viés analítico o Estado é composto tanto pelo aparelho
governamental quanto pelo aparelho privado de hegemonia ou sociedade civil. Segundo
254
Para uma análise pormenorizada, ver Buci-Glucksmann (1990).
247
Gramsci (2000: 244), “na noção geral de Estado entram elementos que devem ser remetidos à
noção de sociedade civil” e, enquanto relação social, ambos são atravessados por relações de
classe. Em outras palavras, “Não pode haver sociedade civil sem determinação daquilo que
constitui seu fundamento: as relações de produção” (Buci-Glucksmann, 1990: 100). Sendo a
sociedade civil entendida como parte integrante do Estado e espaço da luta entre e intra
classes, palco de contradições e de interesses divergentes e antagônicos, “Digamos que a
problemática da ampliação do Estado será envolvida na correlação de forças, e a sociedade
civil será atravessada, do econômico ao ideológico, pela luta de classes” (idem, 101); decorre
daí que a adesão dos aparelhos privados de hegemonia ao consenso sobre como deve ser
tratada a questão social supõe também, necessariamente, uma adesão, parcial ou completa, à
concepção de mundo que orienta tal consenso.
Especificamente nas duas últimas décadas, o processo de conformação dos
movimentos sociais contra-hegemônicos à lógica do mercado e à concepção da democracia
liberal, aceitando-os como os únicos mecanismos sociais de regulação – se não no discurso,
mas na prática, incorporando a tese de Fukuyama do “fim da história” –, significa a vitória, na
“batalha das idéias” (Konder, 1994), da concepção de mundo burguesa forjada em torno do
consenso neoliberal. Consenso que, conforme evidenciado por Montaño (2005), expressa uma
profunda transformação no padrão de intervenção social, apontando para a mercantilização da
questão social, encarada como mais um setor do campo econômico – o terceiro setor –,
construído, dentre outros processos, na transformação de movimentos sociais e políticos
contra o Estado liberal-burguês em instituições sociais “parceiras” do Estado. Oposta a
abordagem gramsciana, observa-se nos defensores da prática política do Terceiro Setor um
distanciamento do Estado e uma aproximação da concepção de sociedade civil na perspectiva
de comunicação ou interação social255. Assim, se estabelece o processo de articulação e/ou
cooptação, daqueles grupos, classes e frações de classes contra-hegemônicos. Exemplos desta
natureza não faltam no campo da educação, mas apresenta uma visibilidade ainda maior nas
ONGs que, em todo Brasil, desenvolvem ações voltadas para projetos de EJA.
Essa concepção de uma sociedade civil interessada no bem comum, sem
contradições de classe, onde todos são chamados a exercer sua responsabilidade social, vai ao
255
É importante assinalar que os fundamentos teóricos dessa concepção de sociedade civil encontram-se
principalmente na obra Teoria da ação comunicativa (Habermas, 1987). Fugiria aos objetivos deste trabalho
reconstituir a concepção habermasiana segundo a qual a centralidade tansferiu-se da esfera do trabalho para a
esfera da ação comunicativa, esfera na qual se realiza a pacificação dos conflitos sociais. Conforme analisado
por Frigotto (1998) “tanto na avaliação de Anderson [1985] como na de Francisco de Oliveira (1993), Habermas
abre mão da questão da centralidade do trabalho, porque, em sua perspectiva, necessita ‘abrir mão’ da categoria
de classe social e da categoria conflito social” (p. 31).
248
encontro da hegemonia do capital, visto que consegue direcionar grande parte das
insatisfações da classe trabalhadora para o trabalho voluntário e paliativo. Como
demonstramos na análise do conjunto das fontes consultadas – tanto nos programas federais
voltados para o público da EJA, quanto nos ENEJAs, e em variadas pesquisas apresentadas na
Anped (principalmente nos GTs 6 e 18), – que conceitos como cidadania, participação,
direito, representação, entre outros, foram ressignificados de forma a distanciá-los de uma
interpretação conflituosa das relações sociais.
