Vous êtes sur la page 1sur 12

Dano pré-contratual: uma análise

comparativa a partir de três sistemas


jurídicos, o continental europeu, o latino-
americano e o americano do norte

VÉRA JACOB DE FRADERA

SUMÁRIO

1. Introdução. 2. As reações ao comportamento


culposo na fase pré-contratual: as soluções francesa
e alemã. 2.1. A solução francesa: colocação de
limites à liberdade contratual: a figura do abuso
de direito. 2.2. A proteção da confiança, reflexo da
necessidade de segurança no tráfico jurídico. 2.2.1.
Uma descoberta de von Ihering: a noção de culpa
in contrahendo. 2.3. Uma esperança frustrada:
fundamento da responsabilidade pré-contratual no
sistema da Common Law. 2.4. Aformação do
contrato e a teoria dos jogos, uma técnica das
ciências exatas. 3. Conclusão.

1. Introdução
A escolha do tema prende-se ao fato de as
relações pré-contratuais não estarem, de modo
geral, reguladas na maioria dos sistemas
jurídicos; por outro lado, a crescente utilização
dos contratos internacionais, devido a motivos
vários, entre os quais avulta a globalização da
economia. Nesses contratos a fase das nego-
ciações contratuais assume grande destaque1 e
vem suscitando uma série de indagações com
1
Noção das mais controvertidas, pois pode ser
estabelecida a partir de vários critérios, como o
econômico ou o jurídico. Para fins didáticos, podemos
considerar que o contrato é internacional quando seus
elementos constitutivos não estão, todos, vinculados
a um mesmo Estado, ou seja, ele apresenta um
elemento de extraneidade. O chamado critério
econômico para classificar um contrato como
internacional leva em consideração o fato de a
operação pôr em causa os interesses do comércio
internacional; o Professor Delebecque observa que
Véra Jacob de Fradera é Mestre em Direito e esse critério é o mais utilizado para apreciação do
Professora na UFRGS – Brasil. caráter internacional de um pagamento. Cf.
Palestra proferida no Congresso de Daños. DUTILLEUL, DELEBECQUE. Contrats civils et
Buenos Aires, 24 a 26 de abril de 1997. commerciaux. 2ème. ed. Dalloz, p. 20, nota 2.
Brasília a. 34 n. 136 out./dez. 1997 169
respeito à responsabilidade pelo rompimento Código Civil, devido a motivos vários, tardou
das tratativas neste plano internacional. O a ser publicado. A segunda influência na
mesmo ocorre no âmbito das negociações que América latina foi a francesa, cujos modelos,os
antecedem o contrato no plano nacional, Códigos civil de 1804 e comercial de 1808,
constituindo fato notório a influência que foram adaptados ou servilmente imitados, em
exercem os mecanismos praticados na esfera grande parte, pelos legisladores nacionais.
internacional sobre aspectos do Direito interno, Um terceiro modelo a ser referido é o
mormente na área dos contratos. Isso se deve, pandectista da Escola de Savigny, calcado no
sem dúvida, à maior agilidade com que se Digesto ou Pandectas3, e que mais tarde teria
movem os operadores do Direito na esfera grande influência na comissão elaboradora do
internacional, flexibilizando e atualizando BGB de 1900, ainda que Savigny fosse
formas de contratação que se mostram mais contrário à Codificação, por considerá-la
adequadas às necessidades do tráfico jurídico. prejudicial ao Direito, concebido como
Ainda que todas essas afirmativas sejam elemento integrante da noção de cultura...
incontestáveis, a verdade é que não existe De tudo isso, resultaram, na América
unanimidade a respeito das conseqüências Latina, legislações de cunho mais ou menos
jurídicas o que acarreta o rompimento injusti- independente, mas todas, inegavelmente,
ficado das tratativas do contrato, sendo parcas integrantes da família romano-germânica,
as manifestações por parte da Doutrina e da porquanto já as antigas metrópoles dela
jurisprudência. Assim sendo, uma reflexão participavam, da mesma forma que os modelos
sobre a matéria, feita à luz do Direito Com- francês e pandectista, adaptados pelas repú-
parado,pode resultar em aclarações úteis ao blicas sul-americanas.
jurista e ao magistrado. É interessante observar que, entre as
Para bem introduzir o assunto que ocupará legislações em vigor na América Latina, o
nossa atenção durante os próximos 20 minutos, sistema jurídico do Brasil apresenta alguns
devemos, antes de tudo, inserir o contrato, traços que o distinguem dos demais, no sentido
assim como as suas preliminares, nos sistemas2 de ser nítida a presença da influência das
jurídicos em cujos limites será esta temática Pandectas, sobretudo no âmbito do Direito
analisada,porquanto o conceito de contrato contratual. Em vista dessa particular perspec-
depende estreitamente do ordenamento em que tiva, tanto o contrato como as fases pré e pós-
se insere. contratuais merecem um tratamento distinto do
Em primeiro lugar, pois, serão examinadas, que é dado às mesmas questões, nos sistemas
à vol d’oiseau, as características do sistema em que prepondera inspiração fundada no Code
continental europeu, denominado romano- Napoléon.
germânico, devido ao fato de ter sido desen- Outro aspecto a ser salientado, no Direito
volvido e praticado nas Universidades européias brasileiro, é o de que a relação jurídica
de origem latina e também nas de raiz obrigacional é concebida como um processo4,
germânica, a partir do século XII. Este sistema
tem, entre outras, as características da 3
É importante salientar que na Escola Pandec-
Codificação: a separação entre Direito material tista, Pandektistik, precisamos distinguir diferentes
e processual e a divisão do Direito privado em períodos: a Escola Histórica, durante a 2ª metade
civil e comercial. do século XIX, a Jurisprudência dos Conceitos,
Em segundo lugar, examinar-se-á o sistema Begriffsjurisprudenz, cujos inícios são registrados
de direito privado latino-americano, profun- a partir de 1850, e as últimas décadas nas quais
várias tendências se fizeram sentir. Um dos mais
damente marcado por influências européias. A renomados autores pandectistas, Bernard Windsheid,
primeira delas é representada pelas Ordenações definia esta doutrina da seguinte maneira: compre-
do Reino vigorantes no período colonial, tanto ende-se sob o nome de Pandectas a totalidade do
nas colônias espanholas, como no Brasil, direito privado alemão de origem romana. Ver a
colônia lusitana, e no caso brasileiro, ainda respeito, IONESCU, Octavien. Le problème de la
muito tempo depois da Independência, pois o Partie Introductive du Code Civil. RIDC, n. 3, p.
