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SOBRE
A VAIDADE
DOS HOMENS,
o u
DISCURSOS MORAES
Sobre os efeitos daVaidade%
OFFE REGIDOS
A ELREY NOSSO SENHOR
D. JOSEPH O I.
POR
MATHIAS AIRES RAMOS
DA SÍLVA DE EÇA
LISBOA,
(7y) N, Officina de FRANCISCO LUIZ AMENO
impielTor da Rev. Fabrica da S. Igreja de Lisboa.
M DCC. L1L -
Com as licenças nsec/ariat.
REFLEXÕES SÔBRE A VAIDADE
DOS HOMENS
MATIAS AIRES
..
REFLEXÕES SÔBRE A
m 024
E3
ESBÚÇO BIOGRÁFICO
811
Mandado, obedeci e aqui tem o leitor êste despretensiosa
esboço biobibliográfico, feito tão somente "in meritum sanctoe
obedientice" . . .
Nasceu oVDr. Matias Aires Ramos da Silva de Eça na vila de
São Paulo, capitania do mesmo nome, aos 27 de março de 1705.
sendo filho de José Ramos da Silva, opulento negociante pon-
tugiœs enriquecido no Brasil e que mais tarde seria cavaleiro
da Ordem de Cristo e provedor da Casa da Moeda de Lisboa,
e de D. Catarina de Horta, descendente de família nobre c
cujos antepassados ajudaram a fundar e ampliar a grandeza
de São Paulo.
Família privilegiada esta que, além do maior moralista e
escritor do seu século na literatura de lingua portuguesa, havia
de nos dar a primeira escritora paulista e primeira romancis
ta brasileira, Teresa Margarida da Silva e Horta, que nas suas
"Aventuras de tiiOfanes, imitando o sapientissimo Fénelon.. ."
dá testemunho da sublimidade de sua fantasia poética, da
multiplicidade de seus cabedais de literatura, e da força de
sua razoo.
O amável menino, pois desde então se distinguiam já suas
qualidades futuras, recebeu sua primeira instrução na mesma
vila do seu nascimento, sob as vistas agudas e penetrantes do
reverendo reitor do colégio da Companhia de Jesus em São
Paulo, o padre Vito Antônio, confessor de José Ramos da Silva,
o mesmo que assina o parecer extra-judicial nas provas pedi
das pela Inquisição a fim de que aquele rico negociante pudes
se, ser admitido como familiar do Santo Ofício.
Esta e as demais notas de carater histórico aqui citadas
são todas elas extraídas da excelente obra do erudito portu
guês Ernesto Ennes, em cujas veias corre o sangue de Matias
Aires, e que com o máximo carinho e erudição lhe estudou a
vida e lhe levantem verdadeiro monumento "aere perennius"
que è o seu livro "Dois paulistas insignes" que mais de espaço
citamos na resenha bibliográfica a êste apensa.
Por ocasião do descobrimento das Minas, era o centro das
luzes da civilização, o Colégio, em que se educavam os moços,
VI
vinho das idéias liberais a favor dos índios, que os potentados
queriam escravizar.
As demais vilas, sujettas visivelmente ao poder moral de
São Paulo, não a estimavam. O esplendor do culto feito pelos
padres da Companhia, as famílias nobres e principais que ali
mofavam, as artes que floresciam, o luxo dos potentados, as
alegrias da liberaade ,tudo isto inspirava ciúmes e inveja; mas
também os seus naturais abusavam pela acintosa ostentação
de tanta superioridade.
Já de algum tempo lavrava um ódio surdo entre paulistas
e reinoís, ódio êsse que atingiria o seu clímax na guerra dos
Bmboabas. Talvez por isso, ou desejoso de ir gozar na Metró
pole os frutos de sua boa fortuna e indústria, passou José Ra
mos da Silva para Lisboa em 1716, com tôda sua família. Lá
chegando, desejoso que estava de abrasonar o nome, curou, en
tre outras coisas próprias ao intento, de proporcionar aos fi
lhos uma educação afiãalgada. Para tanto as filhas matri-
cvlou-as no convento das Trinas, espécie de Sion do tempo, e
o filho no famigerado colégio de Santo Antão; dos PP. da Com
panhia, que desde o reinado de D . João ,111, eram praticamente
'ot detentores do ensino no Reino e Conquistas.
Recebeu aí, nesse colégio, a cultura humanística, que é
olhada, ainda hoje, por todos os homens de pensamento, como
a melhor, para base de uma cultura geral bem orientada. Cons
titui eia a ginástica do espírito, por excelência, a guia maia
**gura para quem penetra em "Questa selva selvaggia eã as-
Pra e forte!" que é a vastíssima enciclopédia dos conhecimen
tos humanos.
Foi em Santo Antão que êle começou, a amontoar o cabe
dal da literatura em que tanto se avantajou depois; a literatu
ra propriamente dita, a filosofia e a históHa cativaram seus
momentos, como da sua obra-capital podemos inferir. Na
versão e na tradução do Latim, que para portuguêses e brasi
leiros não é apenas uma base de cultura, mas a língua intérpre
te, da nossa própria língua, da nossa própria alma, adquiriu
*• aquele tesouro linguistico e o estilo portuguesíssimo de suas
*ro«.
VII
O estudo das humanidades abrangia outrora a gramática,
a estilística e a retórica: es'a o curso de letras em oposição a<J
de ciências, que abrangia, antigamente, a filosofia e a mate
mática.
A Ratio Studiorum, dos jesuítas, o melhor programa' -tie
ensino humanístico, e então vigorante em tôda plenitude, acLo-
ta como centro da prosa latina, exclusivamente Cicero; tomo
auxiliares dessa formação, admite César, Tito Lívio e Salistio.
No verso, é a Vergilio que de direito cabe o primeiro lugar, se-
gutnão-se-lne, depois, Horácio e Ovídio, e alguns dos poetas
menores, como Tibulo, Propércio, Marcial. Quanto aos outros,
alguns trechos apenas, à maneira de estudo diferencial e his
tórico .
Um bom livro e um grande mestre valem séculos de aper
feiçoamento; em sabê-los escolher está o inicio da sabedoria
tôda. E foi esta ideia que presidiu ao programa de humanida
des, onde o estudo dos clássicos absorvia a 'atenção dos jovens.
Lendo-os, interpretando^os, recitando-os, e, sobretudo, imitan.
do-os, entregavam-se à ginástica do espírito, em que se baseia
a educação, conforme o conceito grego.
Os grandes clássicos portuguêses, como Vieira, Bernardes,
Camões, Frei Luis de Sousa, e tantos outros formaram o seu
espirito na lição assídua dos autores latinos e foi nela que Ma
tias AU es adquiriu a riqueza verbal que o tornou um estilista
para quem todos os arcanõs da língua eram conhecidos e fa
miliares.
Passou depois o jovem Matias Aires a Coimbra, em 1722,
a ultimar sua educação literária na Unipersidade; e ali no ano
seguinte recebeu o grau de "Magister artium". Tenão-se ma
triculado na Faculdade de Direito não a frequentou, desiludi
do talvez com o estado de decadência a que atingira este ou
trora célébre centro de estudos.
Do que era então o descalabro do ensino em Portugal dá-
-mos um pano de amostra o Padre Luis Antônio Verney na sua
magnífica obra intitulada: "Verdadeiro Método de estudai
para ser util á Republica, e á Igreja: Proporcionado ao estilo,
e necessidade de Portugal exposto em várias Cartas, escritas
mu
ptlo R. P. xxx Barbadinho da Congregação de ILalia ao R.
». xxx Doutor na Universidade de Coimbra. Valensa. Na ofi-
Hnade Antonio Balle. Ano MDCCXLVII. Com todas as licensas
necessarias, <fc", veidadeiro libelo contra a pedagogia do tem~
po e cu as ideias refo.místas iriam ser ao depois aproveitadas
na grande obra da reforma do ensino empreendida e levada a
termo por Sebastião José de Carvalho, o futuro Marquês de
Pombal.
Desta curiosa obra extraímos a'gumas citas para documen
tai' o que acima dissemos e justificar o por quê Matias Aires,
aesgostoso, ~não quis perder o seu precioso tempo nos bancos
da Faculdade. Conservamos a grafia do autor, verdadeira
tentativa de ortografia simplificada que a mêdo procurava tn-
smuar-se.
Tratando do ensino da Filosofia, diz Verney. "E aqui, cor-
re-me advertir outra coisa a V, P. que o omem, que em Portu
gal quer saber Filosofia bem, estava para dizer, que o nam pode
fazer, sem intender Francez, ou Italiano: porque nestas duas
línguas ou se compoz, o que á melhor, ou nelas se acha tradu
zido, o que outras Nasoens compuzeram. Poucos omens escre
vem oje em Latim: porque os Modernos, persuadiram ao mundo
uma coiza, que os Pei ipateticos nunca intenderam; vem aser,
out, para ser bom Filosofo, nam é necessario saber Latim.
CVdo, que já em outra carta adverti a V.P. ser este o defeito
comum deste Reino. Todos afetam explicar-se em Latim: e
com tanto fala.., Latim, é coiza digna de admrasam, que tam
poucos saitam Latim. Eu sou um dos mais apaixonados, por
esta lingua: e intendo, que um omem verdadeiramente douto,
deve sacela oom perfeisam, para ler os belos modelos da An-
tiguiaade, na língua original . . . Mas na mesmo tempo co-
nheso, que para ser douto, nam é p-ecizamente necessaria.
