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09 a 11 de Novembro, Universidade Federal do Amazonas - UFAM

Manaus - Amazonas

O PAPEL DA ECONOMIA CRIATIVA NO PROCESSO DE GENTRIFICAÇÃO DO


PORTO MARAVILHA

Amanda Wanis1

Resumo: Nas últimas décadas viemos acompanhando a ascensão das ideias sobre
economia criativa e sua difusão pelo mundo. No Brasil, tais ideias ganham força a
partir de 2009, momento em que o Brasil se torna centro das atenções mundiais por
sediar megaeventos esportivos. As ideias da chamada economia criativa reforçam o
caráter capitalista das produções culturais, intensificando o processo de
mercantilização da cultura, observados por Adorno desde meados do século
passado. Neste artigo, estabelecerei relações preliminares entre o incentivo às
empresas e coletivos criativos na área do porto maravilha, as transformações
simbólicas envolvidas nas transformações urbanas dessa região e em que medida
esses incentivos às chamadas classe criativas tem sido utilizada como estratégia
para a gentrificação na região.

Palavras-chave: Urbanismo culturalizado, Gentrificação, Economia Criativa,


Políticas Culturais, Porto Maravilha, Megaeventos, cultura como recurso.

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, a cultura tem ganhado destaque nas agendas


internacionais de atores públicos principalmente no que se refere a planejamento
urbano e desenvolvimento econômico. Nessa perspectiva, a cultura deixa de ser um
fator neutro e passar a ser parte decisiva na gestão de cidades, que passa por nova
transformação para tentar se adequar à realidade das produções imateriais. Desse
modo, as transformações espaciais ultrapassam as dimensões físico-territoriais e
passam a estar relacionadas mais diretamente com aspectos das culturas locais.

1
Doutoranda do programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade
Federal Fluminense (UFF) e Produtora Cultural do Instituto de Arte e Comunicação Social (IACS) da
UFF. awanis@gmail.com.
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Os megaeventos esportivos também caminham nessa lógica e são utilizados


como mola propulsora para a restruturação e recuperação econômica dos lugares.
Neste cenário, encontra-se também a cidade do Rio de Janeiro, sede dos maiores
eventos esportivos mundiais. Seus agentes públicos e representantes da coalizão
local trazem a percepção do momento de oportunidade de ‘Re’ construir a imagem
da cidade moldada nos novos paradigmas internacionais. Essa chamada
‘Re’construção simbólica da cidade, no entanto, tem sido produzida à revelia da
multiplicidade e complexidade da cidade, apoiada em conceitos e princípios que
pautam projetos e ações que, muitas vezes, vêm impulsionando processos de
gentrificação, com dinâmicas concomitantes à construção da chamada cidade-
espetáculo e cidade-mercadoria.
Entre esses processos, destacamos o espaço que as políticas culturais vêm
ocupando nas agendas públicas e sua relação com as transformações urbanas. Em
meio a uma trajetória descontínua, frágil e disputada por distintos atores sociais,
conceitos como da economia criativa ganham significados e status de política
pública reforçando a ideia de cidade-empresa-cultural, ressignificando o papel do
estado no desenvolvimento da cultura. O ideário de Cidade Criativa, difundido por
agentes internacionais e posto em prática por atores locais, impulsiona o discurso
econômico, trazendo a cultura à centralidade da pauta urbana, como justificativa de
valor, tornando-se, então, ferramenta de mobilização de recursos econômicos.
No Rio de Janeiro, esse ideário ganha espaço à medida que agentes públicos
entendem a cultura como ferramenta na construção de uma imagem-marca de um
“Rio mais criativo” e “amigável aos negócios”. No entanto, esses processos não são
uma peculiaridade da cidade do Rio de Janeiro, percebemos a utilização das
políticas culturais como recurso para a renovação tanto da economia como do
espaço urbano em inúmeras cidades ao redor do mundo. No Brasil, especificamente
no Rio de Janeiro, esses processos vêm sendo, por um lado, acelerados por este
momento de sediar megaeventos internacionais e, por outro, tem servindo como
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estratégia de adesão social ao projeto de cidade que vem sendo implementado nos
últimos anos.
Neste artigo buscarei evidenciar como os ideários da economia criativa têm sido
utilizados como recurso no processo de gentrificação que ocorre na região
denominada Porto Maravilha. Em um primeiro momento, analisaremos a construção
por parte dos agentes municipais e coalizões dominantes da percepção de espaço
público, a relação essa percepção e a produção cultural urbana, assim como
algumas ações que evidenciam o processo de privatização e normatização do
espaço para possibilitar a fluidez do capital. Ainda nesse processo, perceber ações e
políticas voltadas a economia criativa que reforçam esse caráter além de ser um
recurso poderoso na aderência social a esse processo de cidade.
Em um segundo momento, analisarei alguns aspectos gentrificadores já
passíveis de observação no território, uma vez que esse é um processo em
andamento. Evidenciarei como as atividades ditas ‘criativas’ e os coletivos e
empresas estão contribuindo como um primeiro passo nesse processo.
Demonstrarei ainda que essa não é uma peculiaridade carioca, mas um processo
observado em outros locais no mundo, principalmente nesses momentos de grandes
transformações urbanas. Analisarei também, como esse discurso se alinha ao
momento de oportunidades que os gestores públicos e as coalizações dominantes
atribuem à cidade ser sede de megaevento esportivo.