579 e segs. e COING, Helmuth. German Pandektistik
2
Na linguagem jurídica corrente, o uso do termo in its relationship to the former ius commune.The
sistema para indicar o ordenamento jurídico é American Journal of Comparative Law, v. 37, p. 09,
comum. V. a respeito, BOBBIO, Norberto. Teoria winter 1989.
4
do ordenamento jurídico. Brasília : Ed. UnB; São O divulgador dessa concepção da relação
Paulo : Polis, 1989. jurídica obrigacional no Brasil foi o renomado jurista
170 Revista de Informação Legislativa
destinado ao adimplemento, devendo, para Codificação alemã, intensamente marcada
tanto, transpor as partes etapas sucessivas, pelos princípios da Ética Protestante, sejam
integradas por inúmeros deveres da mais aplicados e interpretados no Brasil, à maneira
variada natureza, comportando-se, uma em dos tribunais alemães, tal como o fazem juízes
relação a outra como colaboradores e não como e doutores inseridos nos ditames da moral
indivíduos situados em posições antagônicas, protestante7.
sem comunicação entre si, como ocorre nos Por fim, o sistema do Common Law,
sistemas em que predomina a influência do dotado de características que lhe conferem
Direito Canônico 5, afirmação que vale, um status especial em meio a todos os seus
sobretudo, para os ordenamentos francês, congêneres, é um produto da História com
italiano e espanhol. A cooperação entre as pouca ou quase nenhuma interferência de
partes, devido à presença do pandectismo, é legislador nacional, considerado como
regida por princípios, destacando-se os da aberto, não baseado na lei8.
confiança e o da boa-fé. Sua concepção de contrato é bastante
Constitui fato singular que estes princípios peculiar, pois fundada em aspectos econômicos:
de grande alcance e larga aplicação nas regiões além da troca de consentimentos, é acrescido
que hoje formam a Alemanha, desde épocas da consideration9, a contrapartida, sem a qual
remotas, v.g., nos Tribunais das Ligas Hanse- o contrato não se pode formar. Por não existir
áticas e também nas Repúblicas do Adriático6, uma consideration no período que antecede a
tiveram grande impulso no período posterior à
7
Clóvis do Couto e Silva, em seus numerosos estudos, A presença de elementos da moral nos dois
entre os quais merece destaque a obra A obrigação Códigos que maior influência exerceram no mundo
como processo. São Paulo : Bushatsky, 1976. ocidental e, em parte, também no Oriente, é inegável,
Segundo o autor, a concepção da obrigação como a ponto de Carbonnier, Jean, referir-se a um
processo é, em verdade, somente adequada àqueles jansenismo jurídico, em relação ao Code Napoléon;
sistemas nos quais o nexo finalístico tem posição quanto ao BGB de 1900, a moral protestante e os
relevante. E segue: a obrigação vista como processo ensinamentos de Kant explicam muitas das soluções
compõe-se, em sentido largo, do conjunto de escolhidas pelo Legislador e até mesmo certos
atividades necessárias à satisfação do interesse do comportamentos da jurisprudência, por exemplo, a
credor. p. 10 e 11. dificuldade em sancionar civilmente os danos
5
A presença de elementos do Direito Canônico puramente morais ou fundar a responsabilidade civil
nos sistemas jurídicos da Família Romano- no risco. Para melhor compreender o espírito dos
germânica remonta aos tempos da formação do jus protestantes, ver, de Max Weber, L’éthique
commune, em Bolonha, ponto de encontro do Corpus protestant et l’esprit du capitalisme. PLON, 1964.
8
Juris Civilis e do Corpus juris canonici. Diz-se que O Direito inglês é, por sua origem, um direito
a mútua influência determinou uma cristianização jurisprudencial, elaborado pelas Cortes de
do Direito Romano e uma tecnização do Direito Westminster (Common Law) e pela Corte da
Canônico. Exemplos do canonismo em muitos dos Chancelaria (equity). A lei, denominada statute,
ordenamentos jurídicos ocidentais não faltam: a desempenhou um papel secundário na história do
regulamentação do casamento, o respeito pela pessoa Direito inglês, limitando-se a contribuir com
(pois, pelo batismo, todos tornamo-nos filhos de corretivos ou complementações à obra da juris-
Deus), a boa-fé, que transforma a posse, o respeito prudência. Nos dias atuais, a lei e os regulamentos
às últimas vontades modifica aspectos dos testa- (delegated legislation) não mais são considerados
mentos, a noção moderna de personalidade jurídica, de nível secundário ou supletivo. Existem outras
o valor do consentimento no contrato... Segundo fontes muito importantes, mesmo que não tenham o
René David, o direito canônico constitui, sem mesmo valor da jurisprudência e da lei: o costume,
dúvida, tanto ou talvez mais que o direito romano, a a doutrina e a razão. Outro elemento importante é a
mais gigantesca tentativa de unificação do direito regra do precedente. Ver, por todos, DAVID,
jamais empreendida, nos mais diversos setores. SPINOSI, Les grands systèmes de droit contem-
V. o excelente trabalho de CAPARROS, Ernest. porains. Dalloz, 1992.
9
Les racines institutionnelles des droits occidentaux A noção clássica de consideration é a de
dans le Droit Ecclesiastique.in K.D. Kerameus (éd.) contrapartida de um negócio: eu vendo meu carro, o
Rapports généraux présentés au XIV e Congrès comprador deve transferir-me uma soma em
International de droit comparé, Athènes, juillet /août dinheiro. Sua origem remonta ao século XVI, quando
1994, 1995, p. 7 e s. o recurso denominado assumpsit transformou-se em
6
A este respeito, consulte-se a interessante recurso geral em matéria contratual, o direito inglês
monografia de MEYER, Rudolf. Bona Fides und decidiu que ele não seria admitido para toda e
Lex Mercatoria in der europäischen Rechtstradition. qualquer forma de violação da promessa, excluindo,
Wallstein Verlag Göttingen, 1994. sobretudo, as promessas a título gratuito. Somente
Brasília a. 34 n. 136 out./dez. 1997 171
relação contratual, não admitem os juristas ção da teoria dos jogos, a games theory, cujo
ingleses, na fase dos pourparlers, um esboço embasamento se encontra, entre outros
de contrato e, em conseqüência, respon- elementos, na aplicação de noções matemáticas
sabilidade civil em caso de ruptura abusiva da às relações sociais11.
negociação; outro elemento valioso para O tema que nos cabe analisar, dano pré-
identificar os contornos tão peculiares do contratual, presta-se, admiravelmente, a uma
sistema contratual da Common Law é o análise de cunho comparatista, porquanto seu
liberalismo econômico, expresso na máxima tratamento depende da noção de contrato em
latina caveat emptor, que representou, até cada sistema jurídico12.
pouco tempo, um obstáculo à adaptação do Nesse sentido, o contrato, fundado no
direito inglês a muitas das diretivas da União consensualismo e no princípio da autonomia
Européia, mormente as referentes à proteção de vontade, é concebido à maneira canônica
dos consumidores. no sistema do Code Napoléon e nos ordena-
Uma corrente doutrinária, contrária à mentos que dele se inspiraram, considerando
consideration, liderada pelo Professor Atiah, as partes antagônicas entre si, enquanto o BGB
inspirado por um artigo americano, de autoria o define como uma relação cooperativa,
de F. Kessler e E. Fine10, afirma que entre as iluminada por princípios como a autonomia
partes existe uma reliance, uma confiança, de privada e a confiança legítima, dos quais
sorte que toda a responsabilidade seria fundada derivam uma série de outros princípios
em uma esperança frustrada, daí o direito à norteadores do tráfico jurídico, como o da
reparação. confiança e o da boa-fé objetiva.
