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(P-056)

OS MORTOS VIVEM

Autor
CLARK DARLTON

Tradução
RICHARD PAUL NETO

Digitalização e Revisão
VITÓRIO
O regente de Árcon descobre a verdade —
...Gucky ganha um novo amigo.

Apesar das hábeis manobras realizadas no espaço galáctico,


o trabalho pelo poder e pelo reconhecimento da Humanidade no
seio do Universo, realizado por Perry Rhodan, forçosamente teria
de ficar incompleto, pois os recursos de que a Humanidade podia
dispor na época eram insuficientes face aos padrões cósmicos.
Cinqüenta e seis anos passaram-se desde a pretensa
destruição da Terra, que teria ocorrido no ano de 1.984.
Uma nova geração de homens surgiu. E, da mesma forma que
em outros tempos a Terceira Potência evoluiu até transformar-se
no governo terrano, esse governo já se ampliou, formando o
Império Solar. Marte, Vênus e as luas de Júpiter e Saturno foram
colonizados. Os mundos do sistema solar que não se prestam à
colonização são utilizados como bases terranas ou jazidas
inesgotáveis de substâncias minerais.
No sistema solar não foram descobertas outras inteligências.
Dessa forma os terranos são os soberanos incontestes de um
pequeno reino planetário, cujo centro é formado pelo planeta
Terra.
Esse reino planetário, que alcançou grau elevado de evolução
tecnológica e civilizatória, evidentemente possui uma poderosa
frota espacial, que devia estar em condições de enfrentar qualquer
atacante.
Mas Perry Rhodan, administrador do Império Solar, ainda
não está disposto a dispensar o manto protetor do anonimato. Seus
agentes cósmicos todos eles mutantes do célebre exército —
continuam a ser instruídos no sentido de, em quaisquer
circunstâncias, manter em sigilo sua origem terrana. Porém...
Nesta aventura, Rhodan se vê às voltas com um seqüestro... O
seqüestro de sua amada Thora!

======= Personagens Principais = = = = = = =


Perry Rhodan — O Administrador do Império Solar.
Gucky — O rato-castor; magnífico mutante.
Noir — Outro valoroso mutante.
Fellmer Lloyd — Agente cósmico, também mutante.
Kuri Onere — Uma jovem da raça dos saltadores.
Mansrin — Arcônida, governador de Volat.
Gregor Tropnow e Nomo Yatuhin — Mutantes rebeldes.
Talamon — O superpesado delator.
1

— A solução mais simples seria matá-los todos, talvez com veneno de rato.
Reginald Bell, amigo e representante de Rhodan, fechou o punho e bateu na pesada
mesa de carvalho que ficava junto à janela. Do lugar em que se encontrava tinha uma
visão ampla sobre Terrânia, sede do governo mundial.
— Isso mesmo! Veneno de ratos — piou Gucky, que estava agachado em cima da
mesa.
Perry Rhodan sacudiu devagar a cabeça e contemplou o oceano de pedra das
construções erguidas em meio a uma área fértil, que já fora tudo menos isso. Essa área
ficava na região que antigamente era conhecida como o deserto de Gobi.
— Nosso problema não será resolvido pela violência, amigos. Isso só nos traria
novos inimigos. Se essa gente não puder concordar com nossos planos e nossa atuação,
teremos de sugerir-lhes que procurem outro lugar para morar. Na Terra não há lugar para
eles, pois este planeta pertence à humanidade unida, e a ela não pertencem os indivíduos
que não queiram integrar-se.
— Será que terão de fixar-se na Lua? — perguntou Bell em tom admirado, lançando
um olhar encorajador para Gucky, seu amigo do peito. Naturalmente não estava falando
sério quando aludiu à possibilidade do envenenamento, mas de qualquer maneira sua
atitude parecia mais radical que a de Rhodan. — Acho que até Vênus ainda ficaria muito
perto.
— Vamos despachá-los para uma via láctea mais próxima — sugeriu Gucky. — Ali
não poderão fazer mal a ninguém.
Mais uma vez Rhodan sacudiu a cabeça.
— Vocês caem de um extremo no outro. Procurem uma solução mais cabível para o
caso. Tentem refletir. Os chamados colonos livres não querem submeter-se às nossas
determinações. Não reconhecem o governo mundial. Vocês acham que devemos matar
algumas dezenas de milhares de pessoas, somente porque alguns fanáticos não sabem
raciocinar logicamente? Nada disso; devemos fazer exatamente o contrário. Vamos ajudá-
los.
— Bem, bem — disse Gucky e lançou um olhar de tédio para o teto, como se por lá
ainda pudesse fazer alguma descoberta interessante. — Devemos prestar auxílio aos
coitados dos nossos inimigos...
— O que pretende fazer? — perguntou Bell inclinando-se para a frente, em direção
a Rhodan, que estava sentado bem à sua frente. Gucky estava agachado um pouco ao
lado, pois como telepata já conhecia a disposição que Bell tinha de engajar-se a favor de
Rhodan.
— Serão expatriados — disse Rhodan. — Colocarei à sua disposição uma das
grandes naves esféricas, dou-lhes uma tripulação de duzentos homens e mando que sigam
viagem. Poderão deixar a Terra e procurar outro planeta, onde farão e deixarão de fazer o
que melhor lhes aprouver Não nos preocuparemos mais com eles. Não acha que é a
melhor solução e a mais simples?
Bell acenou lentamente com a cabeça, mas Gucky disse em tom estridente:
— Continuo a achar que seria melhor envenená-los, mas afinal não sou nenhum
monstro. Concordo com qualquer coisa, desde que consigamos livrar-nos dos rebeldes.
Só faço votos de que não se encontrem com nenhum saltador ao qual possam revelar a
posição da Terra.
— Quando isso acontecer, não se recordarão da mesma — prometeu Rhodan ao
perceber que seus amigos concordavam com a decisão que acabara de tomar. Fora mais
fácil convencer o maciço Bell com os cabelos cortados à escovinha que ao teimoso
Gucky, um rato-castor extremamente inteligente e um dos mutantes mais capazes. —
Mandarei que nossa proposta seja apresentada aos porta-vozes dos colonos livres.
— Por que você vive falando em colonos livres? Será que os outros colonos da
Terra não são livres pelo simples fato de se submeterem ao governo mundial? — Bell
apoiou o queixo nas mãos. — Será que nisso não existe algum paradoxo?
— São eles mesmos que se designam assim — explicou Rhodan. — Em nossos
registros oficiais estão consignados sob a designação de Colonos Livres Associados. Ou,
abreviadamente, CLA.
— Que sensato! — disse Bell com um sorriso, olhando para Gucky. — Que acha
disso, seu roedor de cenouras?
O rato-castor exibiu seu único dente, revelando estar disposto para uma
brincadeirinha, pois não levara a mal a alusão às suas tendências vegetarianas.
— Nada mau, Bell, nada mau. A abreviatura poderia dar a entender que se trata de
um novo apelido para você...
Bell procurou atingir Gucky, mas este foi mais rápido. Teleportou-se para a
extremidade oposta da mesa, onde estaria em segurança. Em seus olhos brilhantes lia-se a
intenção de utilizar a terceira faculdade parapsicológica de que dispunha, a telecinese, se
Bell não ficasse bem comportadinho.
Acontece que Bell não estava com nenhuma vontade de ser atirado para o teto. Fez
um gesto ligeiro com a mão.
— Continuemos amigos, Gucky. Não vamos brigar por uma tolice destas. O que
pretende fazer mesmo, Perry?
Gucky voltou ao lugar anterior, completamente tranqüilizado.
Rhodan disse:
— A tripulação já está sendo selecionada. Daqui a algumas semanas, a nave poderá
decolar, e com isso nos livraremos das preocupações com os rebeldes; é ao menos o que
espero. Quem não estiver satisfeito com as condições reinantes na Terra poderá seguir
nessa nave.
— Tomara que não sejam muitos — resmungou Bell, piscando os olhos. — Senão
enviaremos uma frota.
— Dificilmente. O que houve, Gucky?
O rato-castor manteve a cabeça inclinada, numa posição esquisita: perscrutava seu
interior. Evidentemente estava recebendo uma mensagem telepática. Também era
possível que por pura coincidência tivesse captado alguma coisa em que estava muito
interessado. Nesse meio tempo, Rhodan também se transformara num telepata, mas via-
se obrigado a confessar que neste ponto o rato-castor tinha uma superioridade tremenda
sobre ele. Rhodan geralmente só conseguia captar pensamentos enfeixados e direcionais,
e mesmo estes apenas em condições extremamente favoráveis. Quanto a Gucky, este
sabia localizar e compreender qualquer impulso cerebral. Mesmo que esse impulso não se
destinasse a ele.
— Um instante! — piou Gucky e esperou. Subitamente levantou os olhos. — Daqui
a pouco a central de comunicações vai chamá-lo, Rhodan. Trata-se de uma mensagem
importante vinda do espaço. Não tenho a menor idéia do que se trata.
Rhodan contemplou a tela vazia que cobria a parede lateral da sala. Essa tela ligava-
o diretamente ao centro de rádio de Terrânia. Se quisessem alguma coisa dele, usariam...
Já estava chegando!
De repente a tela iluminou-se e formou uma imagem muito real. Um homem
sentado atrás da mesa de controle olhava para o interior da sala como se a parede tivesse
desaparecido e, com ela, todos os muros divisórios. As câmaras e os microfones ocultos
ligaram-se automaticamente. A comunicação entre o gabinete de Rhodan e a central de
rádio acabara de ser estabelecida.
— Há uma mensagem importante vinda da Lotus, chefe. O comandante, Capitão
Markus, expediu o sinal de emergência. A Lotus está regressando à Terra. Poderá chegar
ainda hoje. A comunicação foi interrompida antes que eu pudesse confirmar.
O rosto de Rhodan tornou-se muito sério.
— Não tem qualquer outra indicação, Miller?
— Nenhuma, chefe. A mensagem veio sob a forma de um impulso concentrado cuja
duração não foi superior a um décimo de segundo. Não tive oportunidade de realizar a
determinação goniométrica.
— Obrigado — disse Rhodan. — Continue em recepção e avise-me imediatamente
caso a Lotus volte a chamar.
— Então? — perguntou Bell, que também parecia muito preocupado. — O que
significa isso?
— Isso significa que a quatro mil e trezentos anos-luz daqui ou, mais precisamente,
no Sistema de Heperés, alguma coisa não anda bem. Não demoraremos em saber o que é.
Talvez saibamos ainda hoje.
— E os CLA? — chiou Gucky.
— Isso tem tempo, Gucky. Não devemos dar-lhes tanta importância. No momento,
só o comandante Markus é importante para mim.
Bell levantou-se.
— Vou ao espaçoporto. Afinal, Markus não poderá levar tanto tempo para percorrer
estes miseráveis quatro mil e trezentos anos-luz. É apenas um pulo de gato pelo
hiperespaço.
Gucky sacudiu-se e efetuou uma teleportação que o levou ao chão.
— Não sei por que Bell sempre tem de revelar tamanha insensibilidade, falando de
gatos na minha presença. Será que ninguém lhe ensina que isso não se faz?
Rhodan seguiu os dois com os olhos, mas em seu rosto não havia o sorriso
costumeiro para o qual nunca deixava de ter tempo quando os dois amigos se pegavam.
E foi o que aconteceu, no corredor, e não no gabinete de Rhodan.

***

O comandante Jim Markus só pousou dali a vinte horas.


Disse ter demorado devido a uma espera adicional de notícias do agente cósmico
Fellmer Lloyd, desaparecido no planeta Volat. Quando viu que as mensagens não
chegaram, resolveu voltar imediatamente à Terra a fim de informar Rhodan.
Além de Bell e Gucky, o mutante André Noir assistiu à palestra. Tratava-se de um
excelente hipno que, de certo tempo para cá, também tornou-se possuidor do dom da
telepatia.
— Quer dizer que, conforme era previsto, largou Lloyd no planeta? — perguntou
Rhodan para certificar-se mais uma vez, depois que Markus havia iniciado seu relato. —
O que aconteceu depois disso?
— O que sei é pouca coisa — confessou o comandante. — Lloyd se fez passar por
um prebonense e procurou entrar em contato com Sikeron, nosso elemento de ligação que
foi assassinado. Na oportunidade travou conhecimento com Kuri Onere, filha de um
mercador galáctico estabelecido no planeta. Os habitantes primitivos do planeta de Volat
são insetos, cuja vida se guia por ritos desconhecidos e que são chefiados por uma
mulher, a mãe onisciente. Com o auxílio desta, conseguiu reunir em torno de si um grupo
de inteligências, que foi posto em campo contra dois homens cercados de mistério. Os
dois desconhecidos dotados de poderes sobrenaturais são membros de seu Exército de
Mutantes, Sir. São dois rebeldes.
Rhodan inclinou-se para a frente. Seu rosto não revelou a menor emoção.
— Fale-me sobre eles, por favor.
— Trata-se de Nomo Yatuhin, um telepata pouco eficiente, e de Gregor Tropnow,
um hipno. Ambos se sentem prejudicados porque no planeta artificial Peregrino não lhes
foi concedida a ducha celular que prolonga a vida. Fixaram-se em Volat onde
organizaram a resistência contra a Terra. Juntamente com os saltadores e outros súditos
do Império Arcônida tramam o ataque à Terra, assim que surja uma oportunidade
favorável.
— Minha gente! — murmurou Rhodan, fora de si.
Parecia que custava a acreditar no que acabara de ouvir.
Bell mantinha-se num silêncio obstinado.
— Em todo lugar aparecem traidores — disse Markus para consolá-lo. —
Conseguiram localizar e assassinar Sikeron antes que o mesmo tivesse tempo de
transmitir à Terra aquilo que ficara sabendo. Ao que parece, Fellmer Lloyd também foi
liquidado. Ao menos não consegui captar-lhe mais nenhum sinal de vida. Sua última
mensagem dizia mais ou menos o seguinte: “Três toques de sino. Alarma geral. Yatuhin e
Tropnow são traidores. Ataque contra a Terra está sendo planejado. Cuidado!”
— O que aconteceu com Fellmer Lloyd?
— Ninguém sabe. Desapareceu juntamente com a moça chamada Kuri. De uma
coisa temos certeza: não foram mortos pelos nativos, que até lhes prestaram ajuda.
Rhodan ficou em silêncio por alguns minutos. Os outros também se mantiveram
calados para não perturbá-lo. Noir e Gucky, que eram telepatas, podiam acompanhar as
reflexões do chefe, pois este não bloqueou o cérebro.
Finalmente disse:
— A Lotus está pronta para decolar, comandante Markus? Muito bem. Noir, Gucky
e eu iremos com o senhor, ainda hoje.
O silêncio que se formou após estas palavras durou apenas um segundo. Bell logo
gritou em tom indignado:
— E eu? Não me diga que pretende...
— Infelizmente pretendo, meu caro — disse Rhodan em tom tranqüilo. — Quem
pode ocupar meu lugar por aqui a não ser você?
— Um bom cargo, que lhe proporciona muita honra — disse o rato-castor em tom
zombeteiro e exibiu seu dente roedor num sorriso de escárnio. — Ao menos aqui sua
preciosa vida não correrá o menor perigo. Além disso, Noir, o chefe e eu saberemos dar
conta deste recado que não é nada difícil...
— Meia-porção — resmungou Bell em tom zangado, segurando-se na borda da
mesa.
O rato-castor preferiu não dar nenhuma demonstração de suas faculdades
telecinéticas. Com um salto ligeiro, transportou-se para o colo de Rhodan, lançou um
olhar franco para o chefe e piou:
— Já não estou aqui, chefe. Antes de decolarmos quero arranjar uma coisa. Até lá.
Antes que Rhodan pudesse dizer qualquer coisa, Gucky se desmaterializou.
Ninguém tinha a menor idéia do que pretendia arranjar.
— Que sujeitinho engraçado — observou Markus, fazendo Bell irromper numa
risada que quase chegava a ser histérica.
Rhodan olhou para Noir, que estava sentado à sua frente.
— Providencie para que Anne Sloane seja avisada. No momento encontra-se em
Port Vênus e deve ser informada sobre o paradeiro dos mutantes. Daqui a uma hora
encontramo-nos no espaçoporto, a bordo da Lotus. Markus, venha comigo.
Bell acompanhou-os com os olhos enquanto saíam da sala. Depois levantou-se
lentamente, caminhou para o lado oposto da mesa e acomodou-se na pesada poltrona em
que Rhodan costumava sentar.
A modificação transitória no governo de Terrânia fora realizada sem o menor
espalhafato.
Naquele momento, Bell segurava todos os fios: os fios que mantinham unido o
Império Solar de Rhodan.

***

O choque surgiu poucos minutos após a decolagem da Lotus.


