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Expressões • Português • 12.

° ano Textos Informativos Complementares 1

SEQUÊNCIA 3

As didascálias em Felizmente Há Luar!


A leitura da peça permite-nos desde logo o contacto com dois textos paralelos: um constituído
pelas falas das personagens, umas curtas e incisivas, outras longas e argumentativas e ainda outras
predominantemente poéticas, e um outro texto, bem mais extenso e minucioso do que é usual, de
pendor descritivo, analítico e, às vezes, judicativo, e que constitui a didascália. Neste caso, trata-se de
uma didascália muito especial.
De facto, em Felizmente Há Luar!, o texto secundário aparece de duas formas: acompanhando e
comentando as falas das personagens, constituindo uma espécie de nota de rodapé lateral a essas
mesmas falas; embricado no discurso direto, em itálico e entre parênteses, constituída por indicações
menos longas e mais incisivas.
Trata-se de um texto extremamente rico e que constituirá preciosa indicação de trabalho quer para
os atores, para conhecerem melhor a personagem que vão interpretar, quer para os encenadores e
diretores de atores, pela variedade de indicações extremamente completas que vão sendo dadas. A
nós, leitores, serve-nos para melhor entendermos as intenções do texto e para nos darmos conta da
capacidade dramatúrgica de Sttau Monteiro que revela total consciência de que a finalidade última
de um texto dramático é a sua teatralização.
O facto de esta didascália ter estas características é uma indicação muito clara de que o autor quer
manter o seu domínio sobre a obra que produziu para além do texto escrito. Queremos com isto dizer
que o facto de aquela didascália existir obriga quem encenar o texto ao respeito pelas indicações
expressas pelo autor, conciliando-as com a sua criatividade. Nenhum autor que não fosse um verda-
deiro homem do teatro teria capacidade para dar a entender tão bem o que descia do seu texto, quando
teatralizado. É, sem dúvida, uma verdadeira encenação de autor, a que nos é proposta no texto.
A didascália surge com um forte pendor descritivo e explicativo quando colocada ao lado do texto e,
quando aparece embricada no texto principal, refere-se predominantemente à gestualidade e à marca-
ção das personagens, à sua movimentação em cena, ao tom de voz empregue. Ou seja, a didascália late-
ral é muito mais subjetiva que a didascália que acompanha o texto principal, as falas das personagens.
É curioso verificar a necessidade absoluta que o autor tem de conduzir o leitor na compreensão da
história e da sua intencionalidade, o que pode ter a ver com o facto de estar longe do seu horizonte, à
data da produção escrita, a teatralização da peça, mas também nos pode querer dizer que Sttau Mon-
teiro reconhece que, para o leitor, ler um texto dramático é diferente de ler um texto narrativo. […]
Aliás, uma das particularidades de Felizmente Há Luar! Nasce precisamente do jogo que se estabe-
lece entre as falas das personagens e as didascálias: as palavras das personagens são complementadas
pelas indicações dadas pelo autor e que dizem respeito à gestualidade, à prosódia, à movimentação
das personagens e até à relação que se deve estabelecer com o público. As didascálias revelam-se tam-
bém extremamente úteis na descodificação de processos de ironia que, aliás, são relativamente fre-
quentes ao longo da peça […].
É, portanto, do jogo entre a voz das personagens e a voz do autor, que não se nega responsabili-
dade nas indicações para teatralização, que nasce a mensagem […].
Este rico texto secundário permite-nos também, a nós leitores, entender a perspetiva do autor no
que toca à encenação e a todo o trabalho cénico. Ficamos a perceber que o espetáculo deve servir para
dotar o público de uma consciência crítica capaz de o conduzir a uma práxis transformadora e que,
por isso, não se pretende, tal como no teatro clássico, a catarse, mas sim o distanciamento que condu-
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zirá a uma transferência do exemplo histórico para o que ele tem de semelhante com o presente. Logo,
o que se pretende não é distrair mas fazer pensar, como se pode ver pelo exemplo do Ato l que cons-
titui um dos muitos possíveis:
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“Ao dizer isto a personagem está quase de costas para os espectadores. Esta posição é deliberada. Pretende-se

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criar desde já, no público, a consciência de que ninguém, no decorrer desta peça, vai esboçar um gesto para o
cativar ou para acamaradar com ele (o réu não se senta ao lado dos juízes).”
Ato l, p. 16

Ao longo da peça, a didascália em itálico, encadeada no texto principal, informa-nos, entre outras
coisas, dos sons que se fazem sentir em cena, dando particular destaque a um deles que surge larga-
mente explicado pelo autor no texto lateral. Estamo-nos a referir ao som dos tambores que deverá ser,
em termos de teatralização, um claro indício de crescendo dramático, simbolizando de uma maneira
muito evidente a opressão, o medo da perseguição levada a cabo pelo regime.
Os tambores são o símbolo evidente do poder, da repressão que este exerce sobre o povo, do medo
que o povo sente […].
O som dos tambores, em crescendo, marca, no final do Ato I, o triunfo do regime e do poder totali-
tário, simboliza também a irreversibilidade da decisão tomada – fazer de Gomes Freire o responsável
pela conjura, por forma a retirá-lo do quadro de ação política […].
As indicações de luz ganham um significado muito particular, contribuindo para criar em cena um
jogo entre as personagens e as relações que estas estabelecem entre si, ou reforçando a importância que,
naquele instante, aquela ou aquelas personagens têm:

“A luz que incide sobre D. Miguel e o principal Sousa começa a diminuir de intensidade até desaparecer,
ficando apenas Beresford iluminado”
Ato I, p. 63

“Ao abrir o pano a cena está às escuras. Uma única personagem, intensamente iluminada, encontra-se à
frente e ao centro do palco. É o popular que deu início ao primeiro ato.”
Ato II, p. 77

As personagens movimentam-se em cena preferindo-se predominantemente as entradas e saídas


pelo lado esquerdo. Quando se movimentam grupos, nomeadamente o dos populares, as entradas
fazem-se por um lado e por outro, contribuindo para dar a noção de massa social, e permitindo uma
movimentação mais viva.
Face ao facto de as notações de mudança de cena não existirem, será curioso verificar que a inten-
sidade da luz ou a incidência dos focos contribui, como já se disse e exemplificou anteriormente, não
só para dar destaque a uma dada personagem naquele momento da ação, mas também para marcar a
entrada ou saída, do campo de visão do espectador, de determinada personagem.
No que se refere ainda à didascália, há que salientar que as informações que transmite assumem
um sentido simbólico ao ligarem as personagens a objetos que lhes conferem um nítido sentido social
e político. Isto acontece com as figuras de principal Sousa, Beresford e D. Miguel que aparecem, a
dado momento do Ato I, apresentados do seguinte modo:

“D. Miguel Forjaz, Beresford e o principal Sousa estão sentados em três cadeiras pesadas e ricas, com aparên-
cia de tronos.”
Ato I, p. 47

Esta mesma didascália é de grande utilidade na caracterização da figura que simboliza o poder da
Igreja, ou seja, o principal Sousa, que aparece tanto no Ato I como no Ato II apresentado como alguém
que preza a riqueza e o luxo o que é bem contrário aos princípios mais puros da Igreja […].

DELGADO, Isabel Lopes, 2008. Para uma leitura de Felizmente Há Luar!


de Luís de Sttau Monteiro. Lisboa: Presença (2.ª ed.)

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