Mais recentemente, o desenvolvimento da O sistema da Common Law, como vimos,
análise econômica do Direito conduziu os erigiu a consideration como elemento essencial
juristas norte-americanos a fundamentar a à existência do contrato, daí, onde não houver
responsabilidade pré-contratual com a utiliza- contraprestação, não haverá contrato, logo, não
haverá responsabilidade civil.
o autor que tivesse prestado uma consideration, isto
é, o autor em estado de provar que ele tinha fornecido
A esta altura de nossa comunicação, já cabe
(ou iria fornecer) ao réu uma prestação, ou que, de uma pergunta:
acordo com um pedido expresso ou implícito do Quais as formas de relacionamento pré-
vendedor, tivesse confiado em uma promessa dele e contratual admitidas no tráfico jurídico em
houvesse experimentado um prejuízo, poderia obter geral?
satisfação com fundamento em um contrato. Ora, a resposta é difícil, pois este período
A interpretação clássica do sentido da conside- que antecede o contrato é constituído por um
ration é, há algum tempo, contestada nos Estados conjunto de fatos, em que não existem regras
Unidos e na própria Inglaterra, por Atiah, mas isso
11
não quer significar que a concepção tradicional seja A games theory é de origem germânica, e seu
falha, ou que tenha perdido validade. A discussão sistematizador foi um matemático alemão, von
suscitada pelo aparecimento dessa correte contrária Neumann, in Zur Theorie der Gesellschaftsspiele,
à consideration teve um resultado positivo, in Math. Annales, 1928. A teoria dos jogos refere-
porquanto esclareceu diversos aspectos do direito se ao jogo da estragégia que utilizam as partes
dos contratos e suas relações com os demais ramos quando entabulam negociações cujo objetivo é
dos contratos. Ver, por todos, MARKESINIS, Basil chegar ao contrato. Sobre o assunto há inúmeras
S. La notion de consideration dans la common law: obras e artigos doutrinários. Ver, sobretudo, KATZ,
vieux problèmes : nouvelles théories. RIDC, n. 4, p. Avery. The strategic structure of offer and accep-
735 e segs., 1983. tance : game theory and the law of contract
10
No artigo intitulado Culpa in Contrahendo, formation. Michigan Law Review, v. 89, nov. 1990,
Bargaining in Good Faith, and Freedom of Contract : p. 215 e segs.; COSTANTINO, Michele. Regole di
A Comparative Study, publicado na, Harward Law gioco e tutela del più debole nell’approvazione del
Review, n. 77, p. 401-408, 1964, dada a analogia programma contrattuale. Riv. dir. civ., 1, p. 68 e segs.,
das estruturas comerciais e industriais nas 1972.
12
sociedades ocidentais, não existe uma impos- Além disso, a utilização do método compa-
sibilidade absoluta de recepção da doutrina da culpa rativo permite, muitas vezes, ao intérprete e ao
in contrahendo, de origem romano-germânica, no aplicador, encontrar solução para uma situação não
âmbito do direito anglo-americano. Os autores antes regulada no sistema onde está atuando. É o que vem
referidos utilizaram como técnica de pesquisa ocorrendo com o tema das tratativas pré-contratuais.
comparatista, a praesumpsio similitudinis. V. V. por todos, ZWEIGERT, Konrad. Rechtsver-
ZWEIGERT, K., KOTZ, H. An introduction to gleichung als universale Interpretationsmethode.
Comparative Law. Oxford, 1987. v. 1, p. 36. Rabel’s Z., 1949/50, p. 5 e segs.
172 Revista de Informação Legislativa
pré-estabelecidas, e no qual as negociações são Num estudo como este, ainda que de
submetidas à liberdade, que deriva do princípio reduzidas dimensões, não se pode deixar de
da autonomia da vontade, fundamento do referir a importância da fase pré-contratual na
direito dos contratos. Mas o que é sempre área dos Contratos Internacionais, que têm
verdadeiro é que se trata de área circunscrita como uma das suas características, justamente,
ao chamado não direito, o non-droit dos o aspecto contraditório, se comparado com o
franceses, expressão tão ao gosto do jurista contrato analisado no plano interno; até o
sociólogo M. Jean Carbonnier. último momento a prática que predomina, entre
Para outros juristas, como Couto e Silva, a os negociadores internacionais, é a de não
fase pré-contratual estaria adstrita ao terreno ocorrer uma vinculação. E como as tratativas
do contacto social, no qual a proximidade entre no âmbito do comércio internacional são,
as partes não é tão próxima como num contrato geralmente, mais extensas e duradouras, por
já constituído, mas onde, não obstante, já é envolverem representativas somas de dinheiro,
exigido um comportamento pautado pela os danos que a falta de consideração à outra
lealdade, pela confiança, logo, cooperativo. parte acarretem, podem ser de alguma monta.
É fase que corresponde ao âmbito do Postas estas premissas, necessárias para
projeto, das diversas formas de construção do introduzir o tema principal de nossa comu-
futuro contrato, elaborado pouco a pouco, em nicação, devemos nos deter na questão das
camadas sucessivas, par couches successives, possíveis sanções para a utilização abusiva da
e que pode assumir denominações variadas, por faculdade de não contratar, a freedom not to
exemplo, acordo de princípio, pourparlers, contract, regra liberalista da Common Law.
punctuação, intent letter, memorandum of Para uma melhor perspectiva do problema
intent, engagement d’honneur ou gentlemen a ser aqui discutido, utilizaremos o método
agreement, etc. com pouca ou nenhuma comparativo, tomando como exemplo, no
diferença entre si.