Tudo o melhor da antiguidade, se acha oje traduzido em
Francez, Italiano, e alguma outra lingua . . . Desorteque, poso
ser bom Poeta, Istorico, Retórico, Orador, sem ser Latino.
iVerd. met, estudar, t. II; págs. 40 in fine e 41 in initio, ed.
«tn .
A certa altura dando regras para bem estudar diz: "Por-
IX
que já dise a V.P. e nunca me cansarei de o repet'r, que I
sem a pena na mam, e sem fazer resumos, do que se le; è
mesmo que nam querer, saber coiza alguma... A experienc
tem mostrado, que só quem escreve o que lê, é que o intend
e se lembra. Parece-nos muitas vezes, lendo um autor, que
intendemos: mas quando queiemos reduzir a duas -palavra
o que diz, entam é que conhecemos, o noso ingano: e recantu
cemos, que nam intendemos, o que quiz dizer ... O estilo c<
mum é este, ler e ler muito: e poriso se sabe mui pouco, e cm
muito trabalho. Onde digo a V. P. que devemos cuidar cm
empenho, em persuadir isto, aos rapazes. (Verd. met. de es
tudar, t. II, pág. 140, in médio, ed. 1747) .
E finalmente êsse trecho em que revela a mentalidad
dos docentes da época: "Toda a galantaria de um profeso
consiste, em que, quando cita um autor, diga o capitulo, para
grafò, regra, pagina; e se é necessario, a'ga também, qual fc
o impresor do livro, por que estudou. A isto chama-se osten
tar erudisam, e ser grande letrado: e eu chamo-lhe perde
tempo, e amofinar a paciência, sem utilidade alguma." (Verd
met. est. t. II, pág. 189, 1747) .
Em meio, pois, a este ambiente rancião e atrasado qti,
tanto concorria para o abastardamento da ténue cultura por
tuguêsa herdada de melhoras eras, o espírito altaneiro e se
quioso de Matias Aires sufocava. E foi essa sêde imensa dt
conhecimentos, essa philomátela que mais tarde ele havia dt
reprovar nas suas "Reflexões", depois de saturado de saber Ui
como Salomão saciado de prazeres de tôda a espécie, havia de
exclamar a célebre frase do Eclesiastes, foi, dizíamos, sequioso
de instrução e conhecimentos que resolveu partir para Bayonne
(cidade que se imortalizou pelas suas baionetas), onde havia
uma pequena côrte portuguesa em torno ao príncipe D. Ma
nuel, irmão mais moço do monarca lusitano.
Reinava então em Portugal ID. João V, a quem a História
cognominou de "O magnifico" . Êste rei, salvo melhor juteo
que o venha redimir, era o tipo acabado do megalomaniacs,
oeato e sensual. Querendo imitar a pompa e a magnificêncil
da cõrte do Rei Cristianíssimo, não punha medidas à sua loud
X
fantasia, alimentada pelo ouro dos lavradios brasileiros. Infe
lizmente para Portugal e também para o Brasil, como teve
ocasião de o dizer o Pe. Antonil, as mais ricas jazidas da de
pois Capitania das Minas foram descobertas nesse reinado.
Como testemunhos de seu delírio de grandezas e suntuo-
siããdes, de todo inútil ao bem-estar do povo, ou ao prestígio
da Coroa, mas só para dar vazas à sua carolice de rei freírá-
tico, temos a fábrica monumental do Cúnvento de Mafra, onde
êle enterrou quase tôdas as rendas dos quintos de ouro. Não
querendo ser menos que seus reais primos o rei "très-chrétien"
de França, o rei católico de Espanhá, S.M. Apostólica da Áus
tria, impetrou do Romano Pontífice, à força de dádivas, o ti
tulo para si e seus descendentes de Majestade Fidelíssima.
Mais. Adquiriu paia o arcebispo de Lisboa, então um mero
prelado como os outros na Catottcidade, o titulo de Cardeal-
Patriarca, passando "ipso-facto" a Sé de Lisboa, a tornar-se
a Sé Patriarcal; o privilégio de os sacerdotes portugueses ce
lebrarem, no dia de Finados, três missas seguidas, ~o que mais
tarde foi estendido a tôda a Igreja. Mandou vir da Itália,
músicos, cantores, "castrattt", uma multidão parasitái%a que
enchia a Patriarcal transformando-a numa pequena S. Pedro.
Enquanto isso, os nobres namoravam as freiras nos con
ventos de S. Clara, Odivelas, e outros. A corrução não isen
tara mesmo o monaquismo, outrora refúgio das almas pias e
santas enojadas do século. Aliás, dessa situação miserável
traça o nosso autor um bosquejo nada carregado nas suas tin
tas, a se inferir pelo testemunho dos historiadores.
A história dêstes conventos seria longa, e agora inútil.
Nem nos causa prazer mencioná-la, senão para efeito próprio
de se compararem os tempos, e se julgar do progresso religioso
atual sobre instituições e sistemas, que davam espaço a tais
escândalos.
Partido Matias Aires para Paris, lá se entregou ao estudo
das ciências naturais, a que talvez o chamasse o seu espirito
positivista; ainda lá estudou o hebraico, cujo conhecimento
em Portugal já ia rareando . Foram seus mestres naquelas ciên
cias Godin e Grosse, célebies naturalistas, e na língua santa
XI
o ilustre orientalista Phourmonã, que segundo nos informa i
erudito biógrafo de Matias Aires, sr. Ernesto Ennes, conhecii
cérca de 20 línguas estrangeiras.
Frequentando a Sorbona de 1728 a 1733, tornaram-se-lht
familiares as lucubrações dos modernos seguidores de Epicuro
- como Gassendi que foi o seu restaurador em França, Hohbe.
que o i econstrulv. na Inglaterra, e sobretudo o epicurismo que
un do aa naturalismo de Spinoza, renasce em Helvétius, d"Hol
bacn, Saint-Lambert, inspira enfim todos os escritores france'
ses do século XVIII (exceto Montesquieu, Turgot e Rov.sse.au)
e cuja influencia na sua obra é de todo ponto fundamental.
Rico enfim de conhecimentos adquiridos, voltou Matias
Aires a Lisboa em 1733 e dez anos mais tarde lhe falecia o pai
deixando-o senhor de vultosos bens. Podendo viver indepen
dente, graças aos seus rendimentos, não contente ainda com
tanía fortuna ou, se quiserem, pelo fogo mesmo que ela so
prava, meteu-se a ambicionar o alto posto que o\ velho- pai
ocupa, a, e que èle alias já exercera "ad-interim", obtendo-o
depois dos passos necessários.
Celibatário, tendo apenas uma ligação amorosa, donde lht
provieram os deis únicas filhos, Matias Aires podia, como Ci
cero, "totus litteris se dare". . .
Mais alguns anos e morria D, João V. Com a subida di
D. José I ao trono e conseguintemente com a ascensão do seu
todo poderoso ministro o culto e liberal Conde de Oe'ras, um&
lufada de progresso varreu os miasmas do velho Reino. Es
critores imbuídos das ideias liberais provenientes sobretudo do
França, como o Cavaleiro de Oliveira e o Pe. Luís Antônio
Verney, a cuja obra já tivemos ocasião de aludir, entraram s
sanear o marasmo intelectual em que vivia o país. E não i
uma hipótese despicienda a que atribui a publicação do único
livro sério de pensamento do século XVIII à nova ordem de
coisas estabelecida com o advento do novel soberano.
Mesmo porque a literatura portuguêsa, sempre foi acoi
mada de pobríssima em pensadores. E' uma acusação que ji
assumiu foros de lugar^comum.
Evidentemente o setor filosófico ou mesmo, mais modesta-
XII
mente, o das ideias gerais, não é o lado forte das leiras de
Portugal. Aliás, este asserto pode estender-se a tôda a penín
sula iaerica e qu.çá mesmo a tôda a latinidade.
Só a França e um pouco menos a Itália, escapam na Ro-
mania a esta pecha. Dever-se-á ista ao génio latino, que desde
o tempo da velha Roma, só soube cem Lucrécio, Cicero, Sé
neca, Marco Aurélio e poucos mais, repensar as grandes ideias
dos filósofos gregos ? Ou outras causas haverá mais decisivas
e mais próximas ao advento da era baconiana e cartesiana que
caracteriza a Europa ocidental tal como a conhecemos e que
de todo emancipada das .faixas cem que a envolvia o escolas-
ticismo, afirmou a sua personalidade autónoma ?
Pois até ao aparecimento de Bacon e de Descartes, se havia
pensamento filosófico europeu, este era comum a tôdas as
nações da continente, pois tôdas se achavam dependentes do
aristotelismo, cristianizado por Sto. Tomás, para não se falar
na doutrina de Platão, transplantada paia o seio da Igreja
pelo grande oispo de Hipona, e que havia de ser desbancada
pela monumental "Summa" do Doctor Angelicus.
Ora, a esta época, não cabe a Portugal a injúria com qué
o tacham, de terreno sâfaro ao pensamento. Pois só para ci
tar os maiores, lcmbra~emos aqui que o grande comentador de
Sto. Tomas, João de Stó. Tomás, era português e eia-o tam
bém o autor do "Qúod nihil scitur" Sanchez. Êstes dous vul
tos dó escolasticismo português na Média Idade podem om-
brear-se com qualquer outra seu coevo não importa a naciona
lidade, seja um. Abelardo, um Okham, um Vives, um Sto. AU
bettd.