Assim sendo, a noção de cidadania associa-se à nova forma de gestão da questão
social, que apela para a solidariedade aos pobres, a participação em trabalhos voluntários,
filantrópicos ou comunitários, estimulando o exercício do “protagonismo” denominado social
ou juvenil (quando direcionado especificamente a esse segmento da classe trabalhadora).
Desse modo, seja aproximando-a de caridade e filantropia, seja tratando-a sob o prisma da
gestão técnica, a cidadania é retirada do campo da política – portanto, do campo do público
(do debate sobre igualdade e direitos universais) – e reposta na arena dos “em situação de
risco social”, dos “carentes”, daqueles a quem devem ser direcionadas, emergencialmente,
políticas formuladas e executadas pela solidariedade/caridade pública ou privada, e para as
quais a sociedade civil é convocada a participar de forma ativa e propositiva, em nome da
cidadania, distribuindo serviços e benefícios, ao invés de direitos.
Tal ressignificação encontra-se em sintonia com a concepção de sociedade civil
apresentada pelo projeto político da terceira via256 (Giddens, 1996; 2001), concebida como o
locus privilegiado para corrigir tanto o suposto gigantismo e a ineficiência do Estado, quanto
capaz de exercer a função de controle da avidez do mercado. Ou seja, a sociedade civil como
um espaço asséptico, fora da sujeição do Estado e do mercado, identificada como terceiro
setor, passando a ser a esfera responsável pelas ações que não pertencem ao núcleo estratégico
do Estado, torna-se uma esfera privada dedicada ao interesse público, que constitui o universo
denominado de público não-estatal. As organizações pertencentes a este universo são
acompanhadas pelo discurso de que, ao contrário do Estado, elas seriam rápidas, flexíveis e
inovadoras; além de, supostamente estarem mais próximas e sensíveis à realidade das
comunidades, atendendo-as com mais economia e eficiência. Portanto, forja-se uma “nova
hegemonia”, que não altera as relações de produção capitalistas (Neves, 2005), retrai os
256
O mercado é tido como o espaço da livre concorrência e da livre iniciativa, o Estado é o responsável pelo
contrato social, e a sociedade civil é tida como espaço de ajuda mútua e da responsabilidade social, composto
por um somatório de indivíduos e grupos diversos. Ou seja, a sociedade civil apresentada pela “Terceira Via” é
tida como esfera não estatal, situada entre o Estado e o mercado, com ações direcionadas para o “interesse
público”.
249
direitos sociais e estimula que as questões sociais, antes a cargo do Estado, passem a ficar sob
a égide das associações localizadas na sociedade civil.
Outra ressignificação importante é quanto ao conceito de participação. A ênfase
posta na questão da participação limita-se à perspectiva individual. Assim, no quadro de
retração dos direitos dos anos 1990, o Governo Federal conclamou a participação da
sociedade civil – a soma de indivíduos protagonistas –, mas não dos movimentos sociais, para
a ordenação de políticas sociais. No campo da EJA este processo se materializou nos
Programas Comunidade Solidária e Alfabetização Solidária, que seguiram uma linha de ação
de caráter pontual e caritativo no combate à pobreza, cujo sentido mobilizador envolvia a
participação em parcerias com empresas e trabalho voluntário. Uma participação calcada em
uma “solidariedade” de perspectiva privatista e assistencialista, que enfatiza formas
particularistas e individualizadas de tratamento da desigualdade social, incapaz de questionar
a realidade que a produz.
Outro aspecto profundamente ressignificado foi o conceito de direito social, que rege
a prestação universalizada de um serviço. A política social é reformada no sentido de
substituir os direitos universais por uma focalização das ações no campo social, afiançados
nos critérios de “elegibilidade” do público que será atendido e no tipo e no conteúdo do
serviço. Entre as iniciativas que exemplificam a substituição do direito pela focalização, o
ProJovem é, ultimamente, um dos melhores exemplos, vejamos:
257
Resolução CNE/CEB nº 3/2006. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rceb03_06.pdf>
Acesso em: 10 jan. 2008.
250
a ser vista como um conjunto de interlocutores representativos tão somente na medida em que
detenham um conhecimento específico que provém da experiência ou do vínculo com
determinados segmentos sociais – negros, indígenas, jovens infratores, mães adolescentes etc.
