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Capítulo 20:

«Um Encontro Tenebroso»

“Então... isto está mesmo a acontecer, hã?” Uma deslumbrante mulher loira, com a aparência de
alguém na casa dos trinta, estava sentada ao volante de um descapotável. Determinação absoluta
marcava os seus olhos azuis-claros por trás de um par de óculos simples. Dirigiu um olhar misterioso –
porém, firme – ao soldado à sua frente.
“Sim, senhora! Fomos instruídos para não deixar ninguém passar,” respondeu o soldado. “A cidade
de Nevelyn está sob lei marcial.”
“O meu nome é Nina Stark; sou uma detective do Departamento de Investigação Criminal de
Lemuris,” apresentou-se, exibindo o seu crachá. “Estou a trabalhar numa investigação muito importante
e preciso de acesso à cidade.”
“Peço desculpa, mas não posso deixá-la passar,” insistiu o homem, encolhendo os ombros. A sua
linguagem corporal claramente indicava que apesar de ter vontade de ajudar, não havia nada que
pudesse fazer.
Nina tentou manter a calma. “Acho que não está a perceber; é absolutamente essencial que eu entre
na cidade.”
“É para sua segurança. Desculpe, detective.”
“Fora do meu caminho, soldado. Não quero causar-lhe problemas,” retorquiu audaciosamente,
fitando directamente os olhos do soldado, “mas como é que acha que os seus superiores se iam sentir
se soubessem que o senhor boicotou uma investigação criminal?”
O soldado provou-se igualmente insistente. “Está louca? Este sítio é um campo de batalha! Há anjos
e demónios a lutar em toda a parte! Não vou deixá-la entrar ali.”
“Eu vou entrar, com ou sem a sua autorização,” replicou sobriamente. “Vai ter de me dar um tiro, se
me quiser impedir.” Pisou o acelerador a fundo ainda antes de engatar o carro.
O soldado levantou a espingarda e fitou-a em silêncio. Parecia abalado, apesar de determinado.
“Não me parece que seja a altura certa para estarmos a lutar uns contra os outros.” Talvez o soldado
em frente dela não vacilasse, mas o homem atrás do uniforme hesitaria. “Não acha?”
Uma gota de suor escorreu pela testa do soldado, e, quase de forma satírica, um corvo crocitou ao
longe. O trabalhar do motor parecia acentuar o calor do sol escaldante.
“OK! Como queira.” O homem cedeu, baixando a sua Carabina M4. Fez sinal ao outro militar para
mover o veículo que estava a bloquear a rua. “Ainda vai acabar por ser morta!” gritou enquanto os
pneus do carro chiaram ruidosamente e levantaram o pó do chão, criando uma nuvem castanha.
Em segundos, o veículo havia desaparecido no horizonte, dirigindo-se rapidamente em direcção à
cidade ocupada pelos militares.
***
[Cerca de três meses antes]

“O que quer dizer com isso de ‘a Sra. Sutherland não está cá’?! Ela está hospitalizada aqui há mais
de meio ano! Não ia assinar a própria alta sem sequer nos informar!” O Inspector Charles H. Smith
perdera a paciência. Depois de quinze minutos a discutir com a assistente do Centro Hospitalar
Psiquiátrico St. Mary, estava finalmente a falar com a pessoa responsável por dar alta aos pacientes.
“Inspector, tem de compreender; a Sra. Sutherland não foi institucionalizada coercivamente.
Permaneceu aqui apenas enquanto assim o quis,” explicou a educada senhora de meia-idade.
“Sim, eu sei disso! Estive aqui ainda a semana passada a visitá-la!”
“Pois bem, no domingo passado, ela assinou a própria alta,” informou brevemente a senhora.
Os olhos do inspector arregalaram-se. “E não vos ocorreu notificarem-nos?” Não podia acreditar no
que estava a ouvir.
“Por que haveríamos de fazê-lo?” questionou a mulher com uma expressão cerrada, como se fosse
totalmente indiferente à indignação do inspector. “Tentamos não ultrapassar os nossos limites de
autoridade, Sr. Smith.”