O que existe de comum em todas essas Direito Continental europeu, os sistemas
hipóteses é o fato de as partes utilizarem a francês e alemão, que mais interessam a nós,
formação sucessiva do contrato, sem preocu- latino-americanos, dada a recepção deles em
pação com a construção de uma vontade de nosso continente; no que tange ao direito não
contratar. continental, ou seja, a Common Law, os
Outra observação a ser feita é a de que, nos sistemas inglês e americano do norte.
dias atuais, a fase preliminar ao contrato é De acordo, pois, com o que viemos escla-
deveras importante, sobretudo se o contrato não recer, dividiremos nossa comunicação em duas
chega a tomar forma, tendo, contudo, existido partes: num primeiro momento, trataremos das
uma negociação, um acordo de princípio, que soluções oferecidas pelos dois grandes sistemas
supõe uma possibilidade de reviravolta quando continentais europeus para sancionar o
a execução do acordo estiver melhor definida rompimento culposo das negociações preli-
ou avaliada, mesmo não havendo previsão de minares e em seguida, nos deteremos no sistema
condições. Assim, o terreno é sempre movediço, da Common Law, a título ilustrativo; num
o acordo de princípio, seja qual for a deno- segundo momento, analisaremos a questão a
minação, pode significar uma futura aceitação, partir de um ponto de vista latino-americano.
uma aceitação sob certas reservas ou ainda a
reserva de uma possibilidade de recusar ou 2. As reações ao comportamento
aceitar o futuro contrato. Como se percebe, este
é um terreno caracterizado pela total ambi- culposo na fase pré-contratual:
güidade, o que não se coaduna com o direito as soluções francesa e alemã
privado em geral13.
Como já foi antes referido, as reações às
13
Situação diversa ocorre quando constatamos violações na fase que antecede o nascimento
a existência de um engagement d’honneur. Nesse do contrato dependem da noção de contrato
caso, as partes estipulam, de antemão, que o acordo vigente no sistema em foco e, sobretudo, das
de vontades não é obrigatório. A relação que se influências doutrinárias, éticas e históricas que
estabelece está situada no âmbito da moral, fora da marcaram o seu conceito. Nesse sentido,
área de abrangência do Direito estatal e até mesmo sabemos todos quão distintas são as concepções
das soluções arbitrais. A respeito do assunto,
consulte-se o excelente trabalho de NAJJAR, de contrato no âmbito do Code Napoléon e no
Ibrahim. L’accord de principe. Dalloz, 1991. Ch. do BGB, elaborados, o primeiro sob inspiração
13, p. 57 e segs. individualista e liberal, e, no plano moral, à
Brasília a. 34 n. 136 out./dez. 1997 173
luz do jansenismo, enquanto o segundo, uma tradicional no terreno da responsabilidade civil,
construção artificial, eis que fundada nas como base para uma responsabilização por dano
Pandectas, dominado por uma série de pré-contratual.
princípios, dos quais o mais importante é o da Exemplo: rompimento brutal e unilateral
confiança, base de toda a estrutura elaborada dos pourparlers já bastante avançados 15
pelos alemães, povo de vendedores que, para engendra responsabilidade.
tornar seu comércio atrativo, dotaram o Direito As mesmas jurisdições, contudo, afastam a
privado de inúmeros mecanismos de segurança responsabilidade pela ruptura das tratativas
jurídica; no que diz respeito à moral, predo- quando ela é motivada por divergências
minam os princípios originários da ética econômicas surgidas entre as partes, como a
protestante. interrupção das negociações tendo em vista a
Pois bem, para analisarmos as soluções que conclusão de outro contrato em condições mais
visam o reconhecimento da responsabilidade vantajosas.
pré-contratual, levaremos em conta estas duas Por outro lado, a existência de uma
distintas concepções de contrato. obrigação geral de boa-fé (art. 1.135 do Code
Napoléon: “Les conventions obligent non
2.1. A solução francesa: colocação seulement à ce qui est exprimé, mais encore à
toutes les suites que l’équité,l’usage ou la loi
de limites à liberdade contratual: donnent à l’obligation d’après sa nature”)
a figura do abuso de direito exigível na fase da formação dos contratos, deve
Nenhum legislador ocidental teve tão reger o comportamento das partes durante as
grande preocupação com a liberdade contratual negociações preliminares: uma negociação
como o francês, autor do Code Napoléon, pois pode ser encerrada sem que haja contrato, pois
essa é uma conseqüência lógica do indivi- essa faculdade decorre do princípio da
dualismo e do liberalismo em grau máximo, autonomia de vontade; o que não se admite é
adotado pela França, no período pós-revo- rompê-la após ter suscitado na outra parte a
lucionário. O indivíduo é livre, tanto para confiança de que um contrato será concluído.
Tal atitude acarreta a responsabilidade.
vincular-se, como para não se vincular. Nesse Tendo em vista nosso propósito inicial, de
ponto situa-se a análise que estamos a efetuar. realizarmos este breve estudo em perspectiva
Não há contrato, mas existiu o fato de terem as comparatista, passemos a analisar outro
partes contactado, discutido, tentado negociar, ordenamento jurídico, o alemão, também da
sem, contudo, chegar a um denominador família romano-germânica, mas dotado de
comum, e se disso tudo resultou um prejuízo, e certos traços que lhe são deveras peculiares.
uma culpa foi detectada, assim como uma No ordenamento regulado pelo BGB, a
relação de causalidade entre uma e outra, responsabilidade pré-contratual é mais facil-
estaremos diante de uma hipótese de respon- mente admitida, porque mecanismos jurídicos
sabilidade extracontratual ou delitual. A subjacentes permitem admitir a responsa-
averiguação da simples culpa, ainda que sem bilização por violação de deveres, ainda na fase
intenção de prejudicar, caracteriza a figura do pré-contratual.
abuso de direito, cujo critério é a noção de
culpa, pois não basta, para impor-se obrigação um abuso da teoria da perda de uma chance. De
de indenizar pelo exercício de um direito, que uma forma muito singela, pode-se dizer que a perda
tenha havido prejuízo a outrem, assim, o de uma chance ocorre quando uma situação, por
exercício de um direito acarreta respon- definição vantajosa para a futura vítima, compor-
tava uma álea e se, por causa do réu, esta álea
sabilidade; ele é abusivo quando culposo. desapareceu, levando consigo as chances que
Um outro embasamento para fundar a possuía o autor de conservar uma situação benéfica
responsabilidade pré-contratual resultou da ou de vê-la concretizar-se.Ver, a respeito, entre
atividade jurisprudencial em França. Com outros, CHABAS, François. Leçons de droit civil :
efeito, em várias oportunidades, os juízes obligations. Montchrestien, 1991, v. 1, t. 2, p. 412 e
referiram a perda de uma chance14, noção segs.