Portadoras de um know how específico, ONGs, empresas e outras organizações sociais
passam a se ver como “representantes” da sociedade civil, num entendimento que despolitiza
a representatividade e coloca no seu lugar referenciais como eficácia e eficiência junto ao
“seu” público-alvo. Um exemplo recente foi o critério estabelecido para ser uma Unidade
Gestora do Projeto Escola de Fábrica e receber recursos financeiros, segundo o Art. 6º da Lei
n. 11.180/2005:
258
Sobre esta questão ver as análises empreendidas por Rummert (2005, 2007a e 2007b).
251
[...] a indiferença estrutural do capitalismo pelas identidades sociais das pessoas que
explora torna-o capaz de prescindir das desigualdades e opressões extra-econômicas.
Isso quer dizer que, embora o capitalismo não seja capaz de garantir a emancipação
da opressão de gênero ou raça, a conquista dessa emancipação também não garante a
erradicação do capitalismo. Ao mesmo tempo, essa mesma indiferença pelas
identidades extra-econômicas torna particularmente eficaz e flexível o seu uso como
cobertura ideológica pelo capitalismo. Enquanto nas sociedades pré-capitalistas as
identidades extra-econômicas acentuavam as relações de exploração, no capitalismo
elas geralmente servem para obscurecer o principal modo de opressão que lhe é
específico. (p. 241)
259
Ver Forrester (1997).
253
EJA. Desse modo, apesar do corte geracional, a EJA nesses países refere-se, mais do que à
faixa etária (jovens e adultos, ou seja, "não-crianças"), a uma luta, daqueles que vivem do
trabalho, pelo direito à educação. Nesse sentido, não se refere a qualquer jovem ou adulto,
mas delimita um determinado grupo de pessoas, relativamente homogêneo, que vivenciam
variadas situações de produção da existência na sociedade contemporânea, mas todas elas
ligadas, no mundo do trabalho, à execução de trabalho simples.
À luz da materialidade histórica do capitalismo atual, retomaremos a análise de
questões específicas sobre as concepções de EJA na contemporaneidade, envolvendo os
elementos ideológicos e os referenciais teóricos que sustentam as reivindicações sociais e
políticas dos encontros nacionais dos Fóruns de EJA, os ENEJAs; alguns aspectos das
concepções de mundo, revelados nos objetos de estudo e nas matrizes teórico-metodológicas
que perpassam os trabalhos científicos sobre EJA apresentados na ANPEd; algumas
influências dos organismos internacionais, dos movimentos sociais e das diretrizes teórico-
práticas nas políticas de educação básica e profissional dos trabalhadores implantadas pelo
governo federal.
Aqui o método de exposição segue a ordem de apresentação das questões no
parágrafo anterior, invertendo o caminho expositivo até então norteador da tese. O objetivo
perseguido é explicitar que as ações governamentais fazem eco às alternativas forjadas no
embate teórico-ideológico desenrolado no interior da sociedade civil entre os intelectuais
orgânicos do capital e do trabalho, mantendo as bases do modelo socioeconômico, tal como se
materializam, atualmente, na relação entre a crise da educação e as profundas transformações
do capitalismo no final do século XX. As reformas educacionais consolidaram a fórmula
elaborada pelo capital, que estabeleceu e tornou legítimo o conteúdo dos problemas
educacionais e a forma que as respostas a tais problemas deveriam ter. Nosso método de
exposição respeita a história desse processo, ao demonstrar que o conteúdo e a forma eram,
antes de se tornar lei, consenso em diversas instâncias da sociedade civil: a hegemonia nada
mais é do que legitimar socialmente soluções com pressupostos semelhantes para problemas
diversos, buscando universalizar a concepção dominante como expressão universal das
aspirações da totalidade social.
A formação, a organização interna e a atuação política do ENEJA são crivadas de
contradições. Formado pelas mais diversas instituições, que envolvem desde representações
empresariais a entidades governamentais das mais diferentes esferas, construiu uma
identidade própria muito particular, situada entre o público e o privado, entre o Estado e a
sociedade, entre a crítica e a colaboração, entre a conciliação e o enfrentamento etc., o que
254
limita a sua unidade de ação; por exemplo, ao mesmo tempo que é espaço de reflexão e de
crítica às ações governamentais, exerce um papel que funde o diálogo às funções de
conselheiro e assessor do governo federal.
