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Manaus - Amazonas
Amanda Wanis1
Resumo: Nas últimas décadas viemos acompanhando a ascensão das ideias sobre
economia criativa e sua difusão pelo mundo. No Brasil, tais ideias ganham força a
partir de 2009, momento em que o Brasil se torna centro das atenções mundiais por
sediar megaeventos esportivos. As ideias da chamada economia criativa reforçam o
caráter capitalista das produções culturais, intensificando o processo de
mercantilização da cultura, observados por Adorno desde meados do século
passado. Neste artigo, estabelecerei relações preliminares entre o incentivo às
empresas e coletivos criativos na área do porto maravilha, as transformações
simbólicas envolvidas nas transformações urbanas dessa região e em que medida
esses incentivos às chamadas classe criativas tem sido utilizada como estratégia
para a gentrificação na região.
INTRODUÇÃO
1
Doutoranda do programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade
Federal Fluminense (UFF) e Produtora Cultural do Instituto de Arte e Comunicação Social (IACS) da
UFF. awanis@gmail.com.
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estratégia de adesão social ao projeto de cidade que vem sendo implementado nos
últimos anos.
Neste artigo buscarei evidenciar como os ideários da economia criativa têm sido
utilizados como recurso no processo de gentrificação que ocorre na região
denominada Porto Maravilha. Em um primeiro momento, analisaremos a construção
por parte dos agentes municipais e coalizões dominantes da percepção de espaço
público, a relação essa percepção e a produção cultural urbana, assim como
algumas ações que evidenciam o processo de privatização e normatização do
espaço para possibilitar a fluidez do capital. Ainda nesse processo, perceber ações e
políticas voltadas a economia criativa que reforçam esse caráter além de ser um
recurso poderoso na aderência social a esse processo de cidade.
Em um segundo momento, analisarei alguns aspectos gentrificadores já
passíveis de observação no território, uma vez que esse é um processo em
andamento. Evidenciarei como as atividades ditas ‘criativas’ e os coletivos e
empresas estão contribuindo como um primeiro passo nesse processo.
Demonstrarei ainda que essa não é uma peculiaridade carioca, mas um processo
observado em outros locais no mundo, principalmente nesses momentos de grandes
transformações urbanas. Analisarei também, como esse discurso se alinha ao
momento de oportunidades que os gestores públicos e as coalizações dominantes
atribuem à cidade ser sede de megaevento esportivo.
percebemos, assim como Novais (2014), que a desigualdade não é uma questão
para esses atores e, portanto, aquelas relações que ainda resistem na região,
relações de um momento pré-porto maravilha, se tornam invisível e portanto alheias
a qualquer benefício proposto pelas políticas públicas construídas para essa região.
Desse modo, percebemos que a mudança ideológica na percepção do espaço
público, somada ao processo de privatização do espaço, ao projeto de cidade que
envolvem as sedes de megaeventos esportivos e a captura dos processos culturais
como imagem de uma herança africana vendável transformam simbolicamente o
espaço, mesmo que para o circuito especificamente não tenha havido grandes
transformações físicas, atribuindo força à uma percepção de espaço e a uma noção
de pertencimento voltada a uma “word class” de turistas e empreendedores e
enfraquecendo e invisibilizando a cultura afro-brasileira viva ainda existente no
território. Este seria um primeiro passo rumo a uma gentrificação simbólica do
espaço.
2
Autor da primeira publicação inteiramente dedicada ao tema The Creative Economy: How
People Make Money From Ideas, Inglaterra, 2001
3
Termo cunhado por Richard Florida em A ascensão da classe criativa de 2002.
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Rede DC Network
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que atraia capital e turistas ‘word class’. Do mesmo modo que em Marsella,
Barcelona, Nova York ou Berlim, tenta-se fabricar uma imagem da área portuária
como pós-industrial, limpa e criativa. Estratégias de marketing e Branding são
utilizadas assim como os museus servem de marca para uma região em que a
cultura é capturada e espetacularizada em uma forma totalmente descontextualizada
do território.
Com esses objetivos, os agentes municipais têm desenvolvido ações que
estimule o deslocamento dessas empresas e coletivos criativos da zona sul da
cidade para a região portuária, as estratégias são desde promessas de isenção
fiscal até incentivos como internet de fibra ótica ou a possibilidade de participar da
uma das maiores transformações urbanas do Rio contemporâneo.
No entanto, as atividades desenvolvidas nas empresas hoje já instaladas na
região são, em sua maioria, ligadas a área de comunicação, marketing e design e
muitos dos seus clientes são do setor tradicional da economia, sob a perspectiva da
criação e inovação, essas empresas pouco se relacionam com o território a que
pertencem. O que observamos é mais uma construção de um discurso emoldurado
pela ‘beleza cultural’ do que ações criativas voltadas a cultura ou a arte, que
desenvolvam alguma relação com o território. Nesse sentido, a partir do
entendimento de Sánchez (2012), Arantes (2009) e Vainer (2009), esse discurso
tende a formar um sentimento de pertencimento, de um consenso e sensação de
cidadania para uma elite, entendida como “o carioca”, capaz de mobilizar o
imaginário coletivo de forma hegemônica em torno do objetivo de transformar o
espaço. Em outras palavras, o ideário da ‘classe criativa’, da cultura e da arte é
utilizado como um véu sedutor para o processo de gentrificação instalado naquele
território.
Esse processo fica muito claro, quando em entrevista de campo com alguns
atores da chamada ‘classe criativa’, muitos deles se sentem pertencentes do
processo de transformação urbana, mas não reconhecem o processo de
gentrificação que ocorre em larga escala em localidades como o morro da conceição
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relaciona com o estímulo à criação artística e cultural e sua relação com o território e
das relações sociais das quais emergem. O que temos observado é a tentativa de
transformar o território em espaço consumível com uma cultura internacionalizada e
deslocada de sua realidade social de modo a construir uma elitização do direito a
cidade, acessível apenas a uma classe social específica intitulada de ‘o carioca’.
Esse processo, conforme observamos, traz a economia criativa como véu que
encobre os mais profundos processos de gentrificação da região.
REFERÊNCIAS
ENTREVISTAS
JABOR, Juliana Gerente de Intervenção Urbana do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade. 24 de
outubro de 2014.
XAVIER, Aline Gerente de Projetos especiais do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade. 14 de
novembro de 2014.
GUARANÁ, Fernanda. Diretora da FGuaraná Comunicação Estratégica e Fundadora do Coletivo do
Porto. 17 de novembro de 2014.
KRAICHETE, Daniel. Fundador do Distrito Criativo do Porto do Porto Maravilha e Diretor da empresa
Ampliativo. 22 de setembro de 2014.
SITES
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www.portomaravilha.com.br
www.criaticidades.com.br