15
Cf. decisão da Corte de Cassação francesa,
14
São inúmeras as oportunidades em que alguém datada de 20 de março de 1972:... rompu sans
pode alegar perda de uma chance. Esta é uma criação raisons légitimes, brutalement et unilatéralement les
jurisprudencial francesa e tem tido um grande pourparlers avancés. Cit. por SCHMIDT, Joanna.
desenvolvimento no campo da responsabilidade La sanction de la faute précontractuelle. RTDCiv.,
civil, a ponto de um autor ter afirmado que hoje há v. 72, p. 46 e segs., 1974.
174 Revista de Informação Legislativa
2.2. A proteção da confiança, reflexo da Ainda com relação aos princípios derivados
necessidade de segurança no tráfico jurídico do Vertrauensgrund, jurisprudência e doutrina
alemãs têm alargado o âmbito de aplicação
É por todos sabido que o sistema de Direito do princípio da boa-fé18 em sentido objetivo,
Privado alemão é constituído por alguns pilares, de modo que esse tenha aplicação em todo o
sobre os quais se ergue a monumental cons- direito, não apenas no direito das obrigações.
trução que é o BGB. O primeiro pilar, pois, é De acordo com essa interpretação extensiva,
constituído pelo princípio da autonomia os direitos subjetivos em geral devem ser
privada (privat autonomie), expressão da exercidos dentro dos limites do princípio da
autodeterminação de que é dotado todo o boa-fé, o que torna o parágrafo 242 um
indivíduo capaz de agir no ordenamento excelente instrumento também na luta contra
jurídico e que pode estabelecer, pela vontade, o abuso de direito.
efeitos jurídicos reconhecidos pela lei. Inúmeras são, no Direito privado alemão,
O segundo pilar está representado pelo as manifestações da tutela da confiança no
princípio da confiança (Vertrauensgrundsatz), Direito dos contratos. Dadas as características
reflexo da moral social que, no dizer dos juristas deste trabalho, nos deteremos em apenas duas
alemães, irriga o seu Código Civil16. Esse dessas manifestações: a culpa in contrahendo
princípio da confiança, fonte de vários deveres, e a proibição de venire contra factum proprium
dos quais o mais importante é o de agirem as que podem servir de fundamento para a
partes, na relação contratual, com lealdade, responsabilização daquele que violou a
pode ser desdobrado em dois aspectos distintos: confiança da contraparte ainda na fase pré-
Em primeiro lugar, esse princípio, como contratual.
antes referido, reflete a moral social, e, assim
como a autonomia de vontade, tem aplicação 2.2.1. UMA DESCOBERTA DE VON IHERING:
quando os indivíduos participam, volun- A NOÇÃO DE CULPA IN CONTRAHENDO
tariamente, no tráfico jurídico; em segundo Deve-se a von Ihering, no ano de 1861, a
lugar, o mesmo princípio da confiança pode ter formulação da teoria da culpa in contrahendo,
como fundamento a necessidade de segurança inspirado no espírito que norteara o Corpus
do tráfico jurídico, tão cara ao legislador Juris de Justiniano, cuja análise permitiu-lhe
alemão, imbuído da preocupação de dotar o encontrar o fio condutor que reúne hipóteses
sistema de direito privado germânico de como a do contrato inválido ou aquele cujo
elementos atrativos ao comércio, destacando- objeto é impossível, o erro unilateral, a
se dentre estes, como lógico, a segurança. Nesse revogação da proposta antes da aceitação, e,
sentido, utilizam alguns autores a expressão ainda, a incapacidade superveniente do
Vertrauens – und – Verkehrsschutz (confiança proponente. O aparente âmbito restrito em que
e proteção do tráfico)17. Nessa perspectiva, o a teoria foi concebida por von Ihering não
princípio da confiança vem sendo invocado com obstou que fosse qualificada como uma notável
o objetivo de neutralizar certas cláusulas descoberta, pois abriu caminho para a solução
contratuais, bem como o exercício de direitos de problemas outros, antes nunca analisados19.
subjetivos de forma abusiva. Destarte, o prin- Destarte, a culpa in contrahendo passou a ser
cípio da confiança se vincula à idéia de admitida como uma figura geral e em termos
responsabilidade pessoal, a Selbstverantwortung.
18
De acordo com o parágrafo 242 do BGB, o
16
São relacionados ao Vertrauensgrundsatz, devedor deve executar a prestação como o exige a
algumas das mais importantes regras do Direito boa-fé, levando em consideração os usos de tráfico,
privado alemão, v.g., o princípio da boa-fé objetiva, e, no original, Der Schuldner ist verpflichtet, die
previsto no parágrafo 242, a obrigação de inter- Leistung so zu bewirken, wie Treu und Glauben mit
pretarem-se as declarações de vontade de acordo com Rücksicht auf die Verkehrssitte zu erfordern.
19
o horizonte do destinatário, a obrigação de ser O jurista brasileiro Couto e Silva considerava
reparado o interesse negativo, quando se constate a culpa in contrahendo uma notável descoberta no
uma declaração de vontade fundada em erro (sit. campo da dogmática jurídica, pois graças à pesquisa
prevista no parágrafo 122 do BGB)... e muitas outras. de von Ihering, novos e modernos conceitos foram
V. a respeito, LARENZ, K. Allgemeiner Teil, trazidos ao Direito das obrigações, como por
paragraph 2 IV; WITZ, Claude. Droit Privé exemplo, o de Quebra Positiva do contrato,
Allemand. LITEC, 1992, p. 109 e segs., PÉDAMON, resultado da pesquisa de Staub, inspirado de
Michel. Le Droit allemand. PUF, 1985. conceitos semelhantes, originários da tradição
17
V. WITZ, op. cit., p. 110, e nota 17. jurídica da Common Law.
Brasília a. 34 n. 136 out./dez. 1997 175
amplos, no sistema do BGB, graças aos esforços qual a contraparte havia confiado23. De acordo
da doutrina e jurisprudência germânicas. com esse entendimento, o fato de alguém
A descoberta de von Ihering sobreviveu à portar-se dando a impressão de que agiria no
Codificação de 1900, e a Doutrina interpretou sentido de contratar e bruscamente, sem motivo
a culpa in contrahendo à luz do BGB, real, pusesse um ponto final nas negociações,
fornecendo, logo após à publicação do Código estaria configurada uma situação de venire
Civil, elementos para a imposição de uma contra factum proprium, violação do princípio
obrigação geral de correção nas tratativas20. da boa-fé em sentido objetivo.