Mas sua natureza nebulosa não nos impede de reconhecer os avanços. Por exemplo,
ao assumir o papel de resistência, desempenhado fundamentalmente pelos Fóruns estaduais,
diante do esvaziamento e do refluxo da EJA no final da década de 1990 – particularmente
pela ausência do MEC na condução de uma política de âmbito nacional. E, conseqüência
disso, tornando-se na atualidade um locus permanente e importante de reflexão, de articulação
e de defesa da EJA no Brasil.
A particular identidade forjada pelos ENEJAs e a ambigüidade da sua atuação
política estão intimamente associadas aos seus referenciais teórico, ideológico, social e
político. A adoção do referencial do terceiro setor, da identificação político-ideológico com os
novos movimentos sociais e, conseqüentemente, da priorização do respeito à
diversidade/pluralidade em detrimento da universalidade/unidade nas propostas políticas e nas
ações práticas, expressam os limites da atuação política dos ENEJAs. Isso se evidencia, por
exemplo, pelo fato de que ao abandonarem ou desconsiderarem o referencial teórico-prático
de luta de classes, pouco avançam na defesa da possibilidade de que sejam abolidas (apesar de
as reconhecerem) as desigualdades sociais. Grosso modo, confundem classe social com
camada social ao justaporem, sem críticas, as questões ligadas ao respeito à diversidade e à
defesa dos direitos das minorias e a teorização da hierarquia social elaborada pelo pensamento
liberal-burguês, que enquadra o indivíduo em uma determinada posição na pirâmide social
com base nos critérios de renda e consumo. Sendo assim, ao se voltarem sobretudo para a
aceitação, em nível individual (sujeitos) ou grupal (minorias), da pluralidade e da diversidade
(gêneros, culturas etc.), estão, se não colaborando, pelo menos não questionando, em última
instância, a hegemonia capitalista.
A partir do estudo das fontes relativas aos ENEJAs (os relatórios) bem como do
acompanhamento dos Encontros, constatamos que a ação política de viés participativo do
ENEJA, característico dos novos movimentos sociais, busca soluções para os problemas
estruturais da EJA por meio de uma atuação conjunta dos diversos setores e segmentos da
sociedade brasileira. Estratégia que, ao negar o caráter estruturante da luta de classes nas
sociedades capitalistas contemporâneas, contribui, no mínimo pela omissão, para a hegemonia
do capital no quadro específico da EJA e no quadro geral da educação brasileira.
No caso da EJA, a ação política de viés participativo, típica dos novos movimentos
sociais, permite a utilização do espaço dos Fóruns e dos ENEJAs para a divulgação e a
255
O documento do VII ENEJA, ao pautar o sentido dos fóruns retoma a idéia de que
‘os fóruns de EJA, como movimento social, caracterizam-se pela diversidade na
forma como vêm se constituindo e pela capacidade de mobilização com que se têm
instalado, alcançando, atualmente, todo o território nacional’. No entanto, as
diferentes leituras sobre a questão apontam para o reconhecimento de que se está em
movimento, participa-se do movimento em defesa da escola pública, mas é preciso
aprofundar a questão: somos ou queremos ser um movimento social? Para alguns
fóruns locais não constituímos movimento social, necessitando aprofundar a
discussão em nível local. (ENEJA, 2006: 3, grifo do autor)
Em outras palavras, o próprio ENEJA não tem clareza sobre o que ele é enquanto
instituição social, inclusive porque definir-se enquanto movimento social impõe riscos, como
o de ter que delimitar os objetivos do movimento. Por exemplo, em um “movimento de defesa
da escola pública” como se colocam as ONGs, as instituições privadas, as empresas e os
representantes do interesses do capital? Como se posicionam os representantes dos setores
públicos, já que são eles, teoricamente, os responsáveis diretos pela garantia da educação
pública de qualidade?