ESPAÇO PÚBLICO OU ESPAÇO PRIVADO ABERTO: A PRIVATIZAÇÃO DO


PORTO MARAVILHA E SUA RELAÇÃO COM A CULTURA

O espaço público ocupa uma importante posição ideológica na sociedade


democrática, conforme afirma Mitchell (1995), essa percepção sobre o espaço
público se transformou desde, por exemplo, a antiga Grécia, e a definição mais
recente encontra-se mais próxima a uma percepção normativa para o espaço do que
uma descrição empírica das maneiras pelas quais esses espaços funcionam.
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Neste artigo, defino o espaço público como “a representação material onde as


interações sociais e atividades políticas de todos os agentes públicos acontece”
(MITCHELL, 1995), neste sentido, é também nesse espaço onde os sistemas de
significações sociais, atribuições simbólicas, e a própria construção cultural
acontece. Para esse fim, é fundamental percebermos as construções simbólicas de
espaço público atualmente difundidas na área de grande transformação urbana
chamada de “Porto Maravilha”.
Ainda antes de nos debruçarmos na região especificamente, é importante
perceber quais ideologias e simbolismos estão envolvidos na percepção do espaço
público, ou na construção de um espaço privado aberto.
Ainda segundo Mitchell (1995), como construção ideológica, o espaço público
possui dupla importância, sua articulação implica na noção de inclusão, o que o
torna ponto de encontro de ações políticas e também é entendido como um local de
liberdade de expressão no qual grupos marginalizados podem lutar por seus direitos.
Desse modo, ao mesmo tempo em que o espaço público é um local de liberdade ele
é também um espaço de disputas simbólicas e políticas.
Contudo, essa mesma definição de espaço público pode tomar outros contornos
quando a percebemos em uma cidade desigual, como o é acentuadamente o Rio de
Janeiro. Nesse sentido, é fundamental diferenciar, como assim o fez Novais (2014),
as ideias de diferença e desigualdade. Para o autor, “a primeira refere-se à distinção
socialmente estabelecida entre as pessoas e grupos (...). A segunda indica processo
suplementar de construção social que envolve o reconhecimento do que é
desejável.” E ele continua: “Desigualdade diz respeito à redistribuição desequilibrada
de recursos coletivos e à exposição desproporcional aos problemas decorrentes das
práticas sociais.”
A partir dessa diferenciação, percebemos que as disputas estabelecidas no
espaço são também disputas desequilibradas, a partir do entendimento que os
diversos atores sociais possuem condições desiguais para impor seus interesses
(NOVAIS, 2014). Ainda dialogando com Novais (2014) quando ele, a partir da
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definição de Ascher, afirma que apesar da sociedade contemporânea possuir uma