Como se percebe, é possível aplicarem-se Prosseguindo nesta nossa análise compa-
deveres decorrentes do princípio da confiança ratista, deslocaremos nosso foco de atenção para
que preside o direito dos contratos, a uma o sistema da Common Law.
situação não contratual, como, por exemplo,
em relação à fase das tratativas, pourparlers 2.3. Uma esperança frustrada: fundamento da
ou punctuações...etc., e a responsabilidade responsabilidade pré-contratual no sistema da
decorrente é extracontratual, mesmo que se Common Law
admita que a culpa in contrahendo derive de Os tribunais norte-americanos e ingleses
uma espécie peculiar de contacto social, o que admitem, tradicionalmente, que as partes
precede a fase contratual. Ainda assim, certos entrem em negociação (freedom of negotiation),
autores afirmam ser esta responsabilidade sem o risco da responsabilidade pré-contratual,
contratual, mesmo não existindo, todavia, pois, de acordo com as regras da oferta e da
contrato, pois ela acarreta conseqüências procura, não existe responsabilidade enquanto
distintas das que defluem da responsabilidade o contrato está em formação, ou seja, antes que
delitual. Somente para exemplificar, citaremos a oferta receba uma aceitação.
Wolfang Fikentscher21, para quem existe um Vigorou, até poucos anos, entre os norte-
direito costumeiro determinando a aplicação da americanos concepção segundo a qual o período
responsabilidade contratual às hipóteses da pré-contratual é de natureza aleatória, podendo
culpa in contrahendo. Segundo Couto e Silva, ser interrompido a toda hora, por vários
esta é uma construção artificial, reafirmando a motivos: mudança de opinião, alteração das
natureza da responsabilidade pré-contratual circunstâncias, percepção de que não é um bom
como delitual22. negócio, ou mesmo sem nenhuma razão. O
A doutrina alemã vem, há longo tempo, único custo desse comportamento seria a perda
detectando casos que configuram exercício de que a parte teria em seu próprio investimento
direito em desacordo com a boa-fé (treuwidrige nas negociações em termos de tempo, esforço
Rechtausübung), mas reconhece que é impos- e dinheiro24.
sível resumir, de maneira sintética, todas as A natureza aleatória da fase pré-negocial
hipóteses. Assim sendo, o exame da juris- seria um limite para a liberdade de negociar,
prudência permitiu agrupá-los em categorias, desencorajando as partes a fazê-lo. Mas a
os denominados Fallgruppen, e, entre eles, maioria das decisões, a partir do período após
vamos destacar apenas um, o do venire contra a Segunda Guerra Mundial, admite a existência
factum proprium, igualmente suscetível de de uma promessa implícita de negociar de boa-
desdobramentos vários. Trata-se de um agir do fé, não exatamente uma promessa de contratar25.
titular de um direito, que se põe em contradição
com a conduta anteriormente adotada e na 23
O comportamento vedado na regra do venire,
é de origem romana, e semelhante vedação pode ser
20
O autor em questão era Franz Leonhard, cujo encontrada em quase todos os sistemas jurídicos,
artigo intitulava-se Verschulden beim Vertrags- até mesmo nos da Common Law, que o recebeu com
schlusse,1910; a decisão da Reichsgericht, inspirada a denominação de estoppel. A respeito, consultar,
de Leonhard, data de 7 de dezembro de 1911, 78 entre muitos outros, WITZ, Claude, op. cit., p. 525,
ERGZ 239. Cit. por CARUSO, Daniela. La culpa WIEACKER, Franz. El principio general de la
in contrahendo : l’esperienza statunitense e quella buena fé. Cuadernos Civitas, 1982. p. 60 e segs.
24
italiana. Giuffrè, 1993. p. 8 e segs. Sob este aspecto, é importante a leitura de
21
Shuldrecht. Berlin, 1985. parágrafo 20, II, 4, HOLMES, Wendell H. The freedom not to contract.
p. 66. Tulane Law Review, v. 60, p. 751 e segs. 1986.
22 25
V. Principes fondamentaux de la responsa- V. caso Hoffmann v. Red Owl Stores, 26 Wis.
bilité civile en Droit Comparé brésilien et comparé. 2 d 683, 133, W. 2 d 267(1965), em que nenhuma
Paris, 1988. Inéd. oferta concreta fora feita por Red Owl, de modo que
176 Revista de Informação Legislativa
Outras bases têm sido aventadas e utilizadas espécies de jogos, de sorte que a maioria dos
como fundamento para demandas por responsa- problemas resultantes do contacto social pode
bilidade pré-contratual: a misrepresentation, o ter solução pela aplicação de fórmulas
unjust enrichment e a general obligation of fair matemáticas, porquanto as regras do relacio-
dealing. Essa última base para ação em namento social são semelhantes a regras de
responsabilidade pré-contratual não tem sido jogos. É evidente que a teoria refere-se ao jogo
bem aceita, porquanto as Cortes americanas como uma estratégia, e não como atividade
invocam o Uniform Commercial Code (§ 1-203 regida pelo acaso, ou pelo azar. No jogo
entendido como estratégia, o resultado depende
obligation in good faith in...performance or das decisões que os jogadores deverão tomar
enforcement) e o Restatement (Second) of durante o seu desenrolar, isto é, durante a fase
Contracts (§ 205 duty of good faith and fair preparatória do contrato. A teoria procura
dealing in...performance and enforcement), nos explicar de que maneira é possível estabelecer
quais a obrigação geral de negociar com a melhor estratégia para cada um dos jogadores:
correção, fair dealing, e good faith não é o ofertante e o provável comprador. Nesse
estendida à fase pré-contratual. sentido, os jogos praticados em sociedade
Outras observações podem ser feitas sobre constituem um bom exemplo de jogos de
essa temática, como por exemplo, as formas estratégia, mas as aplicações vão muito mais
encontradas pela doutrina e pela prática para longe no que concerne ao problema do
superarem-se tais problemas, os denominados programa contratual; a teoria admite uma visão
regimes intermediários, pelos quais são mais realística dos problemas econômicos que
estabelecidos acordos preliminares, entre os não são percebidos na concorrência perfeita.
quais, agreements in principle, agreements to Assim, é possível detectarem-se certas seme-
negociate, heads of agreements, agreements of lhanças, na relação negocial, com o compor-
open terms, agreement to negociate... tamento de jogadores.