Em síntese, ao acreditar na boa vontade e no diálogo com todos e qualquer um,
independente da filiação e dos interesses de classes, a estratégia de ação participativa dos
ENEJAs (marca fundamental da sua identidade) aceita, sem ressalvas, as parcerias com
256
patrimonialismo260, bem como a tutela exercida por alguns segmentos. Tais aspectos
constituem problemas reais que exigem um aprofundamento maior visando a introduzir um
necessário tensionamento nas discussões acerca da identidade dos Fóruns e do próprio
ENEJA.
De forma correlata, a temática da diversidade na EJA ocupa um espaço dominante
nos ENEJAs, indicando que esta é uma das temáticas principais para a maioria dos Fóruns. A
perspectiva que norteia a visão dos ENEJAs sobre a questão é a de que se deve considerar, de
forma prioritária, a diversidade étnico-racial, regional, de gênero, geracional etc. Essa
perspectiva quanto à identidade dos alunos da EJA se expressa em afirmações como:
260
O termo patrimonialismo tem sua matriz teórica nos trabalhos de Max Weber e foi utilizado para caracterizar
uma forma específica de política em que a administração pública é exercida como patrimônio privado. A idéia
principal é a utilização de espaços coletivos para interesses particulares. Sobre o patrimonialismo “brasileiro”
destacam-se as análises de Raymundo Faoro (1987) e Sérgio Buarque de Holanda (2002).
258
[...] o de pretender dar garantias de um direito que foi negado a estes alunos, que é a
escolarização básica, mas, ao mesmo tempo, levantar uma grande expectativa nos
alunos que freqüentam os cursos quanto às mudanças que eles esperam no seu
cotidiano, principalmente na sua realidade profissional, quando isto não depende
apenas da escola. Há ganhos para quem está vivenciando a experiência de voltar
para a escola depois de adulto, mas há também decepções, por esta escola não
corresponder a tudo o que se espera dela. Por outro lado, há na trajetória histórica da
EJA um desvio nos seus objetivos maiores, quando esta passa a ser uma simples
repassadora de certificados de conclusão de níveis de ensino. (Machado, 2002: 51)
261
A EJA foi objeto de dois estudos do tipo estado da arte: O Ensino supletivo no Brasil: o estado da arte (1971-
1985). Brasília: INEP/REDUC, 1987 e Educação de Jovens e Adultos no Brasil (1986-1998). Brasília:
MEC/INEP/Comped, 2002, ambos organizados por Sérgio Haddad. Estas publicações apresentam o resultado do
levantamento das pesquisas sobre a EJA na “produção acadêmica discente dos programas nacionais de pós-
graduação stricto sensu em educação, expressa em teses de doutoramento e dissertações de mestrado” (Haddad,
2002: 9). Verifica-se que algumas das conclusões levantadas nesses estudos, particularmente no último,
permanecem atuais.
259
A atuação dos três GTs apresenta, ao mesmo tempo, pontos fortes e pontos fracos ao
estudarem a EJA. De uma forma geral, no que tange a lacunas, observamos a ausência: 1) de
análises críticas sobre a atuação das ONGs na EJA pós-regime autoritário civil-militar; 2) de
estudos relativos às influências dos organismos internacionais e à repercussão desta influência
nas estratégias do MEC para o atendimento da demanda por EJA; e 3) de trabalhos históricos
que sistematizem modelos ou tipologias da educação de adultos no Brasil e seus pressupostos
teórico-filosóficos.
No GT 9, os trabalhadores pouco escolarizados – a ampla maioria dos trabalhadores
brasileiros –, enquanto público potencial e/ou real da EJA e portador do direito à educação,
raramente são temas de estudo. Mas, ao se metamorfosearem em clientela das ações do
governo (principalmente do Planfor) voltadas para a educação profissional de nível básico,
formação inicial e continuada de trabalhadores destinada àqueles sem escolaridade prévia,
esta fração da classe trabalhadora brasileira, sob outro viés – crítica às políticas do Estado –,
toma visibilidade, aparecendo em diversos trabalhos de pesquisa apresentados no GT.