“Idiota!” Smith bateu com o punho no balcão. “Ao menos parou para pensar na quantidade de
assassinos e criminosos que podem andar atrás de uma investigadora tão conceituada? Ela estava numa
posição totalmente vulnerável aqui, e vocês nem sequer tiveram isso em consideração?!”
“Talvez ela apenas quisesse estar longe das investigações por uns tempos e conseguir ter algum
tempo para ela, longe de todas essas confusões,” sugeriu a senhora. “Mais uma vez, não estamos aqui
para julgar quem quer que seja.”
“Vocês são todos doidos! O mundo está perdido... todos os acontecimentos bizarros por aí fora não
são suficientes, aparentemente! O ser humano também está a perder a capacidade de raciocinar!” Smith
tinha as mãos no ar e agitava-as em frustração absoluta. “Merda... Então, e ela deixou alguma coisa para
trás?”
“Deixou um objecto pessoal, sim. Mas, tal como o nome indica, é pessoal.”
O rosto de Smith mostrou alívio por um breve instante, antes de a sua voz ganhar um tom incisivo.
“A partir deste momento, isto é uma investigação em aberto. Se quer ser acusada de obstrução à justiça,
continue com essa atitude. Caso contrário, traga-me esse objecto, imediatamente!”
“Tem um mandato?” A falta de cooperação da mulher parecia inflexível.
Smith encurtou a distância entre si e a senhora. Inclinou-se para a frente, colocando ambas as mãos
no balcão. “Juro por Deus, se me obrigar a perder tempo precioso a arranjar a porcaria de um mandato,
faço do meu objectivo pessoal fechar este hospital.” Parou por uns instantes para se assegurar de que
estava a ser escutado e não apenas ouvido. “Vou analisar todos os relatórios e toda a história desde o
dia em que isto abriu portas e, garanto-lhe, vou encontrar qualquer coisa, por mais pequena que possa
ser. Vou enterrar este lugar.”
A mulher olhou o inspector em silêncio por uns segundos antes de responder. “Dê-me um minuto,
Inspector.”
Mas que raio é que se passa com esta gente?! Aqueles demónios não chegam? Merda... Nina... para
onde é que tu foste?
Breves instantes depois, a mulher regressou com um livro na mão. “Aqui tem.”
“O diário dela...” percebeu Smith, pensando em voz alta ao segurar aquele objecto encadernado com
pele.
“Sim. Pode levar isso para longe, por favor. Não tenho qualquer vontade de testemunhar tamanha
invasão de privacidade.”
O detective franziu o sobrolho. “Conte com o meu contacto se alguma coisa acontecer à Nina.”
“Adeus, Sr. Smith.”
Smith havia acabado de entrar no carro e o diário já lhe estava a pesar na consciência. O banco do
condutor, aquecido pelo sol, estava a escaldar-lhe as pernas. Baixou a janela, permitindo a entrada de
ar fresco para dentro do carro sufocante, antes de desfazer o nó do atilho do caderno. Depois de se
atrapalhar por momentos, conseguiu abri-lo e folheou-o num ápice até chegar à última página.
Vamos lá ver o que é que se passava na tua cabeça... com sorte, deixaste aqui algum tipo de pista
que nos possa ajudar... a última anotação...
{5 de Setembro de 2014}

Já passou tanto tempo desde que te escrevi. Desculpa-me a minha longa ausência...
Pouco depois de ter tido uma overdose daqueles comprimidos que o psiquiatra do
departamento me prescreveu, fui levada para uma instituição local para receber apoio
psicológico... um hospital psiquiátrico privado... e com um aspecto todo requintado e
tudo. Tive de ficar aqui, a receber tratamento, tanto tempo quanto aquele que os médicos
achassem necessário para a minha recuperação. Caso contrário, seria despedida... já
passaram 10 meses.
Os primeiros 2 meses passeio-os quase sempre a dormir, sob o efeito da medicação...