O pequeno cruzador ainda estava apoiado nas colunas telescópicas. Aquela esfera
metálica reluzente media cem metros de diâmetro, mas isso não era nada em comparação
com as naves esféricas de oitocentos e mesmo mil e quinhentos metros. A Lotus era uma
nave pequena mas, se necessário, também saberia defender-se. Além disso, havia a bordo
uma instalação de hiper-rádio e um compensador estrutural, equipamentos que de algum
tempo para cá se encontravam em quase todas as naves do Império Solar. Esse
estruturador fazia com que os hipersaltos não pudessem ser medidos. As naves de Rhodan
podiam percorrer o espaço em silêncio, sem serem percebidas pelas estações
localizadoras dos arcônidas ou de outras raças inteligentes, espalhadas por toda parte.
Os tripulantes dirigiram-se aos postos que deviam ocupar durante a decolagem.
Os passageiros se haviam reunido na sala de comando. Rhodan estava sentado na
poltrona do co-piloto, ao lado de Markus. Como de costume, Gucky se encontrava
deitado num dos sofás e, ao que parecia, sentia muito a falta de Bell. O hipno André Noir
acomodara-se numa poltrona de reserva.
As telas estavam acesas. Na sala de astronavegação, que ficava ao lado, o cérebro
positrônico expelia os dados do hipersalto iminente.
Markus colocou a mão sobre a chave do acelerador.
O espaçoporto, a cidade de Terrânia, o continente asiático e por fim o globo terrestre
mergulharam na imensidão do espaço.
A aceleração era tamanha que, logo após vinte minutos, a Lotus atingiria a
velocidade da luz. A transição poderia ser iniciada no setor espacial situado entre os
planetas externos do sistema.
Foi mais por um pressentimento que Rhodan disse subitamente:
— O rádio está em recepção?
Markus parecia espantado.
— Por quê? Dentro do sistema solar só se costuma usar o rádio comum. Daqui a
pouco as ondas não nos atingirão mais.
Uma ruga vertical surgiu na testa de Rhodan.
— Nem tanto! Em caso de necessidade também se permite o uso do hiper-rádio.
— Conta com alguma emergência? Qual é?
— Ninguém pode saber qual é a emergência que pode surgir neste ou naquele
momento. Acho melhor que as comunicações com a Terra sejam mantidas até o último
instante.
Markus deu de ombros e pegou o microfone do intercomunicador.
— Sala de rádio? Fique em recepção até que se realize a transição. Isso mesmo! São
ordens do chefe.
Rhodan recostou-se na poltrona. Meio distraído, ficou ouvindo os sinais que
estavam sendo captados e transmitidos para a sala de comando. Tinha os olhos pousados
na tela de visão global, que trazia o espaço cósmico circundante para o interior da sala.
Ali estava a Terra, que mergulhava cada vez mais rapidamente no abismo do espaço
e diminuía a olhos vistos. Qualquer astronauta estava perfeitamente familiarizado com o
quadro, mas nenhum humano jamais se saciara de contemplar o formoso planeta verde-
azulado.
Bem ao lado do disco ofuscante do Sol estava Vênus, que parecia uma foice bem
iluminada. Marte, o planeta vermelho, passou numa posição lateral e, aumentando de
velocidade, tomou a direção da popa da nave — se é que num artefato esférico se podia
falar em popa.
As interferências no alto-falante tornavam-se cada vez mais fortes, embora a nave
se afastasse do Sol. As ondas normais de rádio eram refletidas pelo anel de asteróides e
captadas pelas antenas.
Subitamente uma voz rompeu a profusão de sinais e ruídos de interferência.
Era uma voz forte e áspera.
— Alô, Perry Rhodan! Responda. Aqui fala o Coronel Derringer, do Serviço de
Segurança de Marte. Estou chamando Perry Rhodan. Aqui fala...
Rhodan estremeceu, mas a surpresa apenas durou uma fração de segundo. Antes que
o comandante Markus pudesse fazer um movimento Rhodan saltou da poltrona e correu
em direção ã sala de rádio. Gucky seguiu-o com os olhos. Parecia perplexo, mas
continuou onde estava.
No momento em que Rhodan entrava na pequena sala repleta de aparelhos, o
operador de plantão estava estabelecendo o contato com Marte. Lançou um olhar
indagador para Rhodan.
— A mensagem veio pelo hiper-rádio. Quer responder?
— Estabeleça contato com Derringer. Quero falar com ele.
O Coronel Derringer continuava a chamar ininterruptamente e com a mesma
insistência. Seu receptor devia estar em funcionamento, a fim de que não perdesse a
resposta.
— O contato foi estabelecido — disse o operador de rádio, entregando o microfone
a Rhodan. — Pode falar, Sir.
Perry aguardou que o coronel fizesse uma pausa e disse:
— Aqui fala Rhodan, a bordo da Lotus. O que houve, Coronel Derringer?
Por alguns segundos reinou o silêncio. Isso não foi devido ao pequeno espaço de
tempo que a onda de rádio consumiria para percorrer os oitenta ou cem milhões de
quilômetros de ida e volta a Marte, pois a demora não seria superior a um milésimo de
segundo. O silêncio foi causado exclusivamente pela surpresa de Derringer, que não
esperava receber resposta tão depressa.
Mas sua resposta foi lacônica e precisa:
— Graças a Deus, Sir! Qual é sua posição?
— Pouco antes do anel dos asteróides.
— Muito bem. Volte e pouse em Marte.
— Por quê?
— O senhor deu ordem ao mutante Gregor Tropnow para que viesse buscar Thora?
Rhodan empalideceu e segurou-se na mesa com a mão livre. Seus lábios
transformaram-se num traço finíssimo, e só a contragosto se abriram para falar.
— Não, coronel. Estava previsto que minha esposa ficaria em Marte até o fim de
suas férias. O que aconteceu?
— Sinto muito, Sir, mas, nesse caso, suspeita-se de que sua esposa tenha sido
seqüestrada. Foi o que disse Mr. Bell, com o qual acabamos de entrar em contato. Há
poucas horas o mutante Tropnow pousou no planeta e disse ter recebido ordens para levar
Thora. Disse que surgiram imprevistos, e disseram ser necessária a presença da arcônida
em Terrânia. Thora saiu de Marte há exatamente duas horas.
Ao que parecia, Rhodan recuperara o autocontrole. Sua voz não revelava a menor
comoção, mas o rosto continuava pálido.
— Por que as investigações não foram iniciadas mais cedo?
O Coronel Derringer hesitou um pouco e respondeu:
— Ninguém poderia desconfiar de que Thora estava sendo seqüestrada. Os
membros do Exército de Mutantes sempre têm merecido toda confiança.
Era verdade. Subitamente Rhodan deu-se conta de que nenhum homem podia
merecer uma confiança absoluta e incondicional; em algum recanto recôndito do coração
estava escondido o germe da traição. Ou estaria enganado? Não teria sido ele mesmo
quem colocou o germe da traição no coração de Tropnow, ao recusar-lhe a ducha celular
no planeta Peregrino?
Não importava...
— Preste atenção, Derringer. Não irei a Marte. Sei para onde Thora foi conduzida.
Prossiga nas investigações e comunique em que tipo de nave Thora foi levada.
— Já descobrimos. Foi numa nave de reconhecimento de longo alcance tipo Gazela.
— Excelente! Já é alguma coisa. Mantenha-se em ligação com Bell. Estou em
contato de hipercomunicação com o mesmo. Ele me avisará sobre qualquer novidade.
Mais um detalhe. O senhor não tem culpa de nada, coronel.
Ouviu-se um suspiro de alívio.
— Obrigado. Apenas cumpri meu dever...
— Às vezes até isso pode ser um erro. Passe bem.
A comunicação foi interrompida.
O operador de rádio desligou com os dedos trêmulos e lançou um olhar aflito para
Rhodan. Seus lábios moviam-se como se quisesse dizer alguma coisa, mas ao que parecia
não tinha coragem. Perry, que imaginava os pensamentos daquele homem mais do que os
lia, colocou a mão sobre seu ombro.
— Obrigado, amigo. Esse golpe sujo não adiantará nada para esse sujeito; apenas
agravará a pena que o espera. Nada acontecerá a Thora.
Nada acontecerá a Thora...!
Enquanto voltava à sala de comando, as lembranças e os sentimentos atravessavam
seu cérebro como se fossem raios eletrônicos. Continuava a sentir por Thora o amor que
sentira desde o dia quando a conhecera, muito embora naquele primeiro encontro ainda
não desconfiasse de que era o amor que o atraía para junto daquela mulher misteriosa,
cujo mundo primitivo não era a Terra. Sim, ele a amava. Ele, o homem que havia
alcançado a imortalidade relativa, e que tinha a idade de 104 anos e o aspecto de um
homem de quarenta, amava a arcônida Thora, a qual não fora agraciada com o dom da
imortalidade. Era bem verdade que o elixir da vida, subtraído aos aras, mais uma vez
detivera o processo de envelhecimento. Mas por quanto tempo...?
E agora queriam tomar-lhe Thora.
Tolice!
Já a haviam tomado.
Quando entrou na sala de comando, André Noir veio a seu encontro. Uma vez que
era telepata, já estava informado sobre o que havia acontecido.
— Esses patifes! Vamos...
— Deixe para lá, Noir. Ninguém escapa ao castigo que lhe cabe. Até agora sempre
pude respeitar meus inimigos, pois geralmente travavam uma luta honesta e varonil.
Seqüestrar uma mulher para exercer chantagem contra o marido é a coisa mais
vergonhosa que se pode imaginar. Só mesmo um monstro conceberia uma idéia dessas.
— Eu mesmo torcerei o pescoço desse monstro — piou Gucky, que continuava
imóvel no sofá. — Ele não me escapa.
Rhodan lançou um olhar para Markus.
— Quando será realizada a transição?
— Dentro de dois minutos e quarenta segundos, se não houver nenhuma
modificação — hesitou um momento. — O curso e as coordenadas serão mantidas?
— Nosso destino é Volat. O seqüestrador é Tropnow, que foi reconhecido nesse
planeta por Fellmer Lloyd. Não podemos perder um segundo, se não quisermos chegar
tarde.
— Para Tropnow nunca chegarei tarde; poderei chegar cedo demais — resmungou
Gucky no seu canto.
Rhodan não respondeu. Estava sentado em sua poltrona, mudo e com os lábios
cerrados, fitando as telas.
Continuou assim, mesmo quando as estrelas haviam desaparecido, dando lugar ao
terrível vazio do hiperespaço, em que não existia matéria nem tempo...
II
Seis planetas gravitavam em torno do sol Heperés, mas só o segundo estava
habitado. O mundo de Volat, que se situava a mais de 4 mil anos-luz da Terra, ainda
ficava dentro do Império Arcônida. Era um dos entrepostos comerciais mais importantes
dessas inteligências da Via Láctea.
Em Kuklon, a capital, existia o maior espaçoporto; era ali que tinha sua sede o
administrador arcônida de Volat. Permanecia nesse mundo estranho por ordem do cérebro
positrônico de Árcon, a fim de defender os interesses do Império sempre que isso se
fizesse necessário. O Império de Árcon era governado por um computador.
Volat tinha aproximadamente o tamanho de Marte. A gravitação, um pouco inferior
à da Terra; o clima, tropical. A maior parte da superfície do planeta estava coberta de
matas virgens.
No momento em que a Lotus rematerializou-se, precipitou-se para o interior do
sistema à velocidade da luz. Graças ao compensador estrutural podia-se ter uma razoável
certeza de que ninguém havia registrado a transição. Ainda agora a localização
goniométrica era quase impossível. Mesmo que esta fosse realizada, provavelmente
suporiam tratar-se de uma das numerosas naves mercantes que se dirigiam a Volat ou de
lá saíam.
A sala de rádio funcionava a toda potência, mas não havia nenhum sinal que desse a
entender que Fellmer Lloyd em sua Gazela procurasse entrar em contato com a nave. O
mutante ainda devia supor que o comandante Markus continuasse a contornar o sistema
com a Lotus, a fim de exercer as funções de estação retransmissora.
Porém Fellmer Lloyd permanecia em silêncio.
A inquietação fervilhava dentro de Rhodan.
— Prepare a Gazela V — ordenou, dirigindo-se a Markus e fazendo um sinal para
Noir e Gucky. — Está na hora.
— Já não agüentava mais neste sofá — asseverou o rato-castor e escorregou para o
soalho metálico a fim de saltitar em direção à porta. — É duro que nem uma tábua.
As preocupações de Noir eram diferentes.
— A presença da Gazela não poderá ser constatada durante o pouso?
Rhodan respondeu antes de dirigir-se a Markus:
— É claro que não pousaremos na área urbana de Kuklon, mas em alguma área
desabitada do continente principal. Não sabemos onde está Lloyd, mas acontece que
somos telepatas. Um de nós terá de encontrá-lo. E você, Markus, mantenha-se numa
órbita constante, à distância de duas horas-luz de Volat. Acho que será suficiente. Emita a
cada dez horas um raio vetor de um minuto de duração. Ainda não sabemos em que
circunstâncias ocorrerá nosso regresso à nave, e por isso acho que essa precaução é
recomendável.
— Está bem, Sir. O que deverei fazer se a Gazela for atacada?
Um sorriso surgiu no rosto de Rhodan.
— O senhor não fará nada, comandante. Absolutamente nada. Entendido?
Markus confirmou com uma expressão de perplexidade no rosto. Rhodan viu
chegada a hora de uma ligeira explicação.
— Se formos atacados e chegarmos à conclusão de que o inimigo está em condições
de superioridade, nós nos entregaremos. Talvez isso nos leve ao objetivo.
Seguiu Noir, que já se encontrava a caminho do hangar. Gucky preferiu poupar as
perninhas curtas. Aguardou os dois homens diante da escotilha aberta da Gazela.
Esse tipo excelente de nave de reconhecimento tinha dezoito metros de altura e um
diâmetro de quase trinta e cinco metros. O desempenho normal do sistema propulsor
permitia a realização de hipersaltos até de quinhentos anos-luz. O armamento era
suficiente para causar danos consideráveis a um cruzador. Os campos de gravitação
artificiais compensavam bem a pressão causada pela aceleração ou desaceleração.
— O que estamos esperando? — perguntou o rato-castor. — Cada minuto é
precioso, se quisermos pegar esse monstro — a seguir teleportou-se em direção à
comporta.
Gucky devia sentir uma raiva imensa pelos dois traidores. Ao que parecia, não se
dava ao trabalho de examinar os motivos que os tinham levado a proceder dessa forma. O
rapto de Thora era um ato que falava por si.
Rhodan transmitiu mais algumas instruções à tripulação da Lotus e seguiu Noir e
Gucky para o interior da comporta, cuja escotilha se fechou com um baque.
Dali a dez segundos, o disco saiu do cruzador e, mantendo velocidade constante,
deslocou-se em queda livre em direção ao planeta distante. A Lotus mudou de curso e
tomou o rumo que a conduziria à posição em que entraria na órbita prefixada.
Rhodan estava sentado atrás dos comandos. Noir achava-se a seu lado, esperando.
As mãos do hipno encontravam-se pousadas nos controles, que ativariam numa questão
de segundos o potencial defensivo da nave. Gucky manteve-se inativo. Estava sentado
diante do equipamento de rádio, mas não o havia ligado.
Volat aproximou-se rapidamente. Logo chegou a hora de frear a Gazela, que
desenvolvia a velocidade da luz. Embaixo deles, o planeta girava sob os raios ofuscantes
do sol. Naquele instante, Kuklon estava penetrando no campo de visão, sob a forma de
um emaranhado de grandes construções e vias elevadas perfeitamente identificável nas
telas. Ao lado da cidade ficava o amplo espaçoporto, no qual se comprimiam as naves
pertencentes a várias inteligências. Era ali que se encontrava a vida civilizada do planeta,
diante da qual os habitantes primitivos mantinham uma atitude passiva.
Viviam nas matas e nos planaltos. Uma agricultura rudimentar e a caça
propiciavam-lhes os meios de subsistência. Não se interessavam pelos arcônidas,
saltadores e outras raças, que haviam transformado seu mundo numa base do império
legendário.
Só queriam ser deixados em paz.
Rhodan fez a Gazela V descrever uma curva e aproximou-se da face noturna do
planeta de Volat. Desceram mais e passaram pouco acima das matas infindáveis, raras
vezes interrompidas por grandes lagos. Os vales largos dos grandes rios revelavam a
existência de um suprimento apreciável de água. As telas de luz infravermelha revelavam
que nas encostas havia indícios de atividade agrícola.
— Dentro de uma hora Kuklon atingirá a linha de interseção da face diurna e
noturna — disse Noir. — Acho que devemos esperar até lá para pousarmos.
— Vamos pousar antes disso, Noir — respondeu Rhodan e deixou que o disco
descesse mais um pouco. — Em algum lugar lá embaixo, não muito longe de Kuklon,
deve estar Fellmer Lloyd — virou-se para Gucky. — Ainda não captou nenhum impulso?
O rato-castor sacudiu a cabeça sem dizer uma palavra.
Passaram pouco acima de um grande platô de pedra, mas nem sequer a tela
infravermelha mostrou qualquer coisa fora do comum. O platô estava desabitado, ou
então os volatenses haviam camuflado perfeitamente as suas habitações.
Rhodan cometeu um erro. Desativou o campo defensivo que no espaço os protegia
contra os meteoritos. É que esse campo também os protegia contra os projéteis e os raios
energéticos disparados pelas naves inimigas.
O ataque foi tão surpreendente que nenhuma defesa pôde ser esboçada antes que os
danos ultrapassassem o limite crítico.
Um feixe energético verde-azulado surgiu do nada e atingiu a popa da Gazela V. O
solavanco quase arrancou Rhodan do assento do piloto, atirou Noir ao solo e fez com que
Gucky escorregasse através da sala de comando.
O disco começou a cair.
O segundo disparo energético passou ao lado deles e abriu uma clareira chamejante
entre as árvores gigantes da mata.
O disco planou obliquamente em direção à mata. Não obedecia ao jato direcional,
mas a queda pôde ser contida um pouco, motivo por que o impacto não seria tão forte.
— Foram os saltadores! — resmungou Gucky em tom furioso e continuou a
perscrutar seu interior. — Isso mesmo, os mercadores galácticos, nossos velhos amigos.
Não têm a menor idéia de quem sejamos. Agiram de acordo com as ordens superiores.
— Procure ler mais alguma coisa em seus pensamentos — gritou Rhodan. —
Atenção! Pousaremos dentro de dez segundos. Assim que tocarmos o solo, corram para
fora da nave.
Os dez segundos transformaram-se numa eternidade.
De repente, os microfones externos captaram o estalo dos galhos e o estrondo
produzido pelo impacto da nave. Um forte solavanco sacudiu a Gazela. Todos os objetos
móveis foram atirados para fora de seus lugares.
Segundos antes do impacto, Rhodan atirou-se para trás, apoiando-se nos braços e
nas pernas. Escorregou lentamente, atravessou a sala de comando e acabou deitado junto
à poltrona do piloto. E logo depois do baque, a tontura passou.
— Rápido! Vamos dar o fora antes que voltem e nos liquidem de vez.
Estas palavras despertaram Noir, que caíra de lado para fora da poltrona e batera
com a cabeça contra o revestimento metálico de um instrumento. Um filete de sangue
escorria de sua testa, mas de resto parecia estar em perfeitas condições.
Quem se dera melhor fora Gucky. Nem estava na sala de comando.
Antes que a Gazela tocasse o solo, teleportou-se para o ar livre. Não teve tempo de
levar Rhodan ou Noir, motivo por que se viu só, a menos de cinqüenta metros de
distância, quando a nave se precipitou pelas copas das árvores e tocou o solo. Assim que
isso aconteceu, saltou para dentro da comporta de ar e abriu a escotilha interna e externa.
Rhodan arrastou Noir.
— Quebrou algum osso? — perguntou. No corredor ouviu-se um ruído; devia ser
Gucky. — Sente dores?
— Só a cabeça dói — disse Noir com um gemido, colocando a mão na testa. —
Acho que quebrei alguns instrumentos.
— Isso já não importa — disse Rhodan para consolá-lo e viu o rato-castor, que se
encontrava do outro lado da escotilha aberta. — Procure controlar-se. Devemos sair daqui
o mais rápido possível.
Os dois homens atravessaram o corredor estreito aos tropeções e atingiram a
comporta. Dali a dez segundos, corriam juntamente com Gucky em direção à mata
espessa, sem olharem para trás.
O ruído do destróier que se aproximava era inconfundível e dizia mais que
quaisquer palavras.
Logo sentiram-se ofuscados pela luz da explosão. A onda de compressão obrigou-os
a se atirarem ao chão. Rhodan ainda se deu ao luxo de virar a cabeça.
Uma sombra espessa encobria as inúmeras estrelas. Os contornos da outra nave
eram pouco nítidos, mas a mesma devia ser maior que a Gazela. Os desconhecidos não
tiveram nenhuma dificuldade em descobrir a nave derrubada por meio dos instrumentos
de localização. Depois acenderam os holofotes, que mergulharam os destroços da Gazela
numa luz ofuscante.
Rhodan, Noir e Gucky penetraram um pouco mais na floresta.
Foi então que os atacantes cometeram uma tolice. Destruíram os destroços com um
radiador de impulsos, que numa questão de segundos fez com que os metais da Gazela
derretessem e se evaporassem.
Rhodan suspirou aliviado.
— Tivemos sorte. Já receava de que fossem revistar nossa nave. Nesse caso
poderiam ter encontrado certos indícios que dariam a um inimigo inteligente certas
reflexões. Por enquanto Yatuhin e Tropnow não devem ter jogado seu trunfo principal;
até agora ninguém sabe que a Terra ainda existe. É ao menos o que espero.
— E por enquanto ninguém sabe que Rhodan acaba de pousar no planeta de Volat
— resmungou Noir em tom natural. Lançou um olhar ligeiro para o rato-castor e
acrescentou: — E é claro que também não sabem da presença de Gucky, o temível
lutador.
Rhodan não respondeu. Viu os destroços que se desmanchavam na incandescência.
À luz vermelha produzida pelos mesmos, notou o bojo brilhante da nave desconhecida.
Procurou em vão captar os impulsos mentais dos tripulantes, para descobrir alguma coisa
sobre suas intenções futuras. Talvez Gucky tivesse mais sorte.
Mas o rato-castor sacudiu a cabeça.
— Já disse que são saltadores. Um desconhecido contratou-os e a central, que não
sei onde fica, colocou-os na nossa pista. O sistema de alerta já devia ter nos localizado no
espaço.
— É um sistema bem organizado — disse Rhodan. — Será que os dois mutantes
estão por trás disso?
— Quem poderia estar senão eles?
Rhodan acenou com a cabeça e voltou a olhar o céu estrelado.
Ali o quadro era bem diferente daquele da Terra, situada nos confins da Via Láctea.
Ali, na região central da Galáxia, o número de estrelas vistas a olho nu era bem maior.
Uma faixa branca atravessava o firmamento e desenhava as nuvens escuras deixando-as
nítidas.
A nave desconhecida desapareceu, mergulhou no escuro como se nunca tivesse
estado ali. Acabara de cumprir sua missão e regressava à base desconhecida.
Rhodan fez um gesto furioso.
— Terão que pagar a Gazela; e olhem que uma nave de reconhecimento de longa
distância não é barata.
Noir levantou-se.
— E agora? A cidade deve ficar a centenas de quilômetros daqui. A mata virgem...
— Bem; ainda temos Gucky — disse Rhodan em voz baixa e também se levantou.
Em torno deles havia apenas o silêncio, interrompido pelo farfalhar do vento nas copas
das árvores. — Gucky poderá transportar-nos à cidade, se fizermos tanta questão disso.
Mas acho que por enquanto não devemos aparecer. É melhor acreditarem que estamos
mortos.
— Porém estamos na mata virgem... Na minha opinião o ambiente não é nada
confortável. Não sabemos quais são os riscos que nos ameaçam.
— Pelos dados de que dispomos a respeito do planeta de Volat, os animais perigosos
são bastante raros. Por aqui só temos um inimigo: a organização montada pelos
amotinados. Essa organização nos caçará assim que souber que ainda estamos vivos.
Noir encolheu os ombros.
— Não compreendo como um dos nossos homens pode conceber a idéia de matar o
senhor — murmurou. — É uma coisa que ultrapassa minha capacidade mental.
Gucky emitiu um chiado furioso quando Rhodan respondeu:
— A inveja produz o ódio, Noir. E o ódio torna possíveis as coisas mais
inconcebíveis. O motivo de atos incompreensíveis nasce com o ódio, que pode não ter
fundamento, mas às vezes tem. A raiva que sinto por Tropnow tem fundamento. Será que
isso faz alguma diferença sob o ponto de vista moral?
A resposta não veio. Noir manteve-se de pé, mudo e em atitude rígida, fitando a
escuridão impenetrável da mata. Olhava para o oeste, na direção aproximada em que
devia ficar Kuklon.
— O que houve? — perguntou Rhodan em tom preocupado.
O hipno apontou para a escuridão.
— Não sei qual é a distância, mas o fato é que por aí há seres vivos. Estão
pensando, mas não compreendo suas idéias. Estão conversando sobre coisas que para
mim não significam nada.
— São nativos?
— Não faço a menor idéia; provavelmente são volatenses. Que seres serão estes,
Sir?
Rhodan recordou o ligeiro estudo realizado em Terrânia. O que os catálogos dos
arcônidas informavam sobre Volat, o segundo planeta do sol Heperés?
— Os volatenses descendem de insetos, mas evoluíram para uma forma humanóide.
Seu andar é ereto, têm quase dois metros de altura, o corpo é ligado por finas
articulações, têm cabeça grande e olhos salientes, encimados por antenas. Têm pele
marrom-preta, em parte coberta por formações córneas. É uma raça inteligente e
inofensiva que segue ritos estranhos. Sua forma de governo é a do matriarcado.
Provavelmente isto constitui uma tradição do tempo em que eram insetos. São
governados pela mãe onisciente, que exerce um poder ilimitado. Sua linguagem é
imperceptível ao ouvido humano, porque se desenvolve na faixa do ultra-som. Um
telepata não tem a menor dificuldade em comunicar-se com eles, desde que recorra à
mímica. Noir, o senhor deve dar-se muito bem com eles, pois além de ser um telepata é
um hipno, e por isso poderá sugerir-lhes alguma coisa.
— São umas aves estranhas — resmungou Gucky e saiu em direção ao oeste. Seus
olhos de lince haviam descoberto uma trilha estreita. — Estou curioso para saber o que
dirão.
Rhodan sorriu ligeiramente. Também estava curioso.
— Vamos atrás de Gucky — disse, dirigindo-se a Noir. — Ele tem uma tendência
inata ao escotismo.
Noir caminhou na retaguarda. Cochichou:
— No leste também há seres vivos. Estão atrás de nós.
— Estou captando os impulsos mentais, mas não consigo interpretá-los —
respondeu Rhodan em voz baixa. — São saltadores ou arcônidas?
— São impulsos estranhos, idéias diferentes, sujeitas a uma limitação unilateral.
Não, não são criaturas humanas.
— Não são humanos? Será que são volatenses?
Noir sacudiu a cabeça, mas Rhodan não pôde perceber o gesto.
— Em hipótese alguma. Os seres que estão à nossa frente são volatenses. Seu
pensamento também é inumano, mas não é restrito. Os pensamentos que se desenvolvem
atrás de nós parecem provir de cérebros condicionados. O senhor compreende?
— Acho que sim. O senhor quer dizer que só podem pensar numa coisa
determinada. Não é isso?
— Exatamente, chefe. No cérebro deles há lugar apenas para a tarefa que lhes foi
confiada.
— Uma tarefa?
— Isso mesmo — disse Noir em tom tranqüilo. — Só há lugar para a tarefa de
prender-nos.