forte imagem de intenso processo de diferenciação, processo esse que percebe a
cidade como território plural, de singularidades e identidades, esse reconhecimento
do diferente exclui a noção de desigualdade, assim como os conflitos. Somada a
percepção de que a cidade é uma grande empresa e seus cidadãos consumidores,
observamos aqui a virada da percepção do espaço público de liberdade e inclusão
para um lugar de exclusão e despolitizado, no qual se percebe, ideologicamente, o
diferente, mas ainda dentro de uma “base de categorias consideradas legítimas”
(NOVAIS, 2014).
Outro fator que corrobora esse processo contemporâneo de percepção do
espaço público é a necessidade de ordenamento que o sistema capitalista precisa
para escoar seus fluxos (GARNIER, 1076), ainda que em um processo contraditório
de ordem e desordem urbana, por vezes o estado é invocado a atuar no
ordenamento urbano para que o sistema capitalista continue a atuar sobre suas leis.
É nesse processo que os espaços públicos se tornam espaço de recreação e
entretenimento, espetacularizado, com regras de uso ou comportamento social
determinado, se constituindo como um espaço de controle, de ordem e seguro
(MITCHELL, 1995). Em outras palavras, na sociedade do consumo, em nome do
conforto, segurança e lucratividade, as atividades políticas são repelidas do espaço
público por um espetáculo altamente mercantilizado projetado para vender
(MITCHELL, 1995). A diversidade legitimada cria espaços vendáveis em oposição
ao descontrole social, a disneyficação dos espaços implica em alienação perante as
possibilidades de relações sociais não-mediadas e aumenta o controle dos grupos
de atores econômicos e sociais dominantes sobre a produção e utilização do espaço
(MITCHELL, 1995). Nesse processo, as manifestações culturais e produções
artísticas também respondem aos processos de ‘diversidade seletiva’ e ordenamento
das relações sociais limitando, a partir de uma ordem econômica mercadológica, as
possibilidades de criação.
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No caso da região portuária do Rio de Janeiro, localizado próximo à região


central da cidade, incluindo os bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo, o processo
extrapola essa compreensão contemporânea de espaço público e engendra-se pelo
caminho da privatização do espaço público, tornando-o um espaço privado aberto.
O plano urbanístico atual para a área, apresentado em sua versão inicial em
2009, “Porto Maravilha”, surge em um novo contexto de ‘requalificação’ do espaço
em vistas a sede dos megaeventos que viriam nos anos seguintes. Nessa
perspectiva, a cidade passa a ser tratada como produto, difundida com o objetivo de
captar investimentos internacionais. O projeto de desenvolvimento da cidade se volta
estritamente à sua performance econômica, pautando as ações na lógica do
funcionamento de uma grande empresa (GOMES, 2012).
Para alcançar esses objetivos, a gestão municipal optou por uma Operação
Urbana Consorciada gerenciada por uma entidade específica, e ao que se entende
até então, autônoma das demais instâncias administrativas do município, a
Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro
(CEDURP). Outro fator que corrobora a essa percepção de espaço privado aberto é
a concessão das obras a um único consórcio, com a inclusão de alguns serviços
urbanos como limpeza e manutenção (ALBRECHT, 2012).
Para evidenciar esses processos de ordenamento, exclusão e privatização do
espaço público, analisemos uma das ações de intervenção urbana relacionada com
o espaço público e cultura é o Circuito da Herança Africana. O circuito foi criado a
partir dos achados arqueológicos no Cais da Imperatriz, os quais evidenciaram que
alí desembarcavam os escravos originários da Bahía e do Continente africano
(GUIMARÃES, 2014). Segundo entrevista concedida por representantes do Instituto
Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH), o circuito incluiu O Cais do Valongo, a Pedra
do Sal, Jardim Suspenso do Valongo, Largo do Depósito, Cemitério dos Pretos
Novos e Centro Cultural José Bonifácio.
Segundo as representantes do IRPH, embora haja o mapa do circuito, não há
marcos que oriente o visitante a percorrer e conhecer a história da herança Africana.
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Motivados pelo intercâmbio de uma americana especialista em cultura africana, o