As minhas memórias desse tempo são confusas e vagas. Mas uma coisa é certa: esses
meses ajudaram-me a ter o descanso que eu tanto precisava. A minha cabeça esteve
limpa de tudo o que tinha acontecido... e de tudo, na verdade...
Os 4 meses seguintes foram o tempo que precisei para voltar a erguer-me. O Smith
visitou-me basicamente todas as semanas, algumas vezes até mais que uma vez por
semana. Fez-me companhia quando mais precisei, neste lugar tão solitário. E graças
à ajuda dele, consegui reconstituir e repensar todas as pistas que tinha conseguido em
relação à morte inesperada da minha filha, assim como todos os outros acontecimentos
estranhos e factos bizarros que descobri. Mesmo depois de todo aquele tempo, continuava
a não haver qualquer pista sobre o que teria realmente acontecido... e aquele corpo que
tinha examinado na morgue...
Mas agora, outros 4 meses depois, tudo veio a fazer sentido. A última peça do puzzle
foi-me oferecida... a toda a gente na verdade... e que informação tão inacreditável.
Há 2 dias, a existência de criaturas sobrenaturais foi confirmada... entidades celestiais
e infernais, de planos de existência que não o nosso, entraram em contacto connosco.
Uma pequena vila foi atacada por um grupo de criaturas demoníacas, resultando em 2
mortes escabrosas, cerca de 10 habitantes feridos que tinham sinais evidentes de tortura
e 3 pessoas raptadas. Ainda estão desaparecidas. E não foi só... Anjos desceram dos
céus para dominar os Demónios...
Líderes religiosos de todo o mundo já falaram com as autoridades; informaram-nas de
que foram contactados por entidades enviadas por Deus há semanas, e que aguardavam
a chegada dos Demónios assim como vários outros ataques futuros do mesmo género.
Afirmam terem sido ordenados pelos seres celestiais para não partilharem o que iria
acontecer até que efectivamente acontecesse, porque seriam desacreditados como falsos
profetas, e não lhes seria dada a devida atenção.
Na verdade, isso seria o cenário mais provável de ter acontecido antes de haver provas
evidentes da existência dos Demónios e dos Anjos... mas é isso o suficiente para provar
que estão a dizer a verdade? Não estarão eles simplesmente a aproveitar-se dos
acontecimentos recentes para tentar exaltar a igreja?
O balanço do poder já parece estar a ameaçar mudar... o que será da sociedade moderna
se a religião levar a melhor mais uma vez, tal como nos tempos idos? Os canais de
notícias de todo o mundo já começaram a falar disto como o início de uma nova era...
A.R. – Anno Revelatio.
Mas... mesmo com tudo o que se está a passar, não consigo evitar pensar no que isto
significa... tudo me diz para aceitar que a minha filha foi morta por qualquer coisa que
envolve actividade demoníaca! E isso significaria que o corpo que tínhamos na Morgue
Municipal de Lemuris era o cadáver de um demónio!
E o que diria isso sobre o facto de Ryo ter sobrevivido o incidente? E como é que o
demónio morreu?! E será que os demónios também mataram os pais de Ryo? Ryo e
Michael... será que estão os dois mortos? Ou será que foram raptados tal como as
outras 3 vítimas de Meadars?

Tantas perguntas... mas agora parece que tenho muito mais a que me agarrar para
prosseguir a investigação. Já não quero saber se perco o emprego, é altura de deixar este
lugar. Não descansarei até descobrir toda a verdade sobre o que aconteceu. Esta viagem
pode, e provavelmente vai, levar-me por caminhos muito perigosos... não quero envolver
mais ninguém nisto. É por isso que estou a escrever esta última anotação.
Smith, se estás a ler isto, como muito provavelmente estás, quero deixar claro que eu
quero ser deixada em paz. Por favor, não me sigas. Tens sido um bom amigo. Obrigada
por todo o apoio que me deste nestes últimos meses tão difíceis... mas agora é tempo de
esqueceres que eu existo. A viagem que estou prestes a começar, tenho de fazê-la sozinha.