***

O platô erguia-se da planície coberta pela mata que se estendia até as cercanias da
cidade de Kuklon. Não havia nenhuma estrada que conduzisse para lá, apenas caminhos
solitários e trilhas secretas. Estas ultimas, conforme as circunstâncias, podiam ser
utilizadas por certos veículos, mas bastava que chovesse por mais de dois dias para que
até mesmo as esteiras mais largas atolassem na lama.
Não havia nenhum arcônida ou saltador que conhecesse a situação do platô. Era ali
que residia a misteriosa governante dos volatenses, deusa e rainha ao mesmo tempo. O
local servia de palco para certos ritos estranhos.
As residências dos nativos encontravam-se sob a proteção das copas das árvores, e
eram feitas de um material semelhante ao usado pelas abelhas. Às vezes usavam a
madeira, às vezes uma espécie de fibra, outras vezes o barro endurecido misturado com
palha. As entradas pareciam tocas iguais aos buracos das colméias das abelhas; apenas
eram maiores.
Esse platô de rocha, oculto e praticamente inacessível a quem não o conhecesse, era
a verdadeira capital do mundo de Volat.
Numa das cabanas de aparência primitiva, Fellmer Lloyd achava-se estendido num
leito baixo, segurando a mão de Kuri, que estava sentada sobre a cama, contemplando-o.
Não podia ser considerada bonita na verdadeira acepção da palavra, pois sua formação
óssea chamava demais a atenção; mas seus grandes olhos escuros com um ligeiro traço
mongólico compensavam esse efeito. Tinha a pele avermelhada, e o cabelo cor de cobre.
Era filha de um mercador galáctico.
Fellmer Lloyd lia seus pensamentos como quem lê num livro aberto. Era um
localizador capaz de captar e analisar os modelos das ondas cerebrais. Além disso, era
telepata, o que lhe permitia reconhecer perfeitamente as emoções de outros seres. Sabia
que Kuri gostava dele.
— Estamos em segurança, Fellmer — disse Kuri, dando um tom firme à voz. —
Aqui ninguém nos encontrará.
Fellmer confirmou com um gesto. Embaixo da coberta leve de fibra, seu corpo largo
e musculoso quase chegava a parecer pequeno e débil.
— Ainda bem. Apenas gostaria de saber se o comandante Markus recebeu meu
pedido de socorro e o retransmitiu.
— Antes de mais nada você tem de curar-se — ponderou a moça.
Fellmer sacudiu a cabeça.
— Não estou doente, meu bem. Apenas fui atingido pelo raio de uma arma de
choque. Daqui a um ou dois dias, estarei em condições de andar. Precisamos fazer
alguma coisa.
Kuri levantou os olhos. Alguma coisa se moveu na entrada da cabana. Alguém
entrou.
Era um volatense. Kuri recebeu a estranha criatura com um sorriso amável, pois
sabia que a mesma nunca lhe faria mal. As antenas que encimavam os olhos rígidos
moviam-se, mas Kuri não ouviu nada. Lançou um olhar indagador para Fellmer que, de
repente, aguçou o ouvido e ergueu o corpo.
— O inimigo perdeu a pista e voltou à cidade — disse o volatense.
Só Fellmer pôde ouvir e compreender a voz. Um sorriso surgiu em seu rosto.
— Obrigado, amigo. Vocês nos prestaram um grande serviço.
— A grande mãe, a onisciente, ordenou que vocês fiquem conosco tanto tempo
quanto quiserem.
— Ainda hoje poderei sair da cama. Por mais que gostasse de aceitar o convite,
vejo-me obrigado a recusar. Espero meus amigos, e estes nunca me encontrariam aqui.
O volatense aproximou-se.
— Seus amigos são como você? — perguntou para certificar-se. — São homens
iguais aos que entendem a nossa voz?
— São iguais por fora — disse Fellmer, esquivando-se a uma resposta direta.
— Também vêm do grande vazio?
Fellmer sabia que o grande vazio era o espaço cósmico. Os volatenses não
praticavam a navegação espacial.
— Sim, se quiserem ajudar-me terão que vir de lá.
O volatense acenou lentamente com a cabeça.
— Então são eles — disse.
Fellmer sobressaltou-se.
— Quem?
— Ontem de noite surgiu uma pequena nave redonda vinda do grande vazio.
Acontece que foi atacada e derrubada. Acabamos de receber a notícia.
— Uma nave redonda?
— Isso mesmo; uma nave redonda e achatada.
Fellmer assustou-se. Só poderia ser uma Gazela, uma nave do tipo da que ele
possuía.
Rhodan...
— O que aconteceu com os ocupantes da nave? — perguntou.
— Não sabemos; talvez estejam mortos.
Fellmer ergueu-se abruptamente e colocou os pés no chão. Quando se viu de pé
quase caiu, pois ainda se sentia muito fraco. As conseqüências do choque ainda não
haviam sido superadas. Num gesto resignado sentou-se à beira da cama. Kuri o ajudou.
— Ainda estou muito fraco — confessou. — Mas preciso saber o que aconteceu
com as pessoas que se encontravam na nave derrubada.
O volatense fez um gesto afirmativo.
— Não demoraremos em saber. A mãe onisciente mandou que alguns dos nossos
penetrassem na grande floresta para procurar sua pista. Se estiverem vivos, nós os
encontraremos.
Fellmer Lloyd deixou-se cair na cama.
— Vocês têm de encontrá-los! — disse com um gemido e fechou os olhos.
O volatense afastou-se sem dizer mais nada. Kuri permaneceu em sua companhia.
Lançou um olhar carinhoso para o rosto pálido do terrano.
Na Terra, a vida havia evoluído através de milhões de formas, a partir de uma única
célula-mater. A conclusão final era a de que a evolução paralela da vida em todo o
Universo só podia ser expressa através da respectiva potência.
E justamente essa conclusão revelara-se falha.
Nos diversos planetas, os terranos encontraram seres estranhos e formas
inteiramente novas de evolução, mas o princípio da reprodução, da alimentação e da
morte sempre se assemelhavam.
E os purrenses não constituíam exceção.
Viviam num planeta quente coberto de matas situado praticamente no centro da Via
Láctea. Dispunham de uma inteligência limitada e, com os prós e contras, poderiam ser
considerados uma raça feliz. Pelo menos o foram até que acabaram sendo descobertos
pelas verdadeiras inteligências. Dali em diante, a felicidade chegou ao fim.
Foram principalmente os mercadores galácticos que perceberam o valor dos
purrenses, que eram gatos grandes e robustos, fáceis de serem influenciados por via
sugestiva. Se recebessem uma ordem hipnótica, eles a executavam, houvesse o que
houvesse; nada conseguia desviá-los do objetivo. Os dentes robustos e as garras afiadas
faziam com que se prestassem principalmente à vigilância de prisioneiros e à captura de
fugitivos.
Cinco purrenses foram destacados para capturar os astronautas da nave derrubada,
se os mesmos ainda estivessem vivos. E caso fosse necessário, matá-los. Deslocando-se
num silêncio total através da selva noturna, seguiam seu instinto infalível, que nunca
permitia que perdessem uma pista. Seus corpos ágeis, que mediam mais de dois metros
de comprimento, desviavam-se de todos os obstáculos. Seus olhos de felino rompiam a
escuridão. A ordem hipnótica transformara essas criaturas, originariamente tão pacatas,
em feras perigosíssimas.
No momento em que os fugitivos resolveram fazer uma pausa para descansar,
Gucky voltou a notar os impulsos cada vez mais intensos dos seres desconhecidos que os
perseguiam.
— Não estou gostando — cochichou para André Noir, que estava sentado a seu
lado. — Nos pensamentos das criaturas que estão atrás de nós, há alguma coisa que me
assusta. Minha mente se rebela diante da perspectiva de um confronto com os
perseguidores. Não é propriamente medo. Nunca me aconteceu uma coisa dessas.
Rhodan ouvira atentamente. Sacudiu a cabeça.
— Você nunca teve medo em toda sua vida, Gucky — disse em tom pensativo.
Dirigiu-se a Noir. — O que é que o senhor está sentindo? Também está com medo?
— Não; talvez poderia dizer que é uma certa aversão. Os perseguidores são
criaturas medonhas. O pensamento de capturar-nos é tão intenso como se vivessem
exclusivamente para cumprir essa tarefa. Seus cérebros trabalham apenas para esta
finalidade; todas as outras funções foram “desligadas”.
Gucky mexeu-se, bastante inquieto, e se levantou.
— Vamos dar o fora. Não quero...
Rhodan continuou sentado.
— O que é que você não quer? — perguntou em tom amável, mas em sua voz havia
um ligeiro tom de censura. — Gucky, você não é mais o mesmo.
O rato-castor olhou para a copa da árvore mais próxima.
— Lá em cima estaríamos em segurança. Posso levar todos para lá. A corrida pelo
mato deve ser inútil.
— Talvez você tenha razão — admitiu Rhodan. — Acontece que, como sabe, por
enquanto vejo-me obrigado a não recorrer aos seus dons sobrenaturais. Por enquanto
devem pensar que somos gente normal, não que somos feiticeiros. Mais tarde...
Calou-se. Bem perto ouviu-se um farfalhar quase imperceptível.
Gucky encostou-se ao tronco de uma árvore. Os pêlos da nuca arrepiaram-se. Face
ao elevado grau de concentração em que se mantinha, concluía-se que estava preparado
para a qualquer momento teleportar-se a um lugar seguro. A seu lado, Noir perscrutou
atentamente a escuridão. Rhodan mantinha-se imóvel.
— Já chegaram muito perto. Seria preferível continuarmos, pois não quero
encontrar-me com eles no escuro. De dia as coisas são diferentes. Se conseguirmos fazer
com que só nos alcancem ao amanhecer, será mais fácil lidarmos com eles.
— É verdade! — apressou-se Gucky em dizer e imediatamente se pôs a caminhar.
Noir seguiu-o cauteloso. Rhodan ficou na retaguarda, seguindo os amigos e olhando
sempre para trás. Os ruídos haviam cessado. Era evidente que os perseguidores, fossem
eles quem fossem, não dispunham do dom da telepatia ou de outras faculdades
parapsicológicas.
As horas restantes da noite passaram-se numa tensão quase insuportável. Rhodan
nunca vira o rato-castor tão nervoso e com tamanha disposição para fugir a qualquer
momento. Seu instinto realmente o avisava da existência de um perigo inconcebível, de
cuja natureza Perry e Noir não tinham a menor idéia. Por isso, esses dois não sentiam a
ameaça tanto quanto Gucky.
O céu começou a clarear ao leste e as sombras da noite dissolveram-se rapidamente.
O calor aumentou.
Atravessaram uma grande clareira e pararam embaixo das primeiras árvores.
— Já que queremos esperar os misteriosos perseguidores, o melhor lugar será este
— disse Rhodan e olhou em torno. — A vegetação é bastante densa para dar-nos
cobertura. Por outro lado, o capim que cobre a clareira é tão baixo que não poderá
esconder os perseguidores. Por isso seremos capazes de vê-los. O que acha, Gucky?
O rato-castor agachou-se e fungou cansado.
— Você é um irresponsável porque me faz correr desse jeito quando seria capaz de
transportar-me à face oposta do planeta com um único salto. Minhas perninhas...
— Já sei — disse Rhodan com um sorriso bonachão. — Exigimos demais de suas
perninhas, mas não posso fazer nada para evitar isso. Ainda estão muito longe?
Estava aludindo aos perseguidores. Gucky apontou na direção de onde tinham
vindo.
— Não estão longe. Felizmente não têm muita pressa. Mas não perdem a pista.
Devem ter um faro excelente.
Rhodan parecia surpreso.
— Um faro excelente? Quer dizer que seguem nossa pista que nem um cachorro?
— Isso mesmo; que nem um cachorro ou que nem um felino.
— Ah! — fez Noir e lançou um olhar pensativo para o rato-castor. — Que nem um
gato?
O sorriso de Rhodan tornou-se mais intenso.
— Já começo a desconfiar por que você tem tanto medo dos perseguidores, Gucky.
Talvez sejam mesmo gatos; e todo mundo sabe que você não aprecia essa espécie.
— Ao menos não gosto dos gatos grandes — disse Gucky. — Os gatos têm alguma
coisa contra mim.
Noir olhou para a clareira.
— Será que realmente mandaram animais atrás de nós? Por que eles mesmos não
saem em nossa perseguição? Não seria muito mais fácil?
— Não — disse Rhodan, seguindo o olhar de Noir. Por enquanto nada se movia em
meio ao capim alto. — Não conhecem a mata e não sabem com quem estão lidando. O
senhor não disse que os cérebros dos perseguidores só se ocupam dessa tarefa e parecem
estar sujeitos a alguma forma de condicionamento? Pois é isso. Os gatos, se é que
realmente são gatos, foram treinados para executar essa tarefa. Bem; veremos...
Subitamente Gucky ergueu o corpo. Sem aguardar permissão teleportou-se com um
ligeiro salto para um galho grosso da árvore que ficava atrás dele. Encontrava-se a uma
altura de quatro metros e olhava para a clareira. Seu pêlo continuava arrepiado. Soltou
um grito estridente:
— Estão chegando! Realmente são gatos; que bichos enormes... Têm dois metros de
comprimento e um metro e meio de altura.
Rhodan e Noir só perceberam o movimento do capim. Estavam num lugar muito
baixo para poderem ver mais que isso. Não perderam tempo: subiram na árvore e logo se
viram ao lado de Gucky. O galho era bastante forte para suportar o peso dos três.
Na verdade, cinco gatos gigantescos atravessavam a clareira a menos de duzentos
metros do lugar em que se encontravam. Tinham o nariz grudado ao chão e deixavam-se
levar pelo instinto infalível. Rhodan assustou-se ao lembrar-se de que estavam
desarmados. Por outro lado, não lhe parecia recomendável fugir com o auxílio de Gucky.
Os gatos teriam bastante inteligência para informar seus chefes sobre o fenômeno
inexplicável, e era o que Rhodan queria evitar.
— Daqui a três minutos, estarão embaixo da árvore — chiou Gucky em tom
exaltado. — Precisamos fazer alguma coisa.
— Talvez não saibam subir em árvores — disse Noir.
— Sabem, sim! — retrucou Gucky em tom indignado. — Só lhes garanto uma
coisa: se fizerem isso, dou o fora. Vocês que façam o que quiserem com essas feras. Não
quero ser estraçalhado por elas.
Nunca ouviram Gucky falar dessa forma.
O rato-castor era um “sujeito” valente, que não recuava diante de nada. O que teria
acontecido com ele? Seria o pavor instintivo que sua raça sentia pelos gatos?
— Quem foi que lhe disse que não pretendemos defender-nos, Gucky? — falou
Rhodan sem tirar os olhos dos gatos. — Se quiser, pode começar agora. Mas faça-me o
favor de agir de forma a não provocar suspeitas.
Os pêlos da nuca de Gucky grudaram-se à pele, como se estivessem obedecendo a
um comando. O dente roedor fez uma débil tentativa para aparecer à luz do dia, mas a
tentativa não foi bem sucedida. Subitamente Rhodan e Noir viram uma rocha solta que se
encontrava a menos de vinte metros subir ao ar. Subiu tanto que mal se podia vê-la,
sofreu um ligeiro desvio lateral e precipitou-se em direção ao solo.
Ninguém notou a rápida correção de rota realizada por Gucky.
A pedra caiu do céu como se fosse um meteorito. A pontaria fora correta. Antes de
os felinos perceberem o que estava acontecendo, dois deles foram comprimidos para
dentro do solo e tiveram morte instantânea.
Os três gatos restantes espalharam-se apavorados, mas recuperaram o autocontrole
com uma rapidez espantosa. O fenômeno era totalmente inexplicável para seus cérebros,
e por isso nem procuraram descobrir-lhe a causa. Ao que parecia, eram de opinião que a
queda da pedra não tinha qualquer relação com as pessoas perseguidas. Dois dos
companheiros haviam sido mortos, mas três purrenses seriam suficientes para localizar os
desconhecidos e colocá-los fora de ação.
Voltaram a seguir a pista.
— Isso não teria sido necessário — cochichou Rhodan para o rato-castor. — Por
que teve que matá-los?
— Se a pedra tivesse caído devagar, eles teriam suspeitado de alguma coisa — disse
Gucky, que não demorou em encontrar uma desculpa. — Talvez pensem se tratar de uma
estrela cadente.
— Essa não é a pior piada que você já soltou — retrucou Rhodan e observou os três
gatos que se aproximavam metodicamente da beira da mata. — Mas não posso deixar de
confessar que também teria medo deles se fosse um rato.
— Não sou um rato como qualquer outro — disse Gucky em sua defesa e dispôs-se
a uma fala mais longa, mas viu-se interrompido por Noir.
— Acabam de farejar-nos. Já sabem que estamos em cima da árvore.
Os três purrenses chegaram ao destino. Os olhos verdes e reluzentes olhavam para
os fugitivos. Os três perseguidos encontravam-se bem perto, no galho mais baixo, e
aparentemente os fixavam com um medo terrível.
Acontece que um purrense hipnotizado não sabe o que é compaixão.
No instante exato, Gucky levantou a barreira telecinética. Um dos gatos esbarrou na
mesma em meio ao salto e caiu ao solo com um chiado furioso. Batera no obstáculo
invisível enquanto se encontrava no ar.
Antes que o gato pudesse preparar o segundo salto, aconteceu uma coisa estranha,
para a qual no primeiro instante não houve qualquer explicação.
No meio da mata, ouviu-se um “bum” abafado; o gato, que se dispunha a saltar,
estremeceu e caiu lentamente. Executou alguns movimentos convulsivos com as pernas e
imobilizou-se.
Ao que tudo indicava estava morto.
Rhodan esqueceu-se dos dois gatos que ainda restavam e procurou enxergar através
da vegetação que se estendia ao leste. Não ouviu qualquer som, mas os órgãos telepáticos
captaram alguns fracos impulsos mentais.
Eram volatenses!
O penúltimo dos gatos deu alguns saltos gigantescos em direção aos arbustos mais
próximos. Porém foi atingido pelos atiradores invisíveis, caindo ao chão com um chiado
agudo. Também estava morto.
O último gato fugiu em carreira desabalada.
Rhodan esqueceu-se dos volatenses e gritou para Gucky:
— Não o deixe escapar, mas não o mate. Precisamos descobrir quem são as pessoas
que lhe dão ordens. Será que consegue segurá-lo? Enquanto isso eu me ocupo com os
nossos aliados inesperados.
— Farei o que você pede, por mais difícil que seja — chiou Gucky e seus olhos
seguiram o gato que se afastava em saltos gigantescos. — Vou prender o bicho.
Rhodan e Noir desceram da árvore e levantaram as mãos em direção à mata espessa.
Sabiam que os seres que lhes haviam prestado auxílio os viam e não deixariam de
compreender o gesto.
Ouviram um farfalhar; três volatenses saíram para a clareira. Suas mãos seguravam
zarabatanas, que não estavam apontadas para Rhodan e Noir.
— Somos amigos — disseram em sua linguagem inaudível. — A mãe onisciente
lhes envia seus cumprimentos.
— Ficamo-lhes muito gratos — disse Noir. — Os gatos nos estavam deixando num
aperto.
— Costumam ser chamados de purrenses — informou um dos volatenses. — São
servos dos senhores de nosso mundo e já estraçalharam muitos dos nossos. São
verdadeiras feras.
— O último deles não escapará ao castigo; ainda não o matamos porque precisamos
de algumas informações. Será que vocês conhecem um amigo nosso? Deve estar neste
mundo. Seu nome é Fellmer Lloyd.
Era uma pergunta repentina, mas Noir não estava disposto a perder muito tempo. A
resposta não foi menos abrupta.
— Está conosco e espera por vocês.
Rhodan suspirou aliviado. Adiantou-se e estendeu a mão para os três seres
estranhos. A mão foi apertada, e com isso a aliança entre as inteligências desiguais ficou
definitivamente selada.
Neste meio tempo, Gucky saltara da árvore e caminhava gravemente com seus
passos balouçantes pela clareira coberta de capim, onde o último dos purrenses achava-se
imóvel, aguardando o destino que lhe estava reservado. Os fluxos telecinéticos expedidos
pelo rato-castor o mantinham preso ao chão. Um brilho malévolo enchia os olhos
esverdeados, mas nas camadas mais profundas notava-se o medo que aquela criatura
sentia pelo poderoso adversário que o subestimara de forma tão imperdoável.
Quanto a Gucky, este já havia vencido o medo. Sentiu certa satisfação em colocar-se
diante do inimigo preso e deliciar-se com a visão do mesmo. Ele, apenas um grande rato,
tinha em seu poder um perigoso felino. Era uma pena que seus companheiros de raça do
planeta Vagabundo não pudessem vê-lo, embora fosse provável que nem soubessem o
que vinha a ser um gato.
Rhodan, Noir e os três volatenses aproximaram-se. Estes últimos mantinham suas
zarabatanas em posição, mas Rhodan tranqüilizou-os. Explicou que a essa altura a fera
era totalmente inofensiva, incapaz de fazer qualquer coisa a quem quer que fosse. Após
isso, o rato-castor foi alvo de uma respeitosa admiração, e isto evidentemente lhe fazia
muito bem.
— Noir — disse Rhodan — procure tirar alguma coisa desse purrense. Pergunte
quem lhe dá ordens, de onde veio e tudo que possa ser de interesse para nós.
Provavelmente terá de remover o bloqueio hipnótico colocado em torno do cérebro do
animal.
Foi mais fácil do que pensavam.
Uma vez libertado do comando hipnótico, o purrense transformou-se na criatura
mais pacata que se poderia imaginar. Não soube informar muita coisa, mas o grupo de
amigos ficou sabendo que em Kuklon havia um bando de saltadores e arcônidas dirigidos
por dois personagens misteriosos, que dispunham de poderes mágicos. Um deles lia
pensamentos, enquanto o outro sabia impor sua vontade a qualquer ser vivo.
Rhodan fez um gesto afirmativo.
Essas informações correspondiam ao relatório do comandante Markus. Yatuhin e
Tropnow, os dois traidores, eram antigos membros do Exército de Mutantes.
— Pergunte ao purrense se sabe alguma coisa a respeito de Thora.
O hipno não teve a menor dificuldade em projetar as indagações mentais para
dentro do cérebro do gato. A comunicação era extremamente simples.
Noir sacudiu a cabeça.
— Não tem a menor idéia da existência de uma prisioneira, mas supõe que a mesma
se encontre no quartel-general do bando, se é que está no planeta.
— Onde fica isso?
Mais uma vez houve o jogo mental silencioso.
— Fica num grande edifício, perto do espaçoporto. Está disposto a mostrar o lugar,
desde que não o matemos.
Rhodan parecia espantado.
— Não temos a menor intenção de matar uma criatura que sabe cooperar conosco.
Transmita-lhe isto.
O que se seguiu após isso realmente foi espantoso.
Libertado do campo telecinético gerado por Gucky, o gigantesco gato rastejou em
direção a Rhodan e lambeu-lhe os pés. Depois ronronou fortemente e espreguiçou o
corpo.
Gucky contemplou o quadro com um espanto enorme e recuou instintivamente
quando o inimigo hereditário se aproximou dele para lamber seu corpo. A língua áspera
provocou tamanha cócega no rato-castor que o fez rir baixinho e exibir o dente roedor.
Finalmente deitou de costas, numa atitude convidativa. O purrense fez-lhe o favor de
lamber também a barriga.
Rhodan acompanhou o espetáculo por algum tempo e disse:
— Que gracinha!
Gucky levantou-se de um salto e fez com que o purrense recuasse apavorado.
— É isso mesmo. Seu nome será Gracinha. Vamos ficar com ele, não é, Rhodan?
— Ficar com ele?
— Sim. Vamos ficar com ele para sempre. É meu amigo e...
— Que coisa estranha — disse Rhodan, sacudindo a cabeça. — Às vezes não
consigo compreender como é que se pode mudar de opinião tão depressa — olhou o
gigantesco gato com uma expressão pensativa. O animal parecia inofensivo e encostava-
se carinhosamente a Gucky, como se quisesse agradecer pela confiança que este lhe
concedera. — De outro lado, porém, é compreensível para quem vê o que está havendo.
Pois bem; por enquanto Gracinha poderá ficar conosco. Se as coisas continuarem assim,
ainda acabarei sendo dono de um zoológico.
Gucky inclinou-se sobre o purrense, que estava deitado. Subitamente o processo de
comunicação entre as duas criaturas funcionava tão bem como se nunca tivesse havido o
menor problema entre as mesmas.
Será que o rato-castor também era um hipno?
— Você ficará conosco e seu nome é Gracinha — telepatou Gucky, e Gracinha
compreendeu.
Os três volatenses haviam acompanhado os acontecimentos sem compreender nada,
mas a essa hora já pareciam estar convencidos de que o gato não representava qualquer
perigo para eles. Afinal, os homens eram criaturas estranhas, conforme tantas vezes já
tiveram oportunidade de constatar. Por que quebrar a cabeça?
— E agora — pediu Noir de repente — levem-nos ao seu esconderijo. Precisamos
falar com nosso amigo Fellmer Lloyd.
Sem dizer uma palavra, os volatenses se puseram em marcha, seguidos por Rhodan
e Noir.
Gracinha ia na retaguarda. O rato-castor estava sentado nas suas costas, deixando
que seu novo amigo o carregasse.
Atrás deles, jaziam na mata quatro purrenses mortos. Ao morrerem, ainda eram
feras sedentas de sangue; não tiveram tempo para voltarem a ser as criaturas inofensivas
de sempre.
3

Rhodan ajeitou Fellmer Lloyd no travesseiro.