Data, pets, aa introdução da Santa Inquisição em Portu-
Odt, reinando D. João III, e do monopólio do ensino lusitano
entregue aos jesuítas a decadência e o desaparecimento do es
pirito de critica na Lusitânia. Nem poderia deixar de ser as-
*im. Homens do estôfo intelectual e moral de um Damião de
GW*; o notável cronista de D. Manuel, Diogo de Teive, afa
nado humanista que honrou a pátria nas mais célebres uni-
verttdddes europeias, Fefnão de Oliveira, autor da primeira
Oramática da língua portuguêsa (1536), eram pelas mais fúteis
xin
questões aferrolhados nos calabouços inquisitoriais. O padre
Antonio Vieira servirá de epilogo a esta sumária resenha de
intelectuais vitimas do Santo Oficio.
Nada se publicava sem o "placet" da censura eclesiástica.
Os teólogos do Santo Oficio não só esquadrinhavam prévia-
mente o manuscrito a imprimir, mas ordenavam a apreensão
dos pouco ortodoxos. E a uma sinistra policia exercida por
fanáticos sôbie a razão. Os seus efeitos na cultura portugnêsa
foram os mais deletérios. O cultismo, o conceptismo, o gon-
gorismo provam a indigência de pensamento.
Além da censura eclesiástica havia a civil, regulada pelas
Ordenações. Funcionava uma tríplice censura: a da Santo
Oficio, a do Ordinário e a do Desembargo do Paço.
Poi tanto estes dous grandes males: o terror da Santa
inquisição e os sequestros da censura se abespinharam contra
a cultura portuguesa. Portugal se insulou da Europa culta.
Qalileu, Torrlceui, Kèpler, Bacon, Descartes preparavam a re
volução da ciência moderna, entrementes os portugueses dor
miam à sombria luz das fogueiras do Santo Oficio.
Ceemos, assim, não ser improcedente a nossa hipótese de
que um livro como as "Reflexões", pela primeira vez publicado
em 1752, impregnado como está do espirito de "libertinage" do
século XVII, de ideias positivistas e epicuristas, só poderia vir
a público, no reinado daquele a quem é êle dedicado, e que por
mão de seu primeiro ministro continha os arremessos inquisin
toriais.
A influência de La Rochefoucauld, combinada com a de
Locke, de Hobbes e de Spinoza, se exerceu fortemente em Ma
tias Aires e lhe inspirou a sua grande obra as: "Reflexões sô
ore a vaidade dos homens" e que hoje atinge a sua 8.* edição,
E' bem sabida a voga extraordinária obtida pelo primeiro des
ses autores, e através dela da moral epicurista ou moral utili
tária. E' bem possível que o nosso Matias Aires tivesse conhe
cido os fragmentos que nos restam de Epicuro, na obra de
Diógenes Laércio, mas o que não há duvidar é que seu espi
rito se tinha nutrido da sua doutrina através dos pensadores
latinos e françesés que o, seguiram, ; '( \., ,/ \- '. i
XIV
Em pitmeiro lugar temos Seneca, too lido e citado por
tÆontaigne, e o qual apesar de estoico e criticar os epicureus
*x*m veem&ncia, estd imbuido de Epicuro a quem admira e
ytta a cada passo. Tambem Epicteto ataca os epicuristas, mas
9Cu dlsctpulo Marco Aurelio, embora estoico. cheio das mes-
rruts ideias e das mesmas crengas, volta-se de novo como para
gjricuro, toma-o por modelo, exorta a imitd-lo, funda em
Atenas uma cdtedra de epicurismo.
Knquanto suosistiu o paganismo, a dcutrina de Epicuro se
manteve; quando uma crenca nova se levantou sobre o mundo,
o epicurismo fico-u atnda de pe algum tempo diante do cris-
trianismo nascente, como uma tentagdo. Santo Agostinho que
perscnaiiza em si toda uma epoca confessou ter pendido para
Epicuro: "Disputabam cum amtcis meis Alypio et Nebridio de
fintbus bonorum et malorum: Epicurum accepturum fuisse
palmam in animo meo, nisi ergo credidissem post mortem res-
tare ammae vitam et fructus meritorum, quod Epicurus cre
dere noluit . Et quaerebam, si essemus immortales et tn per-
petua corporis voluptate sine ullo amissionis terrore vivere-
mus, cur -non essemus beati, aut quid aliud quaereremus ?"
(Confess. VI, XVI) .
Pouco a pouco, porim, os jardlns de Epicuro, onde tantos
sdbios de todas as nagoes tinham deambulado tranquilamente,
se despovoaram por muitos seculos. o epicurismo estava ven-
cido, mas ndo destruido.
Montaigne representa bem esta epoca de transigdo, Sle
ndo e epicurista, mas e pirronico. \De fato He serd tanto dia-
cipuio de Epicuro como de Pirro. Quontos pensamentos epi
curistas enascem em Montaigne, e tnfiltram~se nesse livro
"ondoyant" dos Essals ! Quando um siculo todo se saturou
de Montaigne e vdrias geragoes leram e meditaram seu livro,
— iste "brevidrio dos gentis-homens", como o chamava um
cardeal, — nao foi o cepticismo de Pirro que saiu desta me-
ditacdo, foi a moral de Epicuro. . . ...M
. ,-B' em Epicuro que se abebera La Rochefoucauld, este pen-
sadcr misantropo e tflste que parece d primeira, vista perdido
nas profundezas da alma humana sem se preocupar com outra
cousa que as finezas e as curiosidades da análise psicológica.
Já Epicuro tinha tentado curiosas análises psicológicas ; devem
ser lembradas sua teoria sobre a amizade e as principais vir-
tuaes. Sabe-se também os esforços empreendidos pelos ej*
cureus para iiga:' ao desejo de interêsse o pretenso heroísmo,
como o de Manlio Torquato. Hobbes, por sua vez, tinha in
terpretado no sentido do interêsse alguns sentimentos impor
tantes, como a piedade, a beneficência.
La Roche] oucauid, contemporaneo do filósofo inglês, w
continuá-lo, mas penetrará mais a dentro da alma humana t
aí fará descer ao mesmo tempo o interêsse e o egoísmo. Pou
cos psicologos igualaram a fineza de análise de La Rochefou
cauld.
Todos os prazeres, dissera Hobbes, se leduzem a dois pritc
cipais: para o corpo, o gozo; para a alma, a vaidade.
'iodava, insistiu sôbre o primeiro dêstes prazeres e o con-
fundira com sua causa ou seu meio imediato, a fôrça. Em Ls
Rochafoucauta, pelo contrario, o segundo prazer predomina e
apaga os demais; ao poderio físico, ao ser grosseiro de Hobbes,
êle substituiu o parecer.
Diante das oaixezas, da hipocrisia, do interêsse, das lison-
ias que enchiam a Côrte onde vivera como gráo-senhor e ro
teado* de fidalgos êle quase solta a frase que serve de epígraft
ao livro das "Reflexões" do nosso Matias Aires: Omnia vanitas
A diferença sensível que há entre o nosso autor e o principt
pnncês, é que êsse se limitou a observar a vida cortesã e dela
tirar as suas Maximes, quando êle p. ex. diz que: "Toutes nos
vertus ne sont souvent autre chose qu'un art de paraitre hon-
nete"; "La veitu n'irait pas si Loin si la vanité ne lui tenaii
compagnie" êle pensa em Condé, Turenne, Richelieu, Mazd'
rino, Ana d'Austria; ao passo que o nosso Matias Aires di?
correndo sobre a vaidade dos homens e os seus efeitos desen
volveu as suas reflexões e fundamentou os seus discursos mo
rais, encontrando-a em todos os atos do ser humano, em tôd&
as manifestações da personalidade. Apreciou a sua tese à mo-
netra de Freua, vendo em tudo o predomínio de um só senm
timento.
XVI
Para se ter uma idéia da influência exercida por La Ro-
Hefoucauld, tanto sobre o desenvolvimento das idéias epicuris
ms e utilitárias como sôbre o seu êxito, devem-se lembrar as
alavras de Voltaire: "Ses Mémoires sont lus, et Von sait par
oeur ses Pensées". Helvétius reconhece nele seu predecessor,
por isso seu mestre: eis como, a propósito da confusão co-
leíida por certas pessoas entre as palavras amour-propre e
anité, êle aprecia os Pensées: "Lorsque le célebre M. La Roche-
oucauld dit que Vamour-propre est le principe de toutes nos
ctions, combien d'ignoranct de la signification de ce mot
xnour-propre ne souleva-t-elle pas de gens contre cet ilustre
iteur!.„ n était cependant facile de aperceveir que Vamour-
ropre ou Vamour de soi, n'etait autre chose qu'un sentiment
ravé en nous par la nature, que ce sentiment se transformait
zns choque homme en vice ou en vertu... La connaissance de ces
tees aurait preserve M. La Rochefoucauld du reproche tant
épété, qu'tt voyait 1'humanité trop en noir; il la connue telle
u'elle est" Êle não somente a conheceu ou pretendeu co-
hecê-la, fê-la conhecer a todo o século dezoito, e sua dou-
rina, passando por Helvétius, d'Holbach, Saint-Lambert, Vol
ley, sairá com eles de trança: irá levar sua influência até
is letras portuguesas através da monumental obra de Matias
Vires Ramos da Silva de Eça.
Foi tribtíto sempre devido à excelência dos varões ilustres
la Antiguidade renovar ou a memória das ações maravilhosas
-pie obraram ou promover o séquito das obras importantíssi
mas que escreveram. E isto, já por meio de justos elogios ao
teu merecimento, já pela estampa ou tradução daquelas mes
mas produções do seu raro e abalizado, engenho, não só para
modelo e exemplo de seus imitadores, mas ainda para estí
mulo e necessario aproveitamento de todos os mortais.