Adeus, por agora, querido diário,


Nina Stark Sutherland
***
[Ano 0, 3º mês, A.R.]

Depois de passar o ponto onde a estrada estava fechada, Nina acelerou em direcção à cidade de
Nevelyn. Já haviam passado mais ou menos doze horas desde que as notícias deram conta de um ataque
perpetrado por demónios. A crise demoníaca de maior escala até à data... enquanto que até então as
criaturas só tinham atacado em pequenos grupos, desta vez tratava-se de uma ofensiva em larga escala.
Do nada, entidades infernais asadas haviam surgido como enxames na cidade, assassinando toda a
gente.
Menos de uma hora depois, as recém-criadas forças especiais para o combate à actividade demoníaca
– S.F.D.A. (Special Forces for Demonic Activity) – chegaram ao local para abater a ameaça. Horas
passaram. Em todas as estações de rádio haviam sido anunciadas notícias sobre a chegada de guerreiros
angelicais, mas pouco depois disso, parecia que o Inferno tinha tomado conta daquele lugar. “O
Armagedão caiu sobre nós”, tinha sido o último comunicado oficial. Todos, sem excepção sequer ao
exército, deviam ser evacuados da cidade.
Agora, apenas a uns metros da sua meta, a Detective Sutherland estava a fervilhar com expectativa
e entusiasmo. Depois dos meses passados a sofrer na ignorância, estava finalmente perto de algo que
poderia ajudá-la a desvendar a verdade. A sua vida havia em tempos perdido todo o significado, mas a
expectativa de resolver o mistério e enfrentar a causa do falecimento da sua filha devolvia-lhe um
propósito – dava-lhe a força de vontade para pisar o acelerador em direcção a um encontro do qual não
era provável regressar viva. Apesar de se sentir preparada para qualquer coisa, isso estava bem longe
de corresponder à realidade. Mesmo com todos os cenários macabros que havia presenciado, nada podia
preparar o antigo tubarão do Departamento de Investigação Criminal de Los Angeles para os
acontecimentos que estava prestes a testemunhar.
Na periferia de Nevelyn, o caos desenrolava-se de forma galopante. Dezenas de veículos pejados de
civis corriam velozmente para sair da cidade. Buzinando pelas suas vidas, as pessoas debatiam-se pelo
seu lugar em segurança; soldados alinhados nas ruas faziam o seu melhor para controlar as massas
desesperadas e orientá-las para o caminho de saída mais próximo. Carros embatiam uns contra os outros,
mas os condutores pouco se importavam com os danos – só queriam conseguir fugir por aquele mar de
automóveis.
As ruas onde agora Nina conduzia estavam em contraste absoluto com toda a confusão:
completamente livres de trânsito. Cinco minutos a acelerar para o centro fora tudo o necessário para
que o intenso caos desse lugar a uma fantasmagórica inexistência de vida. Todas as almas haviam sido
evacuadas e o centro de Nevelyn, bem como as redondezas mais próximas, estavam totalmente desertas
de vida humana. À medida que Nina se aproximava da Praça Central (onde o ataque demoníaco tinha,
na verdade, começado) o cenário à sua volta tornava-se mais e mais negro e sombrio... veículos
esmagados contra árvores, semáforos e edifícios em breve dariam lugar a cadáveres espezinhados ou
atropelados.
A um quarteirão de distância, o cenário já era uma tenebrosa representação fiel daquilo que havia
sido anunciado nos meios de comunicação. Restos de cadáveres estavam cobertos de líquidos vitais.
Carros destruídos, quiosques em ruínas, cabines telefónicas e árvores desfeitas rodeavam-na. Sangue
estava acumulado em poças no chão e espirrado nas paredes. Partes de corpos e carnificina pintavam
um quadro de terror e devastação. No meio das vítimas humanas, Nina conseguia ver os vestígios de
criaturas demoníacas, os seus semblantes negros repletos de balas ou absolutamente carbonizados.
Parecia que o S.F.D.A. tinha conseguido fazer alguns danos, mas nem de perto os suficientes. Os
demónios, claramente, tinham levado a melhor.