Além dessas, outra possibilidade existe no Essa teoria é hoje um dos vários métodos
Direito norte-americano de regular, juridi- sofisticados com os quais os norte-americanos
camente o período que antecede o contrato, a vêm estudando as relações econômicas, bi ou
plurilaterais, ainda não reguladas por meca-
Teoria dos jogos, a seguir examinada, ainda
nismos jurídicos, nem relacionadas a um
que de passagem. sistema de promessas legalmente coercíveis. A
2.4. A formação do contrato e a teoria dos teoria dos jogos traz um novo alento à análise
jogos,uma técnica das ciências exatas econômica do direito dos contratos, pois
enfatiza o comportamento estratégico das partes
A teoria dos jogos constitui uma contri- em uma negociação, entrando no jogo idios-
buição do mundo das ciências exatas, ao mundo sincrasias individuais, elementos de causa-
do Direito, sendo seu criador o matemático von lidade, aspectos temporais, e até mesmo
Neumann26. O extraordinário desenvolvimento imprevistos, como a morte. A análise feita à
da teoria dos jogos deve-se, sem dúvida, à luz dessa teoria utiliza técnicas sofisticadas,
variedade dos setores nos quais pode ser como incorporar em estudos formais um
aplicada, por exemplo, à economia, aos tributos, número impensável de variáveis e tentar
à sociologia e à análise estatística. aproximar sensivelmente os modelos abstratos
De acordo com o pensamento de Neumann, à realidade27.
as relações sociais nada mais são do que O jogo da aprovação do programa contra-
foi impossível avaliar a expectativa perdida de tual, iniciado na fase das negociações pré-
Hoffmann, e o que ele recobrou foi medido em razão contratuais, consiste em uma proposta, que
de sua reliance, houve um direito a mensurar uma deverá ser aceita pela outra parte; o destinatário
oportunidade perdida, porque o autor agiu em função da proposta pode inverter as posições, fazendo
da confiança advinda da promessa. A decisão outra proposta; nesse caso, o jogo recomeça. A
baseou-se, pois, na consideração a uma promessa decisão do proponente exprime o ponto de vista
que não se concretizou, mas que havia gerado uma desse jogador em relação às circunstâncias nas
confiança. Esta é uma decisão bastante interessante, quais ele se encontra e o fato de que o aceitante
mas que tem sido lembrada inúmeras vezes nos
27
manuais sobre contratos, mas pouco na Juris- Sobre uma visão resumida da teoria, consultar
prudência. COSTANTINO, Michele. Regole di Gioco e tutela
26
Autor da Zur Theorie des Gesellschaftsspiele, del piu’debole nell’approvazione del programma
in Math. Annales, 1928. contrattuale. Riv. Dir. Civ., v. 1, p. 68 e segs. 1972.
Brasília a. 34 n. 136 out./dez. 1997 177
deva informar-se, demonstra que, na hipótese Visto como é tratada a questão da respon-
em que a aprovação do programa contratual sabilidade pré-contratual em dois grandes
seja precedida de tratativas, vencerá o jogador sistemas jurídicos, o romano-germânico e o da
que fizer a primeira jogada ou movimento. O Common Law, passaremos ao exame do tema
conceito de circunstâncias em que se toma uma no âmbito latino-americano, restringindo nossa
decisão é muito utilizado pelos adeptos da análise a três ordenamentos, a Argentina, o
teoria dos jogos, identificando-o com a Brasil e o Paraguai.
totalidade das informações sobre o andamento Nessa análise serão levados em conta os
precedente do jogo que, naquilo que se refere aspectos definidores da família romano-
às regras, é utilizável pelo jogador no momento germânica, antes referidos, e que se ajustam
em que deve tomar uma decisão. Assim sendo, aos sistemas latino-americanos, membros dessa
na fase das tratativas, deve-se necessariamente família por causa da colonização européia no
presumir que cada um dos contratantes esteja Cone Sul.
plenamente informado do real conteúdo do Dispõe o artigo 1.198 do CCA, los contratos
contrato, de sorte que é possível avaliar a deben celebrarse, interpretarse y ejecutarse de
estratégia seguida pelo jogador/perdedor, ou o buena fe y de acuerdo con lo que vero-
que não obteve vantagens; deve igualmente ser símilmente las partes entendieron o pudieron
examinada a possibilidade de valorar-se o plano entender, obrando con cuidado y previsión.
completo do comportamento que caracteriza a De acordo com o disposto no texto do art.
conduta do predisponente, pois as circuns- 1.198, podemos depreender que o dever de boa-
tâncias de que dependem a aprovação podem fé estende-se à fase da negociação pré-
ser previstas. contratual. Mas boa-fé em que sentido? Se o
Na verdade, a função precípua do teórico texto refere-se ao sentido objetivo, então a
da teoria dos jogos é a de tentar antecipar as responsabilidade pré-contratual, no sistema
manobras dos jogadores, empregando, para argentino, teria como base a violação do
tanto, as informações iniciais, mesmo que elas princípio da confiança legítima, base de todas
sejam, às vezes, reduzidas. Um importante as negociações, e alicerce da segurança jurídica,
instrumento de trabalho é o conceito de cuja expressão maior é o princípio da boa-fé,
densidade das probabilidades, pois ele permite redigido no parágrafo 242 do BGB, nos
extrapolar a communis opinio e traduzir em seguintes termos: o devedor é obrigado a
cifras as informações relativas à distribuição cumprir a obrigação segundo exige a boa-fé,
de preços, ou prever a freqüência com que levando em conta os usos de tráfico. São
clientes de alto poder aquisitivo (e não apenas
modestos consumidores) responderão aos seus justamente os usos de tráfico que determinam
reclamos comerciais. certos comportamentos, exigíveis já na fase pré-
Enfim, para um melhor entendimento desta contratual29.
técnica aparentemente tão sofisticada, sinte- Com relação ao Brasil, embora o princípio
tizá-la-emos nos seguintes termos: ela serve da boa-fé não tenha tido acolhida expressa, em
para que o operador jurídico possa ser guiado artigo do Ccb de 1916, é pacificamente aceito
ou conduzido, por meio de uma tipificação da como categoria de princípio pré-positivo, isto
esperteza ou da astúcia, obtida pelo emprego é, existente antes de sua adoção por uma regra
de termos matemáticos-formais. Essa teoria, de direito. A aplicação desse princípio
cujos contornos vimos apresentar, oferece uma flexibiliza certas soluções, reputadas demasiado
série de modelos de negociações, pautados por rigorosas.
estratégias, cuja utilização deve permitir v. 89, p. 215 e segs. 1990; COSTANTINO, Michele.
atingir-se o objetivo colimado, o de êxito nas Regole di Gioco e tutela del piu’debole nell’appro-
tratativas. É evidente que em espaço tão redu- vazione del programma contrattuale. Riv. Dir. Civ.,
zido, não é possível examinar a matéria com o v. 1, p. 68 e segs. 1972; FERRI, G.B. Considerazioni
merecido aprofun-damento. sul problema della formazione del contratto. Riv. Dir.