grupo de trabalho, que não é o mesmo idealizador do circuito, propôs uma série de
marcos, sinalizações e memoriais para compor o circuito. Quando perguntadas
sobre qual a relação entre a proposta e os diversos atores locais, uma das
representantes disse ter apresentado a proposta ao Grupo de Trabalho Curatorial do
Circuito Histórico e Arqueológico da Herança Africana, criado em 2011. O grupo é
composto por representantes de instituições do circuito, representantes convidados
e passiveis de substituição, e um corpo fixo de membros do poder público (Decreto
Municipal 34.80). Portanto, o IRPH reduz a participação da criação desse circuito à
uma representação que, notoriamente, possui uma prevalência da gestão municipal,
tomando essa representatividade como um processo participativo.
No entanto, o processo de captura da cultura afro-brasileira e sua transformação
em imagem vendável de uma herança cultural fica mais evidente quando
observamos os marcos propostos, os quais possuem basicamente o papel de
ordenamento e controle da atuação nesse espaço público. Outro fator relevante
nesse processo de ordenamento também dessa herança cultural é a pouca ou
quase nenhuma interação entre essa proposta para o Circuito e a própria criação e
manutenção do mesmo pela CDUR. Quando, em entrevista, questionadas pela
relação do circuito e as demais ações realizadas no Porto Maravilha a resposta era
“isso fica a cargo da CDURP”, dando-nos a entender que as ações propostas pouco
tem relação com o próprio território, no sentido em que entendemos o espaço
público como as relações sociais que nele ocorrem.
Esse ordenamento e controle acaba por afastar a população que alí vivia, e os
que ainda resistem, aqueles herdeiros vivos dessa herança afro-brasileira, uma
população invisível também ao poder público, para permitir que “o carioca” posso
descobrir suas heranças históricas.
A partir da fala, encontrada em vários atores, públicos e privados, atuantes na
área do Porto Maravilha, sobre as possibilidades que o projeto do Porto Maravilha
abrem para “o carioca”, entendido como o morador da zona sul da cidade,
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percebemos, assim como Novais (2014), que a desigualdade não é uma questão
para esses atores e, portanto, aquelas relações que ainda resistem na região,
relações de um momento pré-porto maravilha, se tornam invisível e portanto alheias
a qualquer benefício proposto pelas políticas públicas construídas para essa região.
Desse modo, percebemos que a mudança ideológica na percepção do espaço
público, somada ao processo de privatização do espaço, ao projeto de cidade que
envolvem as sedes de megaeventos esportivos e a captura dos processos culturais
como imagem de uma herança africana vendável transformam simbolicamente o
espaço, mesmo que para o circuito especificamente não tenha havido grandes
transformações físicas, atribuindo força à uma percepção de espaço e a uma noção
de pertencimento voltada a uma “word class” de turistas e empreendedores e
enfraquecendo e invisibilizando a cultura afro-brasileira viva ainda existente no
território. Este seria um primeiro passo rumo a uma gentrificação simbólica do
espaço.

GENTRIFICAÇÃO NO PORTO MARAVILHA: ECONOMIA CRIATIVA COMO


RECURSO
Segundo Smith (2006), o processo de gentrificação pôde ser observado ainda
na década de setenta como uma dimensão central do novo urbanismo que surgia
naquele período. Para o autor, “a gentrificação implica no deslocamento dos
moradores das classes populares dos centros” (SMITH, 2006 pg 63). No entanto,
este processo sofreu algumas transformações ao longo do tempo e hoje ele
apresenta um “significado tangível de renovação econômica e cultural” (SMITH,
2006 pg 64). Desse modo, a gentrificação passou a não representar mais somente
uma estratégia de habitação, mas é a centralidade das mudanças metropolitanas
nas áreas centrais das cidades, sejam elas de pequeno ou médio porte. Nesse
sentido, ainda segundo Smith (2006), a gentrificação irá produzir paisagens urbanas
as quais a classe média e media alta podem ‘consumir’ a partir de um processo de
limpeza étnica e social dos territórios.
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Neste momento, nos interessa mais o processo simbólico da gentrificação, da