A detective estava, agora, a conduzir devagar, a antecipar com temor o que podia encontrar ao virar
de cada esquina. Estariam os soldados todos mortos? Teriam os demónios já abandonado ou será que
ainda estavam a combater mais à frente? Não se ouviam quaisquer tiros. Contornou mais uma esquina
e ouviu gritos por perto. Saiu rapidamente do seu carro e continuou o caminho a pé. A todo o redor
havia restos de demónios mortos. Cadáveres cortados ao meio, cabeças decapitadas, membros
separados dos seus respectivos corpos... quem quer que tivesse feito isto, tinham sido impiedosos e
imparáveis no seu ataque. Os rostos das criaturas mortas mostravam expressões horríveis de medo, dor
e pânico. Teria isto sido obra dos anjos?
Subitamente, ouviu-se um grito a plenos pulmões. Nina olhou para a sua direita, num ápice, e viu
um demónio a correr para a frente, aos berros. As suas gigantes asas pretas batiam desalmadamente e
sobre a sua cabeça tinha erguida uma longa espada. Em frente ao demónio, estava a figura sem asas de
um homem, com cabelo branco comprido a escorrer-lhe pelas costas. Este estava curvado sobre si e
assim permaneceu, completamente imóvel. Lançando mão da sua arma, Nina correu para ajudar o
estranho homem. O seu avanço foi interrompido por um súbito clarão e um ranger metálico
ensurdecedoramente afiado. A criatura demoníaca caiu pelo chão, decapitada. Sangue espirrou para
todo o lado e o corpo estremeceu até que a existência vil se evaporasse de uma vez por todas.
A figura solitária, vestida naquilo que outrora haviam sido trajes marfim e que agora eram tecido
ensopado de sangue, caminhou calmamente em direcção a outro demónio. Nina escondeu-se atrás de
um carro, a observar. O demónio gritou e lançou raios de energia das suas mãos. O seu ataque foi
facilmente evadido. A criatura abriu as asas e saltou bem alto, agarrando um corpo com as duas mãos...
estaria a tentar fugir? Nina tapou a boca em choque ao aperceber-se de que o corpo que a entidade
carregava não tinha pernas. Com uma manobra sobre-humana, o lutador sem asas lançou-se ao
demónio, e, de novo, ouviu-se o ecoar do metal. Algo caiu desamparado no chão mas um par de asas
continuou a bater vigorosamente no horizonte, deixando para trás um rasto de sangue.
O guerreiro de cabelo prata aterrou tranquilamente, com o olhar fixo na criatura em fuga e uma mão
erguida na sua direcção. Pareceu preparar-se para fazer alguma coisa quando, do nada, uma sombra
surgiu a voar contra si. Evadiu a investida desviando-se para o lado e o cadáver torcido de uma entidade
alada embateu contra uma parede. Caiu para o chão numa nuvem de penas pérola, sem vida.
Ó meu Deus! Aquilo é... o corpo de um anjo?! Merda... Que raio é que lhe fez aquilo?
Uma criatura monstruosa aparecera junto do lutador ensopado em sangue. As suas massivas asas
pretas roubavam a atenção da sua imponente figura escura. A enorme foice que tinha nas mãos impunha
medo. A lâmina arredondada brilhava à luz do sol, coberta de sangue... Nina sentiu-se ficar com pele
de galinha.
“Agora, criança, verás aquilo de que um verdadeiro demónio é capaz! Não sairás impune depois do
que fizeste aos meus irmãos!”
Merda, tenho de ajudá-lo... não tem qualquer hipótese contra aquele monstro!
Uma voz gélida impediu Nina de abandonar o seu esconderijo. O homem de cabelo cinza falou com
tal calma que era como se não estivesse a ver bem a figura aterrorizadora que tinha à sua frente.
“É agora e aqui que vais conhecer o teu fim, líderzinho de um clã qualquer. Mas não te preocupes,
nenhum dos da tua espécie vai escapar ao destino que a minha lâmina lhes trará. Em breve, o resto
junta-se a ti.”