Com o mesmo pm se levantaram igualmente merecidas
estátuas à virtude dos mais famosos heróis que têm avultado
no mundo; porém, se cotejarmos a duração dos escritos com
a do rijo mármore ou duro bronze das estátuas acharemos sim
que ambas estão sujeitas à instabilidade e inconstancia de
todas as coisas terrenas, mas não se duvidará que muito mais
XVII
atuturna e perduravel € a duragdo das memdrias escritas qu
a das estatuas.
Prova-o a obra de Matins Aires a qual podemos aplicar i
que das de Cicero disse Veleio Paterculo: Vivit. vivetqiqe pe.
omnium saeculorum memoriam; . . . omnisque posteritas fUtu
in te scripta mirabitur, etc. (L. II, e. 66) .
xvin
OBRAS
XíX
trado / por / Mathias Ayres Ramos / da Silva de Eça, /
Provedor que foi da Caza da Moeda desta Corte, e Author
/ das Reflexões sobre a vaidade dos homens. / Obra pos
tuma / Dividida em duas partes com hum Index de al
guns termos, / de que na mesma se faz menção, / dada
à luz por seu filho / Manoel Ignacio Ramos da Silva de
Eça / Parte I . / Lisboa / Na Officina de Miguel Rodrigues /
Impressor do Eminentíssimo Senhor Cardial Patriarca. /
Anno M.DCC.LXX. / Com licença da Real Meza Cen
soria. / Esta parte 1." tem 250p. e a parte 2.» 391p., com
rosto separado. Houve reimpressão, Lisboa, of. de Antô
nio Rodrigues Galhardo, 1777-1778.
FONTES
XX
9 — Cláudio Ganns — Artigo Publicado no "O Imparcial" de
8-9-22.
) — Diogo Barbosa Machado — Biblioteca Lusitana, Histórica,
Critica e Cronológica. . . Tomo IV. Lisboa, Na Oficina Pa
triarcal de Francisco Luz Amem. MDCCLIX; p. 254.
1 — Ernesto Enes — Um Paulista insigne. Anais da Academia
Portuguesa de Historia. Vol. II. MCMXLI.
2 — Ernesto Enes — O Dr. Matias Aires Ramos da Silva de
Eça e o Palácio dos Condes de Alvor às Janelas Verdes.
(Museu Nacional de Arte Antiga) 1744-1763. Separata do
vol. n de "Ethnos" revista do Instituto Português de
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guesa, 1940. in-8.° de 21p.
3 — Ernesto Enes — Dous paulistas insignes . São Paulo, Com
panhia Editora Nacional, 1944. Prefácio de Luiz Camilo
de Oliveira Neto.
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5 — Fidelino de Figueiredo — História da Literatura Clássica.
Lisboa, Livraria Clássica Editora de A. M. Teixeira C.a
(Filhos). 1930. V.2.0; ps. 151-156.
16 — Henrique Perdigão — Dicionário Universal de Literatura.
Porto, Edições Lopes da Silva, 1940 . 2., edição; p. 163.
17 — Inocêncio F. da Silva — Dicionário Bibliográfico Portu
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18 — J. Leite — Nota apensa à 5." edição das "Reflexões".
/Rio, 1921/.
19 — Jarbas Peixoto — Reflexões sobre Matias Aires. (Artigo
no "Jornal do Comércio", do R o, de 9-1-38) .
20 — José Veríssimo — História da Literatura brasileira. Rio,
Livraria Alves, 1916; p. 113-115.
21 — Jackson de Figueiredo —
22 — Laudelino Freire — Clássicos Brasileiros. Rio de Janeiro,
Ed. da Rev. de Língua Portuguesa, 1923; p. 95.
23 — Laudelino Freire — Seleta Clássica. Rio de Janeiro, Ed.
da Rev. de Língua Portuguesa, 1924; p. 41.
24 — Luis Camilo de Oliveira Neto — Prefácio à obra "Doub
XXI
Paulistas insignes". São Paulo, Cia. Editora Nacional,
1944. Xnips.
25 — Liberato Bitencourt — Nova Históiia da Literatura Bra
sileira. Rio de Janeiro. Ofs. Gráf. do Ginásio 28 de Set
1942. vol. I, p. 390/91.
26 — Macedo J. M. — O ano biográfico brasileiro. Rio de Ja
neiro, 1876 V. II; p. 47.
27 — Maximiano Augusto de Lemos — Enciclopédia Portugue
sa. Porto, Ciro Lemos &. s/d. v. II;
28 — Nestor Vitor — Matias Aires. (Artigo no "Correio de Ma
nhã", do Rio, de 1-1-1914) .
29 — Nestor Vitor — Matias Aires. (Artigo no "Correio da Ma
nhã", do Rio, de 6-1-1914) .
30 — Nestor Vitor — Matias Aires. (Artigo no "Correio da Ma
nhã", do Rio, de 21-1-1914) .
31 — Nestor Vitor — Revista Americana Ano V, n. 2, p.
112 e n." 3 p. 333; reprodução dos artigos supracitados.
32 — Pereira da Silva — Os Varões ilustres do Brasil durante
os tempos coloniais. Paris, 1858. t. II,p. 324.
33 — Pinheiro Chagas — Dicionário Popular. Lisboa, Typ. *>
Diário Ilustrado, 1878. v. IV; p. 166.
34 — Ronald de Carvalho — Pequena história da literatim
brasileira. Rio de Janeiro. F. Briguiet & Cia., 1937. 6.'
edição revista; ps. 187-188.
35 — Sacramento Blake — Dicionário Bibliográfico Brasileiro.
Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1900. T. VI; ps. 25S-
260.
36 — Solidônio Leite — Clássicos Esquecidos. Rio de Janeira
Jacinto Ribeiro dos Santos ed., 1914; p. 159-71.
37 — Solidônio Leite — Catálogo anotado da Biblioteca de So
lidônio Leite. Rio de Janeiro, Editores J. Leite & C*&,
S/d. p. 327.
38 — Santiago Prampolini — Historia Universal de la literati'
ra. Buenos Aires, Uteha Argentina, S/d. Vol. XI, p. 303.
39 — Silvio Romero e João Ribeiro — Compêndio de história
da literatura brasileira. Rio de Janeiro, Francisco Alves,
1909, 2.» edição refundida, p. 97.
XXII
REFLEXÕES
SOBRE
A VAIDADE
DOS HOMENS,
o o
DISCURSOS MORAES
Sobre os efeitos daVaidade%
OFFERECIDOS
A ELREY NOSSO SENHOR
D. JOSEPH O I.
por * as
LISBOA,
(7f) Na Officirta de FRANCISCO LUIZ AMENO
lmpiellbr da Rev. Fabrica da S. Igreja de Liiboa.
M DCC L1L -
Com es licença: ntcejfariat.
I
I
SENHOR.
#ii mo
mo que oferecer em hum peque
lugar.
Tem
Tern os homens em fimes
ra
raramemese puderaS umrbem;
les impojsiveis.
A mefma Frovidencia
quiz manifestos o Rey y quepre-
paravaparaasuaLufitania\ as
sun o moftrou logo , parque o
za, efoyavozdoOraculopor
onde
onde a natureza se expUcou.
todos,masnaquellessd, aquem
as
as virtudes mats sublimes size-
tade
tade fem depender dos anncs,
^ - j,
jd vemos que Vojsa Mage/lade
he digno delle ; sendo que he
** ii PRO-
PROLOGO
AO LEITOR.
fissaõ
fissão da culpa costuma fazer
menor a pena. .
guns
guns termos desusados, ee£
per
pertencem mais a quem as
actamente , e segundo os
pela
pela sua regularidade , desta
Curcio , e de Lucano. As
acções de Alexandre , e Ce
compaixão, e lastima.
***ii dei
deixe de occupar o tempo em .
a mudança de linguagem he
VaU.
LI-
LICENÇAS
DO SANTO OFFICIO.
ILL.mos SENHORES
Joseph Troyano,
Vista
Vista a insormâçaõ, pode-se im
primir o livro de que se trata , e
depois torne para se dar licença para
correr. Lisboa 8 de Junho de 1752.
DO PAÇO.
SENHOR.
Francisco Ribeiro..
Que
QUe se posia *imprimir vistas as
licenças do Santo Officio , ' e
Ordinario , e depots de impref-
so tornara a csta Mesa para se confe-
rir, e taxar, e dar licenqa para correr,
fern a qual não correrd. Lisboa 22
dejunho de 1752.
Que
QUe poíTa correr , e taixatf em
quatro centos reis em papel.
Lisboa o primeiro de A gofto
de 1752. *
ERRATAS.
i Vanitos
Vanitas vamtaluml omnia '
SOBRE A VAIDADE ,
dos homens»
de
f
tivessem.
To-
8 Ktflexks
Todas as paixões tem hum tem
po certo em que começaõ , e em que
acabaõ : algumas saõ incompatíveis
entre si , por isso para nascerem hu-
ma9 he preciso , que acabem outras,
O odio, e o amor nascem comnosco,
e muitas vezes se encontrão em hum
mesmo coraçao , e a respeito do me£
mo objecto. A liberalidade , a am
bição , e a avareza , saõ ordinaria
mente incompatíveis \ manisestaõ -se
em certa idade , ou ão menos enta5
adquirem mayor força. Naõ sey se
diga , que as paixões saõ humas es
pécies de viventes , que moraõ em
nós , cuja vida , e existencia , seme
lhante à nossa , tambem tem hum
tempo certo , e limitado ; e aííim vi»
vem , e acabaõ em nós , da mesma
sorte que nós vivemos no mundo , e
acabamos nelle. Com todas as pai
xões se une a vaidade ; a muitas ser
ve de origem principal 5 nasce com
1 todas
' Sobre a vaidade dos homens. 9
todas cilas, ehe aultima , que aca
ba : a mesma humildade , com ser hu- '
ma virtude opposta , tambem costu
ma nascer de vaidade ; e com efseito
íaõ menos os humildes por virtude f
do que os humildes por vaidade ; e
ainda dos que saõ verdadeiramente
humildes , he raro o que he insensi-
vel ão respeito, e ão desprezo , e nis
to se vê , que a vaidade exercita o
seu poder, ainda donde parece , que
o naõ tem.