Conforme demonstramos no quarto capítulo, o GT 9 dialoga pouco com a educação
básica262, exclui as pesquisas sobre o Ensino Fundamental e, de um modo geral, discute o
Ensino Médio predominantemente associado à educação de nível técnico e/ou às escolas
técnicas – os dois temas privilegiados quando é focalizada a escolarização.
Como corolário desta afirmação, esta tendência se mantém na EJA enquanto
modalidade de ensino dos níveis fundamental e médio, mas não enquanto ação e processo
educativo direcionado aos jovens e adultos trabalhadores. Pois a maioria dos trabalhos
pertencentes ao GT 9 estuda a educação profissional de nível básico, mas sem caracterizá-la
como um mecanismo de substituição do direito à escolarização formal, ao instrumentalizar os
262
É preciso considerar o que assinala Maia (2006): “[...] para os ‘educadores críticos’ tratar das Escolas
Técnicas não significa distanciamento da Educação Básica, do Ensino Médio, por exemplo, mesmo porque um
princípio teórico-político muito presente é a luta pela Escola Integral, pelo Ensino Médio Integrado (cf. Frigotto;
Ciavatta; Ramos, 2005). Não obstante, chama a atenção na leitura do texto do GTTE que haja tão poucos
trabalhos que tratem das demandas, especificidades da Educação Básica, ou das influências do mundo do
trabalho sobre ela” (p.123).
260
saberes da escola para atender aos pré-requisitos do adestramento do trabalhador e/ou por se
reduzir a um precário sistema de certificação para funções de baixíssima complexidade; de
qualquer forma, sem respeitar as especificidades dessa modalidade de ensino.
O GT 9 entende a EJA como modalidade de ensino, mas não identifica a educação
profissional de nível básico como um processo educacional também relacionado à EJA e,
como decorrência desta apreensão, possivelmente acaba submetido ao senso comum do
governo, que em 1996 com a promulgação da atual LDBEN, estabeleceu duas modalidades
distintas: a Educação Profissional e a EJA. Todavia, caberia questionar: por que o GT 9, ao
longo de sua história, preteriu/secundarizou a EJA?
Esta não é uma resposta de fácil apreensão, e tentaremos nos aproximar de uma
possível resposta apontando duas reflexões. A nosso ver, primeiramente é importante salientar
que determinadas temáticas estão tradicionalmente associadas a determinados referenciais
teóricos; por isso, muitos dos pesquisadores que não comungam dos mesmos referenciais
acabam também relegando o tema a segundo plano. Neste sentido, pode-se considerar o fato
de que o GT 9 preteriu a EJA por associar o tema a outros referenciais teóricos que não o
marxista. Outro aspecto a destacar, complementar ao anterior, refere-se à concepção de EJA
que este GT naturalizou, muito próxima da noção de suplência. Ao negar esta concepção de
educação (suplência/reposição), afasta-se da EJA. Talvez este seja um dos motivos que levam
o GT Trabalho e Educação, conforme demonstramos no capítulo anterior, a não discutir a
especificidade da EJA, nem enquanto educação básica, nem enquanto modalidade de ensino
específico. Por fim, convém relembrar e ressaltar a crítica de Kuenzer (1998): “Até que ponto
a produção do GT tem, de fato, contribuído para o enfrentamento das questões concretas
relativas à educação dos trabalhadores, ultrapassando o discurso generalizante, que termina
por constituir-se contemplativo?” (p.71).
Em relação ao Grupo de Trabalho Educação Popular, o GT 6, conforme
demonstramos anteriormente, a escolarização não é um tema sobre o qual se debruça.
Conseqüentemente, o acesso de todos à escola pública como a materialização do direito à
educação não parece ser considerado uma questão à qual o GT se dedica; os trabalhos que têm
a EJA como tema, abordam majoritariamente espaços não-escolares como objeto de análise.
Devido ao caráter originalmente militante e engajado sob forte influência da obra de Paulo
Freire (que não assumiu como prioritária a defesa da escola pública), a EJA que interessa ao
GT Educação Popular é aquela realizada fora da escola, pois há o entendimento de que esta é
uma instituição que regula e limita a ação de professores e alunos. Nesse sentido, a educação
popular não vê problemas, ou, pelo menos, não denuncia nem formula críticas à
261
263
Conforme assinala Fleuri (1999: 2), citado no capítulo IV deste trabalho.