— Por enquanto o senhor ficará deitado, meu caro, para recuperar-se dos efeitos do
choque. Se houver alguma coisa a fazer por aqui, eu cuidarei disso. Mas conte logo o que
aconteceu. Não sei de nada além daquilo que Markus me contou, e isso não é muito, uma
vez que ele mesmo não estava muito bem informado.
O agente cósmico acalmou-se e lançou um olhar ligeiro para Kuri. Os olhos de
amêndoa da filha dos mercadores estavam dirigidos sobre Rhodan e havia neles uma
expressão de admiração; ao que parecia, o rosto franco daquele homem a cativava. Não é
que Fellmer sentisse qualquer coisa que pudesse parecer-se com ciúmes, mas subitamente
deu-se conta de quanto gostava de Kuri, e de como sentiria sua falta se a perdesse.
— Escondi minha Gazela perto de Kuklon, no meio da mata, e fui à cidade, onde
logo fiquei sabendo que Sikeron foi assassinado porque havia dado com a pista de
Yatuhin e Tropnow. Kuri ajudou-me a montar uma organização por meio da qual
esperava derrotar os amotinados. Porém subestimei o inimigo e fui derrotado. Bem,
praticamente é só isso.
— Não é muita coisa — disse Rhodan, disfarçando o sentimento de decepção para
não deixar o doente ainda mais abatido. — Sabe algo a respeito do inimigo?
Fellmer Lloyd lançou um olhar para Rhodan.
— Tem sua sede num edifício alto nas proximidades do espaçoporto. Esse edifício
foi cognominado como edifício-sede de empresas comerciais ou coisa que o valha. Um
clã dos saltadores aliou-se aos dois traidores mas, ao que parece, não sabe muito bem do
que realmente se trata. Apenas lhes prometeram a vida eterna. Yatuhin e Tropnow
preferem não falar em Rhodan ou no planeta Terra. Não tomaram essa atitude por
qualquer espécie de consideração, mas por motivos puramente egoísticos. Quando
dispuserem dos necessários recursos e de aliados em número suficiente, pretendem
apoderar-se do legado conferido ao senhor.
— Meu legado? — disse Rhodan com uma risada; ao que parecia, a conversa o
divertia. — Se esses indivíduos soubessem como um legado desses é pesado de carregar,
desistiriam do intento.
— De qualquer maneira a vontade de possuir esse legado causou a traição — disse
Lloyd olhando para Kuri Onere. — O que me preocupa é que um dia podem informar os
saltadores de que Perry Rhodan e o planeta Terra ainda existem.
— De qualquer maneira há de chegar o dia em que isso não será nenhum segredo —
disse Rhodan. — E o computador regente de Árcon ficará sabendo que alguém o
enganou. O que mais me alarma é o fato de que em nossas próprias fileiras pôde ocorrer
algo parecido com uma rebelião.
— Um mutante também é apenas uma criatura humana — disse Lloyd, defendendo
seus inimigos. — Os dois se sentem prejudicados por lhes ter sido negada a ducha
celular. Quem sabe se isso não foi um erro?
— Ninguém é infalível — disse Rhodan, esquivando-se de uma resposta objetiva.
Ficou calado por um instante e perguntou:
— Quem é o representante de Árcon neste mundo?
— O nome do administrador é Mansrin. Não o conheço pessoalmente, mas pelo que
dizem é um sujeito muito competente, muito embora a conhecidíssima arrogância
arcônida leve a melhor. Por que fez essa pergunta?
— Por nada — disse Rhodan, que ainda não havia elaborado um plano definido. —
É importante que a gente saiba com quem está lidando.
— Alguns dos meus aliados ainda devem estar neste planeta, se é que sobreviveram
ao ataque. Não tive tempo para cuidar disso.
— É o que Noir está fazendo neste instante — disse Rhodan. — Pelo que estou
informado, houve sobreviventes que neste instante estão tentando acostumar-se a Gucky
e Gracinha.
— Gracinha? — perguntou Lloyd, esticando as sílabas. — Nunca ouvi falar nessa
criatura. Trata-se de um novo membro de nosso Exército de Mutantes?
Rhodan riu.
— Infelizmente Gracinha não chega a ser um mutante; é apenas um purrense. Desde
ontem...
— O que vem a ser um purrense?
— Trata-se de uma raça de felinos gigantes que vive em algum lugar no setor
central da Via Láctea. Esses animais, originariamente inofensivos, são fáceis de serem
hipnotizados e, quando isso acontece, podem transformar-se em feras. Os saltadores e
outras inteligências souberam tirar proveito dessa circunstância. Conseguimos
“desarmar” Gracinha e o acolhemos. Mantém excelente amizade com Gucky.
— O gato e o rato? — disse Lloyd, sacudindo a cabeça. — E olhe que Gucky
sempre teve um respeito tremendo pelos gatos, especialmente os grandes. Lembro-me da
visita ao zoológico de Terrânia. O rato-castor tremia de medo quando passamos pelo
alojamento dos tigres. “É puro instinto”, disse para desculpar-se. E, de repente, acontece
isso? Qual é o tamanho de Gracinha?
— Pode competir perfeitamente com um tigre real adulto.
Lloyd não podia compreender.
— E Gucky consegue dar-se com uma criatura dessas? É inconcebível.
Rhodan sorriu e mudou de assunto.
— Preciso de mais algumas informações, a fim de fazer meus preparativos. Quem
sabe se poderia ajudar...
— Pergunte à vontade. Afinal, não estava dormindo no momento em que fui
atingido pelo raio de choque.
Rhodan submeteu Lloyd a um interrogatório minucioso.

***

— Você devia usar algum disfarce! — recomendou Noir, contemplando Gucky da


cabeça aos pés. — Desse jeito qualquer um logo o reconhecerá.
O rato-castor endireitou o corpo e alisou o pêlo marrom, desgrenhado pelas carícias
de Gracinha.
— Usar um disfarce? — perguntou em tom de perplexidade. — Vou disfarçar-me de
quê? De homem? Isso daria na vista de qualquer pessoa, por mais idiota que essa seja.
— Devia usar ao menos uma capa, para esconder um pouco o pêlo. Talvez achem
que você é um anão.
Gucky suspirou.
— A vida das personalidades importantes não é nada fácil — constatou e, ao que
parecia, o fato lhe servia de consolo. — Se eu fosse como um homem qualquer, tudo seria
muito mais simples para mim. Mas assim...
Rhodan concluiu o desenho que elaborara num pedaço de papel.
— Infelizmente Lloyd não está muito familiarizado com os detalhes, mas ao menos
descobriu onde fica o quartel-general dos traidores. Gucky, você vai saltar para o edifício
e fará uma planta da parte interna. Vamos precisar dela mais tarde, quando começar a
confusão.
— Que confusão?
— Você saberá em tempo. Não se deixe agarrar em hipótese alguma e dê o fora
assim que apareça alguém. Volte quanto antes. Entendido?
— Voarei como o raio — prometeu o rato-castor e lançou um olhar desconfiado
para Noir, que retornava com um pano colorido. — Para que serve esse pedaço de cortina
de circo? Você não vai me dizer que devo usar esse pedaço de pano.
— Por que não? — perguntou Rhodan, que já compreendera os planos de Noir. —
Se alguém o descobrir nesse disfarce, não saberá de onde você vem. Vamos logo, Gucky!
Vista isso. Não seja tão melindroso.
— Mas... — piou Gucky em tom lamentoso. Parecia que teria de pagar por todos os
pecados do Universo.
— Não há nenhum mas! — disse Rhodan em tom implacável. — Acha que vai
participar de um concurso de beleza?
Gucky conformou-se com o destino cruel.
Parecia um macaco vestido à maneira dos animais que antigamente o pessoal de
circo costumava levar para despertar a atenção das crianças. Os olhos recriminadores
exprimiam todo o sofrimento do mundo. Num ponto mais afastado, Gracinha
choramingava tristemente; até parecia que Gucky estava sendo conduzido ao cadafalso.
— Só os tolos são vaidosos — disse Rhodan, reprimindo o riso. — Salte logo, meu
velho!
— Seus provérbios são sábios — murmurou Gucky, enfatizando as palavras — mas
não representam nenhum conforto para o meu coração amargurado. Até logo.
Desapareceu antes que os circunstantes tivessem tempo de respirar.
O purrense continuava a choramingar.
Ou será que era uma purrense?
Por enquanto ninguém se dera ao trabalho de verificar este ponto.

***

A cidade de Kuklon, capital do planeta de Volat, era o único lugar desse mundo que
apresentava características interestelares. Ali se concentrava a vida civilizatória. E era a
partir dessa cidade que se administrava o mundo colonial. Os nativos, os volatenses,
pouco se interessavam por essa administração e viviam sua própria vida. Porém sabiam
que, naquele amontoado de lindas construções, moravam os seres que se arrogavam à
qualidade de senhores do planeta.
Volat era antes uma base, e não um mundo colonial propriamente dito. Em algumas
cadeias montanhosas, minérios valiosos eram extraídos. Mas a função principal de Volat
era a de entreposto para os bens vindos de outros sistemas. No centro da cidade, ficava o
edifício da administração de Árcon com sua gigantesca antena de hiper-rádio. A qualquer
momento, o administrador podia entrar em contato com o gigantesco computador
positrônico que governava o império estelar dos arcônidas.
Bem próximo ao amplo espaçoporto ficava outro edifício. Erguia-se bem alto e todo
mundo acreditava que servia de sede a empresas comerciais dos saltadores. Boa parte das
salas dos pavimentes superiores eram alugadas para servirem de escritórios. Centenas de
firmas tinham sede ali.
Nos primeiros minutos Gucky quase não despertou a atenção de ninguém, pois a
Galáxia estava cheia de seres estranhos.
O rato-castor materializou-se numa grande sala do vigésimo pavimento. Felizmente
não havia ninguém por ali, motivo por que sua aparição do nada não foi percebida. Com
um movimento contrariado, arrumou a capa colorida, soltou um profundo suspiro e saiu
caminhando em direção à porta mais próxima.
Essa porta dava para um corredor largo. Havia janelas que permitiam a visão para o
espaçoporto. As naves enfileiravam-se uma ao lado da outra e, entre elas, trafegavam
veículos de passageiros e de carga. Transportadores rápidos deslizavam rapidamente
sobre trilhos reluzentes e, a cada dois ou três minutos, decolava ou pousava uma nave.
— Que movimento! — disse Gucky em tom de admiração, esforçando-se para não
pisar em sua vestimenta.
Caminhava com dificuldade; acontece que não conseguia ver os pés embaixo da
capa, e isso se transformou numa circunstância bastante desagradável. Se alguém o visse
cambaleando, ficaria admirado com o estranho anão que, segundo tudo indicava, bebera
demais.
À sua direita, ficavam as portas com inscrições de nomes de empresas.
No edifício devia haver duas mil salas, talvez mais. Como poderia fazer para
encontrar a sala procurada? Teria de confiar no acaso. Gracinha lhe havia contado que os
estranhos feiticeiros só seriam achados nos pavimentes inferiores.
A porta de um elevador abriu-se bem à frente de Gucky. Alguns saltadores desceram
e apressaram-se em seguir seus caminhos. Apenas um deles lançou um olhar de espanto
para o anão colorido, mas nem se preocupou. Os negócios eram mais importantes.
Gucky suspirou aliviado e entrou no elevador. Dali a vinte segundos, viu-se no
corredor que atravessava o terceiro pavimento. Pelo aspecto exterior o mesmo não se
distinguia da galeria do vigésimo pavimento; apenas, não se viam as inscrições das
empresas. Em compensação, havia sobre as portas algarismos arcônidas, que Gucky
conhecia muito bem.
O rato-castor passou lentamente pelas portas e procurou captar os impulsos mentais
vindos do outro lado das mesmas. Constatou que muitas delas estavam vazias. Em
algumas delas, havia indivíduos inofensivos que não pensavam em nada que pudesse ser
considerado suspeito. Apenas cumpriam as tarefas de cada dia. Não sabiam de nada que
ultrapassasse suas áreas de competência. Só cuidavam de seus pequeninos trabalhos e
nem desconfiavam dos grandes acontecimentos.
Talvez tivesse mais sorte no segundo pavimento, ou no primeiro.
Antes que pudesse voltar, uma porta abriu-se bem à sua frente e um homem saiu
para o corredor. Estacou ao ver Gucky, e este logo reconheceu o perigo. Sabia que não se
tratava de um funcionário como qualquer outro.
— O que está procurando por aqui? Quem é o senhor? — gritou o outro.
O fato aborreceu Gucky, que estava acostumado a ser tratado de maneira diferente.
Porém não se deixou arrastar a qualquer ato irrefletido. Fez uma mesura formal e
declinou seu nome, sacudindo a capa colorida de tal maneira que quase se chegava a ter a
impressão de que se tratava de uma saudação da corte.
— Sou Brabul, rei de Voodoo, nobre saltador. Estou à procura de Mansrin, o
administrador.
O saltador parecia bastante contrariado.
— O administrador mora no palácio. Quem foi que o mandou para cá?
— No espaçoporto alguém me disse que...
— Onde fica Voodoo? Quais são as coordenadas?
Gucky perdeu a paciência.
— Quero falar com o administrador, mas não tenho o menor interesse em contar-lhe
quais são as coordenadas de Voodoo. Isso não lhe interessa.
O saltador também não parecia estar acostumado a que falassem com ele nesse tom.
Levantou o braço e segurou a capa de Gucky.
— Escute seu anãozinho de jardim — disse em arcônida.
Evidentemente a expressão “anãozinho de jardim” tinha uma conotação diferente,
mas Gucky compreendeu. — Você é um sujeitinho bem atrevido. Terei de vigiá-lo.
Vamos, vá andando. E faça o favor de não pensar em bobagens. Vamos ver o que o chefe
acha de você.
Gucky reprimiu a vontade totalmente compreensível de fazer seu interlocutor voar
para o teto ou para fora da janela. Abaixou-se e não esboçou qualquer reação. Saiu
cambaleando com uma expressão de espanto no rosto; fazia uma figura bastante triste.
“Mais tarde farei o saltador pagar por isso”, pensou e conseguiu conservar o
necessário autocontrole.
O saltador parou diante de uma porta do primeiro andar. Uma das mãos segurava a
capa de Gucky, enquanto a outra era encostada ao controle térmico da fechadura. A porta
marcada com o número 18 abriu-se sem o menor ruído.
Gucky foi empurrado violentamente para dentro da sala. Por pouco não tropeça
sobre o pano que o envolvia, e que se enlaçou em suas pernas. Conseguiu manter-se de pé
graças às forças telecinéticas que emitia; felizmente ninguém notou.
Por alguns segundos esqueceu-se do saltador, pois atrás da enorme escrivaninha
estava sentado um homem que conhecia.
Era Gregor Tropnow, o traidor.
Esse homem, que já tinha 88 anos, parecia muito mais jovem graças ao processo
biológico de conservação celular. Quando levantou a cabeça e contemplou a criatura que
acabara de entrar, seu rosto dava mostra de extrema concentração. Não reconheceu
Gucky. O rato-castor não se admirou, pois nunca tivera um contato mais estreito com
Tropnow.
— O que houve?
O saltador perdeu o ar de superioridade. Num tom que quase chegava a ser humilde
informou:
— Este sujeito andou espiando no setor administrativo. Achei que talvez fosse
conveniente o senhor ocupar-se com ele. Alega que quer falar com Mansrin.
Tropnow fez um gesto afirmativo.
— Muito bem. Aguarde lá fora até que eu o chame — não se moveu até que o
saltador acabasse de sair da sala. Depois inclinou-se para a frente e fitou Gucky. — Quem
é o senhor?
— Sou Brabul de Voodoo — disse Gucky com uma mesura solene. — Quero
entregar ao administrador alguns presentes de meu povo. Infelizmente pareço ter errado
de casa.
— É verdade — disse Tropnow, esticando as sílabas, e passou a utilizar sua
capacidade hipnótica.
A ordem silenciosa dirigida a Gucky mandava-o dizer a verdade. É claro que essa
ordem não conseguiu atravessar o campo defensivo do rato-castor, motivo por que não
produziu o menor efeito. Mesmo assim, Gucky teve o cuidado de não deixar que seu
interlocutor percebesse qualquer coisa.
— Trata-se de babuínos adestrados — disse em tom compenetrado.
Tropnow estremeceu.
— O quê? — gemeu fora de si. — Babuínos?
— Isso mesmo — respondeu Gucky com um gesto sério. — Conseguimos adestrar
esses animais raros. Queremos presenteá-los a Árcon. Uma vez que Árcon é o ponto do
Império que fica mais próximo ao nosso mundo, julguei conveniente...
Gucky registrou o alívio no cérebro de Tropnow. O resquício de suspeita
desapareceu da mente do hipno. Certamente estava convencido de que o anão de vestes
coloridas estava dizendo a verdade. Não havia resistência contra a força sugestiva de um
cérebro hipnótico. Por um segundo uma idéia atravessou o cérebro do traidor, e essa idéia
literalmente eletrizou Gucky: Não é nenhum truque de Rhodan para descobrir o paradeiro
de Thora. Ela está em lugar seguro.
— Não temos nada a ver com a administração — disse Tropnow com um sorriso
condescendente. — Lá fora o senhor encontrará táxis que poderão levá-lo ao lugar em
que está Mansrin. Tenha uma longa vida... hum, como é mesmo o nome?
— Brabul, senhor — informou Gucky prontamente e procurou descobrir mais
alguma coisa sobre o paradeiro de Thora.
Mas Tropnow não fez mais nenhuma referência mental concernente a Thora. —
Brabul de Voodoo.
O mutante comprimiu um botão. O saltador entrou.
— Mostre a saída a Brabul, que tem permissão para retirar-se.
Gucky cambaleou para fora da sala e saiu caminhando pelo corredor, em direção ao
elevador. Ficou contrariado ao notar que o saltador o acompanhava. Isso não era nada
agradável, pois não tinha a menor intenção de abandonar tão depressa a toca do leão.
Parou subitamente, mediu o saltador perplexo com um olhar de desprezo e chiou em tom
amargurado:
— Dê o fora, filho de um verme! Não ouviu o homem dizer que estou livre e posso
ir para onde quiser? Dispenso sua companhia.
O saltador era musculoso e tinha quase dois metros de altura. Uma barba ruiva
emoldurava o queixo, e em seus olhos a audácia emparelhava-se com o espírito
empreendedor. Só se sentiu dominado pelo espanto por uma fração de segundo, mas seu
verdadeiro caráter logo levou a melhor.
“Esse anão ridículo. Que atrevimento! Teve a audácia de insultar-me”, pensou.
“Não posso suportar uma coisa dessas.”
Adiantou-se de chofre e segurou Gucky com ambas as mãos.
— Eu o mato, seu monstrinho — disse em tom furioso e puxou-o para junto de si. O
rato-castor ficou satisfeito. Concentrou-se e realizou a teleportação.
No mesmo instante, voltou a materializar-se no platô em meio à mata virgem. O
saltador continuava a segurá-lo. O contato físico fizera com que o rato-castor também o
teleportasse. Evidentemente não teve consciência do fato. Ficou ainda mais espantado ao
notar que, de um instante para outro, encontrava-se num ambiente bastante diverso.
— O que é que eu sou? — chiou Gucky em tom furioso e empurrou o saltador
perplexo para longe. — Um monstrinho? E logo você é quem vem me dizer uma coisa
dessas, seu colosso de carne com cérebro de pulga? Você ainda terá oportunidade de me
conhecer melhor.
— Onde estou? — gaguejou o saltador, que já não compreendia mais nada.
Gucky soltou um assobio estridente. Rhodan saiu de uma das colméias. Noir
seguiu-o de perto. Uma sombra cinzenta atravessou a praça e foi assumindo contornos:
era Gracinha. Cumprimentou Gucky com um choro alegre e rosnou bastante zangado
para o saltador.
— Vamos, seu monte de estupidez — disse Gucky, empurrando o prisioneiro à sua
frente. — Meu chefe quer falar com o senhor, e quero dar-lhe um bom conselho: diga a
verdade.
O saltador lançou um olhar apavorado para o purrense, que continuava furioso, e
pôs-se a andar. Gucky ficou para trás e acariciou Gracinha.
Rhodan lançou um olhar curioso para o visitante forçado, que se aproximou aos
tropeções e parou à sua frente. Não conseguiu ler nada em sua mente além da confusão.
O saltador ainda não compreendia como fora parar ali. Havia algo de errado em tudo isso.
Antes que pudesse abrir a boca para formular uma indagação a esse respeito, o
homem alto de rosto tão franco e severo adiantou-se. A pergunta dirigida a ele foi tão
surpreendente e clara que teve de responder antes que pudesse pensar numa mentira:
— Onde está Thora, a mulher que foi seqüestrada por Tropnow?
— No subsolo...
Rhodan segurou a mão de Noir. Entre eles estava Gucky, que enlaçou os dois com
os bracinhos. O contato seria suficiente para possibilitar a desmaterialização.
— É agora! — disse Rhodan.
Gucky concentrou-se sobre o palácio do administrador e saltou.
Tiveram sorte. Viram-se na cobertura do gigantesco edifício, bem acima da cidade e
junto à antena do hiper-emissor. O local estava ermo. Havia uma escada que levava para
baixo.
Separaram-se.
— Cuidem para que ninguém me perturbe — disse Rhodan. — Fiquem nas
imediações das salas de rádio e intervenham sempre que seja necessário. Manteremos
contato telepático.
O saltador preso lhes havia fornecido todas as informações desejadas. Estavam
perfeitamente cientificados sobre a divisão das peças do palácio de Mansrin.
Ao chegar à porta da sala de rádio, Rhodan hesitou um pouco. Não estava armado.
O que faria se houvesse resistência? A idéia de usar violência causava-lhe repugnância.
Dessa forma, teria de influenciar os outros com o olhar sugestivo e com palavras
enérgicas.
Com um gesto de cabeça, cumprimentou Noir e Gucky. Depois abriu abruptamente
a porta.
Graças ao seu aprendizado hipnótico conhecia as instalações, de um
hipertransmissor. Quase todos os controles eram automáticos. A dificuldade consistia
apenas em regular o aparelho para as coordenadas corretas de transmissão e em conhecer
o sinal de chamada do destinatário da mensagem.
Havia só um homem na sala. Estava sentado numa poltrona e lia. Quando Rhodan
entrou, levantou a cabeça e cerrou os olhos. Por fora, Rhodan pouco se diferençava de um
arcônida ou de um saltador, com exceção de alguns detalhes insignificantes.
— O que deseja? — perguntou o homem em tom indeciso e levantou-se. Não sabia
o que fazer com o desconhecido. — Quem foi que o mandou para cá?
Rhodan olhou para o operador de rádio.
— Trago ordens do administrador. Faça uma ligação urgente para o regente
robotizado de Árcon.
Talvez o homem aceitasse a ordem e executasse o trabalho. Porém o operador de
rádio estava desconfiado...
— Trouxe uma ordem escrita?
Rhodan sacudiu a cabeça e reforçou a potência sugestiva de seu olhar.
A ação produziu o efeito desejado. O operador de rádio foi ao quadro de controle e
dirigiu a energia para as instalações. Com alguns movimentos, ligou o transmissor e o
receptor. Telas acenderam-se. Rhodan foi para o lado, a fim de não ser captado por uma
câmara oculta. Não convinha que o robô o reconhecesse. Sua intenção era fazer com que
o computador quebrasse “a cabeça” para descobrir por que seu interlocutor não aparecia.
— Aqui fala a estação Volat, sistema Heperés. Administração Mansrin. Responda,
regente.
Rhodan chamou Gucky por via telepática. O rato-castor entrou. Perry acenou com a
cabeça, o rato-castor compreendera. Por trás, aproximou-se do operador de rádio, que não
desconfiava de nada, colocou o braço em torno de seu corpo e desapareceu com o
homem. Dali a dez segundos, voltou a materializar-se, sem o operador de rádio.
— Eu o tranquei no porão — chiou muito alegre. — Levarão ao menos duas horas
para encontrá-lo. E quando isso acontecer não poderá fornecer qualquer explicação
sensata sobre a maneira pela qual chegou lá. Ninguém acreditará que algum espírito o
retirou do seu posto.
Rhodan interrompeu-o com um gesto.
— Vá para fora. Cuide juntamente com Noir para que no próximo minuto ninguém
entre nesta sala. O computador regente não deve desconfiar de nada.
Gucky retirou-se.
A resposta da primeira mensagem chegou.
A tela iluminou-se e Rhodan voltou a ver o “rosto” conhecido do regente. Era uma
gigantesca semi-esfera de aço puro que descansava sobre a seção do corte. Tratava-se do
maior computador positrônico do Universo. Ficava a quase 30 mil anos-luz de distância e
estava abrigado num enorme pavilhão, de onde governava o império estelar. As ondas de
rádio percorreram o hiperespaço e transmitiram sua imagem em menos de um milésimo
de segundo.
Ouviu-se a voz mecânica do computador...
— Aqui fala o regente de Árcon. O que houve, Volat?
Rhodan mantinha-se longe da instalação. Disse:
— Alarma, regente! Um grupo de rebeldes revoltou-se contra o Império. O
administrador Mansrin pede o envio de uma pequena frota de apoio.
Houve uma ligeira pausa. Depois ouviu-se a pergunta:
— Não estou recebendo a imagem. Quem está falando?
— O radioperador de plantão, regente. As instalações estão com defeito. O
transmissor de imagens está com defeito. O auxílio é urgente.
Seguiu-se mais uma ligeira pausa. Depois veio a resposta:
— Frota será enviada. Chegará a Volat dentro de vinte e quatro horas planetárias.
Aliás, a imagem da sala de rádio está sendo captada com toda nitidez. Não constatei
qualquer defeito.
Rhodan assustou-se. Não se lembrara da lógica inflexível do computador. Sua
desculpa não fora bem pensada. Decidiu jogar todas as chances numa única carta. Com
uma das mãos, pegou a chave principal que desligava a energia e disse:
— Estou falando por uma linha auxiliar. Os rebeldes... Socorro...
De repente moveu a chave. A instalação foi desligada.
O alto-falante emudeceu.
O computador teria tempo de sobra para refletir.
Um sorriso frio surgiu no rosto de Rhodan enquanto caminhava até a porta. Abriu-a
e saiu para o corredor. Noir e Gucky estavam parados, sem fazer nada. Não aparecera
ninguém que pudesse perturbar Rhodan.
— Pronto! — disse este e continuava a sorrir. — Dispomos de exatamente vinte e
quatro horas para dar uma batida no quartel-general. O regente de Árcon não tolera
qualquer revolta contra o Império. Quando tudo tiver passado, todo mundo acreditará que
Árcon impôs a ordem. Ninguém desconfiará que nós estivemos atrás disso — segurou a
mão de Gucky e de Noir a fim de estabelecer o contato que permitiria o salto de
teleportação. — Deixaremos que Árcon trabalhe por nós. Afinal, já fizemos muita coisa
em favor do regente.
Gucky assobiou para manifestar sua concordância e exibiu o dente roedor.
Foi a última coisa que Rhodan viu antes que se encontrasse novamente no platô da
rocha situado em plena mata virgem. Quando rematerializaram-se, Perry quase pisou o
rabo de Gracinha.
4

OS últimos detalhes do plano de ação foram acertados naquela mesma noite.