7-
A vaidade por ser causa de al
guns males -, naõ deixa de ser princi
pio de alguns bens : das virtudes me
ramente humanas , poucas se haviaõ
de achar nos homens , se nos homens
naÔ- houvesse vaidade : naõ só se-
riaõ raras as acções de valor , de ge
nerosidade , e de constancia , mas
ainda estes termos , ou palavras sc-
riaõ como barbaras , e ignoradas
B to
lo Rejtexões
totalmente. Digamos , que a vaida
de as inventou. O see inflexível he
ser constante j o desprezar a vida he
ter valor : saõ virtudes , que a natu
reza desopprova , e que a vaidade ca*
noniza. Aaleivosia, a ingratidao,
e deslealdade , saõ vícios notados de
vileza , por isto delles nos defende a
vaidade ; porque esta abomina tudo
quanto he vil» Aífím se vê , que ha
vicios , de que a vaidade nos preser*
va , e que ha virtudes , que a mesma
vaidade nos enfína.
r^»«^» ff
. « Mas se he certo , que a vaidade
he vicio , parece difficil o haver vir
tude , que proceda delle j porém naõ
he difficil, quando ponderarmos, que
ha e Afeitos contrarios às suas causas.
Quantas dores ha, que se sormaõ do
gosto , e quantos gostos , que resul-
taõ da dor ! Essa infinita variedade
dos objectos tem a mesma causa por
pri-
. Sobre a vaidade dos homens. 11
origem : as di Aferentes producções
que vemos, todas se compoem dos
mesmos principios, e se formão com1
os mesmos instrumentos. Algumas
cousas degenera?) à proporçao1, que
íe affasiaõ do seu primeiro ser ; ou
tras fe dignisicaS , e quasi todas vaõ
mudando de forma à medida , que
vaõ ficando distantes de si mesmas.
As aguas de huma fonte a cada passo
mudaõ j porque apenas deixaõ a bre
nha, ou rocha donde nascem , quan
do em huma parte sicaõ sendo limo,
em outra flor , e em outra diamante.
Que outra cousa mais he a natureza ,
do que huma perpetua , e singular
metamorphosis?
na f
Sobre a vaidade in homens, if
na , quando a lembrança daofTensa
basta para fazer , que dure em nós a
afflicçaõ ? Ou como pôde cessar a
a magoa , se naõ cessa a vaidade, que
a produz ? Alguns sentimentos ha ,
que se incorporaõ , e unem de tal sor
te a nós , que vem a ficar sendo hu-
ma parte de nós mesmos.
A differença , e desigualdade
dos homens he huma das partes , em
que se estabelece a sociedade, por
isso esta se funda em principios de
vaidade j porque só a vaidade sabe
corporificar idéas , e fazer differen*
te , e desigual o que he composto
por hum mesmo modo , e organiza»
do de huma mesma forma. Os ho
mens mais vaidosos saõ os mais pro*
prios para a sociedade : aquelles que
por temperamento, por razaõ, ou por
virtude se fazem menòs sensíveis ãos
impulsos da vaidade , saõ os que pe
Dii la
a8 Reflexões
la sua parte contribuem merfos na
communicaçaõ dos homens : occu-
pados em huma vida mole , isenta , c
sem acçaõ , só buscaõ*no deseanço a
fortuna solida, e desprezaõ as ima
gens de que se compoem a vaidade
da vida civil.' *
f^j *^s>> 2,3
sir-'
Sobre a vaidade des homens. 41
firmes, e feguras ; porque a lembran
ça do aggravo a cada inííante as
faz abrir de novo , e verter Tangue.
so-
72 Reflexões
somos Narcisos logo no berço : a
nossa imagem apenas acabada de for
mar , logo nos attrahe ; o vidro que
a representa nos agrada , e lisongea *
ainda quando ignoramos o artificio
do crystal ; e desta forte himos pas
sando fuccesiivamente a vida , entre
tidos em hum laberyntho de vaidades,
até que chegamos à vaidade dos ve
lhos ; vaidade discursiva , prudencial,
historica, e muitas vezes imbecil. O
ser antigo naõ dá juizo a todos , antes
o tira, porque o tempo insensivelmen
te vay destruindo o homem em todas
as suas partes , e por mais, que o naõ
fintamos , o que primeiro canso, he o
entendimento; porque este he como a
força, que atè hum certo tempo cres-
ce,até outro se conserva, e depois sem
pre vay diminuindo. Perdemos a inno-
cencvaaííim que entramos ater uso de
razão , e perdemos a razaõ aífim que
tornamos ão estado da innocencia: nu
ma, e
Sobre, a váiiade dos homens,
e outça cousa saõ virtaides puras » e
excellentes , mas insociaveis. Primei
ramente adquirimos a razaõ à custa
da innocencia , e depois alcançamos
ainnocencia à custa da razaõ j nao
fey quando he que perdemos , ou ga*
nhamos. Indiscretamente fazemos
vaidade de sermos entendidos : o en
tendimento parece que nos foy dado
por castigo , pois com elle ficamos
sem desculpa para nada. Que mayor
mal !
;. huma
Sobre a vaidade dos homens, 91
huma fonte , que se despenha , o so-
bresalta j o movimento de huma fo
lha , quecahe, o atemorifa j o ruido,
que o vento faz, o altera; tudo lhe pa
rece huma emboscada ; na mesma
sombra de hum carvalho , se lhe fi
gura hum esquadra armado : esta he
a diflserer.-ja, que vay de hum homem
com vaidade , ão rncismo homem
quando está Cem ella ; na campanha
domina o espirito de vaidade , no bos
que naõ ; por iflb o valor sobra na
campanh* , e no bosque falta j e com
efeito naquella parte adcjuire-se a fa
ma , e nesta só se salva a vida j naquel
la consegue-se oapplauso, nesta só
se busca a liberdade do caminho ; na
quella ha muitos que vejaõ , que di-
g?õ , e que escrevaõ , nesta naõ ha
mais do que troncos mudos ; naquel
la fazem Corte os Soberanos , nesta
só se al vergão foragidos j naquella
todos se mostraõ , nesta todos se es-
M ti con
92 Reflexões
condem ; acjuella he hum theatro de
acções illustres , esta he hum reducto
de acções abominaveis : finalmente
alli nasce a nobreza , aqui extingue-
se j alli perde- se a vida com honra t
aqui conserva-se a mesma vida com
ignominia. Que notaveis diíFerenças!
Em hum lugar tantos motivos de vai
dade , e nenhuns em outro : por isso
o valor he proprio na campanha , e
no ermo he natural a cobardia. O va
lor falta-lhe a alma , se lhe falta a vai
dade , o braço logo fica sem vigor,
e sem alento o peito : no perigo em
que naõ ha vaidade , a naturelza só se
O ii cer
io8 Reflexões
cer que vem do homem. As mais das
cousas admiraõse, porque se naõ co
nhecem j e juntamente porque nel-
!as ha hum rico véo,que as cobre : ve
mos hum exterior brilhante , que mui
tas vezes serve de esconder hum
abysmo horrendo j a mesma luz ar
ma- se de ray os , para que naõ possa
examinarse de donde lhe vem os ret
plandores : a sermofura em tudo nos
attrahe ; a nossa admiraçao naõ pode
passar além ; donde a encontra , ahi
fica suspensa , e cega. Isto succçde
nas acções dos homens ; as mais su
blimes , parece que nos cegaõ , e fu£
pendem j e talvez seriaõ detestaveis,
se lhes naõ ignorassemos as causas.
Tudo o que tem ar de grande pren
de a nossa imaginaçao, de forte , que
naõ fica livre para discorrer na cou
sa , senaõ no estado de grandeza em
que a vê , e naõ para indagar de don
de veyo , nem como veyo. As aguas
que
Sobre a vaidade dos homens. 1 09
que saltaõ de hum rochedo , e que
correm velozmente para o mar , an
tes que lá cheguem , vaõ passando
por lugares dirserentes j em huns alar-
gaõ-se , em outros cabem mal f em
huns achaõ fundo , e caminhao do
cemente , em outros só vaõ lavando
a branca area j em huns murmura 5 ,
em outros precipitaõ-se ; em huns
ca5 encontrao embaraço , correm fa
cilmente , e com socego , em ou
tros detem- se , porque passaõ por
penedos desiguaes j em huns parece
que fogem , em outros também pa
rece que descançaõ ; em huns vaõ
sem rodeyo , em outro* retrocedem,
e se quebraõ em mil gyros ; aqui vaõ
regando a flor do campo, alli vaõ ba
nhando o junco humilde j aqui cor
rem transparentes , e alli vaõ turvas ,
e hmosas. Estas faõ todas as mudan
ças por onde passaõ as aq;uas de hu-
ma fonte , desde que deixuõ o roche
do
no Rejv&a
do donde nascem,~ate*que entra£
no mar a donde morreni : confundi-
das hoje as fuas °.gua» f ja nao são
agnas ae huma some ; ja nao sao
aquellas , que vierao dt hum rochedo
lombrto , e ca /e noso ; mudado c
nome , e o theac-o aeon estad for-
mando a imme^udade do Oceano:
ja não servem de onim^r c prado ,
nem dc trifle companloia a hum
amante solitririD , ja na5 fervem de
espelho as verdis ramas , nem o seu
sufurro serve «a de Lquido instru
ment© ão ca^to singular das aves ,
finalmeme )i n?o s:G crystaes as fuas
aguas , sac ondas. Delta mesma
forte sao os homens ; :ii7im sahem .
aífim buscão > e ^siiro chegaõ ão es-
tado da grandeza ; a vaidade , c]ue or
leva , c acompanha, logo Ihes tira da
rremoria o lugar ce que viera6 , e os
, ]ue andarão , e (6 Ihes mostra aqueb
2? i dor:Je cfta6 : ha m Jtao roused
que.