construção de nova identidade que corroborem com o processo de ‘limpeza’ do que
a própria questão habitacional, embora, em certa medida, essa esteja relacionada
àquela. Nesse sentido, é importante perceber que já foram realizadas algumas
tentativas de transformação da região portuária. Segundo Guimarães (2014), a
região recebeu ao longo do último século projetos urbanísticos que tinham como
centralidade a idealização de um passado português (GUIMARÃES, 2014), a partir
de uma macro-história que busca a autenticidade do lugar, sem que para isso
reconhecesse suas dinâmicas sociais e culturais.
Segundo a autora Roberta Guimarães, o último plano para a área (Plano
Porto do Rio), divulgado em 2001, trazia uma percepção do lugar enquanto ‘vazios’ e
‘abandonos’ em uma percepção macroanalítica na qual apenas levava em
consideração os aspectos industriais, e os edifícios públicos abandonados com a
transferência da capital do Brasil para Brasília. Os aspectos residenciais e
comerciais da região foram simplesmente ignorados, mas isso não significa que não
tenha havido resistência por parte dessa população invisibilizada.
Mas é a partir de 2009, impulsionado pelo momento de sede dos
megaeventos que viriam nos anos seguintes, que o atual projeto de transformação
urbana, Porto Maravilha, ganha a força, a adesão social e a justificativa de agilidade
necessária para implementar tais transformações que possuem como centralidade a
gentrificação, tanto no sentido de expulsão da classe mais pobre, quanto no sentido
de transformar aquele território em espaço consumível.
Para legitimar esse processo, um urbanismo culturalizado é invocado e
investimentos em escala industrial são realizados para iniciar a transformação
também da identidade cultural do lugar. O maior símbolo dessa transformação são
os museus do Amanhã, projetado pelo arquiteto do star system espanhol Santiago
Calatrava e o Museu de Arte do Rio, MAR. Além deles, outros microprocessos são
implementados para transformar as características simbólicas do lugar, como o caso
do circuito da Herança Africana, já apontado anteriormente, e o incentivo à
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instalação de coletivos e empresas chamadas criativas. Sobre essa última


estratégia, nos debruçaremos nos próximos parágrafos.
As empresas e coletivos criativos são aqueles que desenvolvem atividades
específicas produtoras de bens e serviços que têm como aspecto estruturador o
singular, o simbólico e o intangível – a arquitetura, o design e o audiovisual são bons
exemplos. Essas empresas e coletivos compõem aquilo que tem se configurado no
mundo todo como economia criativa. Esse termo tem sua origem em meados dos
anos 90; no entanto, sua prática não é recente e pode ser reconhecida
anteriormente a esse período, especialmente nos debates da Escola de Frankfurt
nos trabalhos de Adorno e Horkheimer.
Segundo John Howkins2, em recente entrevista para o site “Criaticidades”, a
economia criativa está relacionada a uma questão de compra e venda de
experiências ainda não vividas, e nessa perspectiva, a construção de espaços
urbanos consumíveis é fortalecida por essas atividades.
Para Garnier (2014), esse processo de gentrificação se relaciona com outro, o
da metropolização, uma uniformização das cidades cuja remodelação obedece a
critérios de atratividade e competitividade independente de qual seja esta cidade.
Nesse sentido, são valorizadas atividades de alta tecnologia, uma população
qualificada, habitantes e visitantes internacionais e equipamentos de alto nível, uma
elitização do direito a cidade, segundo o autor, e, em outras palavras, a atração de
uma ‘classe criativa’3.
Desse modo, seguindo uma tendência mundial, o Rio de Janeiro também é
inserido na rede de Distritos Criativos4. A gestão municipal e alguns atores locais
utilizam-se dessa chancela para impulsionar as transformações na região do porto,
seguindo a tendência já anunciada por Garnier (2014) ao falar de Marsella, de
converter as regiões industriais-portuárias e proletárias em uma capital de criação

2
Autor da primeira publicação inteiramente dedicada ao tema The Creative Economy: How
People Make Money From Ideas, Inglaterra, 2001
3
Termo cunhado por Richard Florida em A ascensão da classe criativa de 2002.
4
Rede DC Network
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que atraia capital e turistas ‘word class’. Do mesmo modo que em Marsella,
Barcelona, Nova York ou Berlim, tenta-se fabricar uma imagem da área portuária
como pós-industrial, limpa e criativa. Estratégias de marketing e Branding são
utilizadas assim como os museus servem de marca para uma região em que a
cultura é capturada e espetacularizada em uma forma totalmente descontextualizada
do território.
Com esses objetivos, os agentes municipais têm desenvolvido ações que
estimule o deslocamento dessas empresas e coletivos criativos da zona sul da
cidade para a região portuária, as estratégias são desde promessas de isenção
fiscal até incentivos como internet de fibra ótica ou a possibilidade de participar da
uma das maiores transformações urbanas do Rio contemporâneo.
No entanto, as atividades desenvolvidas nas empresas hoje já instaladas na
região são, em sua maioria, ligadas a área de comunicação, marketing e design e
muitos dos seus clientes são do setor tradicional da economia, sob a perspectiva da
criação e inovação, essas empresas pouco se relacionam com o território a que
pertencem. O que observamos é mais uma construção de um discurso emoldurado
pela ‘beleza cultural’ do que ações criativas voltadas a cultura ou a arte, que
desenvolvam alguma relação com o território. Nesse sentido, a partir do
entendimento de Sánchez (2012), Arantes (2009) e Vainer (2009), esse discurso
tende a formar um sentimento de pertencimento, de um consenso e sensação de
cidadania para uma elite, entendida como “o carioca”, capaz de mobilizar o
imaginário coletivo de forma hegemônica em torno do objetivo de transformar o
espaço. Em outras palavras, o ideário da ‘classe criativa’, da cultura e da arte é
utilizado como um véu sedutor para o processo de gentrificação instalado naquele
território.
Esse processo fica muito claro, quando em entrevista de campo com alguns
atores da chamada ‘classe criativa’, muitos deles se sentem pertencentes do
processo de transformação urbana, mas não reconhecem o processo de
gentrificação que ocorre em larga escala em localidades como o morro da conceição
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e da providência. Esses atores não só não reconhecem o processo de gentrificação,