— Seria muito mais simples se eu saltasse sozinho para dentro desse ninho de
víboras e tirasse Thora de lá — disse Gucky pela décima vez.
Sentado no chão, estava recostado contra a barriga macia de Gracinha, que se
esticava gostosamente e ronronava baixinho.
— Não é possível — repetiu Rhodan, também pela décima vez. — Estou
interessado principalmente em pôr os dois traidores fora da ação e colocar a culpa nas
costas do computador regente.
— Será que o computador positrônico tem costas? — disse Gucky em tom de
espanto, sacudindo a cabeça.
A expressão de seu rosto era muito séria.
Rhodan já parecia estar cansado de ocupar-se com as sutilezas do rato-castor.
Prosseguiu:
— Quando a frota de guerra de Árcon chegar ao planeta para agir contra os
rebeldes, deve haver prova evidente de que em Volat realmente existem rebeldes.
Acontece que por enquanto ninguém sabe disso. Se houver uma pequena guerra no
edifício que abriga as empresas dos saltadores, os oficiais de Árcon reagirão
imediatamente. Tomara que Mansrin acompanhe a ação. Deve-se ter a impressão de que
Tropnow e Yatuhin se rebelaram contra o Império.
— E as tropas de Árcon avançarão contra os mesmos — disse Noir com um gesto
de concordância. Estava sentado ao lado de Lloyd, que já se recuperara perfeitamente e
ansiava para vingar-se da derrota. — Mataremos dois coelhos com uma só cajadada.
Vamos nos livrar dos inimigos, sem que ninguém saiba de quem eles eram inimigos.
— Desde que fiquem com a boca fechada... — resmungou Gucky.
Rhodan respondeu em tom bastante sério:
— Os traidores não devem ter a menor oportunidade de revelar o segredo. Gucky
cuidará disso.
O rato-castor fez um rosto muito triste.
— Sempre eu! E olhe que sou pacifista. Não consigo matar ninguém...
— Quem está falando em matar? Quero que você se “apodere” dos dois mutantes.
Depois Noir lhes aplicará um bloqueio hipnótico que fará com que se esqueçam de tudo.
O resto será providenciado na Terra.
Gucky sentiu-se tranqüilizado. Fez um gesto de concordância. Rhodan prosseguiu:
— Amanhã pelo meio-dia penetraremos no edifício dos amotinados, com a ajuda da
tropa auxiliar de Lloyd. Mais ou menos naquela hora, deverá pousar a frota de Árcon.
Ainda ao mesmo tempo, alarmarei Mansrin. Este reagirá imediatamente e enviará os
soldados do Império ao lugar em que estivermos. Em meio à confusão generalizada,
seqüestramos os dois mutantes e libertamos Thora. Meu plano é mais ou menos este.
Alguma sugestão?
Lloyd fez um gesto.
— Tenho uma pergunta. Vamos voltar ao platô?
— Naturalmente. Depois providenciaremos o resto.
— Minha Gazela está escondida nas proximidades da cidade. Suponhamos que
neste meio tempo tenha sido encontrada. O que faremos se isso acontecer?
— Não se preocupe. Combinei um sinal de emergência com o comandante Markus.
Além disso, não existe o menor indício de que a nave tenha sido descoberta.
Lloyd hesitou um pouco, mas logo se deu conta de que certamente já haviam lido
seus pensamentos. Lançou um olhar ligeiro para Kuri Onere, que se mantinha um pouco
afastada, acompanhando a palestra.
— O que será feito de Kuri? Se não fosse ela...
Rhodan mostrou um sorriso cheio de compreensão e acenou com a cabeça.
— Kuri irá à Terra conosco. Thora ficará satisfeita em ter mais uma amiga na qual
possa confiar. Mais alguma pergunta?
Fellmer Lloyd suspirou aliviado. Não tinha outras perguntas.

***

Mais um dia raiou sobre a cidade de Kuklon. Como de costume, era um dia
ensolarado e quente. Neste ponto esse dia não se distinguia dos outros de verão. Mas hoje
aconteceria uma coisa que faria dele um dia todo especial.
Ao menos para aqueles que conseguissem sobreviver ao mesmo.
O administrador Mansrin ainda não tinha a menor idéia dos próximos
acontecimentos. Tal qual fazia todos os dias, levantara não muito cedo, tomara um banho
morno e saboreou o lanche.
Ouviu os pedintes costumeiros pertencentes à raça dos nativos e, ainda tal qual fazia
todos os dias, recusara seus pedidos. O que tinha que ver com essas semi-inteligências
primitivas? Poderiam ficar contentes porque pouco se interessava por elas, preferindo
deixá-las em paz.
Depois leu as notícias que acabaram de chegar do setor de rádio. Era bem mais
interessante. Havia cada coisa...
No sistema de Berila, acabara de ser sufocada uma revolta engendrada por uma raça
de seres semelhantes a cobras. Uns vinte mil anos-luz mais adiante, próximo ao centro da
Via Láctea, houve uma tempestade cósmica elétrica, que vitimara uma frota robotizada.
Uma única nave conseguiu escapar à catástrofe e ofereceu um relato vivo. Mansrin
ouviu-o com um ligeiro calafrio. Gostava mais desse tipo de entretenimento que dos
modelos coloridos abstratos que eram projetados nas telas de recreação. Além disso,
escutou que houve uma guerra entre os planetas de um sistema gigante. Nessa guerra
estiveram envolvidos mais de cinqüenta mundos, mas o regente interviera de pronto.
Subitamente Mansrin descobriu o que havia de errado nesse noticiário.
Refletira sobre isso todo o tempo, mas não se deu conta do que lhe chamara a
atenção. Agora sabia. No cronograma das confirmações de recepção, havia uma lacuna.
Uma lacuna considerável!
Durante três horas a estação de rádio esteve desguarnecida, ou então o operador de
plantão dormira.
Procurou o nome e encontrou-o. Também descobriu quem era o operador substituto.
Mansrin, um arcônida não pertencente à classe das criaturas degeneradas e
indolentes, não confiava integral e exclusivamente na tecnologia por eles criada. Ainda
sabia pensar e agir.
E foi o que fez.
— Diga ao operador de rádio Bredag que deve comparecer aqui — ordenou assim
que a ligação com o chefe do pessoal foi estabelecida. — Quero que venha
imediatamente e que traga o cartão de controle eletrônico.
O administrador recostou-se na poltrona e ficou esperando. Não tolerava o desleixo,
ainda mais entre seus colaboradores mais chegados. Se o operador de rádio não pudesse
provar que naquelas três horas do dia anterior não havia chegado nenhuma mensagem,
era porque havia dormido. Ou então porque não se encontrava na sala de rádio.
A porta abriu-se. Mas quem entrou por ela não foi Bredag, mas um jovem arcônida.
Em seu rosto havia uma expressão de perplexidade, misturada com a consciência da
culpa.
— Perdão, administrador. Entrei em serviço na sala de rádio depois do turno de
Bredag. Não estava presente quando entrei na sala. Supus que tivesse saído mais cedo.
Porém, quando o oficial de serviço perguntou por ele, vi que o cartão de controle se
encontrava no quadro. Dessa forma, Bredag ainda não podia ter saído da sala de rádio!
Mansrin estreitou os olhos.
— Não estou com vontade de resolver charadas logo de manhã. Explique melhor o
fenômeno.
— Não existe explicação para o fenômeno, senhor. O cartão de controle foi inserido
no espia eletrônico que controla a única porta de acesso à sala de rádio. Esse cartão
registrou a entrada de Bredag, mas não contém qualquer indicação de que tenha saído.
Logo, Bredag ainda deve encontrar-se no interior da sala de rádio. Acontece que não está
lá!
— Isso é impossível! — exclamou Mansrin e ergueu-se. — Não me venha com
contos de fadas. O que houve com Bredag? Preciso saber.
— Revistamos a sala de rádio, mas não encontramos o menor vestígio de Bredag.
Não queríamos preocupá-lo e por isso preferimos informá-lo só depois que o
incidente fosse esclarecido. Infelizmente isso ainda não aconteceu.
— Ninguém pode enganar o controle eletrônico. Bredag tem de estar na central.
— Acontece que não está — insistiu o operador de rádio. — Só existe uma
explicação lógica: Bredag dissolveu-se no ar e desapareceu.
— O senhor acha que essa explicação é lógica? — esbravejou Mansrin. — Nunca
ouvi uma tolice igual. Hum, talvez haja algum defeito no equipamento de controle. Mas
mesmo se isto tivesse acontecido, tornava-se possível encontrar Bredag.
— Pois é justamente isso, senhor. Não conseguimos encontrá-lo. Nem mesmo nos
seus aposentos.
Mansrin refletiu.
— As três horas que faltam no cronograma deixam-me bastante preocupado. No
momento em que foi ocupar seu posto e não encontrou Bredag, o senhor deveria ter
avisado imediatamente.
— Vez por outra acontece que alguém sai da sala de rádio alguns minutos antes do
revezamento. Qualquer mensagem que chegue é recebida e registrada automaticamente.
Mas no caso isso não aconteceu. A aparelhagem estava desligada.
— Desligada?
— Sim senhor. Ficou desligada durante três horas.
O administrador voltou a recostar-se na poltrona. Lançou um olhar pensativo sobre
o jovem arcônida. Seu instinto lhe dizia que o mesmo estava falando a verdade. Mas nem
por isso o mistério estava resolvido. Pelo contrário...
Uma inquietação começou a espalhar-se pela mente de Mansrin. Em seu
pensamento lógico, orientado segundo os ditames da técnica, não havia lugar para
fenômenos inexplicáveis. Tudo tinha uma explicação, até mesmo um milagre!
— Continue a procurar Bredag. Assim que for encontrado, quero falar com ele.
Mantenha-me informado. Pode retirar-se.
Quando se viu só de novo, fechou os olhos e meditou.
Teve a impressão segura de que esse incidente não seria a única surpresa
desagradável do dia.
E esta impressão seria confirmada.

***

Dali a duas horas, várias pessoas entraram discretamente no gigantesco edifício


situado nas proximidades do espaçoporto. Vinham das direções mais variadas e pareciam
não ter nada uma com a outra. Evidentemente essa conclusão era falha.
Fellmer Lloyd atravessou o corredor do primeiro andar e entrou no bem montado
pavilhão de leitura, junto à sala de recepção. Cumprimentou alguns volatenses que
estavam sentados nas poltronas confortáveis e mergulhados na leitura dos jornais
espalhados por toda parte. Também sentou-se e pegou um livro sobre a construção da
frota espacial arcônida.
A menos de cinqüenta metros dali Rhodan e Noir pararam diante de uma porta.
Havia uma placa que indicava tratar-se da sala no 18.
— Gucky, onde está? — telepatou Rhodan e perscrutou intensamente seu interior.
A resposta veio com uma rapidez espantosa:
— No porão. A primeira sala, instalada como prisão, está vazia. Chefe, dê-me uma
dica sobre o lugar em que devo procurar.
— Assim que tiver, darei — transmitiu Rhodan. — Enquanto isso continue a
procurar.
Depois fez um sinal para Noir e bateu fortemente à porta.
Demorou bastante até que se ouvisse um leve zumbido. A porta poderia ser aberta.
Rhodan ficou admirado por ter sido tão fácil. Esperara enfrentar dificuldades bem
maiores, mas provavelmente Tropnow se sentia muito seguro.
Entrou acompanhado de Noir e fechou a porta.
O traidor estava sentado atrás de sua escrivaninha e fitava os dois homens que
acabavam de entrar. Ao que parecia, seu cérebro recusava-se a compreender o fato de que
o homem que supunha estar a 4.300 anos-luz de distância subitamente se encontrava
diante dele. Demorou quase dez segundos até que a cor de sua pele se modificasse.
Tornou-se branca como a neve; não havia uma gota de sangue nas bochechas. Tropnow
ergueu-se ligeiramente na poltrona, mas logo voltou a afundar na mesma. Sua boca abriu-
se e gaguejou alguma coisa, mas não conseguiu articular nenhum som inteligível.
— Bom dia — disse Rhodan em tom amável, mas sua voz continha um sinal de
advertência para o traidor. — Estimo vê-lo bem disposto. Espero que minha esposa esteja
tão bem disposta como o senhor.
— Rho-Rhodan — balbuciou Tropnow. — O senhor?
— No segundo subsolo há um arsenal. O que devo fazer? — transmitiu Gucky.
— Pegue um radiador de impulsos e solde a porta do lado de dentro — ordenou
Rhodan com o rosto impassível.
Depois voltou a dirigir-se a Tropnow, que continuava trêmulo, e disse:
— Onde está Thora? Fale logo, senão Noir esvaziará seu cérebro. O senhor sabe
perfeitamente como uma pessoa costuma ficar depois disso.
O traidor, também um hipno, sabia perfeitamente que uma intervenção violenta na
consciência pode causar perda parcial da capacidade de raciocínio. Estendeu a mão num
gesto de defesa.
— Direi tudo, Sir. Pode perguntar.
— Já formulei uma pergunta.
Na testa de Tropnow surgiram as primeiras gotas de suor. Brilhavam que nem
pérolas.
— Thora está... está num lugar seguro. O senhor me concede a liberdade se eu
revelar o lugar em que se encontra?
Como hipno que era, Tropnow conseguia ocultar seus pensamentos. Rhodan não
conseguiu descobrir onde estava Thora. Fez um esforço para controlar-se e não
demonstrou a raiva de que estava possuído. Mas sua voz soava fria e perigosa quando
disse:
— Tropnow, eu o previno. O senhor não pode estabelecer condições. O fato de eu o
ter encontrado a uma distância de milhares de anos-luz não lhe diz bastante? Neste
instante, uma frota de guerra arcônida está pousando em Volat, a fim de restabelecer a
ordem. O senhor não tem a menor possibilidade de exercer qualquer vingança contra
mim. Desista Tropnow.
— Será que Thora significa tão pouco para o senhor?
Noir cerrou os punhos, mas Rhodan advertiu-o com um olhar.
— Tropnow! — disse Perry em tom enfático. — Nunca estrangulei um homem, mas
hoje o farei. Neste instante e nesta sala. Eu o previno. O senhor dispõe de dez segundos.
Talvez Tropnow se desse conta de que Rhodan falava terrivelmente sério. Calculou
suas chances, enquanto a mão procurava alcançar o botão de alarma. Faltavam dez
centímetros.
— ...três... quatro... cinco...
Tropnow olhou de esguelha para os dois homens, enquanto sua mão atingia o botão
e comprimia-o. Suspirou aliviado. Naquele mesmo instante, o alarma soaria em todas as
salas em que as forças estivessem de prontidão e chamaria os homens às armas.
Acontecesse o que acontecesse, daquele momento em diante não estaria só. Esse fato
restituiu-lhe a autoconfiança.
— ...dez! — disse Rhodan. Continuava com o rosto impassível, sem demonstrar que
vira o movimento do traidor. Ao desencadear o alarma, Tropnow colaborou com os
planos de Rhodan. Era pouco antes de meio-dia. A frota dos arcônidas devia pousar
naquele instante. — Então, onde está Thora?
Tropnow soltou uma risada sarcástica.
— O senhor disse que me mataria, Rhodan. Pois mate-me, e nunca descobrirá onde
está Thora.
Outra mensagem silenciosa de Gucky foi captada:
— Acabo de descobrir Thora. Ela está passando bem. E agora?
— Espere aí mesmo, Gucky! — respondeu Rhodan e olhou para Tropnow. Depois
disse em voz alta.
— Na verdade, devia aceitar seu convite. Quanto a Thora, não se preocupe. Já
sabemos onde se encontra. Será que não acredita?
Tropnow soltou uma risada monstruosa.
— É verdade; não acredito — precisava ganhar tempo. A qualquer momento os
homens por ele chamados poderiam entrar na sala.
— Pois o azar é seu, Tropnow. Thora está no subsolo. E Gucky está com ela.
— Gucky? Esse rato-castor?
— Então já o conhece?
Ouviu-se o ruído de passos vindo do corredor. Alguém bateu à porta. Tropnow
dispôs-se a fazer um movimento, mas Rhodan advertiu-o com um olhar.
— Espere aí! Até parece que o senhor não preza a vida.
— O senhor não está armado.
Rhodan acenou lentamente com a cabeça.
— Isso não deixa de ser verdade. Mas o senhor não perde por esperar...
Passou a pensar intensamente:
— Ei, Gucky. Deixe Thora por mais algum tempo no lugar em que se encontra.
Traga-nos alguns radiadores portáteis do arsenal. Venha à sala dezoito. Rápido!
Logo reiniciou:
— Mesmo sem podermos contar com sua colaboração no Exército de Mutantes, este
ainda dispõe de muita gente capaz. Aguarde e verá.
O rosto de Tropnow, que já começara a recuperar as cores, tornou a empalidecer.
Voltaram a bater à porta. Desta vez as batidas foram mais fortes e insistentes.
Depois de uma ligeira pausa, um aparelho que se encontrava sobre a escrivaninha de
Tropnow deu um estalo. Uma voz perguntou:
— O que houve com você, Gregor? Aqui fala Nomo. Por que não responde? Qual
foi o motivo do alarma?
Antes que Tropnow pudesse completar o contato, Noir colocou-se a seu lado.
Rhodan pôs o dedo sobre os lábios, ligou o transmissor e disse para dentro do microfone:
— Nomo, venha imediatamente à sala dezoito. Depressa!
Rhodan desligou sem dar outras explicações.
Na porta ouviu-se um chiado suspeito. Uma faixa de solda branca e fulgurante foi
aparecendo. Tentavam penetrar no recinto à força. A situação começava a tornar-se
crítica.
Subitamente, o ar começou a tremeluzir no centro da sala e Gucky surgiu do nada.
Cinco radiadores portáteis caíram ruidosamente ao solo. Eram do tipo que, regulado à
intensidade mínima, paralisava um homem por várias horas. Gucky ia desaparecer
novamente, mas lembrou-se da raiva reprimida desde o dia anterior. Deu um passo
rápido, colocou-se à frente de Tropnow, retesou o corpo e aplicou uma enorme bofetada
no traidor.
— Isto não é nenhum babuíno, mas uma suculenta bofetada — chilreou em tom
alegre. — E vem de mim.
A seguir, repetiu a cerimônia e explicou:
— E esta é pelo rapto de Thora.
No mesmo instante, desapareceu sem deixar o menor vestígio. As bochechas
vermelhas de Tropnow e os cinco radiadores eram o único sinal da presença de Gucky.
Rhodan abaixou-se, colocou dois radiadores no cinto, pegou outro e passou os dois
restantes a Noir.
— Bem, Tropnow, não vamos fazer essa gente esperar mais. Abra a porta antes que
ponham fogo na casa. Ande logo!
Subitamente a porta incandescente abriu-se como que por mãos de um fantasma.
Rhodan dedicou sua atenção ao que se passava no corredor. Sabia que a qualquer
momento Fellmer Lloyd devia aparecer com sua tropa a fim de atacar o inimigo pela
retaguarda.
Três homens passaram pela porta incandescente e precipitaram-se sala adentro.
Estacaram quando viram três armas apontadas em sua direção. Mantinham as mãos
quietas, pois os rostos dos homens que seguravam as armas pareciam muito resolutos.
Tropnow, que continuava atrás da escrivaninha, fez um movimento rápido. No
corredor ouviram-se gritos, e logo alguns disparos de radiações começaram a chiar.
Houve um tumulto. A esperança voltou a brilhar nos olhos dos três homens que acabavam
de penetrar na sala.
Antes que Rhodan tivesse tempo de virar-se, viu pelo canto do olho que Gregor
tirara uma arma da gaveta.
E a arma estava apontada para suas costas.