Sebrff: vaia ides d<r fomtn?* ^
pos
1 7-4 Jteflexties
pos , a suavidade das flores , e »
crystallino das aguas, tudo attrahe
a nossa admiraçao , e tudo nos infun
de amor. A fabrica do universo hc
como hum retrato da Omnipotencia^
a grandeza do esseito indica a ma-
gestade da causa; por isso o amor ,
ou o louvor da obra , cede em honra
do artifice.
to
Sobre avaidade dos homens. ij j
to admiramos hum ar , ou espirito in-
visivel , cuja força fe emprega na rui-
na de muitas cousas folidas ; os ter-
remotos ja reduzirão em montes as
planicies, e fizerão planicies dosmon*
tes , como se o mundo não tivera o
seu assento sirme ; as aguas entre ,si
se quebrão , e despedaçao , e quan-
to mais horriveis , e agicadas , tanto
mais nos mostrão emliquido theatro
mil vistofas apparencias j o fogo ain*
da quando parece rayo nos diverte ,
e ainda quando abraza allumca ; a
sermofura ate se sebe introdozir na
sealdade , no horror , no espanto. •
ponto
272 Reflexties
ponto tie que crefçaõ na quantidade ,.
a qualidade he materia indiíserente ;
ellas naõ avultaõ pelo que saó , mas
pelo que soaõ j regulaõ-se pelo appa-
rato , e na5 pela substancia ; estimaõ-
se pelo que parecem , e naõ pelo que
valem ; o que importa nellas , he ter
no exterior hum brilhante falso , cu
jo resplandor furtado escandalize os
olhos de quem o quizer ver de per
to j basta que a attençaõ fique assom
brada com o aspecto de huma ima
gem nova , ainda que na verdade naõ
seja mais que huma fantasma j a su
perfície deve estar coberta de huma
claridade intensa , e forte j o fundo
seja embora confusão , cegueira,
cahos. Só o que he precioso , he to
ei^ ç mesmo em si , e o mesmo em
toda^ as suas dimensões : o diamante
naõ-t^m^jgrte em que naõ seja dia-
njante * a .rocla que o pule, por mais
^eJ^e^miiUipíiqve as faces , em to-
oino^ das
Sobre a vaidade dos homens . % 7 j
das o acha igualmente duro ; naÔ he
mais solido em hum lugar, que em ou
tro 5 a porçao > que o engaste cobre ,
naõ he inserior à aquella que se mos
tra ; a luz por toda a parte encontra
nelle a mesma resistencia , por isto
retrocede reflectida , como em vi
brações de varias cores. Naõ saõ as
sim commumente as letras j o que
ha nellas de agradavel , he o que fica
exposto à vista , e por isto ornado
de emblemas, de proporções > de
correspondencias , e figuras ; o mais
he hum labiryntho informe , rude , e
indigesto ; o metal burnido applicado
fora , naõ deixa ver por dentro o páo
sem lustro , nem valor.
teraõ-se
Sobre a vaidade dos homens. 57 j>
teraõ-se os animos , mas naõ se per*
suadcm, porque naõ disputaõ pela
razaõ, mas pela disputa j e esta se se
acaba, he porque acaba o tempo da*
do para disputar ; o relogio aparta os
combatentes j estes separaÔ-se , po
rém nenhum vay sabendo mais j por
que como no argumento naõ busca
va© a verdade , por isso esta sempre
fica ignorada , occulta , e desconhe
cida ; o ponto he , que fique satis-,
seita em hum a gloria de arguir , e
em outro a vaidade de responder 5 e
assim naõ se trataõ as cousas , tra*
taô-se as palavras delias : daqui vem ,
que o ficar vencido na forma , he o
mesmo que ficar vencido em tudo;
porque a substancia he como cousa
estrangeira , e indifferente. De dous
textos contrarios a fadiga que resul
ta , he vej , se ha meyo de os poder
unir , e conciliar 5 que a razaõ este*
ja em hum , e naõ em outro , isso
ira-»
alo Reflexões
importa raenos ; a arte está em subti-
lisar de sorte , que ambos os textos
fiquem conservados , e que a nenhum
se tire a sua authoridade magistral ;
tire-se embora a fé à verdade , e à jus
tiça ; porém naõ ão texto j este sem
pre deve servir de regra , por mais
que seja regra errada , e naõ direita ;
o empenho da vaidade naõ está em
descobrir a verdade , mas em osten
tar v. g. huma erudiçao Rabinica , e
mostrar que na língua Hebraica 9 a
palavra o/ma' nunca significou ou*
tra couíà senaõ virgem. Como a
vaidade das sciencias traz comsigo
hum desejo immenfo de adquirir no
me, este parece que se adquire à sor«
ça de vozes , e estas devendo ser de
fióra f costumaõ sahir do mesmo sabio»
pretendido ; elle he o que entoa o
cantico t e sempre acha na turba
quem o ílga- na confiança de come
çar , encontra-se huma especie dc
valor
Sobre a vaidade dos homens, 181
valor de que a fortuna se namora ;
a resoluçao de pegar nos louros, e
nas palmas , faz parecer que faõ suas :
ha muico , que as sciencias tem o pri
vilegio de poderem ellas mesmas
coroarse a si j e com estèito o saber
na realidade mais , ou menos , he se
gredo , que fica escondido ; estamos
pelo que indicaõ as insígnias ; e nas
letras ,. huma parte do que vemos ,
. faõ edifícios vãos , compostos fo
mente de hum soberbo frontispício ;
e este , por mais que inculque hum
fundo grande , quem lho busca , naõ
o acha ; por isso tem sechadas as por
tas; e se algum entra, he daquel-
les , que sabem o deseito , e tem inte
resse nelle ; os mais todos faõ profa
nos. A sabedoria humana he como
a cortina do theatro j nella se vem
pintados primorosamente jeroglisi-
cos , medalhas , infcripções , e at.
tributos 3 e nesta variedade de acçõesy
Nn c de
2 Reflexões
e de sujeitos , se suspende a vida;
e o coraçao que admira , todo se dei*
xa penetrar de hum respeito , ou me
do veneravel ; mas se algum impa
ciente , e indiscreto força a cortina ,
e entra , o que vê , he hum lugar
escuro, embaraçado, sem ordem,
ti em aceyo j vê Authores ainda co
bertos de roupas miseraveis \ alguns
vestida a gala , e empunhado o ce
tro , ( adornos alheyos » e suppoí-
tos ) vê chegados a huma luz de£
animada , recordando de hum papel
immundo as palavras de que a me*
moria se encarrega com trabalho ; ou
tros defronte de hum espelho som
brio, exercitando a cadencia dos pas
sos , das acções , do gesto , e reves
tindo os semblantes de hum aspecto
alegre , ou triste , e de hum ar de
soberania, de valor, e de justiça:
vê as Actrices , que naõ menos cuida
dosas, alli mesmo se ajustaõ, epre-
paraÔ;
Sobre a vaidade dos homens. a8 j
paraõ ; e que algumas a pezar do
tempo , e a milagres do artifício,
cuidaõ que reparaõ em brevisiimos
instantes , a ruina que sizeraô mui
tos annos , semelhantes às serpentes
quando se renovaõ , mas naõ taõ
selices ; todas em hum espelho por
tatil estudaS amor , desdem , seve
ridade , contentamentos , lagrimas ;
tudo aprendem no crystal , mestre
mudo , e fiel , e que mudamente en
sina a propriedade , o ar , a graça ;
mas que importa , o ar he vaõ , a
raça he enganosa , e a propriedade
e falsa $ o representar he mentir ,
desde que a (cena começa , até que
acaba , naõ se vê mais do que hum
fingimento de acções , e de figuras j
quem mais se distingue , he quem
melhor exprime o que naõ sente , e
quem parece melhor o que naõ he r
a arte naõ está em imitar , mas em
contrafazer ; as sombras substituem
Nn ii , o lu»
2 84 TKesiexões
o lugar das cousas ; e a relaçao da
historia, fica sendo a historia mesmas
o mentir por aquelie modo , he hum
meyo facil para imprimir facilmente
na memoria os fucceíTos pastados j
he huma tradiçao , que se commumV
ca agradavelmente , naõ só pelo que so
ouve | mas tambem pelo que se vé *.