mas também não se reconhecem como peça importante no processo. Essa ilusão de
transformação, limpeza e de um local livre para artistas e criativos é comprada sem
qualquer filtro crítico. Quando questionados sobre a possibilidade das
transformações urbanas, em curto prazo, impulsionarem os preços dos alugueis e
dos imóveis de forma geral, a ponto deles, possivelmente, não se manterem ali,
alguns dizem estar isentos dessa nova onda de gentrificação porque são
proprietários e outros entendem isso como uma anomalia do sistema (SMITH, 2006)
e pouco percebem que são eles a porta de entrada para um segundo processo de
gentrificação.
Esses dois momentos de gentrificação já foram observados em diversos
lugares no mundo, como o caso do Soho, em Nova York, nos anos setenta, em que
os artistas alí se instalaram pelos baixos preços do alugueis e tempos depois foram
também ‘expulsos’ pelo processo de especulação imobiliário. O mesmo ocorreu na
região Portuária de Barcelona, ou em Marsella.
O mais recente caso ocorre em Berlim, intensificado em 2011 na candidatura
Wowi a reeleição para prefeitura e com apoio o Partido Social Democrata (psd) que
apostam na internacionalização da cidade e na atração da chamada classe criativa.
Segundo artigo publicado no Times (SLOBODIAN e STERLING, 2013) apenas 20%
dos berlinenses recebiam alguma forma de assistência social enquanto as políticas
municipais voltavam-se a economia criativa, apostando na ampliação da Fashion
Week alemã. Outro artigo na Der Spiegel (apud SLOBODIAN e STERLING, 2013)
“noticiava que, enquanto o turismo se expandia, o prefeito vendia 110 mil unidades
residenciais de propriedade da prefeitura e cortava os subsídios de outras 28 mil”.
Segundo referido artigo, aluguéis subiram em 20% assim como o custo da moradia e
a taxa de desemprego na região.
A partir dessas experiências internacionais e dos processos de
transformações urbanas e simbólicas que temos observado na região portuária do
Rio de Janeiro, percebemos que o incentivo aos coletivos criativos pouco se
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relaciona com o estímulo à criação artística e cultural e sua relação com o território e
das relações sociais das quais emergem. O que temos observado é a tentativa de
transformar o território em espaço consumível com uma cultura internacionalizada e
deslocada de sua realidade social de modo a construir uma elitização do direito a
cidade, acessível apenas a uma classe social específica intitulada de ‘o carioca’.
Esse processo, conforme observamos, traz a economia criativa como véu que
encobre os mais profundos processos de gentrificação da região.

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XAVIER, Aline Gerente de Projetos especiais do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade. 14 de
novembro de 2014.
GUARANÁ, Fernanda. Diretora da FGuaraná Comunicação Estratégica e Fundadora do Coletivo do
Porto. 17 de novembro de 2014.
KRAICHETE, Daniel. Fundador do Distrito Criativo do Porto do Porto Maravilha e Diretor da empresa
Ampliativo. 22 de setembro de 2014.

SITES
09 a 11 de Novembro, Universidade Federal do Amazonas - UFAM
Manaus - Amazonas

www.portomaravilha.com.br
www.criaticidades.com.br

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