Bem, quem quer que aquele seja, é completamente louco! pensou Nina, atónita com aquilo que
estava a ver e ouvir. Como pode ele achar que é capaz de vencer aquela... coisa?!
Pelas costas do alto demónio surgiu um anjo com a sua espada apontada ao tronco da aberração. Por
instantes, Nina sentiu-se aliviada – acreditou que a investida inesperada seria certeira. Essa crença
rapidamente se dissipou e o terror invadiu de novo a sua mente. A criatura monstruosa evitou facilmente
o ataque, sem sequer ter de olhar para trás, e, quando o seu oponente lhe passou ao lado, agarrou-o pela
cabeça com as suas longas garras, travando o lutador de asas brancas numa paragem violenta. Depois,
a vil entidade encostou a foice às costas do anjo e, num movimento súbito, amputou-o de ambas as asas.
Este gemeu em agonia à medida que o sangue lhe escorria pelas pernas e se acumulava numa poça
carmesim.
Limpando a sua lâmina, a criatura demoníaca trincou e rasgou violentamente o pescoço do seu
inimigo. A entidade sagrada contorceu-se e gritou enquanto o seu sangue lhe era sugado do corpo.
Completamente congelada, Nina assistiu aterrorizada àquele ser vivo aos berros enquanto esgadanhava
e puxava o braço do demónio e a sua cabeça com cornos, tentando, em vão, libertar-se. Quantos
segundos ou minutos passaram, a detective não saberia dizer.
Um audível estalido marcou o fim da vida da criatura angelical. O corpo caiu inanimado no chão.
“Tu vais conhecer o mesmo fim que esta marioneta desasada, meia-raça!” A voz ríspida da aberração
ressoou profundamente enquanto limpava a boca e o queixo de sangue.
Ma... mas... que... raio...
Surpreendentemente, o guerreiro solitário parecia perfeitamente impávido e sereno. Assistira à morte
horrorosa do anjo sem sequer pestanejar, enquanto tranquilamente embainhava a sua espada de aspecto
japonês. Não proferiu qualquer resposta à provocação do demónio. Nina podia jurar ter até visto um
sorriso nos lábios do homem quando este se curvou e segurou a arma ao nível da cintura.
A presença imponente da entidade demoníaca era aterradora, todavia, Nina não conseguia ignorar
os detalhes sinistros das suas feições. Um par de longos e contorcidos cornos, quase como os de um
carneiro, brotavam de cada lado da sua cabeça careca. Dois olhos totalmente negros eram emoldurados
por carregadas veias também elas negras, como se a escuridão se propagasse para o exterior a partir da
alma da criatura. Lentamente, o seu olhar encontrou um maxilar marcado por dentes anormalmente
grandes e caninos que espreitavam para lá dos lábios fechados. As enormes asas cobertas de penas
pretas estavam agora dobradas, permitindo ver melhor as vestes negras e amarelas elaboradamente
adornadas, cobertas naquilo que Nina assumiu ser o sangue de incontáveis vítimas angelicais.
Perante um olhar mais atento, o lutador de cabelo prata também não era, definitivamente, humano.
Tinha semelhanças com os demónios: a sua pele era notoriamente pálida e os olhos totalmente escuros.
Porém, não tinha asas nas costas e estava evidentemente a lutar do lado dos anjos – ou contra os
demónios, pelo menos.
Quem... ou o que és tu?
Ambos os inimigos estavam imóveis, fitando-se mutuamente com as armas prontas para o embate.
Em seu redor, a cidade devastada era abraçada por uma estranha e inesperada quietude. A atmosfera
estava extremamente pesada e ficava-o mais e mais com o rastejar dos segundos. Nina sentiu-se ansiosa.
Não fazia qualquer ideia do que esperar ou sequer de quem seriam aquelas criaturas, no entanto, de
alguma forma, sentia que o desfecho desta batalha podia alterar o próprio decurso da história da
Humanidade.