Da extensa bibliografia sobre o tema, Civ., v. 1, p. 187 e segs. 1969; CARUSO, Daniela.
selecionamos algumas obras de leitura obri- La culpa in contrahendo, l’esperienza statunitense
gatória, para quantos quiserem penetrar nos e quella italiana. Giuffrè, 1993.
29
meandros dessa fascinante teoria dos jogos28. De acordo com a lição de Brebbia, deveria
ocorrer uma aberta consagração do instituto da
28
Ver, por exemplo: KATZ, Avery. The Strategic responsabilidade pré-contratual na Argentina. V.
Structure of offer and acceptance : game theory and BREBBIA, Roberto H. Responsabilidad precon-
the law of contract formation. Michigan Law Review, tratual. Rosario, 1957.
178 Revista de Informação Legislativa
A doutrina30 e a jurisprudência31 brasileiras deveres pré-contratuais, entre os quais: os
estão abertas, em geral, à responsabilização pela deveres de declaração (dever de informar
ruptura das negociações, com base na aplicação exatamente sobre os fatos essenciais para a
do PBF objetiva, se a ruptura ocorreu após ter-se formação da vontade contratual da outra parte)
gerado uma certa confiança. e o dever de verdade, isto é, abstenção de
No âmbito do Direito paraguaio, não há proposições ou declarações inexatas sobre fatos
menção, no CC de 1987, de regulamentação essenciais.
da fase pré-contratual e a referência ao PBF
limita-se a sua função de interpretação dos
contratos. Ainda assim, acreditamos que é 3. Conclusão
possível estender a exigência de comportamento Em todos os sistemas analisados, depa-
leal, de acordo com os usos de tráfico, no âmbito ramo-nos com uma zona de non-droit, ou do
do ordenamento privado paraguaio. contato social mais remoto, e cada um deles
Como se vê, a regra sobre a qual repousa a reage distintamente e segundo suas carac-
regulação da fase pré-contratual é a do princípio terísticas às violações da confiança geradas na
da confiança, ao qual se relacionam outros fase das tratativas; é interessante lembrar que
princípios incidentes nas fases pré-contratual a confiança, neste caso específico, não é aquela
e contratual, como o da boa-fé em sentido tomada como expressão ou reflexo da moral
objetivo, e o da proibição de venire contra social, mas sim a confiança reflexo da
factum proprium. segurança do tráfico jurídico (Vertrauens und
Quais seriam, na prática, os deveres pré-con- Verkehrsschutz).
tratuais de boa-fé, decorrentes dos usos de tráfico? Outra importante observação a ser feita é
Estabelecer um elenco seria bastante difícil, que a autonomia privada, visualizada como
pois ainda que o tráfico jurídico seja semelhante expressão da autodeterminação dos indivíduos,
em todas as partes, não é fácil elencar é utilizada voluntariamente nas relações,
parâmetros de comportamento de acordo com enquanto a confiança, elemento relevante na
o tráfico jurídico. Tendo em vista essa segurança do tráfico jurídico, carrega, inserida
circunstância, um renomado autor alemão, em seu bojo, uma idéia de responsabilidade
Hildebrandt 32, sistematizou uma série de pessoal, cujas conseqüências jurídicas
decorrem ex lege e não ex voluntate.
30
Entre os autores que se detiveram no tema da Ao chegarmos ao final deste breve estudo
responsabilidade pré-contratual, no Brasil, podemos de Direito Comparado, analisadas as razões das
lembrar, MIRANDA, Francisco C. Pontes de. diferenças entre os sistemas aqui examinados,
Tratado de Direito Privado : parte especial. Rio de
Janeiro, 1972. v. 38; GOMES, Orlando. Contratos. verificamos que o resultado é semelhante em
12. ed. 1991. Mais recentemente, COSTA, Judith toda a parte, pois todos acabam por atribuir uma
Martins. A incidência do princípio da boa-fé no reparação pelo rompimento injustificado das
período pré-negocial. Revista Direito do Consumidor, negociações. Ao fazê-lo, os meios são distintos
v. 4, 1992; GONÇALVES, Corálio C. Obrigação e porque os sistemas e as influências sofridas pelo
adimplemento. 1996. Inédito, datilografado, acervo da legislador não são idênticos.
bib. da Faculdade de Direito da UFRGS. A regra geral que comanda todas as soluções
31
V. Revista dos Tribunais, v. 289, acórdão encontradas é a da boa-fé em sentido objetivo,
proferido em recurso de apelação, pelo Tribunal de tal como é percebida nos contratos de comércio
Alçada do Estado de São Paulo, p. 630 e segs.,
decisão bastante citada, por ter como protagonista em geral e no âmbito da lex mercatoria33.
conhecida atriz do cinema brasileiro. Outros Erklärungshaftung : Ein Beitrag zum System des
exemplos: 5ª Câmara Cível. Apelação cível nº 591 bürgerlichen Rechtes. Berlin ; Leipzig. O Professor
028 295. Relator: Des. Ruy Rosado de Aguiar Jr. português, Mário Júlio de Almeida Costa, em sua
Revista de Jurisprudência do TJERGS, n. 154, p. excelente monografia sobre Direito das obrigações.
379-380, 1992; apelação cível nº 591 028 295. 6. ed. Almedina, 1994, oferece um resumo da obra
Relator: Des. Ruy Rosado de Aguiar Jr. Rev. do de Hildebrandt, no que se relaciona aos deveres dos
TJERGS, nº 154, p. 379, 1992; 5ª Câmara Cível. negociadores, à p. 246, nota 2.
Apelação cível nº 591 045 737. Relator: Des. Ruy 33
A respeito da exigência de bona fides e confi-
Rosado de Aguiar Jr. Revista de Jurisprudência do ança no tráfico jurídico, desde tempos bastante remo-
TJERGS, nº 154, p. 471, 1992; 5ª Câmara Cível. tos, a partir dos Romanos, e antes da elaboração do
Apelação Cível nº 591 017 058. Relator: Des. Ruy BGB, v. a excelente monografia da autoria de MEYER,
Rosado de Aguiar Jr. Rev. do TJERGS, n. 152, p. 605; Rudolf. Bona Fides und lex mercatoria in der euro-
apelação Cível nº 592 044 101. Relator: Des. Araken päischen Rechtstradition.Wallstein Verlag : Göttingen,
de Assis. Rev. do TJERGS, n. 157, p. 298, 1993. 1994; e nosso comentário a respeito, em Revue
32
Em 1931, publicou a obra, intitulado Internationale de Droit Comparé, v. 1, p. 277, 1995.
Brasília a. 34 n. 136 out./dez. 1997 179
180 Revista de Informação Legislativa

Vous aimerez peut-être aussi