262
264
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/publi_04/colecao/comuni.htm> Acesso em: 4 fev. 2008.
264
parceria com a sociedade civil”265. Não por acaso, o Programa Comunidade Solidária foi
fortalecido com muitos recursos nacionais e internacionais:
265
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/publi_04/COLECAO/JUSTO.HTM>
266
Ibidem.
265
267
Conforme vimos anteriormente, autores como Frigotto (1996) e Gentili (1998), esclarecem que se trata de
uma atualização da teoria do capital humano. A idéia de inclusão ou integração social toma a educação do
indivíduo como fator econômico, ou seja, como fator de integração ao mercado de trabalho e, como
conseqüência, a uma mobilidade social. Todavia atualmente, dada a diminuição dos postos de trabalho formais, o
capital passa a buscar a integração para além do mercado de trabalho através das teses do empreendedorismo.
Neste novo quadro, estimula-se o trabalho por conta própria, o trabalho voluntário, terceirizado, subsumido etc;
no entanto, conforme alerta Fontes (2005), o capitalismo não comporta exterioridade, pois, as diferentes formas
de mercantilização das relações sociais levam a uma inclusão forçada.
268
Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/principais_programas/modelo_desenvolvimento/> Acesso
em: 10 mar 2008.
266
A análise sobre as diretrizes do governo Luiz Inácio Lula da Silva demonstra que o
sentido e a direção política da noção de “inclusão social”, presente em seus projetos e
programas, se alimenta da perspectiva de amenização, aparecendo “ora como resultado da
completa inadaptação de indivíduos e grupos sociais, ora como ausência de capacidades e
habilidades para estar inserido no conjunto das relações de produção e reprodução social.”
(Lima, 2005: 284). Assim, neste contexto, a educação é defendida como estratégia de
“coesão” e “inclusão social” dos mais pobres. A noção de inclusão aparece, por um lado,
através da ampliação do acesso à educação, e, por outro, via ampliação da participação
política alicerçada no trabalho em espaços/associações aparentemente afastados da esfera da
produção.
269
Além do Brasil Alfabetizado, estão entre os principais programas: o Bolsa Família, o Fome Zero, o Programa
de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), o Programa Universidade para Todos (ProUni), o Brasil Sorridente,
o Farmácia Popular e o Qualisus. Disponível em:
http://www.presidencia.gov.br/principais_programas/cidadania/ Acesso em: 10 mar 2008.
267
270
Segundo o sitio do MEC “A criação da SECAD marca uma nova fase no enfrentamento das injustiças
existentes nos sistemas de educação do País, valorizando a diversidade da população brasileira, trabalhando para
garantir a formulação de políticas públicas e sociais como instrumento de cidadania”. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/secad/>
269
última década. Esta tese analisou as concepções de EJA em disputa no Brasil no período
compreendido entre 1995 e 2006, buscando explicitar as múltiplas relações que compõem e
determinam a forma histórica da EJA na especificidade da sociedade brasileira e identificando
alguns dos principais agentes hegemônicos envolvidos nessa construção.
O estudo evidenciou, ainda, o imperativo de superar concepções e práticas
conformadoras à ordem observadas nas ações derivadas de perspectivas pautadas pela
minimização das conseqüências das desigualdades sociais e, sinalizo para a necessidade e
atualidade de articular a EJA à luta por transformações estruturais na sociedade brasileira.
Enfim, neste trabalho produzimos algumas respostas e outras muitas perguntas que
ficaram para pesquisas futuras. Afinal, mais do que eleger entre “Educação de Jovens e
Adultos ou Educação da Classe Trabalhadora”, elaboramos um conjunto de reflexões que se
debruçou sobre as principais “Concepções [de EJA] em Disputa na contemporaneidade
brasileira”, apoiando-se na compreensão da classe trabalhadora como processo e não como
uma coisa. Nas palavras de Thompson (2004) “a classe é uma formação tanto cultural como
econômica” (p. 13), nesse horizonte, é dinâmica e está em permanente “autofazer-se” (p. 9).
270
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