Subitamente, o demónio lançou-se para a frente com uma velocidade sobrenatural. Esticou as suas
asas e ergueu bem alto a sua foice gigante antes de a deixar cair com tamanho impulso que cortaria
virtualmente tudo o que se metesse no seu caminho. O guerreiro sem asas evadiu agilmente a investida,
deslizando para o lado, e com um único momento desembainhou a espada e atacou com tão incrível
velocidade e precisão que Nina quase conseguia imaginar a cabeça do demónio rolar-lhe do pescoço.
Recorrendo à pega metálica da foice, a criatura conseguiu, no entanto, proteger o seu pescoço. A força
poderosa do impacto gerou um ribombante tinido.
O líder demoníaco foi projectado uns passos para trás e, ainda a recuperar o equilíbrio, já tinha o seu
adversário em cima dele. Com um ataque directo, o lutador enterrou a ponta da bainha da sua espada
no estômago da entidade vil e, num ápice, girou sobre si e disferiu um pontapé rotativo. Rodando a
katana para uma pega invertida, o homem peculiar tentou um golpe rápido para cima, procurando cortar
a garganta do demónio, mas este conseguiu recuperar os sentidos a tempo de aparar o ataque. O
guerreiro de cabelos brancos respondeu rapidamente, aproveitando o ímpeto que a manobra defensiva
do oponente lhe havia conferido. Numa volta completa, projectou a sua espada para cima, empalando a
criatura pelo meio do peito.
Os sentidos de Nina estavam embriagados com tanto estímulo. Estava a ter dificuldades em
acompanhar os movimentos dos dois lutadores a uma velocidade tão espantosa, todavia, conseguiu ver
nitidamente aquela investida bem-sucedida. Suspirou em profunda surpresa ao assistir àquilo que
parecia ser uma vitória rápida do exterminador de demónios. Tudo e todos ficaram imóveis, como se o
próprio tempo estivesse a suster a respiração... sangue flutuava perdido no ar, espirrando das costas do
monstro onde larga parte da espada do homem brilhava intensamente, reflectindo a luz do sol por entre
os fluidos vitais demoníacos que a banhavam.
De alguma forma, não havia qualquer sinal de fraquejo por parte da entidade asada. Quando o seu
oponente se preparava para torcer e remover a lâmina, agarrou-o subitamente pelo pescoço e deu-lhe
uma poderosa cabeçada. Num piscar de olhos, o demónio saltou para a frente com o impulso de um
poderoso bater de asas e girou sobre si em pleno voo, aparentemente incólume face ao facto de ter uma
espada alojada no peito. O homem cambaleou para trás, procurando restabelecer os sentidos, enquanto
uma sombra passava por cima da sua cabeça. A criatura das trevas aterrou atrás dele, agachada, com a
massiva foice nas mãos. Num movimento de lua cheia, disferiu um golpe circular que cortou desde o
chão e por cima das suas asas, levantando uma densa nuvem de pó e fragmentos de pedra.
Nina viu o arco de sangue espirrado pelo ar, vindo da posição do homem até ao chão atrás do
demónio. Olhou para a lâmina da foice, na expectativa de encontrar o corpo do guerreiro empalado
nela. Ao invés disso, viu a extremidade da arma coberta de sangue enterrada no chão até meio. Quando
a poeira assentou, a figura desasada tornou-se visível e deixou-se cair de joelhos.
“És melhor do que pareces! Foi precisa muita técnica para escapar àquele ataque. É uma pena que
tenhas de morrer aqui.” As palavras impactantes da entidade monstruosa mostravam piedade pelo seu
oponente. Não houve o menor laivo de dor quando a criatura removeu a longa katana do seu tronco e a
deixou cair no chão. Uma intensa luz surgiu na sua mão e envolveu a ferida aberta – numa questão de
segundos, o peito da criatura estava totalmente curado.
Oh meu deus... este monstro é imbatível... ele vai morrer... tenho de ajudá-lo!
“Ajoelha-te e aceita a tua derrota. Morre com honra,” exigiu o demónio.