***

Há horas Bredag, o operador de rádio, martelava em vão as grossas paredes de sua


prisão.
Não tinha a menor idéia do lugar em que se encontrava, e muito menos sabia
explicar como fora parar ali. Estava sentado diante de seu equipamento de rádio, e de
repente se vira nesse recinto escuro. O ar era viciado, como se o condicionador tivesse
ficado sem funcionar há vários meses.
Já dera alguns passos tateantes para descobrir as dimensões do recinto. Media cerca
de cinco metros por quatro. Não havia móveis, e uma porta de ferro o isolava do mundo
exterior.
Certa vez ouvira passos do lado de fora e batera desesperadamente na porta, mas
ninguém o escutara. O ruído dos passos foi tornando-se mais fraco para logo desaparecer
ao longe. Logo depois, o silêncio apavorante voltou a reinar.
Bredag não sabia quanto tempo passara ali. Talvez fossem algumas horas. Ou seria
um dia? Era possível que lá fora já fosse noite.
Agachado num canto, ficou matutando. Se ao menos soubesse como viera parar ali.
Não acreditava em fantasmas. Lembrava-se daquele desconhecido que penetrara na sala
de rádio e pedira uma ligação com Árcon. Será que o mesmo tinha algo a ver com o
acontecimento inexplicável?
— Uma ligação com Árcon? Sim, foi isso mesmo! — exclamou em voz baixa.
Alguém se aproximara dele por trás e o enlaçara com os braços. Antes que tivesse
tempo de descobrir o que significava isso, tudo ficou às escuras e logo ele se viu nesse
cubículo escuro.
Sacudiu a cabeça e balbuciou:
— Será que eu podia encontrar alguém que estivesse disposto a acreditar nessa
história?
Subitamente estremeceu. Teve a impressão de que voltara a ouvir passos diante da
porta metálica. Levantou-se e encostou o ouvido ao metal frio. Só agora se deu conta de
que estava sentindo muito frio.
Havia gente andando lá fora. Ouviu perfeitamente que os passos se aproximavam.
Começou a bater na porta com toda a força. Talvez não bastasse. Abaixou-se ligeiro, tirou
os sapatos e voltou a batê-los de encontro à porta.
Os passos silenciaram; depois aproximaram-se rapidamente.
Bredag ouviu que batiam de volta. Respondeu.
Logo ouviu o zumbido da fechadura eletrônica. A porta abriu-se. A luz inundou a
prisão, e alguém gritou seu nome em tom de surpresa. Cambaleando, o infeliz operador
de rádio saiu para o corredor e caiu diretamente nos braços de seus libertadores, que
ficaram surpresos demais.
Levaram-no ao administrador Mansrin, que ouviu a história fantástica. Estava
incrédulo, mas não ordenou qualquer medida de punição.
Dali a alguns minutos fitando a porta fechada, pensou:
“Quem será o desconhecido que pediu uma ligação com Árcon? Eu, Mansrin, não
havia expedido nenhuma ordem nesse sentido. E quem carregou Bredag para fora da
sala de rádio sem que o cartão de controle eletrônico registrasse seu modelo de
vibrações cerebrais?”
Havia perguntas e mais perguntas, mas nenhuma resposta.
O aparelho de comunicação que se encontrava sobre a escrivaninha emitiu um
zumbido. Ligou com um gesto distraído. Mas sua atitude sonolenta desapareceu quando
ouviu a voz fria:
— No edifício comercial dos mercadores galácticos estão acontecendo coisas
estranhas, administrador. Está havendo um combate com armas de fogo. Ao que parece,
dois grupos inimigos travam uma luta. Um dos nossos homens entrou lá por acaso e a
muito custo conseguiu escapar.
— Uma luta com armas de fogo?
— Sim senhor. Nos pavimentes inferiores do edifício está ocorrendo uma verdadeira
guerra.
Mansrin sacudiu a cabeça.
— Como pode ser possível uma coisa dessas? Já notificaram a polícia?
— Não senhor. O que devemos fazer?
— Chame as tropas de segurança. Estas devem ocupar o edifício e prender os
culpados. Nada de negociações. Em Volat não toleramos tumultos. Vamos agir de
imediato. Irei pessoalmente ao local dos acontecimentos.
Porém, Mansrin não teve tempo para isso.
Mal desligou o aparelho, uma enorme tela presa à parede iluminou-se. Essa tela
estabelecia ligação direta com a sala de rádio do hipertransmissor.
O que seria desta vez?
O vulto de um homem surgiu na tela.
— Administrador, o comandante de frota Arona quer falar com o senhor.
— Arona? Não sei quem é.
Antes que o operador de rádio pudesse responder, sua imagem foi substituída por
outra. Um leve tremor indicava que vinha de grande distância e estava sendo conduzida
pelo hiperespaço. Mas o tom da voz era claro e nítido; não havia a menor distorção.
— O senhor é Mansrin, administrador de Volat?
Mansrin acenou instintivamente com a cabeça. Sabia que seu interlocutor o via.
— Sim. Quem é o senhor e o que deseja?
— Sou Arona, comandante da sétima frota de guerra de Árcon. Fomos informados
de que nesse planeta irrompeu uma revolta. Forneça os dados, para que eu possa
organizar a ação de combate. Encontramo-nos a cinco horas-luz de seu sistema.
Realizaremos uma transição ligeira e pousaremos dentro de meia hora. Ordene a
suspensão imediata de todas as decolagens.
— Por aqui não houve nenhuma revolta! — exclamou Mansrin em tom de
perplexidade. — Não transmiti o alarma para Árcon.
— Recebi ordens do computador regente — disse Arona, recusando outras
explicações. — Tenho que guiar-me pelas mesmas.
“Foi... o desconhecido”, pensou Mansrin. “Quem será o estranho que penetrou em
meu palácio e utilizou a estação de rádio para alarmar Árcon?”
— Volat é um mundo pacífico e...
— Vou desligar — disse Arona em meio à frase. — Pousaremos exatamente dentro
de vinte e oito minutos. Tome todas as providências para que não haja nenhum incidente.
Assim que pousar desembarcarei um exército de robôs e darei ordens para atacar.
Desligo.
A tela apagou-se. Subitamente Mansrin viu-se só. Nunca estivera tão só em toda sua
vida.

***

Noir agiu instantaneamente.


Não tivera tempo para regular seu radiador. Por isso, o traidor Tropnow foi atingido
por toda a carga energética da arma, antes que pudesse disparar contra Rhodan. Teve
morte instantânea.
Rhodan disse em tom frio:
— Larguem as armas, cavalheiros. Tenham cuidado, pois sei atirar tão depressa
como meu amigo. Isso mesmo; estão sendo bonzinhos. E agora caminhem em direção à
parede, fiquem de costas para nós, e não façam o menor movimento.
Empurrou os três radiadores com o pé para o lado oposto da sala. Para chegar até
eles, os três homens apanhados de surpresa teriam que passar por Rhodan, e por enquanto
isso não era possível.
Fellmer Lloyd surgiu na porta por um instante.
— Estão fugindo para baixo — disse. — Vamos persegui-los e, se possível, prendê-
los em algum lugar.
— É preferível que não façam isso — respondeu Rhodan. — A frota de Árcon deve
chegar a qualquer momento. E é bom que ela encontre ao menos alguns rebeldes ainda
em luta, para que meu alarma pareça verdadeiro. Por isso o inimigo deve ser mantido
apenas à distância e, quando nos retirarmos, deverá ter possibilidade de recuperar suas
armas. Levem estes três.
— Entendido — disse Lloyd e saiu levando os três prisioneiros.
Rhodan suspirou aliviado.
— Gucky! — telepatou. — Traga Thora para cá.
Noir dirigiu-se à porta a fim de cuidar para que ninguém mais entrasse na sala.
Rhodan foi até a escrivaninha e pôs-se a esperar. Subitamente sentiu-se muito inquieto;
não via o momento em que podia apertar Thora nos braços. A arcônida, de início tão fria,
transformara-se em sua esposa e na companheira de sua vida. Amava-a como nunca
amara outra mulher, e isso há mais de seis decênios, durante os quais não envelhecera.
Acontece que agora Thora começava a envelhecer...
Por enquanto não se percebia quase nada, pois os métodos biológicos de
conservação celular eram bastante eficientes, muito embora não conferissem a
imortalidade relativa. O elixir da vida dos aras, subtraído do planeta de Tolimon, dera
prova de sua eficácia. Por enquanto, o processo de envelhecimento de Thora estava sendo
detido.
Mas até quando?
Rhodan não sabia. Porém havia outra esperança para Thora e Crest. Seu nome era
apenas Atlan.
O ar começou a tremeluzir na sala, como se estivesse super aquecido. O vulto de
uma mulher esbelta materializou-se juntamente com Gucky. Usava o uniforme leve da
frota espacial terrana. O verde suave da jaqueta formava um belo contraste com os
cabelos brancos da arcônida, cujos olhos vermelho-dourados procuraram e logo acharam.
— Perry...
Correu em direção ao amado, que a cingiu com os braços protetores.
— Thora, meu amor!
Gucky torceu o rosto e virou-se para outro lado.
— Para que tanta beijoquice? — chilreou num desespero esquisito, passando a pata
pela boca. — Sinto náuseas com a simples idéia de que alguém me possa lamber o
focinho desse jeito.
— Ninguém vai pensar nisso — disse Noir, que se encontrava junto à porta.
Gucky deu de ombros e “cambaleou” através da sala. Passou por Rhodan e Thora e
olhou atentamente pela janela.
O barulho no corredor havia cessado.
De repente Rhodan começou a falar sem virar-se:
— Gucky, você não quer cuidar de Yatuhin? Pedi que viesse até aqui, mas
certamente foi detido pelo caminho. Não podemos perdê-lo.
— Não podemos perdê-lo — repetiu
Gucky sem mudar de posição. — É claro que não podemos. Esperem; logo estarei
de volta.
Disse isto e desapareceu.

***

O japonês Nomo Yatuhin desligou o aparelho de comunicação que se encontrava


sobre sua mesa.
“Por que a voz de Tropnow soara tão estranha? Seria o nervosismo? Qual seria o
motivo do alarma?”, pensou indagando-se.
Para ele, a revolta contra Rhodan já perdera todos os encantos, mas sabia que não
havia nenhum caminho de volta.
Voltou a pensar:
“A vida eterna... afinal, o que vinha a ser isso? Talvez não passasse de uma
miragem. Por que não me dera por satisfeito com o tratamento biológico, ao qual todos
os mutantes de Rhodan tinham direito? Afinal, eu não era um homem jovem e disposto,
apesar dos meus oitenta e nove anos? E agora? Se alguma coisa não desse certo?”
Lembrou-se do alarma.
— O que significava tudo isso? Seriam mais uma vez os volatenses? Ou será que
Rhodan descobrira seu esconderijo? — balbuciou.
A lembrança de Rhodan fê-lo acordar.
Tropnow estava em perigo; do contrário não teria solicitado socorro.
Nomo levantou-se de um salto e saiu depressa para o corredor. Ao longe, ouviu o
tumulto. Feixes energéticos emitiam um chiado ao baterem na parede e fundiam grandes
pingos de metal. Os homens gritavam e passavam correndo. Eram saltadores, arcônidas e
membros de outras raças aparentadas. Também havia alguns humanóides. Todos eles
haviam sucumbido às promessas de Tropnow?
“Seria somente Tropnow?”, pensou.
Depois deu de ombros e continuou a correr. Mas de repente parou. Não trazia
nenhuma arma. Como poderia defender-se se fosse atacado? Seu rosto assumiu uma
expressão obstinada; prosseguiu.
Dois ou três homens passaram correndo.
— Agarraram Tropnow! — gritaram.
— Quem? — berrou Nomo atrás deles, mas não obteve resposta.
Quem seria?
Na rua começaram a soar sereias. Nomo foi à janela e olhou para fora. Pelo menos
dez viaturas policiais pararam. Soldados armados da força de proteção do administrador
saltaram e correram em direção ao edifício, carregando fuzis de radiações.
O que é que essa gente tinha a ver com isso?
Nomo já não estava compreendendo mais nada. Contara com um ataque do grupo
de Rhodan, mas não com a intervenção da tropa de proteção do administrador.
Isso poderia tomar um curso fatal e despedaçar todas as esperanças. Em hipótese
alguma, deveria haver uma luta entre eles e o poder oficial de Árcon. Nesse caso, a
perspectiva da formação pacífica das divisões a serem lançadas contra a Terra teria
chegado ao fim.
Teria mesmo?
E se Árcon ficasse sabendo que o planeta Terra não foi destruído pelos saltadores,
que continuava a existir? Se o grande computador soubesse que Rhodan estava vivo?
Qual seria sua reação? Até então Tropnow não quis assumir o risco de depender das
decisões de um computador positrônico, mas o que faria se não houvesse outra
alternativa?
O mutante japonês não teve tempo de tomar uma decisão.
Esteve a ponto de prosseguir cautelosamente para chegar ao lugar em que Tropnow
se encontrava quando alguém bateu nas suas costas e uma voz fininha piou.
— Você se admiraria caso soubesse o que diria o computador positrônico, Nomo.
Ah, não percebeu minha chegada? Bem, você nunca foi um bom telepata. Acontece que
eu sou.
O japonês virou-se abruptamente, embora já soubesse quem estava às costas. Ao
contrário de Tropnow, conhecia Gucky muito bem, pois lidara muitas vezes com ele.
Sabia que não tinha a menor chance contra o rato-castor e não tentou qualquer truque.
Parou em posição rígida.
— O que pretende fazer comigo? — perguntou.
Sua única esperança era que a polícia chegasse logo. Talvez o rato-castor receasse a
descoberta. Afinal, não queriam que ninguém soubesse da existência da Terra.
“Se conseguisse entreter Gucky até lá”, pensou.
— Será que você não descobriu coisa melhor? — disse o rato-castor em tom de
escárnio. — Acha que demoraremos em desaparecer daqui? Não tente soltar-se de mim
enquanto estivermos teleportando. Você sabe perfeitamente que na quinta dimensão não
há comida. Se eu o perder, você morre de fome.
Segurou Nomo e saltou.
O japonês teve a impressão de que o mundo estava mergulhando no vazio. Naquele
instante, vira um longo corredor diante de si, ouvira o grito dos homens que lutavam,
percebera os passos ruidosos dos policiais que se aproximavam... e, dali a um segundo,
encontrava-se ao lado do rato-castor em meio a uma estepe cercada de mata virgem. Em
cima deles, estendia-se o céu azul.
— Então? — chilreou Gucky satisfeito. — O que acha?
— O que pretende fazer comigo? — perguntou Nomo sem demonstrar o menor
receio. — Se quiser matar-me, ande logo.
— Matar por quê? Rhodan quer que você lhe conte certas coisas.
— A Terra fica muito longe.
— A Terra sim, mas Rhodan não, meu caro. Tropnow morreu porque tentou matar
Rhodan. Talvez Rhodan seja mais condescendente com você, desde que resolva abrir a
boca.
— Rhodan está aqui, em Volat?
Gucky voltou a segurar Nomo.
— Estamos falando demais. Vou levá-lo a um lugar seguro.
Quando voltaram a materializar-se, Gucky dirigiu-se a uma rocha escarpada situada
nas proximidades do platô de rocha.
Mal Nomo sentiu chão firme sob seus pés, abriu os olhos. Mas Gucky já havia
desaparecido, deixando-o só. Será que não receava que ele, Nomo, pudesse fugir?
Mas o japonês logo viu que não havia como.
Gucky largara-o sobre a rocha que se erguia em meio à selva. A rocha tinha o
formato de uma agulha gigante, vista de longe. Tinha mais de cem metros de altura e, na
base, seu diâmetro era de cerca de vinte metros. As paredes eram lisas, sem qualquer
fenda. A ponta consistia num minúsculo platô, cujos lados não mediam mais de um
metro.
Em todo o Universo não poderia haver prisão melhor que esta.
Nomo trazia apenas alguns objetos no bolso. E, com estes, não poderia fazer nada.
Mesmo que a camisa e a jaqueta bastassem para fazer uma corda, não teria onde amarrá-
las. Não havia nenhuma árvore, nenhuma fenda naquele platô de um metro quadrado.
Não tinha a menor esperança de escapar.
Nomo sentou e procurou vencer a tontura que começava a apoderar-se dele ao olhar
para baixo. Havia algumas árvores muito altas, mas ficavam tão afastadas que seria
impossível alcançá-las. Quando olhava para o céu, tinha a impressão de estar sozinho no
mundo. Em torno havia apenas o nada e o sopro morno do vento.
Um metro quadrado para viver...
Será que o deixariam viver?
Tropnow já havia morrido. Rhodan não tinha nenhuma compaixão por traidores,
pois os mesmos representavam um perigo não só para os seus planos, mas para a própria
existência da Humanidade. E Nomo sabia perfeitamente que este fator seria decisivo.
Rhodan dava maior valor à existência da Humanidade do que à própria vida.
Não, não deixariam de castigá-lo, e o castigo para a traição era apenas um: a morte.
Nomo Yatuhin era japonês. Em suas veias corria o sangue dos samurais, que
preferiam matar-se quando caíam nas mãos do inimigo.
Nomo voltou a olhar em torno.
Como poderia matar-se? Não tinha nenhuma arma, nenhum objeto com que pudesse
fazê-lo.
E a altura? A queda?
Estremeceu, mas subitamente deu-se conta de que para ele não havia outra
alternativa, se quisesse continuar fiel aos seus propósitos. Levaria apenas alguns
segundos para atingir o solo junto ao pé do rochedo. Talvez acabasse caindo mesmo
numa copa de árvore. Neste caso teria uma chance pequenina de escapar com vida.
Foi em parte esse fio tênue de esperança que fez com que realizasse seu intento.
Inclinou-se em direção ao oriente, tomou coragem, adiantou-se um passo, mais
um...
Caiu que nem uma pedra.
5

Os cinco cruzadores ligeiros pousaram sem o menor incidente no espaçoporto de


Kuklon. Assim que tocaram o solo, as grandes escotilhas laterais abriram-se, as rampas
foram baixadas, e os robôs de combate começaram a marchar.
Essas máquinas tinham uma semelhança longínqua com os homens. Mas sua altura
era de mais de dois metros e tinham quatro braços. Os dois braços inferiores eram
radiadores de impulsos pesados.
O exército de robôs entrou em forma com passos retumbantes e ficou aguardando
ordens. Oficiais devidamente assinalados — que também eram robôs — colocaram-se na
porta daquela medonha tropa. Suas antenas estavam em recepção. Essas antenas
apontavam na direção da nave capitania. No interior desta, o comandante Arona pegava
um minúsculo transmissor e o guardava numa pasta. Era apenas uma caixinha, mas
bastava para comandar o exército de aço.
Arona, o arcônida, não tinha nada em comum com certos tipos degenerados de sua
raça. Seu rosto altivo irradiava uma atividade que já não era fácil de encontrar no
Império. Seu vulto esbelto e o cabelo branco impunham respeito. Saiu da nave com o
corpo ereto e, dentro de poucos minutos, estava no campo de pouso. Segurava sob o
braço o aparelho de comando.
Era acompanhado por um único oficial, também arcônida.
Arona emitiu o primeiro comando, e o exército de quinhentos robôs pôs-se em
marcha.
O campo de pouso estava vazio. Não se via ninguém. Os veículos, que costumavam
trafegar por ali, haviam desaparecido. Até a área periférica, onde o tráfego costumava ser
bastante intenso, parecia deserta. O alarma policial já causara uma boa dose de confusão,
mas o pouso de cinco cruzadores deu o remate ao quadro. Ninguém sabia o que havia
acontecido. Por isso seria recomendável abrigar-se no interior das casas. Apenas alguns
volatenses ingênuos não demonstravam o menor interesse pelas ocorrências, pois não as
compreendiam. Imperturbáveis, continuavam a dedicar-se às ocupações habituais.
Mas até estes desapareceram das ruas quando Arona, o arcônida, se pôs à frente de
sua tropa metálica e marchou em direção à cidade.
Um edifício alto e largo fechava a vista para a cidade propriamente dita. A rua
principal passava junto ao mesmo.
Arona dirigiu-se ao oficial que o acompanhava:
— Tenente Ro, por que será que o tal do administrador Mansrin não compareceu
para receber-nos? O que está acontecendo com a revolta?
Ro apontou para o pequeno receptor que trazia consigo, e que o ligava com a sala de
comando da nave.
— Não sabemos, comandante. Mansrin nega ter enviado a mensagem ao regente.
Afirma que em Volat não está havendo nenhuma rebelião.
— Isso é muito misterioso — disse Arona em tom irônico e ficou com os olhos fitos
no grande edifício. Alguma coisa parecia chamar sua atenção. — Não há nenhuma
revolta. Gostaria de saber por que estão atirando ali.
— Onde, comandante?
Arona apontou para a frente.
— A menos de quinhentos metros daqui. Não está vendo os raios característicos dos
radiadores de impulso? Ali está sendo travada uma luta; uma luta encarniçada. É de
estranhar que Mansrin tivesse preferido não nos informar a esse respeito, não acha?
Imediatamente, levantou a pasta e falou para dentro do pequeno microfone:
— Novo destino: rota trezentos e sessenta e nove. Armas de prontidão!
O exército de robôs mudou de direção, seguindo Arona e Ro.
Os braços inferiores das máquinas estavam em posição horizontal. No lugar das
mãos, havia os bocais dos potentes radiadores energéticos, apontados para o edifício.
Um veículo saiu de uma rua lateral. Parou abruptamente do lado oposto da rua. Um
arcônida saltou e correu apressadamente para junto de Arona. O cabelo branco esvoaçava.
— Arona! Sou o administrador Mansrin. Peço que me desculpe por ter cometido o
erro de não lhe proporcionar a recepção costumeira. Houve um imprevisto...
— A rebelião, não é?
Mansrin sacudiu a cabeça.
— Pois é justamente isso que eu não compreendo. Não expedi nenhuma mensagem
para Árcon nem solicitei o envio da frota, pois não havia motivo para isso. Em Volat
reinavam a paz e a ordem. Até hoje. No mesmo instante em que o senhor anunciava sua
chegada, uma luta com armas de fogo irrompeu no edifício-sede das empresas comerciais
dos saltadores. Não sabemos quem está lutando contra quem, mas de qualquer maneira
estão lutando. A guarda pessoal, à minha disposição, já interveio nos acontecimentos.
Arona lançou um olhar indagador para Mansrin.
— Não acredita que poderia ser uma revolta de grandes proporções? Quem sabe se
os saltadores...
— Nunca, comandante. Conheço minha gente...
— Nunca paramos de aprender — interrompeu o arcônida. — Seja como for, meus
robôs restabelecerão a ordem, e depois saberemos quem se permitiu a brincadeira de
alarmar Árcon por uma ninharia. Tem certeza de que não foi o senhor?
— Foi um desconhecido, comandante. Já descobri isso. O mesmo introduziu-se
sorrateiramente na sala de rádio e obrigou o operador a fazer uma ligação com o
computador regente. Não há outra explicação lógica para o incidente.
Arona, que mandara parar seu exército, voltou a colocá-lo em marcha.
— Venha comigo, administrador Mansrin. Talvez consigamos solucionar em
conjunto o mistério do alarma falso. O senhor tem razão; também não vejo a menor
lógica nisso. Quem se exporia voluntariamente ao perigo de alarmar a maior potência da
nossa Galáxia?
Soltou uma risadinha, e concluiu:
— Só mesmo um doido.
O tenente Ro disse num tom que quase chegava a ser tímido:
— Ou alguém que seja ainda mais poderoso, comandante.
Fitaram-no com os olhos arregalados, mas ninguém respondeu.
Os robôs puseram-se em marcha.