alguma vez havia de ser util o eng£1
no j e com effeito daquella sorte ve
mos os combates sem perigo ; &9
virtudes vemos com gosto ; e se
vemos tambem os vícios , he sen>
entrar nelles , para os aborrecer, pe
la sealdade com que fe mostraõ , e
naô para os seguir. Em theatro
mayor , e em mayor scena se passaõ ,
e represcntaõ as vaidades do mundo »
e entre ellas a vaidade das ícien*
cias ; o homem naÔ se entende a si ,
e cuida que entende a fabrica dos
Ceos; ignora a ordem da sua pro*
pria composiçao , e cré que na6
ignora
Sobre a vaidade dos homens, ag 5
ignora o de que se compoem a terra >
naõ sabe a economia dos seus mes
mos movimentos , e julga que sabe o
como se move o Universo j finalmen
te naõ se conhecendo a si , presume
que tudo o mais conhece. A vaidade
do saber parece que arrebata o ho
mem , e que em espirito o faz circu
lar os orbes celestes j lá conta o nu
mero dos crystallinos , vê a essera
do fogo , e mede a distancia , o giro ,
c grandeza dos Planetas j porém assim
que torna a si , nada do que tem em
si sabe , nem conhece : vê hum cor
po sabiamente organisado , e nelle
acha vontade , intelligencia , ira,
aversaõ , vaidade , desejo , esperan
ça | amor ; acha hum sangue que se
move , e hum calor que o anima ;
tudo distingue com nomes differen-
tes ; paixões , systole , diastole es
píritos vitaes i humido radical ; es
tes saÔ os nomes, a que erradamente
cha-
a 86 Reflexões
chamaõ das cousas, naõ sendo se
não nomes dos esseitos»j o que se co
nhece , ou sabe , he o esseito das
cousas pela distinçao dos nomes j mas
o conhecer o nome , naõ he conhe
cer a cousa. Todos sentimos ^ im
pressao do ardor , mas ninguem sabe ,
o como essa impressão se faz \ e deflai
sorte o que conhecemos , be o essei
to do frio , e naõ o frio ; vemos a
^determinaçao da vontade , mas naô
sabemos o como a vontade se deter
mina. Quem he que sabe de donde
vem o agrado da armonia, nem o
desagrado da dissonancia ? Huma
voz suave nos encanta , hum som
aspero , e agudo nos molesta ; mas
quem ha de dizer o donde procede
no som a suavidade ou a aspereza \
Os esseitos mais sensíveis , e mais
certos , faõ os da dor , e tambem da
gosto ; mas quem he o que conhece ,
de que se origina o gosto , nem de
que
Sobre a vaidade dos homens. 287
que se forma a dor ? Ainda os efseitos
das cousas conhecemos mal , só os
sentimos j parece que só temos sensi
bilidade , e naõ conhecimento j aquil-
Jo que conhecemos , he porque o sen
timos 5 do nosso sentir resulta o
nosso modo de conhecer. Os pri
meiros principios , e os primeiros
movimentos reíêrvou-os para si a
Providencia j o homem só ficou ex
posto a elles , para os admirar , e
naõ para os saber. A vaidade das sei-
encias toda se cança em conjecturas,
que faz passar por demonstrações ;
quando suppoem , que encontra a par»
te , em que pôde desatar o nó , entaÔ
o aperta mais: os discursos perdem-
se na immensidade vaga de huma ma
teria impenetravel ; a natureza sabe
eludir todos os nostbs estudos V ' C
conceitos ; na5 he mais facil no que
\ :cêr
P Sobre a vaidade do& homens. 327
çaõ,
Sobre a vaidade dos Homens. 35j
çao, e queixa. O julgador benigno
naõ receya , que se saiba a sua vida ,
<jue se diga , e que se escreva j o seu
panegyrico só depende da verdade,do
encarecimento , ou dalinsonja , naõ 5
elle mesmo he o seu elogio. FinaU
mente o julgador sincero tem das
fçiencias o que basta para saber juU
gar, e naõ o que basta para saber
embaraçar j alguns ha , que fazem do
conhecimento da razaõ huma scien-t
ciaimmensa, como se fosse necessa-
tío arte para se conhecer o Sol. O
caminho da justiça ( para quem tem
\ontade de andar por elie ) he hum
caminho direito , espaçoso , claro r
facil, e aprasivel $ as flores, que o
bordão de huma , e outra parte, to
das íàõ perpetuas , porque nunca
murchaõ ; huma Primavera constan
te as reverdece , e alenta : o cami
nho porem das injustiças he hum ca
minho difficil , espantoso , e escuro j
humas
J KeJcxÕes
humas vezes !ie por cirna de rochedos
escarpados , por onde a cada paflb se
encontra hum precipicio ; outras ve
zes he pç* valles estreitos , sinuosos,
e profundos , e donde as arvores Ía5
todas insecundas , tem palidas as fo
lhas , r nascendo desordenadas , e
confusas , faze.it o lugar seguro , c
prupi:c< p ra t:a',çoens, áleivosias,
furtos , alsalíiiios j as mesmas som
bras infundem pavor, e fingem vul
tos enormes j hum ar caliginofo , e
demo , apenas pode alvergar aves
nocturnas de presagio infausto ; os
rios , que alli íè vem , íaõ negros , e
tem no abysmo o fundo , apenas po
de criar monstros amphlbios ; o si
lencio , com que paíTaõ , os faz ainda
mais funebres , e tristes , como se
nascessem do Styge , do Averno, ou
do Cocyto. Esta figura representa o
caminho da injustiça, caminho, que
na 5 se sabe sem estudo , porque todo
se
Sobre a vaidade dos homens. 335
se compoem de circuitos, rodeyos,
e desvios. Mas que inseliz estudo he
este, em que se aprende muitas ve
zes o caminho por onde se vay ao In
ferno ! Por isso aquelle digno Magi£
trado , de huma fiel jurisprudencia ,
fá quiz saber, o como se deve jul
gar ; e naõ o como se pôde julgar ;
e da mesma sorte só quiz saber , o co
mo se devem fazer as cousas , e naõ
o como se podem fazer ; daqui lhe
procedeo o serem justas as suas deci
sões , e ser o seu voto acertado sem
pre 5 nunca teve por objecto , senaõ
a justiça , ca razaõ , e estas só con
sideradas em si mesmas , sem altera
çao, e no seu primeiro estado de m-
nocencia , e dc pureza j nas leys
nunca vio mais nem menos do que
aquillo , que ellas tem , nem as soube
accommodar a algum sentido exquisi
te, e raro , por onde viesse a ter lugar
a inveja, a ambiçãô , c a vingança*
Final-
356 RçflcxÕes
Finalmente aquelle julgador he ver
dadeiro só por amor da verdade j he
justo só por amor da justiça j ellc co
nhece os seus proprios movimentos ,
e entre estes segue unicamente aquel-
les , que tem por principio a justiça ,
e a verdade. Naõ íe desvanece das
virtudes , que conhece em si ; o ap-
plauso só quer , que seja da virtude ,
e naõ seu $ o louvor quer , que se dê
à razão , e naõ a elle ; parece-lhe ,
que em obrar como deve , naõ mere
ce nada ; naõ se admira da justiça >
que exercita por força da obrigaçaõ
das acções memoraveis , em que tem
parte, elle se suppoem hum instru
mento necessãrio ; sendo aftim , naõ
o pôde vencer a vaidade. Esta , que
em todos os homens he como hum
afTêcto , ou paixaõ inevitavel , só na-
quelle julgador fica sendo como afTc
cto sem vigor, desconhecido, ee£
tranho ; mas por isso mesmo , e sem
cuida-
Sobre a vaidade dos homens,* jj7
cuidado, conseguio, e tem hum no*
me veneravel , e com circunstancia
taõ seliz , que eííè mesmo nome , que
conserva , contém em si huma illus-
tre , e saudosa recordaçaõ.
A
Sobre a vaidade dos homens. 3 47
A Nobreza , c a vileza , saõ substan
cias incorporeas , porque saõ vãas -t
c se he verdade , que podem estar no
sangue , será tal vez por algum moda
intellectivo , immate/ial , e ethereo j
mas parece que nem aífim podia ser ,
porque aquillo que he vaõ, de ne
nhuma forte existe. A inexistencia
da Nobreza ainda he menos , que a
inexistencia de huma sombra, porque
esta ão menos he hum nada que se
vê ; a imaginaçao pode fingir huma
chiméra , porém darlhe corpo , naõ ;
pôde imaginar a chimera da Nobre
za , porém introduzilla nas veas nun»
ca pode ser. Os homens enganaõ-se
com o que imaginaõ j parece-lhes
que o mesmo he imaginar , que for
mar , e que he o mesmo idear , que
ser. O engano , 011 a vaidade da No
breza poderia ter lugar, se os ho
mens aíTim como a quizeraõ pôr in
teriormente em si , se contentassem
Xx ii com
zessem consistir nas acções exterio
res j perderaõ-se em buscar o íair
gue para assento da Nobreza $ aquel»
le engano ficou visivel , e facil de
perceber. Todos sabem , que a ima
ginaçaô naõ pôde dar , nem tomar
corpo : a illusaõ do pensamento nun
ca pôde ser mais do que illusaõ. O
sangue naõ está sujeito à opiniao , só
depende das leys do movimento , e
da materia j as distinções, que o pen
samento considera , naõ passaõ do
pensamento, nelle sicaõ , só nelle po
dem existií , no sangue naõ. A No
breza^ a vileza, saõ nomes di fie»
rentes , mas naõ fazem differentts
sangues j estes saõ iguaes em todos >
e por mais que a vaidade finja , in
vente, e diísimule , tudo saõ imagens
suppostas , e fingidas ; tudo saõ opi
niões , que todos sabem que saõ sal*
sãs; tudo saõ sonhos de homens acor-
— dados.