“Argh...” A voz do guerreiro solitário soou desmaiada. Para Nina era difícil destrinçar se ele estava a
chorar de dor ou, por outro lado, a rir-se, apesar do quão ridículo isso lhe pudesse soar. “Achas que a
batalha está ganha, demónio?”
“Estás desarmado... tens uma ferida profunda de uma ponta à outra das costas e não possuis
quaisquer recursos para te curares,” afirmou o demónio tranquilamente. “Não é realista acreditares que
ainda podes vencer. Para quê adiar o inevitável? Só estás a tornar as coisas mais difíceis... para toda a
gente. Tenho a certeza que até o pequeno humano que está a assistir a tudo preferia que já tivesse
acabado com isto.”
“Quem... que... humano?!” A voz do lutador ferido falhou, mostrando, pela primeira vez, surpresa.
O monstro... sabe que eu estou aqui?
O ritmo cardíaco de Nina disparou.
O demónio olhou directamente para a sua posição. O seu olhar causou-lhe arrepios por toda a coluna.
“Sai do teu esconderijo, humano. Não tenho qualquer intenção de te fazer mal.”
Ao ver que não tinha outra alternativa, levantou-se de trás do carro. Cautelosa e nervosamente,
caminhou até aos guerreiros, mantendo contacto com a sua arma de fogo. Lentamente direccionou o
olhar para o homem de cabelos brancos, que se debatia por estar de pé. Quando a fitou de volta, os seus
olhos ficaram subitamente diferentes – mostravam espanto, confusão.
Hã? O que é aquele... olhar? O seu... rosto... parece-me familiar, de alguma forma... mas... como é
que é possível?
O sangue acumulou-se no chão à volta do guerreiro. Parecia que a dor não significava nada para ele.
A sua atenção estava totalmente dirigida a Nina.
“Deixa-o ir. Por favor...” suplicou Nina, metendo-se entre o demónio e a sua presa. Enfrentou a criatura
e tentou não gaguejar. O seu coração estava pronto para saltar-lhe da boca. “Não o mates...”
A entidade pareceu surpreendida por momentos. Fitou a detective em silêncio antes de a sua voz
rouca invadir a sua percepção. “Mulherzinha, o que te leva a crer que eu me importo com o que quer
que seja que tu ou alguém da tua espécie tem a dizer?”
“Mas... o que é que nós te fizemos?” questionou frustrada, vencendo o peso enorme que tinha na
garganta. “Por que nos odeias assim tanto?”
“Não tenho qualquer desejo de discutir isso contigo!” exclamou o demónio, dando um passo na sua
direcção. “Desvia-te, a menos que tenhas vontade de morrer!”
Ahh... merda... o que é suposto fazer agora?
“Ugh... Ka... rin?”
“Hã?” Nina olhou para trás perplexa. “O que... disseste?” Aproximou-se do guerreiro que se debatia.
“O que é que me... chamaste?”
O guerreiro parecia genuinamente confuso. O seu rosto emanava dor profunda, tristeza e angústia.
“Por favor! Quem és?! Como é que a conheces?” indagou a detective, com a mente inundada de
questões.
O olhar abismal do homem desceu vagarosamente até ao chão. Quando voltou a fitar Nina nos olhos,
o seu rosto estava, novamente, desprovido de qualquer emoção.
“Mete-te atrás de mim se dás valor à tua vida,” disse, rispidamente.
“O quê? Não! Quero uma resposta!” gritou desesperada.
“Vá lá!” Os olhos negros do guerreiro esbugalharam-se quando gritou, “Agora!”
“Chega de paleio! Sai do meu caminho, humana!”
Assustada, Nina voltou-se para o demónio, que agora soava impaciente.
“Não! Por favor, não o mates! Não vou sair daqui!” Abriu bem os braços, como se estivesse a
formar uma muralha de protecção entre a entidade vil e o homem misterioso atrás dela.
“Chega!” O ser demoníaco aproximou-se de repente e o seu braço moveu-se abruptamente. Tudo
ficou entregue à escuridão.

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