***

Na escada que conduzia ao subsolo, Fellmer Lloyd e seu grupo defrontaram-se com
os rebeldes que lutavam obstinadamente por um objetivo desconhecido. Os chefes
estavam mortos ou presos, mas os adversários do mutante não o sabiam. Agiam de acordo
com as ordens recebidas ao abrirem fogo contra os volatenses que os seguiam.
Como localizador e telepata que era, Fellmer Lloyd descobriu as intenções deles,
antes que as mesmas se concretizassem em atos. Gritava suas ordens. Os volatenses
haviam sido submetidos a um treinamento intenso. Abrigados, iam pegando as mini-
granadas do arsenal da Gazela e as atiravam para o corredor de baixo.
Depois Fellmer Lloyd ordenou tranqüilamente a retirada.
Mal os primeiros disparos energéticos começaram a chiar e a derreter algumas
amuradas de aço, ouviram-se as detonações. Seguiram-se gritos e vozes de comando e os
rebeldes precipitaram-se escada acima. O fedor das bombas de gases era mais apavorante
que a perspectiva de serem recebidos com uma série de disparos dos volatenses.
Era exatamente o que Lloyd queria.
Devido à fumaça, os rebeldes estavam quase cegos. Esfregavam os olhos irritados.
Já não reconheciam Lloyd ou os volatenses; apenas viam sombras que se destacavam na
luz que penetrava pela janela.
Abriram fogo contra essas sombras.
Para azar deles, essas sombras não pertenciam aos volatenses, mas à força policial
que acabara de penetrar no edifício. Por isso não era de admirar que os policiais
acreditassem que realmente se defrontavam com um grupo de rebeldes.
Responderam ao fogo. Dali a pouco, outra batalha rugia furiosamente no corredor.
Fellmer atingira seu objetivo. Quando o engano fosse esclarecido — se é que isso viria a
acontecer — a Gazela já teria mergulhado nas profundezas do espaço.
Sempre correndo, Fellmer Lloyd e seus volatenses chegaram ao corredor que dava
para a sala número 18. O localizador chegou no momento exato de assistir à
rematerialização de Gucky. Noir encontrava-se junto à porta, enquanto Rhodan e Thora
permaneciam junto à janela.
— Então? — perguntou Rhodan. Não disse mais nada.
Lloyd fez um sinal para os volatenses. Os nativos fizeram um gesto, atiraram as
armas para o chão e saíram andando como se não tivessem nada a ver com aquilo — e de
fato não deixava de ser assim. Alguns deles voltaram à sala de leitura e acomodaram-se.
Outros dirigiram-se a vários andares e indagaram junto às empresas ali estabelecidas se
havia um emprego. Faziam aquilo que fariam normalmente, em qualquer dia. Uma vez
que a notícia dos acontecimentos que se desenrolavam nos pavimentos inferiores ainda
não havia chegado a todos os recantos do edifício, o súbito interesse pelos empregos ou
pelas mercadorias eventualmente oferecidas não provocou suspeitas.
— Está saindo tudo de acordo com o plano — informou Lloyd e fechou a porta, já
amolecida pelo calor das armas dos rebeldes. O trinco da fechadura entrou ruidosamente
no engate, o que fez Gucky soltar uma opinião de perito:
— Aqui ao menos sabem fabricar fechaduras muito resistentes!
— Quer dizer que os rebeldes se envolveram numa luta contra as autoridades? —
perguntou Rhodan para certificar-se.
— Foram bastante idiotas para isso — disse Lloyd com um sorriso. — A esta hora
não haverá mais a menor dúvida de que um grupo revolucionário procurou articular um
golpe contra Árcon. É bem verdade que procurarão em vão pelos homens que tramaram
tudo, mas isso não importa.
Rhodan lembrou-se do outro traidor.
— Para onde levou o japonês? — perguntou, dirigindo-se a Gucky.
— Levei-o a um lugar do qual nunca poderá escapar com vida. Está na ponta de um
rochedo. Poderei buscá-lo a qualquer momento.
— Muito bem. Acho que já está na hora de darmos o fora. Thora irá em primeiro
lugar. Leve-a ao platô, Gucky.
Dali a dez segundos, o rato-castor estava de volta.
— Kuri está cuidando dela, chefe. E agora?
Foi a vez de Noir empreender a viagem. Durante o grande salto Gucky pegava uma
pessoa de cada vez, para não se cansar demais. Isso não influía muito no tempo da
operação, pois cada teleportação durava apenas alguns segundos. Dessa forma, também
Fellmer Lloyd voltou ao ponto de partida da aventura, ou seja, ao platô em que residia a
mãe onisciente dos volatenses.
Rhodan aguardou pacientemente o último retorno de Gucky.
Embora apenas alguns segundos se houvessem passado desde o último salto, o
regresso do rato-castor parecia demorar uma eternidade. No corredor estava acontecendo
alguma coisa. Ouviram-se vozes de comando e o chiado dos disparos de radiações.
Alguém soltou um grito de pavor e atirou-se contra a porta. Talvez tivessem reconhecido
a superfície atacada pelo calor e estivessem suspeitando de alguma coisa.
Gucky materializou-se com um sorriso.
— Gracinha não me quis deixar sair — disse para explicar a demora. — Que
gatinho querido! Queria brincar...
Rhodan continuou com o rosto sério.
— Daqui a dez segundos, estarão nesta sala. Quem será? A polícia?
— Quer que eu dê uma olhada?
— Não se atreva a fazer uma coisa dessas! Vamos é dar o fora. Nossa tarefa está
concluída...
Gucky segurou a mão de Rhodan.
— Ainda não. Quer que vá buscar Yatuhin agora, ou devo esperar mais um pouco?
— Vamos primeiro ao platô. Ande depressa!
Enquanto o rato-castor se concentrava para dar o salto e criar o respectivo campo
energético, a porta sofreu um forte abalo e abriu-se. Um homem entrou abruptamente,
tropeçou por cima das armas espalhadas pelo chão e cambaleou de encontro à parede.
Ficou parado e contemplou os dois vultos que se dissolviam no ar.
Rhodan ainda viu a porta abrir-se, mas depois os contornos dos objetos se
desmancharam diante de seus olhos. Ainda chegou a ver o enorme vulto que penetrou
como uma bala de canhão. Se o “colosso” não fosse cego, ainda devia ter assistido ao
milagre.
Antes que Rhodan passasse à quinta dimensão, um grito atingiu seu ouvido. Já
ouvira aquela voz. Era uma voz retumbante e máscula, que despertou uma lembrança em
sua mente.
E essa voz exclamou:
— RHODAN!
Depois viu-se envolvido pela escuridão.
Logo a claridade voltou-lhe a surgir no platô de rocha. Desprendeu-se de Gucky,
mas aquela voz continuava a ressoar em seus ouvidos.
— Viu o homem, Gucky? Quem foi? Ele me reconheceu.
O rato-castor estreitou os olhos.
— Não tive tempo para cuidar disso, pois nesse caso não poderia ter saltado. Quer
que volte para dar uma olhada?
— Ele me reconheceu.
Gucky arregalou os olhos.
— Reconheceu você? Não é possível. Em Volat não há ninguém que o conheça.
— Acontece que chamou meu nome, Gucky.
Rhodan estava perplexo. Ficou refletindo sobre o lugar em que já ouvira aquela voz
retumbante. Foi penetrando no passado, recuou vinte anos, trinta. Cinqüenta anos...
O vulto enorme, cuja largura era igual à altura.
...Um sujeito que pesava de quinhentos a setecentos quilos. A barba...
Seria um superpesado? Naturalmente. Só podia ser um superpesado do povo dos
saltadores. A solução era esta mesma. Tratava-se dos combatentes dos mercadores
galácticos. Só mesmo um superpesado seria capaz de arrombar a porta de aço.
E aquele havia reconhecido Rhodan e chamara seu nome.
Os superpesados, que Rhodan chegara a conhecer, estavam quase todos mortos, pois
foram vitimados durante a última batalha em torno do falso planeta Terra. Só um deles
não participara da luta decisiva. Fora bastante inteligente para manter-se afastado.
Talamon!
Subitamente Rhodan lembrou-se. Fora Talamon que entrara precipitadamente no
gabinete de Tropnow. Talvez fosse uma simples coincidência. Era pouco provável que o
superpesado estivesse ligado à conspiração. Por certo encontrava-se em Volat para acertar
algum negócio, tivera sua atenção despertada para os disparos e foi ver do que se tratava.
E vira Rhodan desaparecer no nada.
Portanto, sabia que Perry Rhodan, o homem mais perigoso do Universo, não
morrera, mas continuava bem vivo.
Não guardaria o segredo exclusivamente para si.
— Quer que eu volte e dê um jeito naquele gorducho? — perguntou Gucky, que
acompanhara os pensamentos de Rhodan. — Se resolver falar...
Mas Rhodan já havia recuperado o sangue-frio. Sacudiu a cabeça, num gesto de
tranqüila superioridade.
— Não, Gucky. Fique aqui. Não somos nós que vamos decidir quando o
computador regente saberá da minha existência. Estamos preparados. A descoberta da
verdade não representará nenhum perigo. Portanto, deixemos que Talamon decida.
— Mas se...
Gucky calou-se. Será que a época de paz havia chegado ao fim? Será que Rhodan
teria que submeter-se à vontade do gigantesco computador? A Terra voltaria a constituir-
se no alvo de ataques para as criaturas gananciosas?
Rhodan tornou a sacudir a cabeça.
— Nada disso, Gucky. Já estamos em condições de enfrentar Árcon e seus aliados.
Mas não acredito que haja guerra. Aguardemos. Seja como for, nossa missão em Volat
chegou ao fim.
— Isso mesmo; depois que tivermos liquidado Nomo.
Só agora Rhodan lembrou-se do prisioneiro.
— Vá buscá-lo, Gucky.
Rhodan não esperou que Gucky se desmaterializasse. Dirigiu-se às cabanas, onde os
companheiros já o aguardavam. Kuri estava ao lado de Thora, cujo sorriso parecia
exprimir alívio. A arcônida altiva continuava a ser bela; era um ser humano vindo de
outra estrela, mas resolvera contrair matrimônio com ele, um filho da Terra.
Noir e Lloyd enxugaram o suor da testa.
— Vou pedir a Gucky que me leve até a Gazela — sugeriu Lloyd. — Se for a pé,
levarei alguns dias, se é que consigo encontrá-la.
Rhodan estava prestes a responder, quando uma voz aguda soou atrás deles. Era
Gucky. Estava de volta. Só.
— O japonês está morto — disse; parecia bastante assustado. — Atirou-se da rocha
que tem mais de cem metros de altura.
Noir e Lloyd falavam ao mesmo tempo, mas Rhodan conservou a calma.
— Era o que eu imaginava — disse. — Afinal, o Nomo era japonês e como tal
conservou os velhos costumes de seu povo. Preferiu a morte voluntária. Se dispusesse de
um instrumento para isso, teria cometido sepuko segundo todas as regras da arte.
Ninguém disse uma única palavra.
Rhodan olhou para o céu. As primeiras nuvens se aproximavam, vindas do norte. A
temperatura estava amena.
6
Talamon ainda se sentia paralisado pelo susto.
Apavorado, olhou para o lugar vazio no qual há menos de um segundo vira o
homem que toda a Galáxia considerava morto.
Qualquer engano era impossível!
Vira Perry Rhodan e aquele animalzinho esquisito que costumava acompanhá-lo a
todos os lugares e que dispunha de certas faculdades estranhas. O súbito desaparecimento
de ambos constituía a melhor prova. Talamon ainda se lembrava perfeitamente daquelas
histórias misteriosas que se contavam há meio século sobre Rhodan e seu exército de
feiticeiros. O auxílio deste quase permitiu ao terrano abalar os alicerces do Império
Arcônida.
A Terra e Perry Rhodan haviam sido destruídos num ataque de grandes proporções
lançado pelos saltadores.
Era ao menos o que se acreditava até então.
Talamon estremeceu. Por que continuava parado, sem fazer nada? Devia prevenir o
Universo. O computador de Árcon devia ser informado imediatamente de que a paz era
aparente, já que Rhodan continuava vivo.
E os acontecimentos de Volat...
Talamon descobriu certas ligações entre os fatos.
“É claro que Rhodan está atrás dos acontecimentos que causaram a intervenção da
guarda pessoal do administrador”, pensou. Ainda não sabia o que Perry pretendia
alcançar com isso.
Apesar do aspecto desajeitado, o superpesado movia-se com uma rapidez e uma
agilidade extraordinárias. Saiu rapidamente da sala número 18, sem que visse o cadáver
atrás da escrivaninha. Antes de chegar à porta teve de abrigar-se. Um grupo de homens,
que procurava alcançar o elevador, atirava furiosamente em todas as direções. A polícia
seguiu o grupo, mas não notou a presença de Talamon.
Suspirou aliviado ao atingir a saída do prédio. Estava prestes a correr em direção ao
carro que o esperava, quando estacou.
Arregalou os olhos na direção do espaçoporto. Um regimento de robôs de combate
aproximava-se marchando retumbante, com as armas de prontidão. Três homens
caminhavam à frente da formação. Talamon conhecia um deles: o administrador Mansrin.
Os outros eram desconhecidos.
Hesitou por um instante, mas logo dirigiu-se aos três arcônidas. No curso dos
últimos decênios, o velho preconceito contra o regime de Árcon e do computador se
desvanecera. O computador regente provara que sabia governar melhor e com mais
lógica que qualquer ser humano. A unidade foi restabelecida, e qualquer revolta, por mais
insignificante que fosse, era reprimida por meio da atuação implacável das forças
disponíveis. Por isso tinha o dever de informar os representantes oficiais de Árcon sobre
a descoberta que acabara de fazer.
Mansrin diminuiu o passo quando percebeu a intenção do superpesado. Dirigiu
algumas palavras a Arona, que imediatamente deu ordem para que os robôs parassem. Os
três fitaram com olhos curiosos o enorme saltador que corria em sua direção, agitando os
braços.
— Sou Talamon! — exclamou, respirando tão fortemente que por enquanto não
conseguiu proferir outra palavra.
Aos poucos, foi se tranqüilizando. Mas Arona começou a impacientar-se.
— O que houve? O senhor está nos retendo.
A essa hora Talamon já devia reconhecer que devia uma explicação imediata aos
arcônidas.
— Não é necessário que os senhores intervenham nos acontecimentos que se
desenrolaram no edifício comercial — disse. — Acho que foi Árcon que o mandou para
cá, não foi?
— Sou o comandante Arona — disse o oficial em tom orgulhoso. — O computador
regente mandou que viesse para cá a fim de restabelecer a ordem.
Talamon não pôde deixar de sorrir.
— A notícia de um tumulto costuma espalhar-se muito depressa — observou em
tom irônico. — O administrador Mansrin agiu depressa, mas aposto que não sabia do que
se tratava.
— Não sei o que quer dizer — interveio Mansrin.
— Um sorriso de superioridade surgiu no rosto de Talamon.
— Não tenho a menor dúvida de que realmente não saiba. Contarei ponto por ponto,
para que...
— Não temos tempo — disse Arona em tom áspero. — Árcon espera que eu lhe
mande quanto antes um relatório em que anuncie que a rebelião foi sufocada.
Talamon espantou-se.
— Que rebelião? Está falando na briguinha que houve nesse edifício? Não seja
ridículo, comandante. Eu seria capaz de dar conta sozinho da meia dúzia de desordeiros
que andou por ali. Não se trata disso. Prestem atenção. Fechei um negócio com um amigo
e pretendia sair do edifício. Foi quando ouvi os disparos. Resolvi dar uma olhada e por
pura coincidência entrei numa sala onde vi uma coisa que me arrepiou os cabelos.
Mansrin passou a mão pela cabeleira branca e exclamou em tom impaciente:
— Fale logo, Talamon. O que foi que viu?
Talamon fez uma pausa de efeito e disse, falando lentamente e em tom enfático:
— Vi Perry Rhodan, o terrano.
Ao que parecia, Arona nunca ouvira falar no tal de Rhodan. Continuou com o rosto
impassível. O tenente Ro também não demonstrou a menor surpresa.
Com o administrador Mansrin a coisa foi diferente.
O funcionário mais graduado de Volat estremeceu como se alguém lhe tivesse dado
uma pancada.
— Rhodan? — gaguejou. — Será que o senhor ficou doido, Talamon?
— Então acha que fiquei louco, Mansrin? É claro que não posso provar o que acabo
de dizer. Rhodan desapareceu assim que entrei na sala onde ele se encontrava. Mas
reconheci-o perfeitamente. Em sua companhia estava um estranho animal, que há
cinqüenta anos desempenhava um papel importante. Quanto a Rhodan... bem,
cavalheiros, travei conhecimento pessoal com ele. Não existe a menor possibilidade de
engano.
— Mas Rhodan está morto! — Mansrin parecia desesperado.
— Sim — confirmou Talamon sem abalar-se. — Foi o que todos acreditamos, e o
terrano nos deixou nessa crença. E, neste meio tempo, certamente não dormiu. O fato de
ter aparecido de repente serve-nos de advertência. O regente deve ser informado sem
demora.
Arona contemplou seus robôs.
— Antes de mais nada vou cuidar da revolta — gritou uma ordem para dentro do
aparelho de comando, e o exército voltou a colocar-se em movimento. — Mais tarde
conversaremos, Mansrin.
Saiu marchando juntamente com os robôs e com o tenente Ro.
Mansrin ficou parado em atitude indecisa ao lado de Talamon.
— Acha mesmo que deveríamos informar o computador? E se o senhor se enganou?
— Acontece que não me enganei, administrador. Pode confiar nos meus olhos,
embora não seja dos mais jovens. Venha; vamos no meu carro.
Dali a dez minutos aqueles dois homens tão desiguais fisicamente entraram na sala
de hiper-rádio do palácio de Mansrin.
A comunicação com Árcon foi logo estabelecida.
— Quero falar pessoalmente com o regente — pediu Talamon. — Nesse caso, a
responsabilidade será minha, não sua. Combinado?
— É claro que estou de acordo — respondeu Mansrin em tom de alívio.
A conhecida semi-esfera surgiu na tela. A voz dura e metálica disse:
— Aqui fala Árcon. Responda, Volat.
Talamon colocou-se à frente da câmera.
— Aqui fala Talamon do clã dos superpesados, pertencente ao povo dos saltadores.
Estou agindo de acordo com o administrador. A revolta já foi abafada em Volat. Supomos
que tenha sido uma simples manobra de camuflagem. A finalidade é desconhecida. Acabo
de fazer uma descoberta muito importante, regente. Perry Rhodan está vivo. Há meia
hora vi o terrano com meus próprios olhos aqui em Volat.
Seguiu-se uma ligeira pausa e a voz metálica começou a falar:
— Ontem uma pessoa falou comigo do lugar em que o senhor se encontra. Porém
não pude vê-la, porque se colocou em posição lateral. Sua voz despertou-me certas
“lembranças”. Aguarde um momento, Talamon. Vou verificar os dados armazenados em
fita.
A imagem continuou, mas o som silenciou.
Mansrin cochichou:
— O que está fazendo?
— É simples, administrador. A voz lhe parecia conhecida. Se já a ouviu alguma vez,
a mesma está registrada em fita. Uma comparação...
— Aqui fala o regente de Árcon. Talamon, o que o senhor viu corresponde à
realidade. O homem que falou comigo ontem foi Rhodan, o terrano. Cometi um erro
imperdoável ao não investigar imediatamente.
“Quer dizer que mesmo um computador hiper-programado comete erros!” pensou
admirando-se.
Talamon sentiu-se ligeiramente preocupado, embora o fato devesse tranqüilizá-lo.
— E a Terra também existe, regente?
— Não tenho certeza, Talamon. É possível que a Terra tenha sido destruída
enquanto Rhodan escapou. Estou “lembrado” de que, depois da batalha, fingiu ter
sucumbido com a nave Titan e, dali em diante, continuou desaparecido.
— Seja como for, Rhodan está vivo, regente. Cumpri meu dever, avisando Árcon. O
que acontecerá agora?
— Decidirei oportunamente. Peça a Arona que regresse a Árcon com sua frota. Em
Volat não há mais necessidade dela, pelo que suponho.
— Providenciarei para que o comandante Arona decole — interveio Mansrin,
achando que esse assunto lhe dizia respeito.
O computador confirmou e desligou. Talamon fitou a tela apagada.
— Esse montão de metais ao menos poderia ter agradecido — murmurou com a voz
zangada. — Afinal, é a existência dele que está em jogo.
— Se Rhodan estiver vivo, nossa existência estará em perigo?
Talamon fez que sim e complementou:
— Está vivo; não tenha a menor dúvida, Mansrin.
Saiu da sala de rádio pisando firme. Mansrin seguiu-o.
— Quanto tempo pretende ficar em Volat, Talamon? O senhor ainda deve ter
negócios por aqui.
— Negócios para cá, negócios para lá — resmungou o superpesado. — De qualquer
maneira, dirigir-me-ei à minha nave o mais rápido possível e executarei um salto
gigantesco pelo hiperespaço, a fim de afastar-me o mais possível de Volat. E de Rhodan.
— Acha que ainda está aqui?
— Isso não me interessa. O que sei é que vou dar o fora. Receio de que todos nós
tenhamos notícias de Perry Rhodan em tempo relativamente curto. A idéia de que teve
tanto tempo a fim de preparar-se para o encontro conosco me dá uma sensação bastante
desagradável. Temo até que ele não tenha dormido.
O administrador não respondeu.
De repente parecia muito triste.
O posto em Volat sempre foi agradável e tranqüilo...
Os dois homens separaram-se. Talamon saiu apressadamente em direção ao
espaçoporto, enquanto Mansrin voltou ao seu gabinete. O comandante de sua guarda
pessoal já o esperava para comunicar a sufocação da revolta e a prisão de todos os
implicados. Perguntou o que deveria fazer com eles.
— Arona, o comandante da frota de Árcon, é quem decidirá — disse Mansrin, que
desejava livrar-se da responsabilidade. — Enquanto isso não acontecer, mantenha-os em
lugar seguro.
E foi assim que um grupo de indivíduos, que haviam sido escolhidos para descobrir
e destruir a Terra, subitamente foram parar em Árcon, onde passaram a ser considerados
aliados secretos de Rhodan.
E esses homens fizeram com que o computador se defrontasse com mais algumas
charadas.