Sobre a vaidade dos homens. 3 49
ciados. A verdade íe ri de ver a gravi-
dade , o gesto , e circunspecçaõ com
cjue as gentes trataõ a materia da No
breza; e de ver que saibaõ como o san
gue se ennobrece , ão mesmo tempo
cjue naõ sabem o como elle se faz j de
íbrte que ainda naõ conhecem , nem
haõ de conhecer nunca a fabrica da-
quelle liquido admiravel , e presu
mem conhecerlhe as qualidades j ig-
noraõ as qualidades certas, e visíveis,
« cuidaõ que naõ ignoraõ as que íaõ
de huma fantasia irregular j e que
naõ constaõ mais que de huma flcçaõ
civil. Daqui veyo o reduzirse a arte
iquelle mesmo conhecimento , arte
rara , e vasta , e que tem por obje
cto, naõ só o estado da succeíTaõ
dos homens , mas tambem o estado ,
ou situaçao da Nobreza delles. Em
hum breve mappa se vê facilmente ,
e sem trabalho , o que produzirao
muitos seculos > alli se achaõ collo-
cados
3 5o Reflexões
cados ( como se estiveíTem vivos ) os
illustres ascendentes da Nobreza hu
mana ; e tudo com tal ordem , e re
partiçao taõ clara , que em hum ins
tante se comprehende a arte ; e só
com se ver , se sabe : no mesmo map-
pa , ou globo racional , se encontrão
descriptas muitas linhas , e distinctos
lados ; e nestes introduzidos subtil»
mente outros lados errantes , desco
nhecidos , vagos , e duvidosos : as
regiões , que alli se consideraõ , tem
aquelles frutos, que o tempo consu-
mio : as arvores , os troncos , e os ra
mos , saõ de donde eílaõ pendentes
Varões illustres , armas , escudos , tí
tulos , troféus , mas tudo sem ac
çao , nem movimento , tudo alli se
poz , menos para exemplo das virtu*
des , que para delicia da vaidade \
menos para incitar o dezejo de me
recer , que para servir de Ksonja à
o ceio fid a de da memoria j menos pa
ra
Sobre a vaidade dos homens . 551
ra estimulo da imitaçao , que para
despertar o desvanecimento. Nunca
a vaidade achou em espaço taõ pe
queno, mayor contentamento. A-
quelle he o lugar mais proprio , em
que a Nobreza se mostra vestida de
pompa , e de aparelho : alii he final
mente donde a vaidade como em
hum labyrintho famoso , e agradavel
intenta medir o ar , pezar o vento ,
apalpar as sombras. ,
ser
Sobre a vaidade dos homfns* 3 57
ser o mesmo. Os poros saõ como in
finitas portas , e quasi imperceptíveis,
por onde o sangue , e todos os hu
mores passaõ continuamente , e sem
interrupçaõ : a saude consta de exha-
Jaçaõ, e deperdiçaõ j persiste huma
substancia , porque outra se desvane
ce : se acaso aquelles poros se consti-
paõ , isto he , se aquellas portas se
apertao , ou se sechaõ , e que o san
gue fique como prezo , e sem sahir ,
então se vê, que o sujeito se afflige, e
desfalece ; e se dura , ou permanece a
reclusao , a morte chega em poucas
horas : a arte, que conhece a c?.uía
da desordem , só cuida em relaxar ,
e abrir os poros comprimidos , e cer
rados , para que o sangue peste em li
berdade se possa livremente perder »
ciiTipar, fugir. A natureza ambiciosa
em conservar fica inhabil para ad
quirir ; a vida naõ depende tanto do
íangue, que está feito , como daqiel-
le
jjfc Reflexoes
le que se vay fazendo : rotas as veas f
por ellas fahe em horrivel , e espan-
tosa quantidade j debilita-se a natu-
reza , mas se Jhe acodem , nao aca-
ba j pcr^m se fica sern acc.ão para fa-
zer cie novo , cntra em agonia , e se
extin£>ie rntalmente j naquefla elabo
rate e(U avida, neste descanco a
moice.
Os grandes da antiguidade , ou
t Nobreza dos antigos, ainda er»
mais forte , e singular , que a que so
ideou depois j huma , e outra tem de
comm ura o» ferem effeitos da vaida
de , e consistirem na imaginaçao de
quem naõ cabe em si> a Nobreza po
rém do tempo heroido era em tudo
mais subida : nem he para admirar ;
porque hoje nada he comparavel à
grandeza Sparciata , e ao. esplendor
Latino. Os seculos forno déifezen-
do todos os portentos ; a variedade
de succeíTos , e fortunãs tambem foy
reduzindo o mundo a hum estado de
mediocridade ; a mesma vaidade da
Nobreza teve decadencia ; acabou*
se a ficção , e desvario em que aquel»
la sorte de Nobreza se fundava j eila
Sobre a vaidade dot homens . jy9
foy hum dos ídolos que cahiraõ
Quando a luz da verdade desterrou
as trevas do Paganismo , cessarao os
Oraculos , naõ responderao mais ,
emmudeceraõ.A Grecia, pãtria com»
mua dos Heroes , e donde estes nas-
ciaõ como em terra secunda , e pro
pria, foy donde a vaidade da Nobre
za quiz elevarfe ainda acima das
Estrellas. £ com eflèito Eneas dizia
ser filho de Venus, Achilles de The-
tys , 'Phaetonte de Apollo , Alexan
dre , e Hercules de Jupiter. Estes , e
outros muitos pretendiaõ naõ menos
nobre origem , que a celeste , como
descendentes dos Deoses immortaes ;
esta fabula na 5 durou hum dia sõ ; e
he para admirar , que ella tiveste au-
thoridade no conceito de homens po
lidos , sãbios , e prudentes , e com
tanta força que chegassem a fazer das
fabulas , religiao. Aquella foy a No»
breza dos antigos ; Nobreza, que ti»
Bbb ii Jnha
380 ^ Reflexties
nha por principio , hum engano in
troduzido, e respeitado. Via-se nas
mãos de Jupiter o rayo , nas de Mar
te a espada, e nas de Apollo as setas :
Thetys dominava as ondas , Venus a
sermo fura : quem havia resistir por
huma parte à força do poder , e por
outra ão encanto da belleza ? Ainda
quem conhecesse a fabula , se havia
de namorar do a p para to delia. Todos
íàbem que os homens saõ iguaes, em
quanto homens ; mas nem por isso
deixaõ de entender, que ha huma no
breza que os distingue , e que os faz
ser homens melhores.
<^>«^» /5<y
Ainda a Nobreza dos antigos
( depois de acreditado o erro ) tinha
mais corpo ; porque os illustres hiaõ
buscar os seus ascendentes nos seus
Deoses j e desta sorte sicavaõ os ho
mens meyos humanos , e naõ intei
ramente. Só assim podiaõ ser distin-
' ;ct0S,
Sobre a vaidade dos homens, j 8 1
ctos , e desiguaes na realidade. As
distinções permanecerao , em quanto
durarao as supposições da origem.
Conheceo o mundo a impostura , e
logo os Deoses se acabarão , deixan
do os seus descendentes , seitos ho
mens como os outros ; e com a cir
cunstancia , que por haverem tido
progenitores altos , ficaraõ sem ne
nhuns. Depois daquelle catastrofe
fatal, parece que devia extinguirse
a vaidade da Nobreza ; mas naõ foy
assim, porque aquella vaidade só mu
dou de especie , e o engano , de figu
ra ; a Mythologia converteose em
Genealogia , humanizouse. A igual
dade sempre foy para os homens hu-
ma cousa infupportavel j por isso en
trarao a forjar novos artifícios com
que se distinguissem , e ficassem def-
iguaes j e naõ tendo já Deoses de
donde tiraííem o principio da Nobre
za f entrarao a tiralla de outras mui
tas
fia Re/ldões.
tas vaidades juncas ; compuzeraõ hu*
ma Nobreza , toda humana ; entaõ
naíceo aquelia tal Nobreza , como
parto do poder , da pompa , e da ri
queza: accidentes na verdade exte
riores , mas que fervem de incrufta*
çaõ no homem , e eftt ainda que
compofta de fragmentos , fempre
fórma hum ornato matizado , e agra
davel ; bem fe vé que a viveza dos
e (maltes, e das conchas, naõ pene
tra a fubftancia interior , e que o mu
ro tofco naõ fica mudado, cuberto
fim j mas que importa t fe a gala frá
gil que o revefte , o ennobrece.
se
59o -Reflexões
que viria de hum fogo guardado no}
templo das Vestaes. Quem ha de W\.
ititular illustre a chamma , porque ve*
yo de outra que diziaõ consagrada ?.
£ humilde aquella que procedeo de
outra , que naõ tinha circunstancia ?
Huma pedra preciosa regulase-lhe o
valor pela perseição que ella mostra
tm*si j a que nasceo no monte Olynv
po naõ he por isso mais esclarecida ,
do que aquella que se achou em hum
Valle rustico , e profundo. Só para,
o homem estava guardado o serem;
distinctos huns dos outros , e o dis
tinguirem -se , naõ pelo valor de cada;
hum , mas pelo valor das cousas que<
os distingue. A Nobreza soy a ma
yor maquina , que a vaidade dos ho
mens inventou ; maquina admiravel,
porque sendo grande , toda se com*
poem de nada. As outras vaidades,
parece que faõ menos vans j porque,
sempre tem algum objecto vifivel , e
mani-
Sohre a vaidade dos h ofn ens ', 39s
manisesto : mas por isso mesmo a vai
dade da Nobreza he huma vaidade
fèm remedio j mal incuravel , porque
se naõ véV
3
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