***

Alguns dos homens aliciados por Yatuhin e Tropnow viram-se privados do prazer
duvidoso de participar da viagem forçada para Árcon. No momento da revolta, estes não
se encontravam em Kuklon, mas numa pequena clareira situada entre a cidade e o platô.
Ficava afastada das trilhas mais utilizadas e dificilmente se poderia alcançá-la a pé.
Aqueles homens foram incumbidos de vigiar o veículo espacial prateado junto à
clareira, sob as copas das árvores. Tinha o aspecto de um enorme disco.
Dedicaram-se ao serviço sem muito entusiasmo. Além deles, havia mais uma fileira
de guardas a dois quilômetros, prontos para avisar, assim que qualquer criatura inteligente
se aproximasse. Se os donos do disco voador resolvessem aparecer, teriam uma surpresa
bastante desagradável.
Ninguém sabia quem havia descoberto aquele artefato misterioso. Seja como for, na
época os chefes ficaram bastante nervosos e até chegaram a demonstrar medo. Em vez de
destruir o disco, mandaram que o mesmo fosse vigiado ininterruptamente. Qualquer
pessoa que tentasse aproximar-se da pequena nave seria detida.
No fim da tarde Lobthal, um lurano, voltava de uma ronda de inspeção e chegou à
conclusão de que também na clareira tudo estava em ordem. Lobthal pertencia ao clã
bastante ramificado dos saltadores e sentia-se satisfeito em ter encontrado um bom
trabalho em Volat. Como ex-oficial de nave mercante estava acostumado a um estilo de
vida semimilitarizado, motivo por que tratava seu pessoal com bastante rigor.
Ninguém havia tocado no disco. E isto o tranqüilizou visivelmente.
Dirigiu-se à cabana que ficava na beira da mata e sentou no banco de madeira. Por
algum tempo ficou contemplando o cozinheiro, que preparava o jantar. Depois resolveu
inspecionar os guardas postados na mata. Encontravam-se em torno do veículo espacial e
serviriam de garantia adicional, caso alguém conseguisse romper a primeira barreira de
sentinelas.
Enquanto percorria o local, teve a impressão de que um véu transparente se
interpunha entre seus olhos e a nave. A menos de dez metros do lugar em que se
encontrava, algo começou a tremeluzir. E subitamente dois vultos, que estavam de costas
para ele, surgiram do nada.
Um dos vultos era humano, talvez um saltador. Usava uniforme verde, de um tipo
que Lobthal jamais havia visto. No cinto balançava um radiador portátil de fabricação
arcônida.
O outro vulto não era de homem. O animal, que teria pouco mais de um metro de
altura, “trajava” apenas o pêlo marrom e liso. Ficava ereto sobre as pernas traseiras,
como se estivesse acostumado a proceder assim e segurava a mão do companheiro. Não
trazia nenhuma arma.
Lobthal procurou compreender o fenômeno incompreensível.
Os dois indivíduos haviam surgido diante de seus olhos, vindos do nada. Portanto,
antes disso estavam invisíveis. Não havia outra explicação. Lobthal cometeu o engano de
não procurar outra explicação, mas essa atitude correspondia ao seu caráter. O óbvio
sempre lhe parecia o mais provável.
Com um movimento súbito, tirou o radiador que trazia no cinto e dirigiu-se para as
costas do homem que, segundo acreditava, era a criatura mais perigosa.
— Pare! Não se movam!
Ao que parecia o desconhecido estremeceu, mas virou-se devagar. As mãos
pendiam frouxamente junto ao corpo, longe do radiador. O animal também se virou e
contemplou-o com uma expressão de espanto e de recriminação, o que Lobthal não
conseguia compreender.
— Quem são os senhores e de onde vieram?
Fellmer Lloyd leu os pensamentos e os sentimentos de Lobthal e reconheceu o
perigo que emanava desse homem. Seria inútil desaparecer de novo, embora com o
auxílio de Gucky isso não fosse difícil. Então o disco fora encontrado e estava sendo
vigiado. Era uma atitude inteligente, mas que infelizmente a essa hora já não servia para
nada.
— Tire isso daí! — disse Lloyd apontando com a cabeça em direção à arma de
Lobthal. — Com esse brinquedo o senhor não me obrigará a falar.
— Os senhores conseguem tornar-se invisíveis? — disse o lurano, ignorando o
pedido.
Havia em sua voz um misto de curiosidade e ambição. Seus pensamentos revelaram
o resto. Lloyd pensou em tirar proveito da disposição do inimigo.
— Para quem conhece o processo isso não é difícil. Como sabe, os velhos arcônidas
já se ocuparam com isso e construíram certos aparelhos, que naturalmente não estão ao
alcance de qualquer um.
— O senhor tem um aparelho desse tipo?
Lobthal se esquecera de suas obrigações e só se interessava pela invisibilidade. Ao
que parecia, sentiu-se incomodado porque um dos guardas, que se encontrava na borda da
mata, teve sua atenção atraída pelo incidente e caminhava para o lugar onde se
encontrava.
— Temos o aparelho no bolso — piou Gucky. — Quer ver?
Era claro que na Galáxia havia seres inteligentes de todos os tipos, mas Lobthal
assustou-se quando o animal se dirigiu a ele no mais puro arcônida. Não esperava uma
coisa dessas.
— Hein? — fez cheio de perplexidade e fitou o rato-castor.
Gucky divertiu-se a valer, mas não tirou os olhos do guarda que se aproximava.
— Se quiser, eu o torno invisível — prosseguiu. — Mas você terá que mandar
embora esses homens. Eles não precisam ver isso.
Lobthal não chegava a ser tolo, mas não se poderia dizer que fosse uma fina flor da
inteligência. Nem de leve pensou na possibilidade de que aquelas criaturas misteriosas
haviam aparecido por causa do veículo espacial.
— Ei, Kortu. Pegue os outros e vá até o lugar onde estão os postos avançados.
Tomem cuidado para que ninguém rompa a linha. E levem o cozinheiro.
— Mas...
— Será que você não compreendeu? Depressa, senão lhe ensino como se corre.
Lobthal mantinha sua gente sob controle. O soldado, um saltador, obedeceu
imediatamente, embora murmurasse algumas palavras incompreensíveis.
Com os olhos, Lloyd acompanhou o homem que se afastava. A Gazela estava na
beira da mata, intata. Encontrava-se no mesmo lugar em que ele a deixara.
Lobthal quase chegava a estar febril quando se dirigiu a Lloyd.
— O que... Será que agora vocês podem mostrar como a gente se torna invisível?
Estou disposto a pagar qualquer coisa pelo aparelho, se quiserem vendê-lo.
— Você não tem nem cinco tostões no bolso — disse Gucky em tom seco.
— Tenho dinheiro, mas não aqui — voltou a erguer o radiador. — Além disso, sou o
mais forte. Posso obrigá-los.
— É preferível não experimentar — advertiu Gucky. — Aliás, terá que colocar esse
brinquedo perigoso no chão, senão não poderá tornar-se invisível.
— O quê? Largar a arma? Nunca!
Gucky deu de ombros e pôs-se a caminhar em direção à Gazela.
— Está certo; deixe para lá.
Lobthal percebeu que não estava sendo levado a sério. Isso fez aumentar a raiva que
sentia pelo animal que se encarregava da maior parte da conversa. Todavia...
— Espere! O que pretende fazer por aí?
Gucky parou e lançou um olhar perscrutador para Lobthal. Depois de algum tempo,
acenou com a cabeça, num gesto condescendente. Nesse meio tempo os soldados já
haviam desaparecido; a clareira jazia deserta sob o crepúsculo vespertino. O sol já se
pusera há muito tampo.
— Está bem; eu lhe mostrarei — decidiu e voltou.
Lloyd mantinha-se ligeiramente afastado, contemplando o disco reluzente em
atitude pensativa. Parecia não ter o menor interesse pelas “experiências” do companheiro.
— Quero ficar com a arma — disse Lobthal, insistindo na sua segurança.
— Está certo. Já que está com medo, pode ficar — concordou Gucky. — Vou
segurar a mão. Será a mão vazia, para que você não perca seu brinquedo. Isso! Agora
preste muita atenção, amigo barbudo...
Lobthal realmente se tornou invisível, mas só quem assistiu foi Lloyd. Gucky
desapareceu juntamente com o lurano curioso. Depois o mutante caminhou
tranqüilamente em direção à Gazela. O aparelho de controle baseado nas vibrações
cerebrais funcionava perfeitamente, pois a escotilha abriu-se quando Lloyd se colocou
abaixo da mesma e proferiu a palavra-código. Sem preocupar-se com o regresso de
Gucky, subiu pela escada estreita logo que a mesma desceu.
Sentiu os impulsos mentais de vários homens, mas a escotilha já voltara a fechar-se
e Lloyd se encontrava na sala de comando. Agora não lhe poderiam fazer muita coisa,
quer estivessem desconfiados, quer não.
Com alguns movimentos da mão, colocou a Gazela em condições de decolar.
Na sala dos propulsores houve um zumbido, o soalho metálico vibrou e a clareira
transformou-se numa manchinha clara em meio à mata. Lloyd não viu os homens que
gritavam e corriam de arma em punho para o lugar em que pouco antes se encontrava o
disco voador que deviam vigiar.
Orientou-se e tomou a direção de um ponto não muito distante. Dali a poucos
minutos, avistou o platô, as cabanas em forma de colméias e o grupo de volatenses que
corria ao encontro da nave prestes a pousar.
Lloyd desceu e, com um ligeiro cumprimento, passou pelos nativos que lhe
acenavam amavelmente. Thora, Rhodan e Noir já o aguardavam. Haviam reconhecido a
Gazela e acompanhado seu pouso.
— Gucky já voltou?
Leu a resposta no rosto dos dois homens. Sentiu-se dominado pela sensação de ter
cometido um erro.
— Como? — perguntou Rhodan. — Será que esse moleque resolveu mais uma vez
agir por conta própria?
— Alguém nos perturbou e ele se encarregou de levá-lo. Combinamos que voltaria
imediatamente ao platô, para não perdermos tempo.
Rhodan olhou para o relógio.
— Está tudo preparado. A despedida dos volatenses foi simples, mas cordial. Seria
conveniente que o senhor fosse apresentar suas despedidas à mãe onisciente antes de
decolarmos, Lloyd.
— E Gucky?
— Este deve aparecer no último momento; não se preocupe. Apresse-se.
Já estavam esperando há quinze minutos na comporta aberta da Gazela, quando
Gucky se materializou e se colocou a seu lado com um salto. Antes que alguém tivesse
tempo de dizer qualquer coisa, o rato-castor pôs-se a chilrear:
— Já podemos ir embora, cavalheiros.
Rhodan fez um rosto zangado, segurou o desobediente pelas orelhas e arrastou-o em
direção à sala de comando. Com um empurrão, fê-lo sentar no sofá.
Lloyd decolou.
O planeta Volat foi diminuindo na tela, até transformar-se numa estrela brilhante.
Com os campos antigravitacionais ativados, a Gazela acelerava para atingir a velocidade
da luz. Noir, que se encontrava na sala de rádio, procurou entrar em contato com o
comandante da Lotus, Jim Markus.
— E agora, meu pequenino, você vai contar direitinho por onde andou todo esse
tempo. Um teleportador não precisa de meia hora para levar alguém de um lugar a outro.
Gucky oferecia um aspecto triste. Arrependido, estava agachado no sofá com os
olhos marrons e ingênuos semicerrados. Deixou pender tristemente as orelhas, e o dente
roedor, que costumava aparecer constantemente, não surgiu.
— Eu o levei a Kuklon, chefe. Foi por isso?
— Foi? E não tem mais nada a dizer?
Gucky fez um gesto afirmativo.
— Posso ser punido quando faço alguma coisa sem ordem expressa, mas meu ato se
revela útil à causa?
Rhodan esforçou-se em vão para ler nos pensamentos do amigo, mas o bloqueio
erigido por Gucky impediu-o de realizar seu intento. Olhou para a tela e respondeu:
— Depende das circunstâncias. Desde que você não cause nenhum prejuízo que
possa ser provado, a arbitrariedade pode ser perdoada. Mas fale logo. O que andou
fazendo em Kuklon?
Gucky entesou o corpo e exibiu um sorriso tímido. A parte inferior do dente roedor
tornou-se visível.
— Levei Lobthal a cidade e...
— Ora essa! Quem é esse Lobthal?
— É claro que só pode ser o sujeito que estava vigiando a Gazela. Ah, desculpe! É o
bloqueio mental. Esqueci.
Liberou o acesso ao seu cérebro, para que Rhodan tivesse mais facilidade em
orientar-se, e prosseguiu:
— Larguei-o em pleno centro, onde ficou um tanto deslocado, com a arma de
radiações na mão. Não quis nem poderia impedir a intervenção da polícia. O segundo
salto transportou-me ao palácio de Mansrin. Estava interessado em saber o que havia
acontecido. Bem, fiquei satisfeito com o que consegui descobrir. Foi mesmo Talamon que
reconheceu você. O administrador anda escondido depois que Árcon foi avisado. Quer
dizer que já temos certeza, chefe. O “monstro”, que se encontra 30 mil anos-luz daqui,
sabe que Rhodan ainda vive. Também já sabe que você esteve em Volat. Receio que já
tenha chegado a hora de desistirmos do jogo de esconder.
Rhodan ouvira-o sem interromper. Aquilo que Gucky lhe contou não era nenhuma
novidade e não o surpreendeu. Teria de esperar por isso. Mas havia uma coisa que
Rhodan não compreendia: por que Talamon resolvera traí-lo? Afinal, já foram bons
amigos. Será que agira assim sob o efeito do susto e já estava arrependido? Era bem
possível que o choque sofrido, ao verse diante de uma pessoa que há tanto tempo
acreditava estar morta, lhe turvasse o raciocínio por algum tempo.
Fosse como fosse, a essa hora o regente de Árcon já sabia que seu maior rival estava
vivo e em atividade. O computador gigante se prepararia para iniciar a luta que colocaria
em jogo a existência de um Império no qual brilhavam mais de mil sóis.
Noir anunciou em tom orgulhoso:
— Estabeleci contato com a Lotus. Tenho o raio vetor.
— Corrija a rota — ordenou Rhodan, acrescentando: — Procure colocar Markus na
tela, Noir. Quero fazer-lhe algumas perguntas.
Noir não era especialista em matéria de rádio, pois do contrário teria conseguido
mais depressa. Rhodan podia dar-se por satisfeito porque, dez minutos depois, o hipno
pôde anunciar:
— O contato com o comandante Markus já foi estabelecido, chefe. Quer falar com o
senhor; ao que parece está bastante nervoso.
Rhodan dirigiu-se à sala de rádio e ocupou o lugar de Noir. Acionou alguns
controles e os contornos do rosto de Markus tornaram-se mais nítidos. Os detalhes da sala
de comando da Lotus também. Noir era um bom hipno, mas não entendia quase nada de
rádio. Aliás, não tinha necessidade disso, pois era telepata.
— Alô, Markus. Aqui fala Rhodan. Como está a ligação?
— Entendo-o perfeitamente, Sir. Qual é sua posição?
— Estou a cinqüenta e três minutos-luz de Volat. Por quê?
— Irei ao seu encontro. Ninguém sabe o que poderá acontecer nos próximos trinta
minutos. Como foi que o descobriram?
Rhodan teve a impressão de ter levado uma pancada. Como foi que Markus soube?
— Descobriram? Por que diz isso?
— Alguém deve ter dito ao computador de Árcon que o senhor se encontra em
Volat. Então não sabia?
— Sabia, Markus, mas estou procurando descobrir como foi que o senhor soube.
Será que captou a mensagem de Mansrin?
— Não; captei a mensagem do regente.
Rhodan já estava acostumado às surpresas. Mas, diante de uma surpresa como esta,
levou alguns segundos para formular a pergunta seguinte.
— O computador enviou uma mensagem? É para Mansrin?
— Não senhor — respondeu Markus. — É para o senhor.
Rhodan perdeu a paciência.
— Fale logo, homem! O que houve?
— Há meia hora estou recebendo um pedido transmitido pelo hiper-rádio. O pedido
foi redigido em linguagem comum e é repetido automaticamente a cada dois minutos.
Está interessado no texto?
Ouvia-se que Rhodan respirava com dificuldade.
— Quando o senhor estiver na minha frente, Markus...
— Está bem. Darei o texto da mensagem. Vou começar:
Chamamos Perry Rhodan, do planeta Terra. Sei que você está vivo. Entre em
contato comigo pela freqüência anterior. Garanto sua vida e sua liberdade. O regente de
Árcon.
7

Os psicólogos de robôs de Terrânia tiveram muito trabalho antes que a Lotus


pousasse. Rhodan transmitiu alguns dados pelo hiper-rádio e pediu a interpretação
imediata. Não permitiu que pairasse a menor dúvida sobre a urgência da tarefa.
Queria o resultado no momento da chegada à Terra.
Markus conduziu a Lotus habilmente à velocidade da luz, fazendo-a atravessar o
anel de asteróides. Passou por Marte e, dali a pouco, pousou em Terrânia, a maior cidade
da Terra.
Segundo se informou, o resultado dos exames cibernético-psicológicos poderia ser
fornecido dentro de alguns minutos. Por uma questão de cautela seria enviado
diretamente ao quartel-general.
Rhodan, Thora, Lloyd e Noir tomaram um carro para ir à cidade. Passaram por uma
abertura da abóbada energética, que permanecia ligada ininterruptamente e, cinco
minutos depois, chegaram à sala da qual haviam saído há poucos dias.
Sentado atrás da escrivaninha com os numerosos aparelhos de comunicação, Bell
fitou-os com uma expressão indefinível. Estava com os cotovelos apoiados na tampa e o
queixo repousava nas mãos. Essa pose lembrava vivamente as caricaturas dos diretores
atacados pela “doença gerencial”.
— Por pouco não morro de tédio com esta rotina — lamentou-se em tom tão
exagerado que ninguém o levou a sério. — Enquanto vocês passam uns dias de férias
encantadoras, eu tenho... ah, Thora. Então está de volta? Que bom!
Subitamente estreitou os olhos.
— Onde está Gucky?
Rhodan esperou até que a onda de cumprimentos cessasse.
— Gucky está providenciando uma residência para seu novo amigo.
Bell respirou com dificuldade.
— Desde quando Gucky tem outro amigo? — em sua voz havia um pouco de
ciúmes. — Nunca me falou a respeito.
— Você ainda o conhecerá — disse Rhodan para consolá-lo. — Aliás, faz pouco
tempo que ele o arranjou. Você ficará encantado, Bell.
— Hum — fez Bell em tom de ceticismo, mas não teve tempo para outros
comentários.
Um dos aparelhos que se encontravam sobre a mesa emitiu um zumbido. Rhodan
aproximou-se e comprimiu um botão. A pequena tela presa à parede iluminou-se.
Viu-se um rosto. O rosto pertencia a um homem de meia-idade, que pela capa
branca devia ser um cientista.
— Aqui fala Rhodan — disse Rhodan apressadamente. — Tem o resultado?
O homem fez que sim.
— Aqui fala o Dr. Gertz. Os exames e as análises por nós realizadas provam com
toda evidência que o regente não garantiria sua vida e segurança se não houvesse um
motivo imperioso para isso. E o grande computador positrônico de Vênus concorda
conosco num ponto: a mensagem do regente só pode ter um motivo.
— Qual é esse motivo? — perguntou Rhodan, esforçando-se para ocultar a tensão.
— O regente de Árcon precisa do senhor. Encontra-se numa situação difícil, cujas
características não conhecemos. Precisa do auxílio da Terra.
Rhodan respirou profundamente.
— Será que não está enganado, doutor?
— O material disponível exclui qualquer possibilidade da ocorrência de erro nos
cálculos. Nossa análise é cem por cento correta. O computador positrônico, que exerce a
regência de Árcon, está num “aperto” e, de certa maneira, parece satisfeito, tanto quanto
um computador pode sentir-se satisfeito, porque a Terra e o senhor ainda existem. Isso
representa para ele a salvação de uma situação extremamente difícil.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Árcon em dificuldade? Bem, para falar com franqueza, não tive a impressão de
que o Império se encontra em situação difícil. Pelo contrário... Será que estávamos
enganados?
Thora cochichou:
— Talvez se trate de problemas que só o computador conhece, Perry. Acho que seria
conveniente entrar em contato com o mesmo.
— Farei isso assim que tiver liquidado as tarefas mais urgentes. Afinal, isso não
representa qualquer risco para nós.
A tela apagou-se. Bell levantou-se e cedeu o lugar a Rhodan. Mas este não
demonstrou muita vontade em reassumir no mesmo dia seu posto de Administrador do
Império Solar.
— Acho que merecemos um dia de descanso — anunciou. — Receio que você
tenha de agüentar até amanhã.
Bell seguiu-o com os olhos. Seu rosto não mostrou a menor emoção quando disse:
— Gucky ao menos poderia vir cumprimentar-me, Perry.
Rhodan virou-se na porta e exibiu um sorriso matreiro.
— Darei o recado, Bell. Oportunamente ele lhe apresentará seu novo amigo.
Bell viu a porta fechar-se e passou a tratar dos serviços administrativos que
esperavam por ele. Eram coisas miúdas com as quais não precisaria preocupar-se. Mas
todo homem necessita fazer alguma coisa, senão...
Ouviu um ruído vindo da porta.
Bell levantou a cabeça e viu o botão girar. A porta abriu-se um pouco. Será que o
sujeito não sabia bater? Sem dúvida vinha trazer mais algum trabalho?
Ou será que era Gucky que estava chegando?
Bell ergueu-se lentamente da poltrona e sentiu que seus cabelos se arrepiavam.
Naturalmente quando achava-se no escritório, não carregava nenhuma arma. Quem
imaginaria que um tigre selvagem pudesse andar livremente por aí? Um tigre?
Era um animal gigantesco; Bell nunca vira coisa igual. Ao menos no interior do
gabinete teve essa impressão. Abanando a cauda e ronronando gostosamente foi
caminhando em direção a Bell, que parecia duro de pavor. Não tirava os olhos dele. Bell
não se deu ao trabalho de examinar detidamente aqueles olhos, pois do contrário teria
notado alguma coisa.
O tigre — ou fosse lá o que fosse — parou e parecia preparar-se para dar o salto.
Continuava a ronronar. Bell não se atreveu a fazer o menor movimento, para não irritar a
fera.
“Como foi que esse bicho conseguiu entrar aqui? Não é possível...”, pensou
desesperado.
O tigre esticou o corpo e soltou um urro de satisfação que parecia dar notícia de que
as dimensões do corpulento Bell correspondiam exatamente ao seu desejo para a refeição
noturna.
Finalmente deitou aos pés de Bell, enrolou-se, bocejou gostosamente e fechou os
olhos. De repente parecia não estar mais interessado na presa.
Bell suspirou de alívio e já se considerava praticamente salvo, quando ouviu outro
ruído vindo da porta.
“Deve ser a fêmea do devorador de gente, que vem buscar sua parte da presa”,
pensou.
Mas era apenas Gucky que, muito empertigado, entrou com seu andar balouçante,
exibindo um sorriso insolente.
— Então, meu velho, já fez amizade com o Gracinha?
Bell não se moveu.
— Gracinha? Está se referindo a essa fera? Será que ficou louco?
— Seja mais comedido no seu vocabulário, seu gorducho, senão você vai ver o que
é bom. Gracinha não é nenhuma fera; é meu amigo. Gracinha, mostre-lhe seus lindos
dentes e as garras.
Sem abrir os olhos, Gracinha abriu a boca e exibiu os gigantescos dentes caninos. E
as garras também não inspiravam muita confiança.
— Então, gorducho. O que me diz? Quer que peça a Gracinha para lhe fazer
cócegas?
— Ele é manso? — perguntou Bell num sopro.
— Quando quer, sabe ser manso — disse o rato-castor e sorriu. Seu dente roedor
brilhava de tão feliz que se sentia. — Mas só quando quer. Se daqui em diante você não
ficar bem comportado, eu o toco para cima de você. No lugar de onde eu o trouxe, certa
vez devorou três homens de seu tamanho. E isso depois do almoço.
Bell sentiu certo alívio. O perigo principal havia passado. Se o tigre pertencia a
Gucky, as coisas não poderiam ser tão ruins.
— Deve ser para nosso zoológico, não é? — conjeturou.
— Para o zoológico? — disse Gucky era tom indignado. Gracinha lançou um olhar
sonolento para Bell. A ponta do rabo moveu-se de forma quase imperceptível. — Internar
Gracinha no zoológico? Se isso acontecer, farei com que você seja o primeiro petisco a
ser servido a ele. Não tenha a menor dúvida — inclinou-se sobre o felino e acariciou suas
costas.
Logo depois prosseguiu:
— Assim são os humanos. Acham que tudo que não se parece com eles deve ser
internado no zoológico. Teria sido muito mais acertado se tivesse trancado os humanos
no zoológico e deixado os animais livres. Isso pouparia muito aborrecimento para todo
mundo.
Gracinha ronronou amistosamente.
— Ainda tenho muito trabalho a fazer — murmurou Bell com a voz tímida.
Gucky lançou-lhe um olhar de desprezo.
— Permissão concedida — disse em tom condescendente. — Vamos embora,
Gracinha. Afinal, os homens são criaturas idiotas, e Bell não passa de um homem — o
felino levantou-se e seguiu documente o dono.
Bell voltou a afundar na poltrona.
— Até logo mais, gorducho. Agora que tenho um amigo tão influente, poderei
conversar “melhor” com você, Bell. Ainda preciso apresentá-lo a outras pessoas.
Bell fitou a porta fechada. Bateu com o punho na escrivaninha e murmurou com a
voz zangada:
— Era só o que faltava. Vou...
Gucky materializou-se em cima da escrivaninha.
— Pois não — piou. — Você queria dizer alguma coisa?
Bell olhou de esguelha para a porta entreaberta, que deixava ver o bigode de
Gracinha.
— Ora... apenas estava pensando... — principiou.
Porém Gucky logo o interrompeu:
— Pois é justamente isso que você não deve fazer. Faça o favor de deixar que os
telepatas pensem por você. Estão mais treinados. Boa noite, meu velho.
A porta fechou-se e o rato-castor desmaterializou-se. Bell suspirou.
— Não se deve falar, não se deve pensar, tomara que ao menos se possa trabalhar...
Podia.
Ninguém o perturbou.

***
**
*

Por fim os dois traidores saídos das fileiras


do Exército de Mutantes foram aniquilados.
Porém Talamon informou o regente arcônida de
que Perry ainda está vivo. Com isso, a situação
político-militar da Galáxia se tornou bastante
precária...
Em O Atentado, Perry defronta-se com
elementos que pretendem sua queda... E nesta
aventura, acontece ainda o relato da primeira
missão colonizatória interestelar.

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